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sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

A verdadeira chanceler do Brasil: Tereza Cristina, ministra da Agricultura (Veja)

Apenas um trecho, a última frase desta matéria da Veja, sobre quem seria uma melhor chanceler para o Brasil, aliás, a primeira mulher a ocupar o cargo.
Na Índia, "Ernesto Araújo e Tereza Cristina farão apresentações, no dia 27, num seminário para atrair investimentos. Há pouca dúvida quanto a quem será mais aplaudido."
Isso é evidente...
Paulo Roberto de Almeida

Titular da Agricultura ocupa o vácuo de Araújo e coleciona apoio internacional (e de membros do governo) como o nome de bom-senso do Brasil no exterior
Por Victor Irajá
Veja, 22/01/2020

Se a ministra Tereza Cristina fosse lojista, não perguntaria ao cliente seu credo ou sua ideologia — muito menos atentaria para a cor da pele ou a orientação sexual do comprador. A avaliação bem-humorada é de membros do próprio Ministério da Agricultura, pasta comandada por Tereza, quando provocados a se manifestar sobre a chefe. Distante das hordas ideológicas que infestam o governo — com o entusiasmado apoio do presidente —, a ministra tem a preocupação de vender, vender cada vez mais.

Empenhada em obter o respaldo do mercado internacional para os produtos brasileiros, e em contornar as caneladas do titular do Itamaraty, Ernesto Araújo, Tereza Cristina vem conquistando o apoio de representantes diplomáticos mundo afora — e amealhando entusiastas de seu trabalho dentro do Executivo. O resultado pode ser visto nos acordos fechados por ela com países de diferentes orientações políticas — como China e Alemanha — e no recorde do volume exportado de itens agrícolas. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo, o ano passado foi o melhor da história do Brasil para os empresários do campo.

Um fato recente ratifica a postura pragmática da ministra. Quando desembarcou em Brasília ao raiar do último dia 7, ela foi atingida por uma enxurrada de ligações. Membros do governo a procuravam, desesperados com a nota do Itamaraty de “apoio à luta contra o flagelo do terrorismo”, emitida depois da morte, por ação dos Estados Unidos, do general iraniano Qasem Soleimani. Visitando a filha em território americano, a chefe da Agricultura não havia lido o posicionamento oficial da diplomacia nacional sobre o episódio, ocorrido no dia 3. Na volta ao país, sua agenda foi subtraída por uma série de reuniões com representantes agrícolas e membros do Executivo preocupados com o alinhamento da chancelaria às decisões tomadas pelo presidente Donald Trump. Incomodada, Tereza classificava a nota do Ministério das Relações Exteriores como “fora do tom” e exibia dados de exportações para o Irã, com o qual o Brasil tem um superávit de mais de 2 bilhões de dólares — trata-se de um dos maiores importadores de carne do país.

Não é segredo em Brasília que existe hoje um clima de tensão controlada entre o chanceler e sua “substituta”. Para membros da pasta da Agricultura, os textos explosivos de Araújo vêm atrapalhando os esforços da ministra para melhorar as relações com o Oriente Médio e contornar os impactos da disputa comercial travada por americanos e chineses. Foi ela quem costurou a manutenção das relações com a China e a Liga Árabe no ano passado, quando Bolsonaro e seu chanceler flertavam com o rompimento. Tereza Cristina convenceu Araújo da importância de ambas as frentes para o agronegócio nacional e se empenhou ainda pela permanência da embaixada do Brasil em Tel Aviv, enquanto o presidente batia o pé pela transferência para Jerusalém. Infelizes com Araújo, generais estrelados no Planalto têm procurado a titular da Agricultura para resolver trapalhadas diplomáticas — entre eles, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, um dos poucos a quem Jair Bolsonaro dá ouvidos.

Desde o início de sua gestão, a ministra — uma engenheira-agrônoma de 65 anos, nascida em Campo Grande (MS) e reeleita deputada federal em 2018 (DEM) — acumula milhagens atrás de investimentos e novos compradores. Atravessou o planeta dedicando seu tempo aos aliados mas também a governos reticentes com Bolsonaro, como o da França. Pela atuação, Tereza ganhou a pecha de “chanceler pragmática”. Bem avaliada na Câmara e no Senado, ela sabiamente rejeita a alcunha para não causar ciúme no comandante do Itamaraty, malquisto pelo Congresso.

Na terça-feira 14, depois de enfrentar uma pesada agenda, a ministra embarcou para a Alemanha, onde participaria de uma rodada de encontros entre os principais produtores e ministros da Agricultura do mundo. Lá, discutiu o acirramento das sanções ao Irã anunciadas pelos Estados Unidos. Ela avalia que o castigo comercial prejudica o Brasil, que, se negociar com empresas iranianas, poderá sofrer reações duras dos EUA, o que atrapalhará um acordo para liberar a exportação de carne brasileira aos americanos, vedada desde 2017.

Durante as reuniões, Tereza Cristina assinou um termo de cooperação técnica na agricultura com os alemães e marcou conversas com representantes da Holanda, da Ucrânia e da Itália para deliberar sobre o aumento das tensões no Oriente. No berço do nazismo, quando instada a se posicionar sobre a nota da embaixada alemã a respeito do simulacro de Goebbels feito pelo ex-secretário de Cultura Roberto Alvim, resumiu: “Demitido com razão”. O comentário a autoridades europeias funcionou como um mecanismo para ajustar a imagem do Brasil. A ministra vendeu a ideia de que enxotar Alvim comprovou o repúdio do governo ao autoritarismo.

Da Europa, ela partiu para a Índia, a fim de compor a comitiva presidencial que realizará um périplo pelo país. Tereza, reitere-se, chegou quatro dias antes do desembarque de Bolsonaro e de seu chanceler. Aproveitou para armar encontros com produtores de carne e peixe e representantes do governo indiano para acertar os ponteiros de uma nova relação — o Brasil passou a vender carne à Índia apenas em maio. Ernesto Araújo e Tereza Cristina farão apresentações, no dia 27, num seminário para atrair investimentos. Há pouca dúvida quanto a quem será mais aplaudido.


domingo, 20 de outubro de 2019

Pesquisa Veja/Poder 360: cenários para 2022

Bolsonaro lidera intenções de votos para 2022, diz Veja/FSB

Fernando Haddad tem 17%
Huck aparece com 11%
Ciro Gomes registra 9%
Jair Bolsonaro durante seu 1º desfile num 7 de Setembro como presidente da República Sergio Lima/Poder360 - 7.set.2019

18.out.2019 (sexta-feira) - 7h46
atualizado: 18.out.2019 (sexta-feira) - 16h13
Jair Bolsonaro lidera a disputa para as eleições presidenciais de 2022 apesar de passar por 1 momento de turbulência em seu partido, o PSL. O atual presidente da República conta com 34% das intenções de voto. O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) tem 17%. Em seguida aparecem o apresentador de TV Luciano Huck (sem partido), com 11%, e o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), com 9%.
João Amoêdo (Novo) fica em 5º lugar com 5% das intenções. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), aparece logo em seguida com 3%.
Há ainda 10% dos eleitores que não escolheram nenhum candidato. Outros 7% não iriam votar ou dizem não saber responder. Nulos e brancos somam 5%. Leia aqui a íntegra do estudo.
Os dados foram divulgados nesta 6ª feira (18.out.2019) pela revista Veja e foram sondados pela FSB. A pesquisa foi feita por telefone com 2.000 eleitores de 11 a 14 de outubro de 2019 em todos os Estados. A margem de erro é de 2 pontos percentuais.
Eis os outros 2 cenários de 1º turno:

2º TURNO

Segundo o levantamento da FSB, Bolsonaro empata na margem de erro com Huck (38% a 34%) e seu ministro da Justiça, Sergio Moro (38% para o ex-juiz da Lava Jato contra 34% para o militar).

Aprovação: segue estável

A pesquisa mostra que 33% aprovam o governo Bolsonaro, contra 30% da pesquisa anterior, em agosto. A rejeição ficou em 37%; no último levantamento era de 35%

Lula e Bolsonaro, de olho em 2022 - Veja

Lula é o principal nome da esquerda contra Bolsonaro em 2022

Pesquisa exclusiva VEJA/FSB mostra também que atual presidente perderia para Sergio Moro e ganharia por pouco de Luciano Huck num hipotético segundo turno

José Benedito da Silva, Veja, 18/10/2019
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está inelegível desde janeiro de 2018, quando foi condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá. Apesar das várias entrevistas concedidas dentro da cadeia, ele não fala diretamente ao eleitorado e à militância desde abril daquele ano, quando foi encarcerado na Polícia Federal em Curitiba para cumprir uma pena de oito anos e dez meses de prisão. É réu ainda em mais nove processos e investigado em outros inquéritos sob a suspeita de ser corrupto ou ter praticado crimes como lavagem de dinheiro, tráfico de influência e formação de organização criminosa. Além disso, é o principal líder de um partido que foi varrido do poder em meio a uma grave crise econômica e política no país e a denúncias de diversos malfeitos envolvendo sua gestão e a de Dilma Rousseff. Em resumo, uma biografia para enterrar de vez a carreira de qualquer homem público no mundo.
Mas o Brasil, como dizia Tom Jobim, não é coisa para principiantes, e, a despeito dessa ficha da pesada, Lula resiste na forma de um espectro político. Sua capacidade de recuperar o prestígio perdido entre a maior parte da população após a farta relação de malfeitos é discutível. Na esquerda, porém, ele continua sendo o maior nome por aqui (o que também diz bastante sobre a qualidade da esquerda no país). De quebra, pode ainda pregar uns bons sustos nos adversários de fora do universo petista, conforme mostra uma pesquisa exclusiva VEJA/FSB sobre as eleições presidenciais de 2022. Um dos dados mais interessantes do levantamento, realizado entre 11 e 14 de outubro, consiste nas projeções do que seria hoje um confronto de segundo turno entre Jair Bolsonaro e as figuras mais conhecidas da esquerda. Lula perde por 46% a 38% (a margem de erro é de 2 pontos porcentuais para mais ou para menos), mas se sai melhor que políticos de fora da cadeia. Fernando Had­dad, batido por Bolsonaro na última eleição, perderia novamente do atual presidente em 2022 por 47% a 34%. O pedetista Ciro Gomes repete o fiasco de 2018 na pesquisa VEJA/FSB: não chegaria sequer ao segundo turno. Para especialistas, Lula continua a ser uma alternativa forte à esquerda porque soma a fidelidade da base petista à lembrança dos fugazes tempos de prosperidade de sua era no poder. “O primeiro governo dele foi muito virtuoso. Manteve políticas de FHC e foi capaz de oferecer duas coisas que o brasileiro médio deseja: estabilidade macroeconômica e inclusão social. A resiliência de Lula vem dessa imagem que o eleitor tem dele”, avalia o cientista político Carlos Pereira, professor da FGV-RJ.
INIMIGO ÍNTIMO – Bolsonaro e Moro: o ministro é o único que ganharia do presidente em um eventual segundo turno
INIMIGO ÍNTIMO – Bolsonaro e Moro: o ministro é o único que ganharia do presidente em um eventual segundo turno (Eraldo Peres/AP/AP)
A volta de Lula ao jogo político ainda depende do enorme caminho que ele precisa enfrentar na Justiça para limpar sua ficha. Mas essa trilha parece bem menos difícil de percorrer hoje do que há alguns meses. No dia 17, o Supremo Tribunal Federal voltou a se debruçar sobre a questão da prisão após condenação em segunda instância no país. Permitida desde 2016, em meio ao clamor da sociedade pelo endurecimento contra os crimes de colarinho-branco, a medida deve cair, já que o entendimento de alguns ministros sobre o tema mudou. O recuo tiraria Lula de trás das grades, uma vez que seu processo ainda não transitou em julgado, mas não seria suficiente para sua pretensão política, porque ele ainda ficaria inelegível pela Lei da Ficha Limpa, que veta a candidatura de condenado em duas instâncias. Pelo mesmo motivo, Lula recusa-se a aceitar a progressão ao regime semiaberto a que tem direito desde setembro por ter cumprido um sexto da pena e ter tido bom comportamento. A mudança de status permitiria a ele sair da cadeia para trabalhar ou até ir para prisão domiciliar, mas sem poder disputar eleições, pois continuaria ficha-suja. O ex-­presidente mantém a cantilena de que só sairá da cadeia se tiver sua inocência reconhecida — para ele, aceitar a medida paliativa seria concordar com a condenação imposta pelo então juiz Sergio Moro e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e pelo STJ.
O julgamento que de fato importa a Lula é o do recurso que pede a suspeição de Moro com base em várias alegações, que vão dos procedimentos em relação ao petista (como a condução coercitiva em 2016, antes de ele ter sido intimado a depor) à aceitação do convite para ser ministro da Justiça do governo Bolsonaro, e por ter auxiliado de forma ilegal o Ministério Público Federal na acusação, como demonstraram diálogos entre ele e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba, revelados pelo site The Intercept Brasil em parceria com veículos como VEJA. A questão será decidida pela Segunda Turma do STF, que tem cinco ministros. Dois votaram contra a pretensão do petista — Edson Fachin e Cármen Lúcia. Gilmar Mendes, que pediu vistas e prometeu devolver o processo à pauta até novembro, e Ricardo Lewandowski são votos certos a favor de Lula, o que jogaria a decisão nas mãos do ministro Celso de Mello, que já colocou Moro sob suspeição uma vez. Em 2013, ao julgar um habeas-corpus apresentado pelo doleiro Rubens Catenacci, condenado no caso Banestado, Mello entendeu que o então titular da 2ª Vara Criminal de Curitiba havia extrapolado suas funções ao monitorar os advogados do réu, inclusive com interceptação telefônica, e ajudar o trabalho da acusação — as duas reclamações são feitas também pela defesa de Lula no atual processo. Se prevalecer a tese de suspeição, o julgamento que deixou o petista inelegível será anulado. Nesse caso, ele deixará de ser ficha-suja e poderá se candidatar nas eleições.
ESTRATÉGIA – Doria, no Japão: tentativa de virar a alternativa de centro-direita
ESTRATÉGIA – Doria, no Japão: tentativa de virar a alternativa de centro-direita (Governo do Estado de São Paulo/.)
Mesmo se toda essa reviravolta ocorrer e Lula voltar à disputa, a esquerda terá de bater de frente com Bolsonaro, que se lançou prematuramente à reeleição e continua sendo um adversário duro de superar. Na pesquisa VEJA/FSB, Bolsonaro aparece numericamente à frente em quase todos os cenários. Em levantamento semelhante realizado em agosto deste ano, ele já liderava, algo até certo ponto natural para quem venceu as eleições há menos de um ano, mas que mostra também uma grande resiliência diante de vários percalços enfrentados no período: as queimadas na Amazônia, o desgaste internacional, o barraco sem fim no PSL (confira a reportagem), as polêmicas que envolvem seus filhos e as acusações do uso de candidatas-laranja pela legenda. Bolsonaro também conseguiu manter estáveis os índices de avaliação de seu governo (33% de ótimo/bom), de sua maneira de administrar o país (43% aprovam) e das expectativas em relação ao fim de seu mandato (43% acham que será ótimo ou bom). Embora seja a maior ameaça vinda da esquer­da, a eventual volta de Lula ao palco eleitoral pode, apesar do paradoxo, representar uma boa notícia para o presidente, já que permitiria a ele repetir o discurso vitorioso que o levou ao poder: evocar o fantasma da vitória do PT. Para Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria, não há dúvida de que Bolsonaro tem como principal fonte de capital político o combate à esquerda. “O melhor cenário para ele seria enfrentar o PT, mas não necessariamente Lula, que representa um risco muito maior que Haddad”, afirma Cortez. Por isso, entende o especialista, o presidente usa a estratégia de mobilização permanente do eleitorado que responde mais rapidamente a uma eventual ameaça de volta da esquerda.
PROMISSOR – O apresentador Luciano Huck: conversas políticas constantes
PROMISSOR – O apresentador Luciano Huck: conversas políticas constantes (Antonio Milena/.)
Bolsonaro tem ainda dois possíveis adversários fortes no horizonte. Segundo a pesquisa VEJA/FSB, em simulações de segundo turno, o presidente perde para Moro (38% a 34%) e vence o apresentador Luciano Huck (43% a 39%), em ambos os casos no limite da margem de erro. Para especialistas, o problema deles é chegar ao segundo turno. “O principal fator é que o próprio presidente incentiva a polarização o tempo todo, o que prejudica o centro”, afirma Alberto Carlos Almeida, autor de O Voto do Brasileiro (2018). Caso consigam ultrapassar essa barreira, Huck e Moro provocam uma situação curiosa, segundo a pesquisa: atraem até eleitores da esquerda que, por rejeição ao atual presidente, votariam em qualquer um para derrotá-lo. O apresentador evita colocar-se como candidato, porém tem mantido uma agenda de encontros cujo principal tema é a discussão de problemas do país. Sem estar filiado a nenhuma legenda, mas militante de movimentos de renovação política suprapartidários como RenovaBR e Agora!, ele tem conversado com líderes de siglas diversas — a última especulação é que iria para o Cidadania. Já o ex-juiz da Lava-Jato também nega ser presidenciável, diz que apoia Bolsonaro por uma questão de lealdade, conforme afirmou recentemente em entrevista a VEJA, mas nem o capitão nem seus aliados mais próximos acreditam nisso. O potencial eleitoral de Moro é enorme. Ele aparece à frente em quatro cenários de segundo turno. Além de vencer o presidente, derrota Haddad, Huck e Lula (veja o quadro). Na mesma pesquisa, o ex-­juiz da Lava-Jato é apontado como o melhor ministro do governo por 31% dos entrevistados, bem acima do segundo colocado, Paulo Guedes (Economia), com 6%. A população também apoia algumas de suas propostas, entre elas o encarceramento após condenação em segunda instância — 70% são a favor da medida.
CAMPANHA – Fernando Haddad: nome oficial do PT, mas fará o que Lula mandar
CAMPANHA – Fernando Haddad: nome oficial do PT, mas fará o que Lula mandar (Ricardo Stuckert/.)
Enquanto Huck e Moro surgem fortes na pesquisa VEJA/FSB, o governador de São Paulo, João Doria, ainda enfrenta dificuldades para se mostrar competitivo e emplacar como uma alternativa de poder mais ao centro. Nos três cenários de primeiro turno abordados no levantamento, o tucano tem no máximo 5% dos votos. Em um possível confronto direto com Bolsonaro no segundo turno, perderia por 46% a 26%. Embora negue em público, Doria tem pretensão presidencial e, por isso, já entrou em rota de colisão com Bolsonaro — a quem apoiou em 2018 —, inclusive com bate-bocas públicos. Na terça 15, em Taubaté, no interior paulista, foi recebido por bolsonaristas com carro de som e cartazes e faixas nos quais era acusado de ter traí­do o presidente. “Vai pra casa, vagabundo”, reagiu o tucano. Um dia depois, o governador reconheceu que se excedera no episódio.
POUCOS VOTOS – Ciro: longe de ser alternativa da esquerda para 2022
POUCOS VOTOS – Ciro: longe de ser alternativa da esquerda para 2022 (Miguel Schincariol/AFP)
Enquanto forças mais à direita começam a batalhar, o PT tem sido cauteloso nos movimentos. Para consumo externo, o partido ainda sinaliza com uma nova candidatura de Fernando Haddad e não fala abertamente sobre a hipótese de Lula disputar a eleição, até para não criar mais animosidade em torno do julgamento. Por ora a estratégia petista é defender a ideia de que Had­dad rode o país para apoiar os candidatos do partido na tentativa de reconquistar prefeituras que perdeu em 2016, como a da própria capital paulista. Enquanto isso, avalia-se que o papel imediato de Lula, caso saia realmente da prisão, deve ser o de “líder da oposição”, para reagrupar as forças de esquerda e atrair até o centro. Um dos primeiros compromissos caso a temporada de cárcere em Curitiba se encerre deverá ser procurar o ex-presidente Michel Temer para reconquistar o MDB, que foi fundamental para sustentar os dois mandatos do petista, mas que, ao deixar o governo, também foi decisivo para a queda de Dilma. Hoje, o trabalho do ex-presidente seria muito difícil, até mesmo entre parte da esquerda, que defende há tempos a superação do “lulacentrismo”. Recuperar eleitores perdidos para Bolsonaro também será prioridade do petista. Lula passa parte do tempo na cela vendo programas evangélicos na TV aberta e anotando o nome dos pastores e as ideias que defendem, numa tentativa de, quando for solto, reconquistar esse contingente religioso que já o apoiou, mas migrou para Bolsonaro. Até alguns petistas de carteirinha trocaram de barco. Levantamento feito por VEJA com dados do TSE mostra que 2 631 filiados ao PT foram para o PSL de Bolsonaro, num movimento que supera a questão ideológica. É um indicativo de uma onda maior. A aposta é que, com essa volatilidade, do mesmo jeito que foram, esses eleitores podem voltar. Como a advogada Karina Magalhães, de 29 anos, de Maracaju (MS), que é filha de professora e desde muito jovem teve contato com o movimento sindical da classe, mas trocou o petismo pelo bolsonarismo depois da Lava-­Jato. “Bolsonaro foi a opção para ter renovação, ruptura, mudança”, afirma Karina, eleitora do PT de 2002 a 2014. Agora ela se diz “totalmente contra” algumas das propostas de Bolsonaro, vê o presidente “perdido” e mal influenciado pelos filhos e já não garante o voto nele em 2022.
A ameaça à reeleição de Bolsonaro, de direita ou de esquerda, será maior ou menor dependendo do desempenho do presidente. O analista político da FSB Alon Feuerwerker diz que o capitão precisa se preocupar em evitar um “efeito Macri”, referência ao presidente argentino Mauricio Macri, que deve perder a eleição para a esquerda kirchnerista em razão da crise econômica. “Os principais concorrentes do presidente são dois nomes não filiados a nenhum partido e que nem podem concorrer em 2022: a estagnação econômica e a taxa de desemprego”, afirma. Ainda faltam três anos para as eleições, uma eternidade no frenético e volúvel tabuleiro nacional do poder. Um fracasso de Bolsonaro e a permanência por mais tempo do indesejável clima de polarização radical, que destrói novas alternativas de liderança, representam o alimento capaz de fortalecer o espectro Lula — e a velha assombração política pode ressurgir, fazendo o país retroceder às retóricas e discussões do passado. O Brasil não é mesmo para principiantes.
Colaborou João Pedroso de Campos
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Publicado em VEJA de 23 de outubro de 2019, edição nº 2657

Podcast A+

A nova pesquisa Veja/FSB sobre os possíveis cenários para a eleição presidencial de 2022 é o tema deste episódio do A+, o podcast de política da FSB Comunicação. Com mediação do jornalista Rafael Lisbôa, os analistas políticos da FSB, Alon Feuerwerker e Alexandre Borges, e o diretor do Instituto FSB Pesquisa, Marcelo Tokarski, debatem os números do novo levantamento, que também avaliou o governo Bolsonaro.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Embaixadores veteranos no “Parque dos Dinossauros” - Denise Chrispim Marin (Veja)

Os veteranos encostados no Itamaraty
Denise Chrispim Marin
VEJAedição nº 2653, 25 de setembro de 2019

Ernesto Araújo preencheu os principais postos do Itamaraty com diplomatas menos experientes — e deixou sem função definida gente com longa quilometragem

Fazer carreira na diplomacia sempre foi uma empreitada escorregadia, sujeita aos humores do governo e do chanceler de plantão. Um passo na direção errada, ou uma troca de função em momento impróprio, pode render anos no limbo, até os ventos políticos mudarem. Durante décadas o Itamaraty acomodou esses diplomatas “excedentes” no temido DEC — sigla do informal, mas muito movimentado, “departamento de escadas e corredores”. Uma vez exilado lá, o funcionário não tinha sala, nem mesa, nem cadeira e vagava como assombração pelo Palácio dos Arcos, em Brasília, à procura de um colega capaz de abrigá-lo em algum gabinete. O DEC foi extinto quando o Tribunal de Contas da União deu um pito no Ministério das Relações Exteriores por manter funcionários sem cargo e ganhando salário, mas o conceito permanece vivíssimo. Neste governo de política externa heterodoxa e indiferença à hierarquia diplomática, o chanceler Ernesto Araújo já encaixou vários desafetos em áreas pouco nobres do palácio e reservou a sala 203 do Anexo 1 — prontamente batizada de “Parque dos Dinossauros” — para que veteranos sem cargo fixo aguardem a convocação para uma ou outra tarefa eventual (com direito a água e cafezinho).

No total, existem no momento dezesseis diplomatas no ostracismo, e a maioria não sabe direito como foi parar nessa situação e se ainda tem alguma chance de obter um posto de verdade no ministério. O custo desse desperdício de experiência é de cerca de 4,5 milhões de reais por ano.

Há os que sabem, sim, precisamente o motivo da punição. Com passagens pelo DEC original nos anos 2000, durante as gestões de Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, por causa das frequentes críticas aos governos do PT, o “contrarianistaPaulo Roberto de Almeida chegou a ser reabilitado no governo Michel Temer, quando foi promovido a embaixador — por sinal, na mesma turma de Araújo, dezessete anos mais novo. Mas viu-se deslocado neste ano para a Divisão de Arquivo, no 2º subsolo do Anexo 2 do Itamaraty, o “Bolo de Noiva”, onde celular e wi-fi não funcionam. Almeida, 42 anos de carreira diplomática, dezesseis livros publicados e doutor em ciências sociais pela Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, responde hoje a um primeiro-secretário — a terceira das seis “patentes” da afunilada hierarquia do Itamaraty.

Para driblar o vazio tecnológico, o embaixador apossou-se de uma mesa da biblioteca do ministério, onde escreveu Miséria da Diplomacia, obra que trata da ausência de política externa na gestão de Araújo, por ele chamado de “chanceler acidental” e “diplomata utópico”. Almeida foi demitido da diretoria do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) na Segunda-Feira de Carnaval, sete horas depois de ter republicado em seu blog, o Diplomatizzando, artigos do embaixador aposentado Rubens Ricupero e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticando Araújo e do próprio chanceler desancando os outros dois. “Antes, eu já tinha publicado a nota ‘Olavices debiloides’, com declarações de Olavo de Carvalho, a quem Ernesto Araújo chama de professor”, confessa. O sogro de Araújo, o ex-secretário-geral das Relações Exteriores Luiz Felipe de Seixas Corrêa, ainda tentou interceder em favor do diretor do Ipri, que o convidara para uma palestra na semana seguinte. Não adiantou. Almeida observa quão “tóxico” se tornou quando atravessa o corredor entre os Anexos 1 e 2 do Itamaraty para visitar os “dinossauros” e, nos corredores, recebe no máximo alguns sorrisos disfarçados dos conhecidos. “Queria muito voltar para o Ipri, mas com total liberdade. Como vou me aposentar em 2022, creio que meu futuro é mesmo no porão do Itamaraty”, suspira.

Ao contrário do calejado Almeida, outros diplomatas na geladeira da atual gestão jamais haviam passado por tal situação. Dois deles foram chamados de Bruxelas e de Viena no fim de 2018 para assumir subsecretarias do Itamaraty e, no dia da posse de Jair Bolsonaro, se viram sem cargo em Brasília nem indicação para outras posições no exterior. Nesse caso, foram vítimas da decisão de Araújo de mudar o organograma da casa e reservar os principais postos a embaixadores tão novatos quanto ele. “A hierarquia, que era a coluna vertebral do Itamaraty, virou uma salada. O chanceler quer trabalhar só com quem diga amém a suas ideias e decisões”, afirma um diplomata congelado.

Enquanto os bons cargos no ministério são ocupados pela ala júnior, os embaixadores seniores lutam pela sobrevivência. Antes mesmo da posse de Bolsonaro, alguns mais espertos, antecipando a transformação do Itamaraty em um dos ministérios ideológicos do novo governo, trataram de buscar postos em embaixadas menos relevantes e em consulados, evitando assim ter de defender causas que consideram constrangedoras. Três diplomatas veteranos conquistaram cargos em outras áreas do governo — na Presidência, na Vice-Presidência e no Gabinete de Segurança Institucional —, conseguindo ao mesmo tempo livrar-­se dos ditames do ministério e adicionar 5 000 reais ao salário.

Há veteranos, porém, alinhados com o bolsonarismo desde a campanha eleitoral. O embaixador em Paris, Luís Fernando Serra, que chegou a ser cogitado para o cargo de chanceler, pôs mais lenha na fervura dos incêndios na Amazônia ao defender veementemente o governo em entrevistas à imprensa francesa. No último grupo militam os vira-casacas, que fizeram carreira nos governos petistas e hoje são só elogios à diplomacia da era Araújo. A embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, ex-chefe de gabinete de Amorim, que criou para ela a missão brasileira na ONU em Genebra, tanto se empenha agora em combater a diversidade de gênero que protagonizou um memorável bate-boca com o ex-deputado Jean Wyllys na Suíça. Fascinado pelo chavismo na década passada, Antônio Simões, embaixador do Brasil em Montevidéu, pediu recentemente à organização de um festival de cinema na cidade que vetasse a exibição do documentário Chico — Artista Brasileiro, sobre o compositor Chico Buarque de Hollanda.

Os diplomatas exilados por Araújo, seja em ambientes pouco salutares do ministério, seja no Parque dos Dinossauros, recebem 23 000 reais brutos para trabalhar muito pouco e reclamam da subutilização de seus talentos — encontram-se nessa ingrata condição especialistas em meio ambiente, desarmamento, relações com a União Europeia, negociações políticas, assuntos de Oriente Médio e África, entre outros. “Agora, fazemos bico”, queixa-se um congelado. O embaixador Flávio Macieira, 67 anos, 42 de carreira, desembarcou em Brasília no fim de 2018, vindo do Panamá, a economia que mais cresce na América Latina, depois de cumprir dez anos no exterior. Não tinha cargo reservado e caiu no Parque dos Dinossauros, mas não perdeu a esperança de ainda fazer algo útil antes da aposentadoria compulsória, aos 75 anos. “Creio que, com o tempo, todo esse grupo experiente vai acabar sendo aproveitado”, diz, otimista. O Palácio do Itamaraty, hoje sede do Escritório de Representação no Rio de Janeiro (Ererio), abriga cinco veteranos sem funções. Na representação de São Paulo (Eresp), três embaixadores estão na mesma condição.

Para o Ministério das Relações Exte­riores, o gelo de diplomatas não passa de “rodízio e renovação de chefias”. “Como ocorre em todas as instituições, públicas e privadas, há profissionais que podem não estar inteiramente satisfeitos com as posições que ocupam ou que considerem não ter sido atendidas suas expectativas”, declarou o ministério em nota a VEJA. O embaixador Mário Vilalva, demitido da Agência de Promoção de Expor­tações e Investimento (Apex) em abril passado, depois de ter denunciado um “golpe” de Araújo para mudar o estatuto do órgão, é dos poucos insatisfeitos que resolveram quebrar o gelo: está fechando contrato com uma empresa privada e vai abandonar a diplomacia. Dinossauro, nem pensar.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Os piores inimigos dos livros: os intelectuais - Fernando Baez (resenha de Jeronimo Teixeira)

Sempre amigo dos livros, e relutante em desfazer-me de meus milhares de amigos – não tenho a menor ideia de quantos são, pois eles se espalham em meu apartamento e, sobretudo, numa kit-biblioteca, mantida especialmente com essa finalidade –, sou suspeito para falar da eliminação de livros.
Não sei como – ou melhor, sei, foi escrevendo um artigo sobre os "intelectuais" – acabei caindo nesta antiga resenha de um jornalista da Veja, que fala sobre a destruição de bibliotecas inteiras.
De ordinário sou pacífico, mas acho que eu seria capaz de esganar quem dá ordens de eliminar livros...
Leiam.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de fevereiro de 2019

Recomendação: A História universal da destruição dos livros
Este artigo foi publicado originalmente em Veja On-line no dia 31/05/2006.
Autor: Jerônimo Teixeira

Os livros são objetos frágeis. Suscetíveis a diversas ameaças naturais – traças, inundações, incêndios –, têm de enfrentar ainda as mais destrutivas paixões humanas: o fanatismo religioso e a censura ideológica. História Universal da Destruição dos Livros (tradução de Léo Schlafman; Ediouro; 438 páginas; 49,90 reais), do ensaísta venezuelano Fernando Báez, é um assustador painel histórico da eliminação de bibliotecas. São documentados cinco milênios do que Báez chama de "memoricídio". Nunca houve uma época histórica sem alguma forma de perseguição aos livros (e, por extensão, a seus autores). Mais perturbador é constatar que não são só os brutos e ignorantes que acendem as fogueiras. O típico biblioclasta (destruidor de livros), pelo contrário, é um erudito que conhece em profundidade determinada tradição religiosa ou ideológica – e que por isso mesmo deseja banir qualquer dissidência. Até mesmo Platão teria destruído, segundo testemunhos, a obra de filósofos rivais. 
"Os maiores inimigos dos livros são intelectuais", disse Báez a VEJA.
Especialista na conservação de bibliotecas, Báez trabalha como consultor de órgãos como a Unesco. Sua História Universal é um exaustivo inventário da destruição cultural. O trajeto histórico do livro começa no que hoje é o Iraque. Foi naquela região que apareceram as primeiras evidências da escrita, em tabletas de argila produzidas pelos sumérios, há cerca de 5.000 anos. Sítios arqueológicos da época já revelaram tabletas destruídas e queimadas, como resultado de ações de guerra. A mais célebre biblioteca da Antiguidade, na cidade egípcia de Alexandria, também acabou destruída. Fundada em III a.C., essa biblioteca foi provavelmente o maior acervo de livros do mundo antigo. A causa de seu desaparecimento definitivo ainda é matéria de controvérsia entre historiadores.
O patriarca cristão Teófilo provavelmente foi responsável pela destruição de um anexo da biblioteca de Alexandria, no século IV. A religião sempre foi uma das principais motivações dos biblioclastas. Durante a Contra-Reforma, o rigor da Inquisição foi tal que até Bíblias em língua corrente eram queimadas, pois a Igreja Católica só admitia o livro sagrado em latim. O fanatismo político tem tanto poder destrutivo quanto o religioso. No século XX, não há imagem mais simbólica do obscurantismo biblioclasta do que as fogueiras de livros na Alemanha, em 1933 – um prelúdio sinistro do genocídio que os nazistas promoveriam na Europa. Joseph Goebbels, ministro da Propaganda nazista e mentor ideológico da destruição, estudou filologia na Universidade de Heidelberg. O livro de Báez registra outras ironias do mesmo naipe – como, por exemplo, a censura e a queima de livros promovidas na China comunista por um movimento que se intitulava Revolução Cultural.
História Universal encerra-se com um capítulo sobre a Guerra do Iraque. Báez fez parte de uma comissão de especialistas que visitou o país pouco depois da invasão americana, em 2003, para aferir os danos causados ao patrimônio cultural iraquiano. Seu relato é desolador: museus, bibliotecas, sítios arqueológicos arrasados. Os danos começaram com os bombardeios, mas a devastação maior se deu quando os primeiros combates cessaram. Turbas enfurecidas saquearam e queimaram a Biblioteca Nacional e o Museu Arqueológico de Bagdá. Foi uma reação de revanche: a população identificava as instituições culturais com o regime deposto de Saddam Hussein, que nomeava seus diretores. O Exército americano omitiu-se vergonhosamente de defender um acervo de importância universal – o Iraque concentra peças de numerosas civilizações antigas, como os sumérios, babilônios e assírios. Contrabandeados para fora do país, livros raros e peças arqueológicas alimentaram o mercado negro internacional. Da Biblioteca Nacional sumiram edições antigas das Mil e Uma Noites. Do museu, foram roubadas algumas tabletas de argila sumérias que estariam entre os primeiros livros da história. É outra melancólica ironia: o primeiro grande "memoricídio" do século XXI aconteceu no lugar onde nasceu a palavra escrita.


sábado, 26 de janeiro de 2019

Juca Paranhos, o barao - resenha do livro L. C. Villafane por Roberto Pompeu de Toledo


Uma fábula
Roberto Pompeu de Toledo
VEJA, 30 de janeiro de 2019, edição nº 2619

Em 17 de abril de 1910 entrou festivamente na Baía de Guanabara, vindo dos estaleiros da Inglaterra, o encouraçado Minas Gerais, navio da classe dreadnought, o que havia de mais avançado na época, e sua chegada desencadeou uma onda de patriotismo. Para o jornal O País, o “vulto de aço” da embarcação simbolizava “o Brasil novo, opulento e poderoso que vai na rota de progresso e civilização”. Para a Gazeta de Notícias, incumbiria ao Minas Gerais, “pedaço flutuante da pátria”, levar pelos mares “a força afirmativa da nossa cultura, da nossa grandeza e da nossa civilização”. Contada no recém-lançado Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, exemplar biografia do patrono da diplomacia brasileira escrita por Luís Cláudio Villafañe G. Santos, a história iniciada com a chegada da portentosa embarcação desdobra-se em dois atos e encerra-se como uma fábula.
A causa do reaparelhamento da Marinha brasileira teve em Rio Branco seu mais ardente defensor. A seu ver, tratava-se de contraponto indispensável ao laborioso quebra-cabeça com que negociava nossas fronteiras e toureava as rivalidades e desconfianças com os vizinhos. O governo brasileiro decidiu jogar alto, e optou por encomendar logo três dreadnoughts, a nova maravilha dos mares, lançada em 1906 pela Inglaterra. Em especial, naqueles anos, preocupavam a superioridade militar da Argentina e as pretensões do Peru a nacos do território brasileiro. Por questão de custo, a encomenda foi reduzida a dois, mas ainda assim causava furor. À chegada do Minas Gerais, o primeiro deles, as celebrações incluíram uma canção que aproveitava a melodia da italiana Vieni sul Mar, para honrar o navio com o estribilho, “Oh, Minas Gerais”. (Com letra modificada, em anos posteriores a canção passaria a celebrar o Estado de Minas Gerais.)
O segundo dreadnought, batizado São Paulo, chegou em outubro, bem a tempo de ser incluído no elenco no ato 2 da nossa fábula. Em 22 de novembro, aproveitando-se da ausência do comandante, João Batista das Neves, que saíra para jantar num navio francês em visita ao Rio, a tripulação do Minas Gerais apoderou-se do navio. Ao voltar a bordo, Neves foi saudado aos gritos de “Abaixo a chibata” e morto ao tentar uma reação.
Os navios iam e vinham, exibindo as bandeiras vermelhas da insurgência
   
A insubordinação dos marinheiros, remoída por anos, explodira ao impacto das 250 chibatadas aplicadas na antevéspera a um companheiro. A Revolta da Chibata espalhou-se por outros cinco navios estacionados na Baía de Guanabara. A fina flor da Armada brasileira passara às mãos da chucra marujada, sob o comando de João Cândido, o “Almirante Negro”, como seria apelidado.
Que fazer? Os navios iam e vinham nas águas da baía exibindo as bandeiras vermelhas da insurgência. O governo manteve-se pasmo e paralisado até o dia 25, quando se decidiu pelo ataque aos rebeldes. “Rio Branco se desesperou”, escreve Villafañe Santos. “Assustava-o a perspectiva de ver os principais navios da Armada brasileira destruídos e, em consequência, o Brasil, outra vez, em total inferioridade de meios militares frente a seus vizinhos.” O chanceler chegou a procurar o oficial encarregado do ataque, na tentativa de dissuadi-lo. Afinal, o destino inglório de ver os dreadnoughts, tinindo de novos, arrasados pelas próprias forças a que deviam integrar-se foi evitado depois de negociações no Congresso que incluíram, no dia 26, a promessa de anistia aos revoltosos.
A promessa não foi cumprida. Dois dias depois a repressão já começava a baixar sem piedade contra os amotinados — mas essa é outra história. Interessa-nos o contraste entre o sonho de potência de abril de 1910, à chegada do Minas Gerais, e a realidade de uma Marinha que tratava os marujos a chibatadas, exposta em novembro. “O episódio conta muito sobre a ilusão de modernidade e prosperidade de um país no qual pouco mais de um par de décadas antes a posse de outros seres humanos era legalizada e cuja economia se baseava na exportação de uns poucos produtos agrícolas”, escreve o autor do livro. A frustração bateu forte em Rio Branco. Um contemporâneo, Carlos de Laet, data daí a decadência física que o levaria à morte, um ano e dois meses depois.
Outras histórias oferecem morais já prontas à fábula que poderia ter por título “O dreadnought e a chibata”. O rei estava nu, caberia dizer, ou: o ídolo tinha pés de barro. Formulemos a nossa própria moral. Brincar de “Brasil novo, opulento e poderoso”, orgulhoso “da nossa cultura, da nossa grandeza e da nossa civilização” (para repetir os arroubos ufanistas na chegada do Minas Gerais), só vale quando se traz o povo junto.
Publicado em VEJA de 30 de janeiro de 2019, edição nº 2619