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quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Terceira via e desenvolvimento econômico - Sergio Couri (FSP)

 Terceira via e desenvolvimento econômico 

Não bastam nomes, mas também ideias alternativas de gestão política, econômica e social.

TENDÊNCIAS / DEBATES

FSP, 9.ago.2022 às 10h00 

Sergio Couri

Embaixador, economista, advogado e escritor


Inquieta-me a expressã"terceira via", usada na Inglaterra a partir de Giddens, ou a "terceira posição" de Perón, na Argentina. Terceira via requer primeira e segunda, ao passo que o liberalismo e o socialismo são falsas dicotomias entre si. Nessa linha, só existe uma única via, a ser aperfeiçoada. Da mesma forma, desconforta-me a denominação "centro", por inautêntica. Alberga fisiologismos, permitindo a atores sociais e políticos defenderem-se de inconsistência e indefinição ideológicas e das práticas compatíveis. Fala-se demasiado de um "centro" indefinido.

O "centro" não está construído. É zona inexplorada. A maioria dos atores foge a identificar-se com "esquerda" ou "direita", para melhor resultado eleitoral. Também se diz de "centro-esquerda", quando se tem base eleitoral mais próxima ao salário mínimo, ou de "centro-direita", quando mais próxima às classes médias.

Centro não existe aprioristicamente. Precisa ser construído. Por isso costuma ser associado a um "ficar em cima do muro".

Parafraseando Clausewitz, acaba sendo o adiamento da "guerra" por outros meios. Por isso, é tema por demais abrangente para ser deixado apenas aos agentes políticos. Deve ser também tratado pelos pensadores e cientistas sociais, como engenharia social, que não prescinde de arquitetura. Não pode haver "centro" sem consistente ideário e programática de "centro".

"Centro", ou "terceira via", é contínua elaboração, porque o liberalismo puro ou histórico, herança dos séculos 17 e 18, nem sempre contribuiu à realização da liberdade. Quando o liberalismo existiu sem limites e controle, operou a favor dos mais fortes, e disso surgiram o capitalismo dito "selvagem" e os regimes autoritários, pois, para manter o liberalismo econômico, em certos momentos a ideologia liberal canibaliza suas faces política e civil, que têm de renascer das próprias cinzas.

De modo análogo, o socialismo puro, marxista ou utópico, nem sempre contribuiu para o avanço da igualdade e muito menos da liberdade, porque não foi feito para tanto.

Por outro lado, algumas "terceiras vias" ao longo da história, confrontadas por um de dois polos, enveredaram pelo nacionalismo extremo e pelo autoritarismo. Autoproclamavam-se "terceiras vias", mas cometeram o erro de pretender que o Estado fosse o juiz do conflito social, o que produziu resultados perversos, porque o mesmo é instrumento do poder; logo, nãé juiz imparcial, nãé o estágio mais alto da racionalidade, como quis Hegel. Ou se tornaram simples gangorras de benesses, como no caso dos diversos populismos.

Com miras àvindouras eleições, uma "terceira via" procura articular-se no Brasil como alternativa àradicalização e intolerância que se instalaram na sociedade brasileira.

Contudo, uma genuína terceira via não se fará tão somente com o lançamento de nomes alternativos, mas, sobretudo, com ideias alternativas de gestão política, econômica e social e de uma plataforma de ação que ponha o Brasil no rumo certo, ao ritmo desejável.

Não se construirá terceira via com a soma dos índices de rejeição aos nomes que a esquerda e a direita trazem ao ringue eleitoral, ou que não elabore e desenvolva certas interfaces, de modo a identificar com lucidez os problemas brasileiros e conceber estratégia pertinente de "fazer" público.

De assim não ser, estar-se-á desperdiçando rara oportunidade de sensibilizar a cidadania para a descoberta de fórmulas que permitam o compromisso e a conciliação.

O ponto de partida de um discurso e práxis de terceira via, e de seu "bloco histórico", outro não pode ser que o crescimento econômico, mola mestra do desenvolvimento. Concentração de esforços em um crescimento sustentável, como fonte de recursos para o desenvolvimento, para a maior setorialização e do Estado e do mercado na sociedade. Mas crescimento sustentável é também aquele que evite concentração de renda que possa levar a um capitalismo sem mercado, ou a critérios de dispersão de renda que findem por inibir um crescimento expressivo.

Desde os anos 1980, a taxa média de crescimento do PIB brasileiro situa-se em torno de 2%, o que, descontada do crescimento demográfico, não inferior a 1%, aponta taxa de desenvolvimento econômico menor que 1% ao ano, na linha de Harrod-Domar. Isso sem mencionar as margens de erro e os fakes. São as quatro décadas perdidas, sem arranque para um verdadeiro desenvolvimento.

Mais ainda, o crescimento está fortemente atrelado a fatores externos, como variações no preço das commodities e alguns outros produtos que disfarçam a falta de aparelhamento da economia para o crescimento autopropulsionado. Quando a maré internacional baixa, deixa à mostra esse iceberg, e o clamor aumenta pelas "reformas", medidas polêmicas que não renderão os resultados de curto prazo esperados por um país onde jánão existe espaço para o não crescimento.

 

Trata-se, portanto, de estratégia de crescimento a ser concebida e implementada com rigor merkeliano, protegida de ações desviáticas. A dramaticidade do tema não permite muitas digressões sobre prioridades, apenas sobre técnicas e instrumentos. O receituário se simplifica.

O primeiro item da receita é o redimensionamento do papel do Estado, ora inchado, ora desidratado. Ele deve ter por objetivo básico, além de suas funções clássicas, o de criar "externalidades" (benefícios diretos e transversos) para todos os demais atores econômicos, incluindo ele próprio. Ademais, a qualidade da gestão estatal no Brasil não recomenda excessiva confiança no papel do Estado como agente do desenvolvimento, a não ser pela via intrínseca das externalidades.

O segundo item é a definição do papel do mercado. Aos setores diretamente produtivos deve ser deixada a tarefa de capitanear o crescimento, pois são os que reúnem condições de fazê-lo com maior eficiência, cabendo ao Estado priorizar em sua política econômica o aumento seletivo da produção.

Postos os atores em seus devidos lugares, o Estado brasileiro partirá em busca do maior volume possível de capital de risco e financeiro com que promover a implementação de externalidades pelo Estado e a expansão produtiva pelo mercado. "Nessun dorma"!

Atratividade para investimentos diretos e indiretos, financiamentos externos e internos, venda de ativos não monetários, de títulos e obrigações do Tesouro; política de juros, câmbio e inflação em patamares compatíveis com a competição no mercado externo etc. merecem ação incansável, mormente considerando-se o baixo grau de poupança e liquidez de uma economia exaurida por um crescimento inexpressivo.

Esforço intimamente ligado ao crescimento será o de aumentar a fatia do Brasil como "parceiro global" ("global partner" e "global trader"), condizente com ser uma das 15 maiores economias do mundo, preferivelmente sem reprimarização da pauta de exportações. A participação do Brasil no comércio internacional desceu do já pífio 1% dos anos 1970, o que pode marginalizá-lo no mercado globalizado.

Finalmente, não há como fugir a prioridades na definição de metas e projetos para a ação direta ou indutiva do Estado, com rígido controle do desempenho, dos mais diversos prismas, num país onde a máquina pública não dispõe de "esteiras de transmissão" eficientes.

Propósitos de terceira via que puderem percorrer essa distância entre o presente e o futuro no mais breve tempo possível serão os únicos dignos no Brasil de hoje e não deixariam de ser acessíveis às atuais "primeira" e "segunda" vias.

 

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