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sábado, 20 de agosto de 2022

A política externa nos programas de Bolsonaro e Lula - Duda Teixeira (Crusoé)

 Na Crusoé desta terceira semana de setembro de 2022:

A política externa nos programas de Bolsonaro e Lula

Bolsonaro e Lula adaptaram seus programas de governo ao longo dos anos, mas enquanto a campanha do presidente alivia a carga ideológica, os petistas repetem os mesmos erros

Revista Crusoé, 19/08/2022 

DUDA TEIXEIRA


Disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral, TSE, os programas de governo costumam ser ignorados pela população e, não raro, até pelos próprios candidatos. Alguns nem sequer sabem o que está escrito lá. Mas, por esses textos serem elaborados por assessores graduados, eles permitem vislumbrar os debates que ocorrem dentro dos gabinetes e antever o que seus candidatos podem vir a fazer, em caso de vitória. Na área de política externa, o programa de governo de Jair Bolsonaro traz uma importante melhora em relação ao que foi apresentado em 2018. No documento petista, antigos chavões que nunca apresentaram bons resultados continuam presentes, ainda que tomando cuidados para não suscitar reações indignadas.

Quando Bolsonaro tentou pela primeira vez a Presidência, há quatro anos, seu programa colocava a diplomacia a serviço de valores próprios. “Deixaremos de louvar ditaduras assassinas e desprezar ou mesmo atacar democracias importantes como EUA, Israel e Itália. Não mais faremos acordos comerciais espúrios ou entregaremos o patrimônio do povo brasileiro para ditadores internacionais”, dizia o texto. Bolsonaro perfilava-se, então, como um representante dos brasileiros que sentiam repulsa pelos empréstimos do BNDES para obras nas ditaduras de Venezuela e Cuba e pela escravidão no programa Mais Médicos. Estados Unidos e Israel eram citados porque seus líderes, Donald Trump e Benjamin Netanyahu, tinham afinidade com Bolsonaro. Na Itália, Matteo Salvini, de extrema-direita, simpático ao brasileiro, era vice-primeiro ministro. O programa ainda prometia uma “ênfase nas relações e acordos bilaterais”, sem dar atenção para as organizações multilaterais.

O atual programa está mais circunspecto. Fala-se em promover uma interação com países “que se encaixem no ambiente democrático”, mas sem ataques diretos a ditaduras. Em vez de relações bilaterais, o programa valoriza acordos e organizações internacionais. “O país se destaca como defensor histórico de uma ordem global multipolar, alicerçada no direito internacional e centrada na Carta das Nações Unidas”, diz o texto.

Uma das explicações para essa atenuação do discurso está na saída, em março do ano passado, de Ernesto Araújo do Ministério de Relações Exteriores, de onde ele atacava o “comunavírus” e o “globalismo”. O diplomata Carlos França, que o substituiu, passou a comandar uma diplomacia mais pacata e mais ao estilo do Centrão. “Este programa marca uma ruptura com o anterior, porque a ideologia deixou de ordenar a política externa”, diz o especialista em relações internacionais Heitor Erthal, pesquisador do Observatório de Regionalismos, que faz análises dos programas de governo. “O Carlos França trouxe de volta alguns princípios tradicionais do Itamaraty, como o da não intervenção em questões externas e a resolução pacífica dos conflitos. Isso deu um ar maior de normalidade.”

Também contribuiu o fato de que Estados Unidos, Israel e Itália tiveram trocas de governo e Bolsonaro não tem o mesmo entrosamento com o americano Joe Biden, os israelenses Yair Lapid e Naftali Benett e os governantes italianos que vieram depois, como Mario Draghi. Assim, aquilo que eram relações pessoais ou entre governos, e não entre estados, desmoronou. Por fim, o atual presidente viajou para Rússia, Hungria, Bahrein, Emirados Árabes e Catar, o que inviabilizou as críticas a ditaduras.

O programa da coligação que apoia Lula traz em negrito a ideia de recuperar uma “política externa ativa e altiva”, que “nos alçou à condição de protagonista global”. A expressão foi cunhada e propalada por Celso Amorim, que foi chanceler de Lula entre 2003 e 2010. Uma de suas principais marcas foi a negociação com a teocracia iraniana, que resultou em um acordo com a Turquia sobre o destino do urânio enriquecido — uma parte dele seria entregue a Ancara, para evitar que Teerã quantidade suficiente para fabricar bombas atômicas. Festejado pelos petistas como um grande feito, o tal acordo foi ignorado por todas as grandes potências. Como chanceler, Amorim também fortaleceu os laços com os ditadores cubanos Fidel e Raúl Castro, com o venezuelano Hugo Chávez e com o cocaleiro boliviano Evo Morales. Nesse trabalho, embora no comando do Itamaraty, ele precisou se submeter ao assessor da presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, um velho quadro do PT que faleceu em 2017. Nenhum desses países latino-americanos é citado no programa do PT, mas a intenção de retomar as conversas com eles transparece. O PT propõe reconstruir “a cooperação internacional Sul-Sul com América Latina e África” e “fortalecer novamente o Mercosul, a Unasul, a Celac e os Brics”. Em entrevistas, Amorim também defende a retomada de relações diplomáticas com a ditadura do venezuelano Nicolás Maduro.

A Unasul é uma das principais incógnitas. Esse grupo foi criado em 2008 pelo venezuelano Chávez basicamente para projetar influência em países governados pela esquerda na região. Sem mostrar utilidade, afundada em dívidas e atacada por sua cumplicidade com autocracias, a Unasul foi abandonada por diversos países, incluindo o Brasil, em 2019. Sua sede em Quito, no Equador, foi desativada. Estaria o PT querendo ressuscitar esse bloco que teve uma função majoritariamente ideológica aproveitando-se da vitória de partidos de esquerda na América Latina? Pois é exatamente isso. Celso Amorim disse no ano passado que a Unasul vai reviver: “A volta de governos progressistas na América do Sul propicia, obviamente, o retorno da Unasul”.

Amorim está, portanto, na contramão de Bolsonaro, que esvaziou a diplomacia ideológica. Outro ponto do programa petista fala em retomar políticas “como o Mais Médicos”. Cuba abandonou o projeto no final de 2018, porque Bolsonaro denunciava o confisco dos salários dos profissionais cubanos. Apesar disso, a assistência médica em áreas remotas e de periferia foi mantida com médicos brasileiros e estrangeiros recebendo salário integral. Cuba, curiosamente, não aparece nas perguntas que jornalistas fazem ao ex-chanceler, que só fala com blogueiros aliados. Numa possível vitória de Lula, se Amorim não se tornar ministro, ele deve sair-se como assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, no mesmo modelo do cargo que ocupou Marco Aurélio Garcia. Enquanto a diplomacia bolsonarista aprendeu algo depois de provar as turbulências da Presidência, a petista sempre volta ao mesmo lugar errado.

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