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domingo, 10 de abril de 2011

Capitalismo estatal: um exemplo, entre outros...

Para ilustrar o que escrevi no post anterior, transcrevo uma matéria de imprensa.
A presidente pensa que ela manda na economia privada. Dependendo de como se olha a coisa, talvez mande mesmo.
Um capitalismo promíscuo desse tipo, castrado e manietado pelo Estado não consegue ser muito dinâmico...
Boa sorte aos beneficiários da banda larga estatal...

Dilma manda aumentar velocidade da banda larga
Teles terão de oferecer 1 Mbps por R$ 35 em plano para massificar acesso
VALDO CRUZ, DE BRASÍLIA
JULIO WIZIACK, DE SÃO PAULO
Folha de S.Paulo, 10 de abril de 2011

Em contrapartida, governo vai trabalhar para aprovar projeto de lei que libera TV a cabo para as teles

A presidente Dilma Rousseff alterou o PNBL (Plano Nacional de Banda Larga). Em vez de conexões de até 600 Kbps (kilobits por segundo), ela exige 1 Mbps (megabit por segundo) pelo mesmo preço, R$ 35.
Nos Estados que concederem isenção de ICMS nos pacotes vinculados ao PNBL, o preço será R$ 29,80.
A nova orientação foi dada ao ministro Paulo Bernardo (Comunicações) na semana passada. Segundo a Folha apurou, Dilma exigiu a mudança, afirmando que o plano original está atrasado em relação ao mundo.
O plano dos EUA prevê conexões de 100 Mbps. Na Coreia, as velocidades variam de 1 a 2 Gbps (gigabit por segundo), até 20 vezes mais que nos EUA e até 2.000 vezes mais que no Brasil.
Kbps, Mbps e Gbps são unidades de velocidade das conexões e representam a quantidade de informação trafegada por segundo. Com 1 Mbps, por exemplo, é possível baixar um CD com dez faixas de música em oito minutos, metade do tempo caso a conexão fosse de 600 Kbps.
Justamente por isso, Dilma pediu que Bernardo informasse as teles do seguinte recado: "Vamos abolir esse negócio de kilobit, vamos falar em megabit".
Acrescentou que as operadoras terão de se adaptar à sua demanda e investir, em vez de ficar pedindo dinheiro ao governo. Avisadas, as teles já devem começar a negociar o novo PNBL com o governo nesta semana.
A alteração deve provocar um atraso de pelo menos três meses no início do programa, que deveria ter sido implantado no governo Lula.

TOMA LÁ, DÁ CÁ
Em contrapartida à nova regra, o governo trabalhará para aprovar o projeto de lei (PL 116) que prevê abrir o mercado de TV a cabo para as teles nacionais e estrangeiras, algo vetado pela lei atual.
Para o governo, com a distribuição de programas televisivos por cabo, as operadoras terão aumento de receita, poderão adquirir o controle de empresas de TV e vender "combos" (TV paga, telefone e banda larga, tudo em um), reduzindo custos e aumentando suas margens de lucro.
Elas terão, portanto, garantias para investimentos na rede e aumento do número de clientes. Estarão massificando os acessos à internet, exatamente o que quer a presidente. A tecnologia permite que ela possa prestar todos os serviços pelo mesmo cabo telefônico. Mas, para um serviço de qualidade, é preciso mais que 600 Kbps.

Um artigo ameno de Arminio Fraga sobre o buraco brasileiro

Armínio Fraga é um liberal, sort of...
Ele acha que o Brasil está numa encruzilhada, ou seja, uma escolha entre o velho estatismo, dos anos 1950 a 1980, e uma economia mais aberta, inserida na globalização e com um ambiente de negócios favoráveis aos negócios e os investimentos.
Acho que ele é um otimista.
O Brasil há muito tempo já enveredou pelo caminho estatizante e dirigista, feito de um capitalismo manipulado pelo Estado, e particularmente pelo governo, com seus militantes ávidos por arrancar alguns nacos das riquezas capitalistas.
Não tenho nenhuma dúvida quanto à orientação ideológica dis novos donos do poder. Ninguém mais quer derrotar a burguesia e construir o socialismo, como parecem acreditar alguns liberais mal informados. Eles só querem se apropriar de uma parte dos lucros, e usar o capitalismo para engordar o Estado, onde os novos ratos se refestelam no banquete do poder.
O Brasil não está na encruzilhada: ele já despencou há muito tempo no capitalismo promíscuo, guiado e manipulado pelo Estado.
Vamos continuar com crescimento medíocre e sobretudo com mediocridade intelectual no comando.
Paulo Roberto de Almeida

Opinião
O Brasil na encruzilhada
Pedro Cavalcanti Ferreira e Arminio Fraga
O Globo, 10 de Abril de 2011

RIO - O Brasil vive um bom momento de crescimento, a um ritmo de cerca de 4% ao ano nos últimos anos. Mas cabe avaliar se este processo vai ter continuidade, nos levando a um produto per capita semelhante ao dos países mais avançados, ou se vamos repetir a experiência de 1950 a 1980, quando acabamos batendo num teto e nos espatifando na Década Perdida.

Em 1950, o produto per capita brasileiro era de cerca de 12% do produto per capita americano. Em 1980, no ápice do milagre, nossa produtividade alcança 24% da americana. A partir daí nosso produto relativo caiu continuamente, chegando a 16% na década de 1990. Deste ponto em diante o país volta a crescer de forma contínua atingindo hoje algo em torno de 20% do produto per capita americano, sem dúvida um avanço, mas ainda modesto.

Aqueles mais nostálgicos dos tempos do milagre econômico tendem a apontar as políticas nacional desenvolvimentistas adotadas desde a década de 50 como a causa principal de nosso crescimento acelerado. Neste modelo o Estado ocupa papel central na economia, tanto como produtor direto quanto como indutor de investimentos privados via coordenação e incentivos fiscais e tributários. Há uma articulação entre interesses públicos e privados em setores entendidos como estratégicos e fortes gastos em infraestrutura e formação de capital por empresas estatais. Mais ainda, a produção nacional é protegida da concorrência internacional através de barreiras comerciais e outras.

Há em curso em nosso país, principalmente a partir de 2008, uma tentativa de ressuscitar este modelo. Isto pode ser visto nas largas transferências do Tesouro para o BNDES, que hoje financia uma fração crescente dos investimentos privados a uma taxa de juros muito abaixo do mercado. Isto pode ser visto nas mudanças no marco regulatório do petróleo, com a Petrobras assumindo um papel ainda maior na prospecção e investimentos do setor. (Note ainda o alto percentual de compras locais da estatal, o que não leva em conta inteiramente diferencial de custos). Pode ser visto também na acelerada expansão do crédito por parte dos bancos públicos. De uma maneira ou de outra, aumenta-se a participação do Estado em diversos setores da economia, ao mesmo tempo em que se implanta e aumenta a proteção e os subsídios para setores e empresas da iniciativa privada.

A crise de 2008 deu o estofo ou argumento ideológico para a reação nacional desenvolvimentista. Ela seria o sintoma claro da falência do modelo neoliberal e indicação da necessidade de uma presença maior do Estado. Afinal, deu certo até o fim dos anos setenta, por que não daria agora?

Um problema é que, o que deu certo até 1980 também foi responsável por grande parte dos desequilíbrios e problemas posteriores. Mais ainda, deu certo em termos de crescimento, mas deu errado em termos sociais. Isto pode ser percebido pela péssima distribuição de renda que este modelo nos legou, além das altas taxas de mortalidade infantil, a baixíssima escolaridade, o alto analfabetismo e índices de pobreza e indigência muito acima do que se esperaria de um país com nosso crescimento e renda per capita. Em certo sentido nada além do esperado de um modelo que privilegiava o investimento em capital físico em detrimento aos gastos em capital humano e educação.

A dimensão social, atualmente, está bem encaminhada. A pobreza vem caindo há vários anos de forma estável, a desigualdade de renda caiu para os níveis mais baixos desde 1960 e a renda de parcelas geralmente excluídas dos benefícios do crescimento, como os negros e as mulheres, vem crescendo a taxas chinesas. Há vários fatores por trás disto, destacando-se a estabilidade macroeconômica (que protege os mais pobres), a expansão da educação e uma agressiva política social ao longo dos últimos 16 anos.

Outro problema diz respeito ao próprio crescimento. Hoje sabemos que na fase final do Milagre os indicadores de produtividade (em queda) já indicavam um certo esgotamento do modelo. Faltou justamente ênfase em produtividade e educação. Ao mesmo tempo, a tentativa de manutenção de taxas aceleradas de crescimento começava a pressionar a inflação e o balanço de pagamentos, um sinal adicional de esgotamento. No fim do Milagre a incapacidade (ou falta de vontade política) do governo em ajustar a economia após inúmeros choques externos - ao contrário, o governo acelerou investimentos - e a extensão e a intensificação da proteção comercial explicam grande parte de nossa estagnação econômica e queda da produtividade posterior.

As semelhanças com o momento atual não são pequenas: passada a crise econômica que justificou aumentos anticíclicos dos gastos, há grande resistência ao ajuste por parte de vários setores do governo e da sociedade. Há também enorme pressão por medidas protecionistas por parte de grupos que se sentem prejudicados pela concorrência chinesa e pela taxa de câmbio valorizada. Alguns sinais amarelos já são visíveis. A taxa de inflação se aproxima do teto da meta de inflação e, fora os preços administrados, a alta de preços é generalizada e atinge inclusive o setor de serviços. O saldo em conta corrente se reduziu em mais de quatro pontos do PIB, apesar de um ganho de 40% na relação entre preços médios de exportação e importação.

Em boa parte estas tensões espelham desafios fundamentais que se colocam ao país. No topo da lista está a frustrante dificuldade em se aumentar a taxa de investimento do país, que vem evoluindo lentamente para os atuais 18,4% do PIB, apesar dos esforços e subsídios do BNDES. Trata-se talvez da maior frustração econômica do governo Lula, que com bom senso reduziu significativamente o risco político do país, mas assim mesmo não conseguiu mobilizar nossos "espíritos animais". A nosso ver a explicação para este fenômeno está no par ideologia (de raízes nacional desenvolvimentistas) e dificuldades de execução (enraizadas em um Estado loteado e ineficiente).

Além da baixa taxa de investimento, o Brasil vive hoje um início de crise no mercado de trabalho. A crise não é a tradicional e terrível falta de emprego, mas sim a falta de trabalho qualificado, em todas as faixas. Uma comparação com a Coreia do Sul pode ser útil.

Nos últimos 40 anos a Coreia foi de uma renda per capita 30% inferior à nossa a um nível hoje três vezes maior! Isto foi possível porque a Coreia investiu muito mais e educou mais e melhor do que nós. A escolaridade média subiu de 4,3 anos para cerca de 13 anos (igual à americana), enquanto a nossa foi de dois anos para em torno de sete anos. E a qualidade da educação coreana é excelente, enquanto aqui é, na média, sofrível. Uma resposta mais eficaz aqui é urgente, nas três esferas de governo.

O Brasil está, portanto, diante de uma encruzilhada. Do jeito que as coisas vão, parecemos caminhar para uma repetição do modelo nacional desenvolvimentista, mas com uma taxa de investimento inferior à versão original. Em que pese o maior foco atual no social, não custa lembrar que esta opção foi não só excludente socialmente, como gerou uma série de distorções que provocaram a estagnação posterior. Podemos ter alguns anos de vacas gordas, mas estamos fadados a parar longe de completar a convergência para os melhores padrões globais.

Não existe uma única alternativa a este caminho, mas alguns pontos são essenciais. Como bem indica a Coreia, o Brasil precisa investir e educar mais e melhor. O governo tem que promover as reformas necessárias para contribuir com a sua parte, investindo mais e gastando menos, e revalorizando a boa regulação para mobilizar o investimento privado. A promessa da presidente Dilma de aumentar a eficiência do Estado precisa ser cumprida através da ênfase na meritocracia por ela mesmo proposta. O atual cobertor curto no campo macroeconômico (inflação e juros altos, câmbio baixo) requer um ajuste fiscal mais convincente, que aborde com coragem as questões de longo prazo. Além de juros mais baixos, o setor privado precisa de um Custo Brasil menor, de uma estrutura tributária mais racional e de uma infraestrutura melhor, em vez de subsídios que não merece. Desta forma sobrará mais para programas sociais também. Enfim, há muito em jogo, muito a fazer, pouco tempo a perder. Repetir o passado parece-nos a pior das opções.

Pedro Cavalcanti Ferreira, da EPGE-FGV
Arminio Fraga Neto, da Gávea Investimentos

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Construindo o capitalismo de Estado...

... para o maior benefício da República sindical, já no poder, e decidida a ficar. Nunca antes neste país, a corporação sindical se assemelhou de modo tão completo a conhecido clássico da história do cinema americano.
Para bom entendedor...
Paulo Roberto de Almeida

Investindo em poder
Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo, 14/07/2010

Mais um instrumento de poder e de arbítrio vai reforçar o grande arsenal montado pelo presidente Lula, com a criação da Empresa Brasileira de Seguros (EBS). A companhia poderá realizar contratos no País e no exterior. A seguradora é necessária, segundo o governo, para dar garantia a operações e obras não cobertas pelo setor privado. O setor privado contesta, mas a discussão técnica é irrelevante, porque passa longe da questão real. O assunto é político. Não se trata de mera intervenção estatal no mercado, mas de centralização das decisões. A criação da Pré-Sal Petróleo S. A. é parte do mesmo esquema, assim como a crescente participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), turbinado com recursos do Tesouro, em projetos de interesse do governo.
O governo planejou inicialmente criar a seguradora por meio de Medida Provisória (MP), mas decidiu recorrer a um projeto de lei, segundo anunciou ontem o ministro da Fazenda. A MP dificilmente se enquadraria na regra constitucional. Pela Constituição, MPs são permitidas em casos de "relevância e urgência". O governo poderia alegar relevância, mas só as conveniências políticas do presidente - a menos de seis meses do fim de seu mandato - poderiam dar sentido à palavra urgência.
A experiência desautoriza qualquer outro significado, quando se trata deste governo. Ninguém, no primeiro escalão federal, mostrou pressa quando foi preciso socorrer vítimas de enchentes em Santa Catarina ou até no Nordeste, nem para liberar dinheiro destinado a obras de prevenção, mesmo depois dos desastres de 2008 e 2009. Em 2010, até 22 de maio, o governo desembolsou apenas 14% das verbas previstas para o programa. Nenhum tostão tinha ido para Alagoas. Pernambuco havia recebido menos de 1%.
A urgência, no caso da EBS, só seria explicável pelo fim do mandato. Se o presidente Lula conseguir a eleição de sua candidata, deixará adiantada a criação de mais um instrumento de comando e de barganha. Para isso, não precisa consultar a candidata Dilma Rousseff, nem, de fato, para quaisquer outras iniciativas. O presidente Lula simplesmente ganhará tempo para o exercício de um novo mandato - este informal - até 2014. Se for eleito o oposicionista José Serra, a nova empresa seguradora será um fato consumado e mais um problema para o início de seu governo.
O presidente com certeza não leva a sério a hipótese de uma derrota na eleição deste ano. Mas trabalha para criar fatos consumados, consolidar interesses de grupos e impor sua marca aos próximos quatro anos. Ao usar o Tesouro para reforçar o BNDES com R$ 180 bilhões, ele gera um problema fiscal, porque aumenta a dívida bruta do setor público. Cria, no entanto, condições para um grande envolvimento do banco - e, mais amplamente, do Estado - em custosos projetos de longo prazo.
O noticiário do dia a dia mostra os principais lances desse jogo. O Grupo Eletrobrás e os três maiores fundos de pensão das estatais controlarão a maior parte do capital da Usina de Belo Monte. Além disso, o BNDES poderá financiar até 80% do projeto, segundo se divulgou no começo da semana. Uma estatal terá participação de 33% e poder de veto na sociedade criada para o projeto do trem-bala, informou o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O BNDES deverá envolver-se também no financiamento dessa obra, talvez com juros especiais, segundo o dirigente da ANTT.
Se for eleita a candidata inventada pelo presidente Lula, o esquema de governo - e de poder - continuará funcionando sem problemas de transição. As dificuldades serão aquelas embutidas no próprio esquema construído por Lula. A situação fiscal será bem menos sólida e poderá haver problemas nas contas externas, se as exportações continuarem crescendo menos velozmente que as importações. Mas o governo, até agora, deu pouca atenção a essas questões, porque a prioridade do presidente era avançar no jogo do poder.
Também a Copa do Mundo de 2014 é parte desse jogo. É fator de prestígio e de mobilização de apoio. Mas nenhum investimento progrediu até agora, a Fifa reclama e é preciso correr. De repente, o governo parece ter descoberto mais um entrave. Os municípios-sede poderão ser forçados a estourar seus limites de endividamento na preparação para a Copa. A solução, segundo reportagem do Estado, será suspender esses limites por quatro anos. Será mais um problema fiscal. Certamente valerá a pena, do ponto de vista do governo. Servirá para sustentar, acima de tudo, a ambição de poder de um presidente.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Para o lado, com todo peso: rumo ao capitalismo de Estado

Vem aí a Segurobrás
Geralda Doca e Danielle Nogueira
O Globo, 13.07.2010

Pressionado pelo calendário eleitoral, o governo está decidido a criar uma nova estatal do ramo de seguros — a Empresa Brasileira de Seguros S.A. (EBS) — via medida provisória (MP). O assunto vinha sendo discutido há pelo menos um ano, e a expectativa é que a MP seja assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas próximas semanas, provocando críticas do setor privado, que já prepara uma proposta alternativa. Se aprovada, será a 12aempresa pública que nasce no atual governo. Em 2002, eram 108 estatais, e agora o número passará a 120.

De acordo com a minuta do texto da MP ao qual o GLOBO teve acesso, a EBS ficará vinculada ao Ministério da Fazenda e poderá explorar operações de seguros em quaisquer modalidades, sobretudo comércio exterior (operações com prazo superior a dois anos), projetos de infraestrutura e de grande vulto, que terão fundos garantidores específicos, também criados pela MP. O texto permite ainda que a EBS crie subsidiárias, instale escritórios, filiais e representações no Brasil e no exterior.
E torna possível que ela comece a funcionar com servidores cedidos ou por contratação temporária.

O governo alega que o setor de seguros não tem capacidade para garantir obras de grande vulto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como a da hidrelétrica de Belo Monte (PA). As seguradoras contestam e já preparam um contraataque.

Está prevista uma reunião, entre amanhã e quinta-feira, com representantes da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSeg) e assessores do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em Brasília. Eles vão propor que seja retirada da MP a parte que trata da criação da nova estatal, mas que sejam mantidos os fundos garantidores e que estes sejam geridos pelo BNDES.
— O mercado tem plena capacidade para fazer o que o governo quer. A criação de uma estatal é um retrocesso em ações do próprio governo, que quebrou o monopólio do setor de resseguros há cerca de dois anos e meio — afirma Jorge Hilário Gouvêa Vieira, presidente da CNSeg. — Além disso, há um claro conflito de interesses, pois o governo vai assegurar seus próprios contratos.

Setor movimentou R$ 109 bi em 2009
As 196 empresas que integram o setor de seguros no Brasil movimentaram R$ 109 bilhões em prêmios em 2009, e a previsão é que chegue a R$ 150 bilhões em 2012. Também há perspectivas de crescimento do segmento de resseguros, que dá garantias às seguradoras. Com a chegada de grandes multinacionais ao Brasil — são 118 empresas, incluindo resseguradoras e corretoras —, o segmento movimentou cerca de US$ 2 bilhões ou cerca de R$ 3,5 bilhões em 2008, últimos dados disponíveis. A previsão de Paulo Pereira, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Resseguros (Aber), é que o segmento dobre de tamanho em três anos.

— As dez maiores resseguradoras do mundo estão aqui. Com a crise econômica, houve perda do patrimônio de muitas delas, mas isso já foi recuperado. Há vontade de fazer negócios no país. Não vejo por que criar uma estatal — diz Pereira, que também preside a americana Transatlantic Re, a décima maior do mundo.
Segundo técnicos que trabalham na MP, para capitalizar o novo órgão, o Tesouro Nacional deverá utilizar ações de que dispõe em outras empresas públicas, mantendo o controle neste caso, ou emitirá títulos. A fórmula, bem como o tamanho do capital social, explicou uma fonte, vão depender da disponibilidade do Tesouro. Para isso, o governo vai fundir os fundos garantidores de crédito existentes no mercado em apenas três. A MP também abre caminho para que estes três virem apenas um a longo prazo, com pequenos ajustes na legislação, explicou um técnico.

Fundos garantidores vão somar R$ 13 bi
Além de economia de escala — o governo gasta com a administração desses fundos (feita por bancos públicos) — a ideia é alocar melhor os riscos das operações. Atualmente, as operações de cada fundo estão concentradas em um único setor, como é o caso do Fundo de Garantia para a Construção Naval (FGCN), o que não é o ideal no ramo de seguros. Os outros cinco são: Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas (FGP), Fundo Garantidor da Habitação Popular (FGHAB ), Fundo de Garantia de Operações (FGO), Fundo Garantidor para Investimentos (FGI) e Fundo de Garantia a Empreendimentos de Energia Elétrica (FGEE).

No processo de unificação desses fundos, a MP prevê que eles sejam transferidos para três novos, que serão criados com a EBS: um que vai cobrir diretamente operações de comércio exterior no prazo superior a dois anos; outro que vai garantir operações de seguro também nas exportações; e um terceiro, voltado para infraestrutura. Pela MP, a EBS terá acesso aos recursos. Nos dois fundos voltados para o comércio exterior, a fatia da União será de até R$ 2 bilhões e, no destinado a projetos de infraestrutura, de até R$ 11 bilhões. Esse patrimônio será apartado do capital da EBS. A empresa poderá administrar o fundo destinado a garantir as operações de seguro de comércio exterior.

Os outros dois terão que permanecer administrados por bancos devido às determinações da legislação.

O estatuto da nova empresa terá de ser aprovado por uma assembleia de acionistas a ser convocada pela Procuradoria Geral da Fazenda (PGFN), mesmo a União sendo o único acionista. Neste caso, basta uma simples troca de correspondência entre a PGFN e a secretariaexecutiva do Ministério da Fazenda, segundo técnicos do governo.

O texto da MP abre a possibilidade para que a EBS vire uma empresa de economia mista. A curto prazo, já está cotada para a carteira da EBS, a construção da usina de Belo Monte. Outras obras, como o trem de alta velocidade (TAV), que ligará o Rio a São Paulo, também poderão entrar. Nos próximos dias, o governo enviará ao Congresso projeto de lei criando a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade (Etav), que será o braço operacional do governo no TAV.

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E como sobremesa:
Governo quer criar estatal para trem-bala
O valor máximo estabelecido para a classe econômica no trecho Rio-São Paulo é de R$ 199.

domingo, 4 de julho de 2010

O capitalismo falhou nos países da ex-União Soviética?

Reflexões sobre um debate
Paulo Roberto de Almeida

Acabo de assistir a um debate na BBC World News, transmitido desde Kiev, na Ucrânia, reunindo políticos, acadêmicos e jornalistas dos países satélites ou integrantes da finada União Soviética, coordenado por uma jornalista da BBC. Os interessados em saber mais sobre esse debate podem acessar este site: http://www.intelligencesquared.com/, ou, se souberem russo, este aqui: http://www.debaty.org.
O ponto central da discussão era uma moção, votada pelos participantes e assistentes ao debate consistindo em saber se o capitalismo tinha falhado nesses países, e em torno dela os debates se desenvolveram durante quase uma hora. Antes do debate, as posições estavam quase uniformemente divididas em pró e contra essa moção: 40% a favor, 42% contra e 18% indecisos.
Após o debate, muito interessante, mas totalmente dominado por inimigos declarados do funesto regime comunista e da economia de planejamento centralizado, os votos mudaram ligeiramente, mas houve um crescimento dos a favor da moção, ou seja, daqueles que, sim, vêem nas falhas do capitalismo a responsabilidade pelos fracassos aparentes, ou visíveis, de vários países herdeiros ou saídos do grande império socialista: 41% a favor. O que cresceu, como fruto do debate, foram os contrários à moção, alcançando o percentual de 50%, com a diminuição consequente dos indecisos (apenas 9%).
O debate foi interessante, mas ele me permitiu também constatar um dos mais constantes e repetidos equívocos das pessoas, em geral, quando elas falam do capitalismo. Esse regime, ou sistema econômico, se quiserem, parece ser considerado como uma entidade dotada de poderes próprios, com capacidade para determinar o curso da economia e talvez até da política nos países tocados pela sua “graça”. Ou seja, o capitalismo é responsabilizado se, em lugar de uma democracia de mercado, capaz de assegurar plenamente as liberdades políticas, o que surge é um capitalismo mafioso, corrupto, com um Estado centralizado, ainda autoritário e comportamentos pouco virtuosos em quase todas as esferas da vida social.
Ora, o capitalismo, como sistema impessoal, não centralizado, não controlado por qualquer força política ou social – a despeito dos governos e lideres políticos que moldam, através de leis e comportamentos práticos seus contornos efetivos e suas características específicas – não pode obviamente ser responsabilizado pelas patifarias dos lideres políticos, que manipulam leis e instituições para servirem a seus objetivos pouco transparentes (enriquecimento pessoal, cartéis dominados por forças amigas, privilégios a grupos de interesse restrito, manipulação da imprensa, etc.).
O capitalismo é apenas uma forma de organizar forças produtivas, baseadas no empreendedorismo, para produzir mercadorias e acumular riquezas, apenas isso. Ele constitui, apenas e tão somente, uma pequena parte da sociedade, que vem ainda constituída por forças não capitalistas, como podem ser as associações sociais, o próprio Estado e uma série de forças sociais que não respondem aos critérios muito modestos da economia capitalista.
Ou seja, a falha das ex-repúblicas soviéticas em se transformarem em vibrantes democracias de mercado – como podem ser hoje a Polônia e a República Tcheca, em menor medida a Hungria – não tem nada a ver com o capitalismo, em qualquer de suas formas. Tem, sim, a ver, com a estrutura mafiosa dos sistemas políticos, dominada em grande medida por ex-apparatchiks e membros da velha nomenklatura comunista, que souberam se reciclar no capitalismo de Estado que eles mesmos manipulam para seu maior poder e glória.
O conceito de poder, aliás, explica muito do que houve, e confirma que os fracassos registrados não têm nada a ver com o capitalismo. Este é um sistema justamente descentralizado, feito de milhares de empresários, milhões de trabalhadores e consumidores, que não se encontram a não ser nos mercados e nas relações de trabalho, e não comandam nenhum poder, a não ser o de atrair os consumidores para os seus bens e serviços produzidos, do contrário são simplesmente expelidos do mercado. Existem, é claro, situações de monopólios e cartéis, mas que são geralmente feitos através de arranjos, ou omissões, do Estado, quando não produzidos diretamente pelos Estados (ou melhor, pelas pessoas que comandam ao Estado).
A lógica do capitalismo é a da dispersão do poder (econômico) e isso é uma característica essencial do sistema, do contrário não seria capitalismo. A lógica da política, ao contrário, é a concentração do poder, pois esta é a condição pela qual políticos podem se perpetuar no poder. Uma das piores situações que podem ocorrer é a união de capitalistas e políticos, pois os primeiros adoram um monopólio – ou seja, dominar o mercado e expulsar os concorrentes – e os segundo adoram a mesma coisa, em sua esfera peculiar de manipulação da vontade dos cidadãos.
Ou seja, o sistema capitalista não é especialmente moralista, só conseguindo ser benéfico para as pessoas quando o poder econômico se encontra disperso, o que ocorre geralmente nos verdadeiros sistemas de mercado, abertos a novos entrantes e a todas as concorrências. Nem o sistema político é moralista, só podendo ser contido com mecanismos de transparência, de controles e limites (checks and balances), de justiça independente, de controle cidadão, pelo exercício regular do voto, em um sistema aberto a novos competidores. O que os países da ex-URSS não tiveram, justamente, foi capitalismo e democracia. Sendo assim fica contraditório acusar o capitalismo de qualquer falha própria pelo fracasso dessas sociedades em realizarem o que se espera de sociedades normais. Elas ainda tem um longo caminho pela frente, mas o capitalismo é ainda uma parte pequena da resposta. Tudo depende da democracia e da livre expressão dos cidadãos, de preferência educados.

Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 4 de julho de 2010)

Mais informações sobre o programa-debate, neste link.

sábado, 3 de julho de 2010

Capitalismo de Estado e Capitalismo de Mercado: a grande disputa

Livro:
Ian Bremmer
The End of the Free Market: Who Wins the War Between States and Corporations?
Portfolio Hardcover, 2010, 240 p.
ISBN-10: 1591843014
ISBN-13: 978-1591843016
Formats:
Kindle Edition: $12.99
Hardcover: $17.79
Used from: $12.99

O mercado contra o Estado
Revista Época, 4.07.2010

Em seu novo livro, o cientista político americano Ian Bremmer analisa o crescimento do capitalismo de Estado no mundo – inclusive no Brasil. Para ele, o sistema de livre mercado ainda vai prevalecer. A seguir, um trecho do livro:

Em maio de 2009, recebi um convite por e-mail para discutir a crise financeira global com o vice-ministro de Relações Exteriores da China, He Yafei, junto com um pequeno grupo de economistas e acadêmicos. O vice-ministro iniciou o encontro, realizado no consulado chinês, na 12a Avenida, em Manhattan, com uma pergunta: “Agora que o livre mercado fracassou, que papel vocês acham que caberá ao Estado na economia?”.

Seu tom maliciosamente pragmático e a grandiosidade de sua afirmação quase me fizeram rir. Mas a pergunta era séria – e uma rápida olhada nas manchetes dos jornais revelava muitas evidências em seu favor. A quebra do banco de investimento Lehman Brothers, em setembro de 2008, demonstrou que a crise financeira havia atingido uma escala que não podia mais ser ignorada. As autoridades de Washington tinham assumido a responsabilidade por decisões que geralmente são tomadas pelos mercados, em Nova York. O então presidente George W. Bush assinou o Ato Emergencial de Estabilização Econômica, criando o Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (Trouble Asset Relief Program, Tarp, em inglês), de US$ 700 bilhões. No início de 2009, seu sucessor, Barack Obama, avisou que, se Washington não atuasse rapidamente, os Estados Unidos viveriam uma catástrofe. Os legisladores responderam ao chamado aprovando um plano de resgate de US$ 787 bilhões.

He Yafei aguardou pacientemente por uma resposta. “Os bancos fracassaram em se autorregular, mas isso não significa que o governo vai dominar permanentemente a economia”, respondi. Robert Hormats, do (banco de investimento) Goldman Sachs, Don Hanna, do Citigroup, o economista Nouriel Roubini e outros acrescentaram suas visões à conversa. Ao longo dos 90 minutos seguintes, meus colegas americanos e eu defendemos o capitalismo de livre mercado e o senhor He defendeu o capitalismo dirigido pelo Estado. Nós encontramos algumas ideias em comum. Mas, ao final do encontro, ficou claro que tínhamos discutido os méritos de dois conjuntos incompatíveis de princípios políticos e econômicos.

Em encontros de consequências muito mais amplas, realizados agora em todo o mundo, essa incapacidade de concordar em relação ao papel adequado do Estado na economia mudará a forma de a gente viver. O exemplo mais óbvio é a mudança da mesa internacional de negociações dominada pelos chefes de Estado do G7, o grupo das nações mais industrializadas do mundo – todas elas campeãs do capitalismo de livre mercado – para o modelo do G20, no qual céticos do livre mercado, como China, Rússia, Arábia Saudita, Índia e outros países, participam da discussão. Agora, quando os líderes das democracias de livre mercado fazem o diagnóstico dos problemas da economia global, enfrentam o sorriso cético de He Yafei – e de todos aqueles na mesa que acreditam que o livre mercado fracassou e que o Estado deve ter um papel preponderante na economia. É um enorme problema, que vai trazer desafios por várias décadas. Como chegamos aqui? O fim da Guerra Fria não trouxe a vitória do capitalismo de livre mercado?
Apesar de ter cumprido as promessas de campanha, Lula não é nenhuma Margaret Thatcher

Em dezembro de 1991, um atônito Mikhail Gorbatchev anunciou a seu povo que eles estavam vivendo num mundo novo. Seis dias depois, a União Soviética acabou. Em três semanas, o líder chinês Deng Xiaoping lançou uma nova fase da reforma de livre mercado da China. Em um ano, até Fidel Castro tinha aceitado a necessidade de implementar algum grau de experimentação capitalista. Países do Pacto de Varsóvia começaram a marchar em direção à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e à União Europeia. O capitalismo de livre mercado parecia ter obtido uma vitória definitiva.

Mas, como os russos descobriram de forma dolorosa nos anos 90, há um longo caminho entre uma economia planificada e o capitalismo de livre mercado. A queda do comunismo não representou o triunfo do livre mercado, porque não colocou um ponto final em governos autoritários. O governo chinês aprendeu algumas lições importantes com o colapso da União Soviética e a revolta da Rússia contra o caos e a corrupção que se seguiram. Primeiro, reconheceu que, se o Partido Comunista Chinês fracassasse em gerar prosperidade para o povo, seus dias estavam contados. Segundo, aceitou que o Estado não pode criar crescimento econômico duradouro por decreto. Só com a liberação da inovação e das energias empreendedoras de sua vasta população a China poderia prosperar e o partido sobreviver. Terceiro, percebeu que, quando esse potencial de crescimento fosse liberado, o partido só poderia proteger seu monopólio de poder político se o Estado controlasse a maior parte possível da riqueza que os mercados viessem a gerar.

Assim como a China, governos autoritários em todo o mundo aprenderam a competir abraçando o capitalismo de livre mercado. Certos de que economias planificadas estavam destinadas ao fracasso, mas temerosos de que o verdadeiro livre mercado fugisse do controle, os autoritários inventaram o capitalismo de Estado. Neste sistema, os governos usam vários tipos de empresas controladas pelo Estado para administrar o que consideram como joias da coroa e para criar e manter um grande número de empregos. Eles elegem empresas privadas para dominar certos setores econômicos. Usam os fundos soberanos para investir o dinheiro extra e maximizar os lucros do Estado. Em todos os casos, o Estado está usando os mercados para criar riquezas que possam ser dirigidas para onde os políticos desejarem.

Esse novo modelo atraiu imitadores em boa parte dos países emergentes. No Brasil, quando a população elegeu Luiz Inácio Lula da Silva como presidente, em 2002, muitos investidores estrangeiros temiam que ele seguisse o caminho do presidente venezuelano Hugo Chávez, dando uma guinada radical para a esquerda. Apesar das garantias de campanha de que Lula manteria a disciplinada política de livre mercado, alguns temiam que ele voltasse atrás. Isso não aconteceu. Sua reputação de esquerda o ajudou a construir um consenso em favor do capitalismo de livre mercado – dentro de certos limites. Hoje, com seu mandato no fim, ele continua muito popular no Brasil.

Lula, porém, não é nenhuma Margaret Thatcher. Ele acredita que seu governo tem uma responsabilidade com os pobres e com o fortalecimento (e não com a privatização) da maior parte das estatais remanescentes. Elegeu campeões nacionais de controle privado, especialmente em setores como mineração e telecomunicações. Empresas como a Petrobras e a Eletrobrás desempenham um papel mais importante, embora o governo trabalhe para atrair mais investimento privado.

Essas intervenções não chegam perto das que ocorrem na Rússia ou na China. Ainda assim, dois fatos importantes ameaçam levar o governo brasileiro a desempenhar um papel mais ativo na economia. O primeiro é a descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, anunciada em novembro de 2007. O governo já propôs mudanças na lei de 1997, que permitiu às empresas estrangeiras desempenhar um importante papel na exploração e na produção de petróleo, e quer assegurar que a Petrobras não perderá seu papel de liderança no setor. O segundo fator potencial de mudança foi o impacto da crise financeira de 2008 no mercado interno. Com a desaceleração do comércio e a redução do crédito, o governo usou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal para injetar recursos no setor privado, aumentando a participação governamental em algumas das maiores empresas do Brasil.

Lula trabalhou para ajudar a criar campeões privados de capital nacional em alguns setores, com o objetivo de torná-los mais competitivos no mercado internacional. Mas, como essas empresas têm financiamentos de outras fontes, o Estado não pode controlá-las totalmente.

Em dezembro de 2008, o governo Lula anunciou planos de criar um fundo soberano. A ideia original era usá-lo para ajudar a financiar as empresas brasileiras no exterior e a desvalorizar o real, para estimular as exportações. O governo tomaria empréstimos em reais e compraria dólares para financiar as empresas brasileiras a comprar ativos no exterior. A retração econômica mudou os planos. Agora, o governo quer que o capital do fundo (pouco abaixo de US$ 7 bilhões) ajude a financiar investimentos do Estado no Brasil e garanta recursos às instituições financeiras estatais.

Em outubro de 2010, os eleitores brasileiros irão às urnas para eleger o sucessor de Lula e terão de tomar uma decisão difícil. O Brasil não é um país de capitalismo de Estado. Sua democracia permite o controle do poder do Estado, a opinião pública apoia o comércio e o investimento estrangeiro (inclusive no setor de energia) e seu fundo soberano é pequeno, se comparado aos da China e do Golfo Pérsico. Mas, ainda que os eleitores decidam o voto com base em outras questões, o próximo presidente terá uma influência considerável na forma como o país vai desenvolver uma das maiores reservas de petróleo do mundo, o grau de abertura da economia e o tipo de exemplo que dará a seus vizinhos.

A Grande Depressão dos anos 1930 não destruiu o capitalismo de livre mercado, mesmo que as alternativas do comunismo e do fascismo tenham capturado a imaginação mundo afora. O capitalismo de livre mercado destruiu o fascismo, ofuscou o colonialismo e teve uma longevidade maior que o comunismo. Também sobreviveu a diversas crises criadas por ele mesmo. Por que ele é tão resistente? Porque praticamente todas as pessoas valorizam a oportunidade de criar prosperidade para si mesmas e suas famílias, e porque o livre mercado provou diversas vezes que pode dar poderes praticamente a qualquer um. À medida que centenas de milhões de pessoas conhecerem como os outros vivem – do outro lado da rua e do outro lado do planeta –, elas se darão conta de que uns têm muito mais que os outros. Mas muitos também verão que a riqueza, como quer que a definam, não está mais fora de seu alcance. À medida que nações antes isoladas se unirem à economia global, criando novos mercados para os bens e serviços que produzem, elas verão que a prosperidade pode ser contagiosa. As três últimas décadas provaram que o acesso ao livre mercado – e não apenas a ajuda financeira – pode incluir imensos contingentes de pobres na economia global. Os mercados livres oferecem àqueles que deles participam vantagens de longo prazo que o capitalismo de Estado não pode atender.

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Debate no site da Amazon:
Nouriel Roubini and Ian Bremmer: Author One-to-One
In this Amazon exclusive, we brought together authors Nouriel Roubini and Ian Bremmer and asked them to interview each other.

Nouriel Roubini is a professor of economics at New York University's Stern School of Business. He has extensive senior policy experience in the federal government, having served from 1998 to 2000 in the White House and the U.S. Treasury. He is the founder and chairman of RGE Monitor (rgemonitor.com), an economic and financial consulting firm, regularly attends and presents his views at the World Economic Forum at Davos and other international forums, and is an adviser to cental bankers around the world. He is the author of Crisis Economics and Bailouts or Bail-Ins. Read on to see Nouriel Roubini's questions for Ian Bremmer, or turn the tables to see what Bremmer asked Roubini.

Nouriel Roubini Roubini: Your book [The End of the Free Market: Who Wins the War Between States and Corporations?] suggests that an old trend, what you call state capitalism, has become much more important. What happened to change things?

Bremmer: Over the past 18 months, the Western financial crisis and the global recession have accelerated the inevitable transition from a G7 to a G20 world. That’s not just a matter of more states at the bargaining table. It’s not just about having to herd more cats to get things done on the international stage. It’s about herding cats together with other animals that don’t really like cats. And that’s not really herding.

The G7 world was one where everyone that mattered for growth in the global economy accepted the assumption that prosperity depended on rule of law, independent courts, transparency and a free media—and in the value of free market capitalism. In that world, multinational corporations are the principle economic heavyweights. This consensus has provided the engine driving globalization for the past 40 years.

The sun has set on that world. The country that has emerged strongest and fastest from the global slowdown is one that does not accept the idea that a regulated free market economy is crucial for sustainable economic growth. China’s success has persuaded authoritarians around the world that they really can have explosive growth without undermining their monopoly hold on domestic political power. China has enjoyed double-digit growth for thirty years without freedom of speech, without well-established economic rules of the road, without judges that can ignore political pressure, without credible property rights—without democracy. And the events of the past 18 months have made China more important that ever for the future of global economic growth. This is a big change with enormous implications that we had better start thinking through.

Roubini: The term state capitalism means different things to different people. How do you explain it today?

Bremmer: I’m writing about a system in which the state uses the power of markets primarily for political gain. A country’s political leaders know that command economies will eventually fail, but they’re afraid that if they allow space for markets that are truly free, they’ll lose control of how wealth is generated. They could end up empowering others who will use markets to generate revenue that can then be used to challenge the government’s authority to dominate the country’s political life. So they use national oil companies, other state-owned enterprises, privately owned but politically loyal national champion companies, and sovereign wealth funds to exercise as much control as possible over the creation of wealth within the country’s borders. And they send these companies and investment fund abroad to secure deals that increase the state’s political and geopolitical leverage in a variety of ways.

This system is fundamentally incompatible with a free market system.

Roubini: Creating friction between the state capitalists and other governments. To say nothing of privately owned companies.

Bremmer: Exactly, yes. In a free market system, multinational corporations are looking to maximize profits. In markets that are not intelligently regulated, and we’ve seen this in the United States, they're looking to maximize short-term gains at the expense of sustainable, long-term growth for their shareholders or for their own compensation. The past two years have reminded us of the sometime excesses of free market capitalism.

In a state capitalist system-- the principle economic actors are looking first to achieve political goals. Profits are subordinate to that goal. In other words, if profits serve the state’s interests, they’ll pursue profits. But if the state needs a state-owned oil company to pay through the nose to lock up long-term supplies to the oil, gas, metals and minerals needed to secure the long-term growth that keeps workers in their jobs, off the streets, and the political leaders in power, profits and efficiency can become political liabilities and these companies will pay whatever it takes to get what their political patrons want.

But the state-owned companies are competing with multinationals that won’t overpay, that can’t overpay. Here, the injection of politics into market activity distorts the outcome—in this case by raising the price that we all pay for energy and other commodities.

Roubini: When you mention the state capitalist countries, which ones do you specifically have in mind?

Ian Bremmer Bremmer: We find state capitalist powers among the Arab monarchies of the Persian Gulf-- Saudi Arabia and the United Arab Emirates are the most important. You see this trend, of course, in Putin’s Russia. There are other examples of countries that mix free market with state capitalist policies. But we wouldn’t be talking about state capitalism as game-changer for international politics and the global economy if it weren’t for China, now the world’s second largest economy and its fastest growing major marketplace.

Roubini: The End of the Free Market is a provocative title. Are you trying to out-Doom me?

Bremmer: You know I wouldn’t do that. But you have to admit, it’s not an exaggeration. It’s not that I think the United States is going to throw away its free market principles. It's not about President Obama being some kind of socialist. Washington will tighten the regulation of financial markets in coming months, and some people won’t like that. Americans will not lose their faith in the power of free market capitalism to generate prosperity. But that can’t be said for the rest of the world.

The global economic system is no longer driven by consensus around these values. There are now competing forms of capitalism. You used the word friction. That’s exactly the right word. Friction, competition, even conflict. There will be winners and losers, and the world’s political and business leaders better begin to try to sort out who those winners and losers will be.

Roubini: Do you mean that state capitalists will be winners and those who bank on free markets will lose?

Bremmer: Not necessarily. We’re going to see governments around the world that no longer feel bound to follow the Western rulebook of decades past. We’ll see multinational corporations struggling to adapt, because foreign investment will become much less predictable and much more complicated. And the backing they get from their home governments won’t carry as much weight.

Yet, some of them will be more successful than others at learning to compete on a playing field that isn’t level. There are very good reasons to doubt that the state capitalists will have staying power. But for now, they have lots of new clout and plenty of advantages. Over the next five, ten, twenty years, state capitalist governments and the companies and institutions they empower will be a serious—and global--force to be reckoned with.

The threat for Americans is that all this is happening at a moment when people are struggling, and their elected leaders have every incentive to respond to that fear and anger with promises to throw up walls meant to protect them from all these changes. Americans have always prided themselves on tearing down walls, not building them. State capitalism and American populism will put that faith to the test.

Roubini: Were you tempted to call your book The End of Globalization?

Bremmer: No, this isn’t the end of globalization. It is the end of globalization’s singular, overriding power to shape our lives and the future of the global economy. Globalization depends on access to global consumer markets, capital markets, and labor markets. State capitalism compromises all three. Globalization still matters, and it will continue to matter for the foreseeable future. But it is no longer the fundamental driver of growth in a global economy that looks increasingly toward China for the next expansion.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Ordem (?), Corrupcao e Progresso (?): novo lema da bandeira do Brasil

Quando é que o povo, a sociedade brasileira, os cidadãos comuns vão aprender que, quanto mais dinheiro circular pelo Estado, e quanto mais dinheiro for distribuido de forma centralizada, maiores serão as oportunidades para que alguns espertos tenham soluções criativas para o "emprego" desse dinheiro.
O gosto atávido do brasileiro pelo Estado ainda vai deixá-lo com menos da metade da renda auferida em atividades lícitas...
Paulo Roberto de Almeida

Operação Parceria
ONG com sede no Paraná desviou pelo menos R$ 300 milhões de verbas federais em cinco estados
O Globo, 11/05/2010 às 12h39m

SÃO PAULO - A Polícia Federal (PF) prendeu 11 pessoas em cinco estados, acusadas de desviar recursos de programas sociais implementados com verbas federais. Segundo a Polícia Federal, o grupo desviou R$ 300 milhões de reais dos cofres públicos nos últimos 5 anos. Os recursos eram obtidos por meio de uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), sediada em Curitiba, no Paraná, denominada Centro Integrado de Apoio Profissional (Ciap). O Ciap fazia parceria com Prefeituras para implementar programas sociais, principalmente na área de educação e saúde, e faturou mais de R$ 1 bilhão nos últimos cinco anos. Pelo menos 30% deste dinheiro teria sido desviado para pessoas ou empresas do grupo que orbitam em torno de projetos feitos em parceria com o setor público.

Entre os presos, cinco foram detidos em Londrina. Em Curitiba foi detido Dinocarme de Oliveira, presidente do Ciap. Mais de 200 agentes públicos foram mobilizados na operação.

Somente na cidade de Londrina, no Paraná, o Ciap teria recebido R$ 34 milhões. Segundo a Controladoria Geral da União, que investigou o esquema junto com o Ministério Público Federal, a Receita Federal e a PF, mais de R$ 10 milhões em despesas não foram comprovados. Além do Paraná, o esquema tinha ramificações nos estados de São Paulo, Goiás, Maranhão e Pará.

De acordo com as investigações, o Ciap movimentava por ano cerca de R$ 130 milhões e simulava a aplicação integral em projetos promovendo contratações de empregados e compras de bens e serviços. Porém, 30% da verba era transferida para uma conta da entidade, a título de despesa administrativa. Os saques eram de alto valor, feitos em dinheiro, sem destinação especificada. As autoridades descobriram ainda que muitos dos que era pagos como fornecedores eram, na verdade, empresas que pertenciam a parentes dos responsáveis pela entidade ou pessoas de sua confiança.

Além do desvio de recursos, foi descoberto um esquema de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, além de crimes tributários e compras suspeitas de títulos da dívida pública "podres" e de imóveis rurais supostamente inexistentes no estado do Pará. Estes imóveis eram usados como garantia em dívidas públicas.

Para a PF, há indícios de que o esquema era estruturado com hierarquia. O primeiro passo era identificar os recursos públicos disponíveis. Logo depois, o Ciap firmava acordo com prefeituras e lobistas passavam a atuar para garantir o repasse do dinheiro. Em geral, os contratos e convênios eram superfaturados. Os saques eram feitos em dinheiro e em grandes quantias, além de movimentações feitas por pessoas e empresas ligadas ao grupo. A contabilidade do Ciap era manipulada para a prestação de contas, dificultando o rastreamento do dinheiro.

No total, a PF tinha 14 mandados de prisão a serem cumpridos na operação desta terça. Outros 40 mandados de busca e apreensão foram incluídos na operação desta terça-feira. A operação foi batizada de "parceria" em referência ao instrumento jurídico firmado com órgãos públicos.

A figura da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) foi instituída pela Lei 9790, de 1999. O OSCIP é um certificado emitido pelo poder público federal em favor de entidades do terceiro setor,constituídas por iniciativa privada, sem fins lucrativos, que comprovem o cumprimento de certos requisitos estabelecidos na referida lei federal. Em contrapartida, podem celebrar com o poder público os chamados termos de parceria.

A ideia é que a atuação destas entidades de terceiro setor garantam eficiência e universalização de serviços públicos nas áreas de saúde, educação, cultura, profissionalização, assistência social, alem da difusão da consciência de proteção ao meio ambiente e do patrimônio histórico e artístico etc.

Para a PF, os envolvidos em desvios de dinheiro por meio do Ciap viram na lei uma forma de se apropriar facilmente de verbas públicas e desviá-las.

sábado, 8 de maio de 2010

A concepcao de desenvolvimento de certas pessoas...

Um capitalismo de Estado, engordado com o dinheiro de todos os brasileiros, para premiar os amigos do poder com grandes obras subsidiadas...

Lula celebra Geisel em Belo Monte
DEMÉTRIO MAGNOLI
O Estado de S.Paulo, 29 de abril de 2010

Belo Monte lembra Itaipu, de muitas formas. O estudo de viabilidade da usina, então batizada Kararaô, começou em 1980, durante a construção de Itaipu. O nome do general-presidente Ernesto Geisel está ligado às duas obras. Itaipu nasceu do consórcio binacional firmado um ano antes de sua posse, mas tornou-se um ícone do modelo de desenvolvimento que ele personificou. O conceito original de Kararaô foi elaborado durante o seu quinquênio, como parte de um grandioso plano de exploração do potencial hidrelétrico da Amazônia. De Kararaô a Belo Monte, mudou a abordagem dos impactos sociais e ambientais do projeto. Por outro lado, a engenharia financeira da hidrelétrica, tal como exposta no seu leilão, evidencia a restauração da visão geiseliana sobre o Brasil.

Lula definiu Geisel como "o presidente que comandou o último grande período desenvolvimentista do País". A crítica ao desenvolvimentismo geiseliano não partiu dos liberais, então um tanto calados, mas da esquerda. As grandes obras de infraestrutura de sua época foram financiadas à custa do endividamento estrutural do Estado e pagas ao longo de mais de uma década de inflação. No preço oculto das variadas Itaipus, esses objetos do encantamento de Lula, deve-se contar a crise política crônica que destruiu o regime militar e envenenou os governos Sarney e Collor tanto quanto a impotência do Estado para investir em serviços públicos de saúde e educação. Tais lições, aprendidas na transição política que viu nascer o PT, são hoje renegadas, no discurso e na prática, por um presidente embriagado de soberba.

Geisel ofereceu energia barata para a indústria, subsidiando-a pela via da exclusão social de milhões de brasileiros. Uma ditadura comum pode fazer isso por algum tempo, mas é preciso uma ditadura à chinesa para sustentar tal estratégia de desenvolvimento. Kararaô não seguiu adiante pois esgotara-se o fôlego financeiro e político do modelo de Geisel. Desde a redemocratização, sob pressão dos eleitores, os governos iniciaram um redirecionamento dos fundos públicos para as finalidades sociais. O leilão de Belo Monte representa uma inflexão nessa curva virtuosa.

A engenharia financeira da usina se subordina ao dogma geiseliano da tarifa barata. O suposto benefício não passa de um subsídio indireto aos empresários industriais e comerciais, que consomem juntos quase 70% da oferta total de eletricidade. A tarifa comprimida afugentou os investidores privados, convertendo o Estado no financiador principal da obra. O BNDES entrará com 80% dos recursos, a juros subsidiados e prazo de pagamento de 30 anos. Como o BNDES não dispõe desse capital, o Tesouro pagará a conta, emitindo dívida pública.

O preço real da eletricidade que será produzida, escondido atrás da tarifa de mentira, corresponde à remuneração do capital investido na obra, mais os custos e lucros da concessionária. A diferença entre o preço real e a tarifa recairá sobre os brasileiros de todas as faixas de renda, inclusive sobre a geração que ainda não vota. Itaipu, segunda versão: apesar daquilo que dirá a candidata governista no carnaval eleitoral, o povo fica condenado a subsidiar a energia consumida pelo setor empresarial.

Lula celebra Geisel no templo profano do capitalismo de Estado. Contudo, se o general confinava as empresas parceiras à lucrativa função de empreiteiras, o presidente que o admira prefere o sistema de aliança no consórcio concessionário. O jogo, mais complexo, assumiu a forma de uma contenda entre aliados pela distribuição de poder e benesses financeiras. À sombra da regra da tarifa subsidiada, manejando os recursos públicos e o capital dos fundos de pensão, que trata como se fossem públicos, o governo impôs o controle estatal sobre o consórcio.

A Eletrobrás, imaginada como uma Petrobrás do setor elétrico, terá a hegemonia na operação da usina, pela via da participação de 49,98% da Chesf no consórcio vencedor. À meia luz, no ambiente propício aos acertos heterodoxos, desenvolve-se o processo de domesticação dos parceiros privados, que aceitarão posições subordinadas em troca de generosas isenções tributárias e da almejada participação como empreiteiros. O leilão foi apenas o ponto de partida da negociata multibilionária, que seguirá seu curso longe dos olhos da opinião pública.

A nova Itaipu custará estimados R$ 30 bilhões. Na sequência, vem aí o leilão do trem-bala, com custo similar, também financiado essencialmente por meio de emissão de dívida pública. O PT nasceu no ano da concepção de Kararaô e no rastro da crítica de esquerda ao peculiar nacionalismo geiseliano, com a sua aliança entre o Estado-empresário e uma coleção de grandes grupos privados associados ao poder. Três décadas depois, é no capitalismo de Estado que ele busca um substituto para a descartada utopia socialista.

"No Brasil dos generais, quem quisesse crescer tinha de ter uma relação de dependência absoluta com o setor público", explicou um alto executivo da construtora Norberto Odebrecht, que participou da fase derradeira da construção de Itaipu. O fundador da empresa mantinha relações estreitas com Geisel. Seu neto, Marcelo, atual presidente da Odebrecht, conserva uma coerência de fundo com as ideias do avô. É essa coerência que o levou a afirmar, três meses atrás: "O Chávez tem vários méritos que o pessoal precisa reconhecer. Antes dele, a Venezuela estava de costas para a América do Sul e de frente para os EUA. Vocês podem questionar o que quiserem, mas é inequívoca a contribuição que Chávez deu à integração do continente americano. É inequívoco, também, que os objetivos são nobres."

Marcelo Odebrecht pode ou não ter objetivos "nobres", mas não é ingênuo nos negócios - nem em política. A Odebrecht negocia a sua incorporação ao consórcio de Belo Monte. Ela tem bilhões de motivos para gostar do capitalismo de Estado.

É SOCIÓLOGO E DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP. E-MAIL: