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sábado, 25 de dezembro de 2021

Sistemas políticos liberais e i-liberais, segundo Augusto de Franco

 Uma abordagem inteligente dos sistemas e atores liberais ou i-liberais, a partir do modelo Variedades de Democracia da Universidade de Gotemburgo, aperfeiçoado e exemplificado por Augusto de Franco.

Paulo Roberto de Almeida 


Classificando as forças políticas sem usar as noções de esquerda e direita

Ensaiemos uma nova classificação dos atores políticos (inspirada na classificação do V-Dem dos quatro tipos de regimes políticos: democracia liberal, democracia eleitoral, autocracia eleitoral e autocracia fechada ou não-eleitoral). Claro que isso pode ser apenas uma inspiração: os critérios (ou indicadores) de democracia que permitem a classificação do V-Dem nos quatro tipos acima não se aplicam a atores políticos (ou forças políticas). Podemos ter autocratas eleitorais no governo (como Trump) em democracias liberais (como os EUA). Podemos ter autocratas eleitorais fora do governo (como Farage, Salvini e Le Pen) em democracias liberais (como Reino Unido, Itália e França). Podemos ter autocratas eleitorais no governo (como Bolsonaro e Duda) em democracias eleitorais (como Brasil e Polônia).

Feita a ressalva, vamos à classificação proposta:

Como mostra o diagrama acima, os democratas podem ser classificados em dois tipos: liberais e eleitorais.

Os autocratas também podem ser classificados em dois tipos: os eleitorais e os não-eleitorais.

Os democratas liberais, por sua vez, podem ser classificados em dois tipos: os radicais e os formais.

Exemplos de democratas eleitorais radicais: Efialtes, Péricles, Aspásia, Protágoras, Spinoza, Dewey, Arendt…

Exemplos de democratas liberais formais: Merkel e Scholz (na Alemanha), Quesada (na Costa Rica), Kishida (no Japão), Jacinda Ardern (na Nova Zelândia), Gahr Store (na Noruega).

Os democratas eleitorais podem, igualmente, ser classificados em dois tipos: os formais (ou não-populistas) e os neopopulistas.

Exemplos de democratas eleitorais formais: Antonio Costa (em Portugal), Milanovic (na Croácia), Saied (na Tunísia), Piñera (no Chile), Lacalle Pou (no Uruguai).

Exemplos de democratas eleitorais neopopulistas: Evo e Arce (na Bolívia), Correa (no Equador), Lugo (no Paraguai), Funes (em El Salvador), Lula (no Brasil), Castillo (no Peru) e Zelaya em famiglia (em Honduras).

Os autocratas eleitorais podem ser classificados em dois tipos: os neopopulistas e os populistas-autoritários (ou nacional-populistas).

Exemplos de autocratas eleitorais neopopulistas: Maduro (na Venezuela), Ortega (na Nicarágua), Lourenço (em Angola).

Exemplos de autocratas eleitorais populistas-autoritários: Orbán (na Hungria), Erdogan (na Turquia), Jarosław e Lech Kaczyński e Duda (na Polônia), Salvini (na Itália), Le Pen (na França), Farage (no Reino Unido), Trump (nos EUA), Modi (na Índia), Duterte (nas Filipinas), Bolsonaro (no Brasil).

Os autocratas não-eleitorais são os velhos ditadores já conhecidos (remanescentes do século 20).

Exemplos de autocratas não-eleitorais: Dias-Canel (em Cuba), Xi-Jinping (na China), Bin Salman (na Arábia Saudita), Bashar al-Assad (na Síria), Omar al-Bashir (no Sudão).

Os campos hachurados em cinza claro no diagrama são i-liberais.

Para que serve essa classificação?

Em primeiro lugar para escapar da categorização vazia, elaborada a partir da posição relativa no espectro político ou político-ideológico (levando em conta o conteúdo das ideias esposadas ou apresentadas): extrema-esquerda, esquerda, centro-esquerda, centro-direita, direita, extrema-direita – adotando agora como critério o comportamento político. Se alguém se perde nessas categorizações “tomográficas” descritivas das forças políticas não leva em conta as categorias analíticas capazes de explicar comportamentos políticos.

O problema não é se você pronuncia ou escreve as palavras ‘esquerda’ e ‘direita’ e sim se você usa essas categorias equívocas para analisar comportamentos políticos. Por exemplo, podemos encontrar comportamento político populista na esquerda e na direita: o peruano Castillo (de esquerda) e o americano Trump (de direita) são populistas. Outro exemplo: Antonio Costa em Portugal é considerado mais de esquerda e Sebastião Piñera no Chile é considerado de direita (ver imagem que ilustra este artigo), mas ambos são democratas eleitorais formais (não-populistas) e é isso que é fundamental para analisar o funcionamento dos regimes onde governam.

Voltando à inspiração da classificação do V-Dem. O que é relevante para a análise é se uma força política é democrático-liberal (radical ou formal), democrático-eleitoral (não-populista ou neopopulista), autocrático-eleitoral (neopopulista ou populista-autoritária) ou autocrático-fechada (não-eleitoral).

Todas as classificações que partem de uma posição relativa no espectro são equívocas: dependendo da configuração do ambiente político, alguém que é de direita pode ser encarado como extrema-direita, alguém que é de extrema-esquerda pode ser só de esquerda, alguém que é de esquerda pode ser tomado como de centro-esquerda… e por aí vai. Alguém achará uma direita e uma esquerda até no Vaticano e um democrata-liberal formal no PSTU será considerado como “de direita”. Isso não esclarece, confunde.

Caímos nesse “método” de interpretação da realidade a partir da revolução francesa, que não reinventou a democracia na época moderna, mas em compensação inventou de dividir o mundo em esquerda e direita. Na verdade, inventou a esquerda. E aí a esquerda inventou a esquerda e, pelo mesmo movimento, a direita. São conceitos de guerra, não de política. É sempre uma demarcação de campos para orientar ações de conquista ou destruição. Mas vá-se lá dizer-lhes!

Em segundo lugar, a classificação aqui proposta serve para revelar que o comportamento político é função dos graus de liberalismo político (que vai, numa escala descendente, dos democratas liberais radicais aos autocratas não-eleitorais). Há uma mancha i-liberal cobrindo parte dos democratas e todos os autocratas. A ​presente classificação serve para mostrar que democratas eleitorais podem ser i-liberais (bastando, para tanto, que sejam populistas, no caso, neopopulistas – e a palavra ‘neopopulista’ é usada aqui para estabelecer uma diferença entre os velhos populismos, associados à demagogia, ao assistencialismo e clientelismo e à irresponsabilidade fiscal, e os novos populismos florescentes no século 21).

Em terceiro lugar a classificação serve para mostrar que, mesmo entre os democratas liberais, há uma distinção entre os radicais (ou inovadores – quer dizer dizer, entre os que apostam na continuidade do processo de democratização para alcançar as democracias que queremos) e os formais (que dão ênfase à manutenção do Estado democrático de direito ou à defesa da democracia que temos).

Quatro notas de rodapé para encerrar (ou começar):

1 – Na distinção entre democratas liberais radicais e formais, deve ficar claro que a defesa da democracia que temos é condição necessária para alcançarmos as democracias que queremos.

2 – A palavra ‘radical’ aqui não significa sectário, estreito ou extremista e sim, no seu sentido literal, ir à raiz da concepção democrática originária e aponta para uma conexão (ou fusão) entre o liberalismo antigo (dos democratas atenienses que tomavam a liberdade como sentido da política) e o liberalismo político dos modernos. É o imaginário lugar do pensamento onde Locke, Montesquieu, Tocqueville, Constant e Stuart Mill podem se encontrar com Clístenes, Efialtes, Péricles, Aspásia, Antífon, Crátilo, Górgias, Hípias, Pródigos, Protágoras, Trasímaco, talvez Alcídamas, Licofronte e o Anônimo Jâmblico. Ou seja, o sentido da política não é a ordem, ainda quando seja uma nova ordem mais justa – e sim a liberdade.

3 – Democracias liberais também podem ser parasitadas por populismos, embora isso seja mais difícil de ocorrer do que numa democracia (apenas) eleitoral. As democracias liberais metabolizam as forças políticas populistas (sejam democráticas ou autocráticas) confinando-as mais facilmente nas margens do espectro político (ou impedindo que elas ocupem o centro de gravidade em torno do qual a política institucional vai orbitar). As democracias (apenas) eleitorais estão sempre em risco de decaírem para autocracias eleitorais e não têm proteção tão eficaz contra os populismos.

4 – Faltaram exemplos recentes de democratas liberais radicais? Pois é… No fundo, no fundo, foi isso que inspirou este artigo.

sábado, 18 de dezembro de 2021

Deterring Dictatorship: Explaining Democratic Resilience since 1900: a working paper of Democracy Institute, University of Gothenburg

O mundo recua para a DITADURA: uma representação dramática desta evolução, pois mais países estão hoje na tendência da autocratização do que na de democratização. Este quadro figura no Apêndice do estudo abaixo: 

 https://papers.ssrn.com/sol3/Delivery.cfm/SSRN_ID3605368_code2397318.pdf?abstractid=3605368&mirid=1

Deterring Dictatorship: Explaining Democratic Resilience since 1900

40 Pages Posted: 19 May 2020

Vanessa Alexandra Boese

University of Gothenburg - V-Dem Institute

Amanda B. Edgell

University of Gothenburg

Sebastian Hellmeier

affiliation not provided to SSRN

Seraphine F. Maerz

University of Gothenburg

Staffan I. Lindberg

University of Gothenburg - Varieties of Democracy Institute; University of Gothenburg - Department of Political Science

Date Written: May 2020

Abstract

Democracy is under threat globally from democratically elected leaders engaging in erosion of media freedom, civil society, and the rule of law. What distinguishes democracies that prevail against the forces of autocratization? This article breaks new ground by conceptualizing democratic resilience as a two-stage process, whereby democracies first exhibit resilience by avoiding autocratization altogether and second, by avoiding democratic breakdown given that autocratization has occurred. To model this two-stage process, we introduce the Episodes of Regime Transformation (ERT) dataset tracking autocratization since 1900. These data demonstrate the extraordinary nature of the current wave of autocratization: Fifty-nine (61%) episodes of democratic regression in the ERT began after 1992. Since then, autocratization episodes have killed an unprecedented 36 democratic regimes. Using a selection-model, we simultaneously test for factors that make democracies more prone to experience democratic regression and, given this, factors that explain democratic breakdown. Results from the explanatory analysis suggest that constraints on the executive are positively associated with a reduced risk of autocratization. Once autocratization is ongoing, we find that a long history of democratic institutions, durable judicial constraints on the executive, and more democratic neighbours are factors that make democracy more likely to prevail. 

Boese, Vanessa Alexandra and Edgell, Amanda B. and Hellmeier, Sebastian and Maerz, Seraphine F. and Lindberg, Staffan I., Deterring Dictatorship: Explaining Democratic Resilience since 1900 (May 2020). V-Dem Working Paper 101, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3605368 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3605368