A próxima campanha presidencial no Brasil deverá incluir uma
discussão sobre como cada candidato pretende defender os interesses do
Brasil no exterior. A atuação internacional do Brasil é muito maior hoje
do que em qualquer momento de sua história, tornando o tema um
elemento-chave da estratégia global de qualquer governo. As tropas
brasileiras estão no Haiti, o Banco Nacional de Desenvolvimento do
Brasil (BNDES) empresta dinheiro a nível internacional, o Brasil
aumentou o número de suas embaixadas na África e participou da criação
dos grupos BRICS e UNASUL.
Esta forte presença internacional
levanta questões importantes. Por exemplo, o que o foco direcionado do
Brasil na África tem realmente alcançado na última década? Fazer parte
do grupo BRICS pode aumentar a influência global do Brasil? Como podemos
convencer os nossos vizinhos de que a ascensão do Brasil é boa para
eles também? Qual é a visão a longo prazo do Brasil para a região? Qual é
a função da ajuda brasileira ao desenvolvimento, da UNASUL e do
Mercosul nesta visão regional? Como o Brasil pode melhor promover a
estabilidade política e econômica na América Latina? Como o Brasil
deveria lidar com a instabilidade na Venezuela e as violações de
direitos humanos em Cuba?
Diante disso, todos os candidatos devem
ser capazes de criticar a política externa do Brasil durante a
presidência de Dilma Rousseff. Em comparação com FHC e Lula, que
deixaram suas marcas no compromisso internacional do Brasil, a política
externa da presidente tem sido uma política sem brilho. Diplomatas
estrangeiros lamentam privadamente que ela não parece se importar muito
com questões internacionais. Enquanto os Ministros das Relações
Exteriores de FHC e Lula prosperavam, o Itamaraty foi rebaixado por
Rousseff, e foi dado pouco espaço para o Ministro Patriota tomar
iniciativa. O atual Ministro das Relações Exteriores, Figueiredo, parece
ter maior acesso à Presidente, mas ele dificilmente é um de seus
principais assessores. Os discursos de Dilma na Assembleia Geral da ONU,
grandes oportunidades de articular a visão do Brasil, não foram
inspiradores.
O que Aécio Neves, candidato do Partido da Social
Democracia do Brasil (PSDB) faria se ele fosse eleito presidente? De
todos os candidatos, é o ex-governador de Minas Gerais que articulou a
crítica mais forte à atual política externa dos últimos governos. Sob as
presidências tanto de Lula quanto Rousseff, Aécio argumenta que o
Brasil tem mantido laços excessivamente cordiais com regimes
autoritários como Cuba e Irã e tem feito muito pouco para promover os
direitos humanos e a democracia. Da mesma forma, ele argumenta que
convidar Chávez da Venezuela para participar do Mercosul foi um erro.
Finalmente, segundo Aécio, o Brasil errou ao aceitar expropriações de
refinarias da Petrobras na Bolívia - dando a entender que a resposta do
Brasil foi, em grande parte, determinada por simpatias ideológicas do
governo com o esquerdista Evo Morales da Bolívia.
Em questões
internacionais, ele parece acreditar que a ênfase do Brasil em
fortalecer os laços com outras potências emergentes e África foi mal
concebida, com tendências ideológicas e não necessariamente a serviço do
interesse nacional brasileiro.
Aécio Neves, portanto, não apenas
critica a política externa do governo, mas também oferece alternativas
relativamente claras: o Brasil deve deixar de cultivar laços estreitos
com Cuba, Venezuela e outros governos de esquerda na região e adotar um
tom mais crítico a esses países. Deve também condenar abertamente as
violações de direitos humanos em Cuba e pedir a libertação de todos os
presos políticos do governo Castro. O Brasil pode ainda gastar menos
tempo estreitando os laços com o Sul Global e buscar consolidar sua
relação com os Estados Unidos.
No entanto, mesmo sendo de alguma
maneira construtiva, sua crítica é baseada no pressuposto maior que toda
a política externa do Brasil baseia-se em fundamentos ideológicos
puramente de esquerda - uma reivindicação questionável considerando que a
política externa mudou relativamente pouco quando o presidente Lula
assumiu, em 2002, em comparação com o governo anterior. Nem o presidente
Itamar Franco, nem Fernando Henrique Cardoso criticaram Fidel Castro
abertamente (mesmo que Luiz Felipe Lampreia tenha uma vez insistido em
conhecer uma figura da oposição durante uma viagem a Cuba). Na mesma
linha, o primeiro presidente a propor a participação da Venezuela no
Mercosul foi FHC. As estreitas relações do Brasil com a Venezuela
durante a última década podem ser explicadas por interesses econômicos
do Brasil, não por uma forte ligação ideológica. Dilma Rousseff
desprezou o estilo abrasivo de Hugo Chávez e critica a gestão econômica
do presidente Maduro.
Por fim, diversificar parcerias e construir
uma presença diplomática mais forte no mundo em desenvolvimento - que
gerou muitos benefícios para o Brasil - também foi uma iniciativa de
Fernando Henrique Cardoso. Lula, de maneira muito habilidosa, continuou e
intensificou a estratégia. A participação brasileira no grupo do BRICS é
uma estratégia pragmática e, contrário ao que argumentam alguns
comentaristas conservadores, não motivada por questões ideológicas ("Os
benefícios do grupo BRICS para o Brasil"). A política externa atual do
Brasil pode ser menos ideológica do que algumas das críticas de Aécio
Neves sugerem. A decisão de Lula de negociar com o Irã em 2010 foi muito
mais uma tentativa (correta, ao meu ver) de fortalecer a projeção
global do Brasil do que uma prova de alinhamento com Mahmoud Ahmadinejad
- embora os radiantes sorrisos de Lula com o presidente do Irã, fazendo
manchetes em todo o mundo, podem, de fato, ter enviado uma mensagem
errada para o público global.
Tudo isso não significa que toda a
crítica de Aécio seja equivocada. Por exemplo, ele tem razão em apontar
que os laços com os Estados Unidos chegaram a um ponto baixo no final do
segundo mandato de Lula, mesmo que o Ministro Patriota, no governo
Dilma tenha conseguido normalizar boa parte das relações antes do
escândalo de espionagem desfazer a sua obra. Aécio Neves criticou a
decisão de Dilma de cancelar a visita de Estado, dizendo que não ter ido
à Casa Branca pode ter feridos interesses comerciais. Diante do
contexto político do escândalo de espionagem, porém, a decisão da
Presidente cancelar sua viagem foi razoável, e parece pouco provável que
interesses comerciais sofreram como consequência.
Quanto à
abordagem regional da Aécio, duas questões se destacam. Primeiro de
tudo, uma postura mais assertiva pró-direitos humanos e pró-democracia
poderia conduzir Estados menores a ver o Brasil como um hegemon
regional? Como Aécio teria certeza de que criticar o governo venezuelano
não afetaria os interesses comerciais sólidos do Brasil lá? Afinal,
mesmo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) apoiou a
entrada da Venezuela no Mercosul, e os laços estreitos de Lula com
Chávez protegeram os investimentos brasileiros contra a interferência
política na Venezuela até o momento. Por outro lado, isso parece impedir
que o Brasil desempenhe um papel construtivo como mediador-chave, uma
vez que a Venezuela enfrenta um conflito interno profundo. Mais
importante ainda, ele não só criticaria abusos de direitos humanos
cometidos por governos de esquerda (como Venezuela e Cuba), mas também
por governos conservadores, como do ex-presidente Uribe?
Em
segundo lugar, como exatamente ele pretenderia influenciar a política de
Cuba? Considerando que um embargo dos EUA não desestabilizou o regime
cubano, nem o tornou mais liberal, isolar Cuba é a estratégia correta
para o Brasil? Como defenderia os interesses econômicos brasileiros na
ilha? Isso remete a uma das questões mais complexas nas relações
internacionais: Como os países democráticos liberais devem lidar com os
países não democráticos? Devemos procurar mudá-los através envolvimento
com eles (como as diferentes vertentes de pensamento liberal sugerem) ou
do isolamento? Ou devemos nos abster de influenciar assuntos internos
de outros países (o que reflete uma abordagem mais realista)?
Ainda
assim, não é claro em que medida Aécio prevê uma "política externa
pragmática" (termo que ele usa frequentemente) baseada em interesses
estratégicos e econômicos do Brasil ou uma política externa mais
orientada por valores que promovem a democracia e os direitos humanos
(mesmo que arrisque ferir interesses empresariais brasileiros). Se for o
último, o termo "pragmático" parece estar fora do lugar. Nesse caso,
ele teria que explicar como ele lidaria com crescentes laços econômicos
do Brasil com cleptocracias como Angola ou a Guiné Equatorial, ou com
ditaduras como a China.
Como a atuação internacional do Brasil
aumentará na próxima década, e como o bem-estar dos cidadãos brasileiros
será cada vez mais afetado pela estratégia de política externa do
Brasil, discutir profundamente estas questões é fundamental -
independentemente do apoio ou não à linha de argumentação de Aécio
Neves, é preciso fortalecer o debate sobre a política externa e obrigar
cada candidato a defender a sua estratégia.
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