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terça-feira, 10 de julho de 2012

Mercosul: Brasil a reboque dos bolivarianos - Rubens A. Barbosa


Eixo Buenos Aires-Caracas

Rubens Barbosa

O Estado de S.Paulo, 10/07/2012
A desastrada presidência argentina do Mercosul nos últimos seis meses, concluída na reunião de Mendoza, serviu para terminar de enterrar o grupo regional, tal como concebido inicialmente. O número de países-membros foi acrescido, e consagrado o desrespeito aos objetivos de liberalização e de abertura dos mercados.
Durante todo o primeiro semestre de 2012, na contramão da letra e do espírito do Tratado de Assunção, o governo argentino quis aprovar novas medidas protecionistas: aumento das restrições comerciais, com a proposta da elevação da Tarifa Externa Comum para 400 produtos e renovadas barreiras internas. Para fechar com chave de outro a sua presidência Cristina Kirchner liderou as medidas mais radicais contra o Paraguai e a decisão política de aceitar a Venezuela como membro pleno do Mercosul.
O Mercosul, como instrumento de integração econômica e comercial, vinha sendo gradualmente enfraquecido pelos seguidos descumprimentos de suas regras e pela tendência de cada pais a desenvolver suas próprias restrições comerciais e a tomar outras medidas que só fizeram aumentar a insegurança jurídica de potenciais investidores, como, por exemplo, a nacionalização da Repsol na Argentina, sem a adequada compensação.
A suspensão do Paraguai e o ingresso da Venezuela abrem uma nova e difícil etapa do Mercosul, que o Brasil terá de administrar durante a presidência semestral que agora lhe toca ocupar. Embora o Brasil, corretamente, não se tenha associado ao embargo econômico, proposto pela Argentina e executado pela Venezuela com a suspensão do fornecimento de petróleo ao Paraguai, no tocante ao ingresso pleno de Caracas no Mercosul, a posição brasileira aparentemente foi a de seguir a ação de Buenos Aires, ou, segundo o governo uruguaio, a de pressionar para aprová-lo.
Mais uma vez prevaleceram a velha demagogia e o voluntarismo latino-americanos. Apesar de o governo brasileiro se ter municiado de um parecer jurídico encomendado à Advocacia-Geral da União - ao invés do consultor jurídico do Itamaraty -, a legalidade da decisão dos três sócios do Mercosul, segundo anunciado, deverá ser contestada pelo Paraguai, porque o país não foi expulso, mas apenas suspenso por prazo determinado. O artigo 12 do Protocolo de Adesão - documento que estabelece as condições de entrada da Venezuela - prevê que ele só entrará em vigor depois de 30 dias do depósito do quinto instrumento de sua ratificação. Por outro lado, o artigo 37 do Protocolo de Ouro Preto - que criou a união aduaneira - diz que as decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados-partes.
O Protocolo de Adesão, aceito livremente pela Venezuela em 2006, não foi executado até aqui pelo governo bolivariano. A Tarifa Externa Comum, o acervo normativo do Mercosul e os acordos negociados com terceiros países deverão ser incorporados à nova política comercial da Venezuela até 2014 e necessitam ser comunicados à Organização Mundial do Comércio (OMC). Como ficarão os compromissos internacionais do Mercosul, por exemplo, no caso do acordo de livre-comércio com Israel, país com o qual o governo Hugo Chávez rompeu relações diplomáticas?
O precedente criado pela Venezuela abre a porta para o ingresso da Bolívia, do Equador e de outros países sem o devido cumprimento do ordenamento comercial que prevalece para os membros originais.
Com esse ato arbitrário e ilegal, os três países decidiram pôr um fim ao Mercosul econômico-comercial concebido nos idos de 1991 e instaurar um Mercosul que obedece a prioridades políticas, e não mais técnicas ou jurídicas. Um exemplo disso é a elevação das Tarifas Externas Comuns de cem produtos adicionais, que poderão mesmo ser aplicadas contra o Brasil. Por outro lado, apesar de os Congressos da Argentina, do Brasil e do Uruguai terem aprovado o Protocolo de Adesão da Venezuela por motivos políticos, ignorando as deficiências técnicas, foi necessária a suspensão do país cuja voz era destoante para que fosse decidida a entrada de Chávez.
Não há dúvida que, do ponto de vista estratégico e econômico, será importante a incorporação da Venezuela ao subgrupo regional. O Mercosul estender-se-á da Patagônia ao Caribe e seu mercado se ampliará. O que se discute agora é o preço que os países-membros deverão pagar a curto prazo. Não custa lembrar que Hugo Chávez, que agora celebrou a entrada da Venezuela "como uma derrota do imperialismo e das burguesias lacaias", já havia declarado publicamente que pretende "mudar totalmente o Mercosul", a seu ver, "muito neoliberal".
Não podem deixar de ser ressaltadas a força da liderança de Chávez na América Latina, muito além dos países da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), e a forma como o governo brasileiro vem atuando na América do Sul, ignorando nossos reais interesses políticos e diplomáticos na região.
Inicialmente, o governo de Dilma Rousseff, no tocante à política externa, foi saudado por seu pragmatismo e pela ausência da influência de fatores ideológicos, que tanto caracterizou o governo Lula, sobretudo no segundo mandato. As decisões sobre o Paraguai e a Venezuela não deixam de ser um retrocesso na linha inicial de conduta do governo brasileiro. A percepção prevalecente é a de que o Brasil, na melhor das hipóteses, ficou a reboque da Argentina, pelas afinidades partidárias e ideológicas com Hugo Chávez. Não é de excluir, nesse episódio, a influência de Lula, grande eleitor de Fernando Lugo e de Chávez. O Brasil, cuja política externa tanto brilhou na Rio+20, interpretou equivocadamente os recentes acontecimentos regionais e se submeteu ao eixo Buenos Aires-Caracas.
A política externa, mais uma vez, nos últimos dez anos, desviou-se de sua tradição de defesa dos interesses do Estado e se rendeu a interesses partidários.
* PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Paraguai: retomada do direito e da legalidade...


Paraguay presentó demanda ante Tribunal del Mercosur

Ultimahora.com, 9/07/2012

La Cancillería paraguaya solicitó hoy, por medio de un escrito, al Tribunal Permanente de Revisión del Mercosur (Asunción), la anulación de las sanciones contra el Paraguay. También se pidió la nulidad del ingreso de Venezuela.

Cumbre del Mercosur en Mendoza - Argentina
Foto: Archivo Efe.
Cumbre del Mercosur en Mendoza - Argentina Foto: Archivo Efe.
La suspensión de Paraguay del bloque se dio el pasado 29 de junio durante la reunión de los representantes de los países miembros, en Mendoza, Argentina.
Ernesto Velázquez Argaña, asesor jurídico de la Cancillería paraguaya, expresó que se presentó esta acción ante cuestiones que adolecen de serios inconvenientes jurídicos: Por una parte la decisión que suspende al Paraguay de su participación de los órganos del Mercosur y por otra parte, la admisión de Venezuela como miembro del bloque.
"Ambas decisiones son contrarias al Protocolo de Ouro Preto y a las normas del Derecho Internacional Público", expresó Velázquez Argaña a la 780 AM.
El asesor jurídico además manifestó que se consideran violados los artículos cuarto y quinto del Protocolo de Ushuaia, así como también los artículos 20 y 40 del Tratado de Asunción y el Protocolo de Ouro Preto normas y principios del Derecho Internacional, entre ellos el Principio de Igualdad Jurídica entre Estados y el de No Intervención.
El documento presentado cuenta aproximadamente con 60 páginas y hace referencia a las violaciones que se argumentan.
Ernesto Velázquez Argaña destacó que es difícil saber cuándo se tendrá una respuesta al reclamo. Añadió que se ha solicitado una medida de urgencia.
"Existen plazos en el Protocolo de Olivos, que darían entre 60 a 90 días que pueden extenderse", agregó funcionario de la Cancillería.

sábado, 7 de julho de 2012

Paraguai: o unico legalista no Mercosul? - Reuters


Paraguai recorrerá a tribunal do Mercosul por suspensão do bloco

Daniela Desantis, com reportagem adicional de Didier Cristaldo

ASSUNÇÃO – Reuters – 07/07/12.
O Paraguai anunciou na sexta-feira que recorrerá a um tribunal do Mercosul para reclamar da sanção que recebeu de seus parceiros, que o suspenderam temporariamente após a destituição do ex-presidente Fernando Lugo em um rápido julgamento político.
O novo governo de Federico Franco, que assumiu após a saída de Lugo por ser vice-presidente, informou que apresentará o caso na próxima semana ante o Tribunal Permanente do bloco, com sede em Assunção, por considerar que foram desrespeitados seus direitos dentro do bloco.
“Vamos dar início a ações legais no Tribunal Permanente do Mercosul”, disse o chanceler José Félix Fernández Estigarribia, em uma entrevista coletiva ao lado de Franco e de outros membros do gabinete.
“E muito está em função do que o tribunal vai resolver e do resultado das negociações paralelas que se seguem nesse âmbito para restabelecer os direitos da República no Mercado Comum do Sul”, acrescentou.
Franco afirmou, por sua vez, que seu governo não tomará a decisão de abandonar o bloco integrado também por Brasil, Argentina e Uruguai, que planeja incorporar a Venezuela como sócio pleno no final deste mês.
A entrada da Venezuela havia sido aprovada por todos os parceiros, exceto pelo Paraguai, cujo Congresso se negava a aceitar o protocolo de adesão. O anúncio sobre a incorporação ocorreu pouco depois da suspensão do país na reunião de presidentes realizada há alguns dias em Mendoza.
O Paraguai acredita que a suspensão não foi correta, porque o país não pôde se defender e que o ingresso da Venezuela também foi irregular, porque foi decidido sem a sua aprovação. O Mercosul optou pela sanção por considerar que se produziu no país uma quebra da democracia.
As decisões do Tribunal Permanente, que funciona desde 2004 e atua principalmente nos casos sobre disputas comerciais, apenas são obrigatórias e definitivas quando as partes lhe dão um caráter arbitral. O tribunal é formado por juristas de todos os países do bloco.
Fernández Estigarribia afirmou ainda que o Paraguai analisará a possibilidade de abandonar a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), que também suspendeu o país após a mudança de governo.

Mercosul: o bloco dos esquecidos (menos o Paraguai)

Pois é, parece que se esqueceram que existe, no Mercosul, uma coisa chamada sistema de solução de controvérsias, que aliás até possui um órgão próprio: a corte de apelação criada pelo Protocolo de Olivos (por acaso situada na capital paraguaia). 
Tantos anos de salvaguardas ilegais e arbitrárias da Argentina contra o Brasil e este nunca apelou, desde 2003, para o sistema de solução de controvérsias, que existe e parece que até funciona. Pelo menos no passado, nos tempos da brilhantina, o ancien régime tucanês apelou para o sistema de solução de controvérsias diversas vezes, contra nuestro hermano argentino, justamente. 
Funcionou em termos: o Brasil ganhou a causa, mas a Argentina não cumpriu. Que coisa! O país é condenado por práticas ilegais, sob um sistema que foi objeto de sua aprovação explícita e formal, e depois não cumpre? 
Não seja por isso: o Brasil levou o caso ao sistema de solução de controvérsias da OMC, e ganhou novamente a causa, como se esperava.
Mas é uma vergonha: o membro de um bloco comercial, ou seja, que deveria ser uma associação fraterna, se vê obrigado a levar um outro membro, justo el hermano, à barra de um órgão internacional, já que na instância regional ele não encontra satisfação? Que coisa!
Mas isso foi antigamente, quando o Brasil ainda defendia seus direitos.
No novo regime progressista parece que esqueceram que existem todos esses recursos à disposição do Brasil, para acionar membros e não membros, quando alguém se sente lesado pelo descumprimento explícito e cabal de suas obrigações assumidas solenemente. Pois é, esqueceram.
Pelo menos quero crer que é isso, pois não quero sugerir que o governo brasileiro deixou de cumprir com sua obrigação de defender os interesses do país em casos como esses.
Simples esquecimento, gente! Não consultaram o consultor jurídico, que poderia ter lembrado desses pequenos detalhes.
Assim como não devem ter consultado o consultor jurídico agora nesse caso bem mais complicado, e duplo, de "suspensão" do Paraguai e de "admissão plena" da Venezuela; ou então o consultor jurídico consultou mal, e aconselhou erradamente, dizendo que se podia fazer o que não se podia fazer. Que coisa gente! Que vergonha! O consultou consultando mal e os decisores decidindo erradamente! Onde vamos parar?
Ainda bem que o Paraguai se lembrou desse detalhe.
Aliás é o Paraguai o país depositário de todos os instrumentos jurídicos do Mercosul: como é que os três inconsultados vão fazer para colocar na prática e em vigor essa "admissão plena" da Venezuela? Mistério...
Acho que o Paraguai vai ganhar a causa no sistema de solução de controvérsias do Mercosul, as duas causas, se jamais elas forem levadas efetivamente à "barra dos tribunais" (ops, perdão pela sugestão), mas é possível, também, que os outros três não topem a parada, e fiquem enrolando politicamente durante algum tempo.
Que coisa! As pessoas esquecem e depois ficam com vergonha...
Tudo bem: o Paraguai, que é depositário dos atos, se encarrega de lembrar os demais. Mas não deixa de ser vergonha...
Paulo Roberto de Almeida 

Presidente do Paraguai diz que país não vai sair do Mercosul

Federico Franco afirma que não vai tomar 'nenhuma decisão que possa hipotecar o futuro do país'

O Estado de S.Paulo, 06 de julho de 2012 

AE - Agência Estado
ASSUNÇÃO - O Paraguai não vai se retirar do Mercosul e considera injusta e ilegal a suspensão temporária do país definida em junho pelos demais presidentes do bloco, afirmou nesta sexta-feira o presidente Federico Franco.
Franco afirma que Paraguai não vai deixar Mercosul - Jorge Adorno/Reuters
Jorge Adorno/Reuters
Franco afirma que Paraguai não vai deixar Mercosul
Os presidentes da Argentina, Brasil e Uruguai decidiram, em 29 de junho, suspender o Paraguai como uma sanção pela destituição, na semana anterior, do então presidente Fernando Lugo durante um julgamento político no Senado, considerado ilegítimo pelo bloco.
Franco, que substituiu Lugo e deve concluir seu mandato, que termina em agosto de 2013, disse em coletiva de imprensa que o Paraguai não abandonará o Mercosul porque seu governo vai durar "apenas 14 meses e "não tomaremos nenhuma decisão que possa hipotecar o futuro do país". Ele acrescentou que não dirá "nada que possa ser uma agressão contra presidentes de países signatários do Mercosul".
O ministro de Relações Exteriores paraguaio, José Félix Fernández, afirmou ter aberto uma reclamação junto ao Tribunal Arbitral do Mercosul, com sede em Assunção, sobre a suspensão de seu país. O chanceler não escondeu a expectativa do governo sobre o relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) que será apresentado na terça-feira em Washington pelo secretário-geral da organização.
"Temos muita esperança nesse relatório e agradecemos a Insulza por sua presença no país, onde se reuniu livremente com todas as pessoas que quis", disse Fernández, acrescentando que "na próxima semana vai chegar uma comitiva do Parlamento europeu para verificar a situação do país".
Nessa semana, Insulza e sua equipe entrevistaram Franco, Lugo, legisladores, empresários, representantes da igreja e jornalistas locais para a elaboração do relatório sobre a situação política no Paraguai antes, durante e depois da destituição de Lugo. O documento servirá de base para que o conselho permanente da organização decida se inicia o processo para impor sanções contra o Paraguai por causa do impeachment de Lugo.
Com Associated Press

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Trapalhadas diplomaticas dos aprendizes de feiticeiros - Elio Gaspari

Ressalvo desde já um elemento essencial dessa brincadeira de estudantes: o que está em causa não é exatamente a diplomacia brasileira, ou o Itamaraty, e sim os amadores que se metem a "traçar os rumos" da política externa brasileira na região. Eles não fazem diplomacia, nunca souberam fazer, e dificilmente vão aprender; fazem política partidária, e da pior espécie: aquela vinculada aos interesses espúrios dessa patota esclerosada do Foro de S.Paulo, que ainda pretende construir não se sabe qual via alternativa à democracia de mercado, ou à dominação da burguesia e do capitalismo. Esse pessoal é muito primário, e sectário, o que aliás rima, mas não tem graça nenhuma...
Paulo Roberto de Almeida 



A leviana diplomacia do espetáculo
Elio Gaspari
Folha de S. Paulo e O Globo, 27/06/2012

A patrulha internacional que atacou Paraguai é impertinente e só serve aos interesses da democracia chavista.
Poucas vezes a diplomacia brasileira meteu-se numa estudantada semelhante à truculenta intervenção nos assuntos internos do Paraguai. O presidente Fernando Lugo foi impedido por 39 votos a 4, num ato soberano do Senado.
Nenhum soldado foi à rua, nenhuma linha de noticiário foi censurada, o ex-bispo promíscuo aceitou o resultado, continua vivendo na sua casa de Assunção e foi substituído pelo vice-presidente, seu companheiro de chapa.
Nada a ver com o golpe hondurenho de 2009, durante o qual o presidente Zelaya foi embarcado para o exílio no meio da noite.
Quando começou a crise que levou ao impedimento de Lugo, a diplomacia de eventos da doutora Dilma estava ocupada com a cenografia da Rio+20.
Pode-se supor que a embaixada brasileira em Assunção houvesse alertado Brasília para a gravidade da crise, mas foi a inquietação da presidente argentina Cristina Kirchner que mobilizou o Brasil.
A doutora achou conveniente mobilizar os chanceleres da Unasul, uma entidade ectoplásmica, filha da fantasia do multilateralismo que encanta o chanceler Antonio Patriota.
As relações do Brasil com o Paraguai não podem ser regidas por critérios multilaterais. Foi no mano a mano que o presidente Fernando Henrique Cardoso impediu um golpe contra o presidente Juan Carlos Wasmosy em 1996. Fez isso sem espetacularização da crise. A decisão de excluir o Paraguai da reunião do Mercosul é prepotente e inútil. Quando se vê que o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, cortou o fornecimento de petróleo ao Paraguai e que a Argentina foi além nas suas sanções, percebe-se quem está a reboque de quem. Multilateralismo no qual cada um faz o que quer é novidade. Existe uma coisa chamada Mercosul, banem o Paraguai, mas querem incluir nele a Venezuela, que não está na região e muito menos é exemplo de democracia.
Baniu-se o Paraguai porque Lugo foi submetido a um rito sumário. O impedimento seguiu o rito constitucional. Ao novo governo paraguaio não foi dada nem sequer a palavra na reunião que decidiu o banimento.
Lugo aceitou a decisão do Congresso e agora diz que liderará uma oposição baseada na mobilização dos movimentos sociais. Direito dele, mas se o Brasil se associa a esse tipo de política, transforma suas relações diplomáticas numa espécie de Cúpula dos Povos. Vai todo mundo para o aterro do Flamengo, organiza-se um grande evento, não dá em nada, mas reconheça-se que se fez um bonito espetáculo.
O multilateralismo da diplomacia da doutora Dilma é uma perigosa parolagem. Quando ela se aborreceu, com razão, porque um burocrata da Organização dos Estados Americanos condenou as obras da hidrelétrica de Belo Monte, simplesmente retirou do foro o embaixador brasileiro. A OEA é uma irrelevância, mas para quem gosta de multilateralismo, merece respeito.
A diplomacia brasileira teve um ataque de nervos na bacia do Prata. O multilateralismo que instrui a estudantada em defesa de Lugo é típico de uma política externa biruta. O chanceler Antonio Patriota poderia ter se reunido com o então vice-presidente paraguaio Federico Franco 20 vezes, mas se a Argentina queria tomar medidas mais duras, ele não deveria ter ido para uma reunião conjunta, arriscando-se ao papel de adorno.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Venezuela no Mercosul: ilegalidade - Yves Gandra Martins


Folha de S.Paulo, 05/07/2012

Tendências/Debates: Democracia paraguaia

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Em 1991, fui convidado pelo Ministro da Justiça do Paraguai, com constitucionalistas de outros países latino-americanos, para proferir palestras sobre a Constituição brasileira. À época, o Paraguai se encontrava em processo constituinte, em vias de promulgar a Constituição que hoje rege os destinos da nação.
Entre os temas que abordei, expliquei que toda a Constituição brasileira fora formatada para um regime parlamentar de governo, só na undécima hora tendo se transformado numa Lei Maior presidencialista.
Talvez por essa razão, o equilíbrio de Poderes foi realçado ao ponto de, apesar de nossas crises políticas --impeachment presidencial, crise do Orçamento, dos anões, superinflação, alternância do poder, mensalão etc.--, jamais alguém ter falado em ruptura institucional.
O cientista político Arend Lijphart, em seu livro "Democracies", de 1984, detectou, em todo o mundo, apenas 20 países em que não houvera ruptura institucional depois da Segunda Guerra.
Desses, 19 eram parlamentaristas. Apenas um, os EUA, era presidencialista. Ulisses Guimarães me pediu o livro emprestado, mas preferi enviar um exemplar --lembrando da advertência de Aliomar Baleeiro, que dizia ter amigos que fizeram sua biblioteca com livros emprestados.
Sou parlamentarista desde os bancos acadêmicos, e sempre vi no parlamentarismo um sistema de "responsabilidade a prazo incerto": eleito um irresponsável para a chefia do governo, ele pode ser afastado, sem traumas, tirando-lhe o Parlamento o voto de confiança.
Já o presidencialismo é um regime de "irresponsabilidade a prazo certo", pois, eleito um irresponsável, ele só pode ser afastado pelo traumático processo de impeachment.
O Paraguai adotou o regime presidencial, mas, no artigo 225 de sua Constituição, escolheu instrumento existente no sistema parlamentar para afastar presidentes que:
a) Tenham mau desempenho;
b) Cometam crimes contra o Poder Público;
c) Cometam crimes comuns.
Tendo recebido um voto na Câmara dos Deputados e quatro no Senado, Lugo foi afastado do governo, no estritos termos da Constituição, por mau desempenho.
É de se lembrar que o Parlamento tem representantes da totalidade da nação (situação e oposição). O Executivo, só da maioria (situação).
Folhapress
Tanto foi tranquilo o processo de afastamento no Paraguai que não existiram manifestações de expressão em defesa do ex-presidente. As Forças Armadas nem precisaram enviar contingentes à rua, e Lugo continuou com toda a liberdade para expressar as suas opiniões e até para montar um governo na sombra.
Processo digno das grandes democracias parlamentares. Mas difícil de ser compreendido pelo histriônico presidente venezuelano, que usa todos os meios possíveis para calar a oposição e a imprensa, pela aprendiz de totalitarismo que é a presidente argentina, que tudo faz para eliminar a imprensa livre em seu país, ou pelos dois semiditadores da Bolívia e do Equador.
O curioso foi o apoio da presidente Dilma a essa "rebelião de aspirantes a ditadores", pisoteando a democracia e a Lei Suprema paraguaia a fim de facilitar a entrada no Mercosul de um país cuja monoeconomia só permitirá a seu conturbado presidente permanecer no poder enquanto o preço do petróleo for elevado.
Decididamente, a ignorância democrática na América Latina tem um passado fantástico e um futuro deslumbrante.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 77, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio
*
PARTICIPAÇÃO
Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Mercosul: golpes e golpes - Editorial do Estadao


Então ficamos assim: os golpes bons, dos companheiros, são ações para salvaguardar a democracia e garantir a estabilidade na região; eles são não apenas bons, mas totalmente legítimos e bem-vindos, já que em prol da boa causa, que todo mundo sabe qual é.
Mas, atenção, os golpes maus, esses contra companheiros progressistas, estes são culpa da rede Globo, da mídia capitalista, do Partido da Imprensa Golpista, e devem ser denunciados e recusados, de todas as formas, em prol das boas causas, claro...
Paulo Roberto de Almeida
Golpe contra o Mercosul
Editorial O Estado de S.Paulo, 3 de Julho de 2012

Em mais uma decisão desastrada e vergonhosa para a diplomacia brasileira, a presidente Dilma Rousseff apoiou a suspensão do Paraguai e a admissão da Venezuela como sócia do Mercosul. Seguiu a orientação de sua colega argentina, Cristina Kirchner, de credenciais democráticas abaixo de duvidosas, e sujeitou o destino do bloco regional aos objetivos políticos do caudilho Hugo Chávez. Como se quisesse dar razão a todos os críticos da escandalosa manobra encenada em Mendoza, o chefão venezuelano vociferou: "Não tenho dúvidas de que por trás daquele grupo de senadores do Paraguai está a mão do império, tentando impedir a conformação de uma verdadeira potência na América do Sul". Ele se referia ao último obstáculo à sua participação com direito de voto na cúpula dirigente do Mercosul. Não se sabe se a presidente brasileira corou ou sentiu pelo menos um leve arrependimento ao ler esse palavrório. Seus conselheiros diplomáticos e estrategistas internacionais devem ter exultado, ao receber a aprovação por mais esse ato de submissão ao grande movimento redentor da América do Sul, o kirchnerbolivarianismo.
Além de representar mais uma grave ameaça ao Mercosul, já enfraquecido por suas divisões, pelo protecionismo interno e por sua incapacidade de integração competitiva na economia global, a decisão a favor do ingresso da Venezuela é muito discutível do ponto de vista legal. Suspenso da participação nas reuniões e nas deliberações do bloco, o Paraguai se mantém, no entanto, como sócio. Quando for readmitido, depois da eleição presidencial de abril de 2013, a oposição de seus senadores ao ingresso da Venezuela terá perdido efeito? Especialistas contestam essa possibilidade ou, no mínimo, têm dúvidas relevantes sobre o assunto. Esse grupo inclui o chanceler uruguaio, Luiz Almagro.
Surge, portanto, um contraste dos mais interessantes: não há como negar a legalidade do impeachment do presidente Fernando Lugo (nem o governo brasileiro usou a palavra "golpe"), mas há uma boa base para contestar a punição imposta ao Paraguai. Em outras palavras, há bons argumentos para qualificar como golpe a manobra usada para possibilitar a admissão de Hugo Chávez como membro pleno da mesa diretora do Mercosul. Quem, nessa história, merece de fato ser chamado de golpista? Até agora, os presidentes e diplomatas envolvidos na condenação do Paraguai foram incapazes de sustentar sua decisão em um claro fundamento jurídico. Há uma diferença considerável entre apontar a rapidez do processo de impeachment do presidente Lugo e provar a violação de uma norma constitucional.
Enquanto a presidente Dilma Rousseff e seu colega uruguaio José Mujica seguiam a orientação da presidente Cristina Kirchner e atendiam aos desejos do chefão Chávez, empresários discutiam o futuro do comércio regional numa reunião paralela, em Mendoza. "A Argentina será responsável pelo fim do Mercosul", disse no encontro o presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, embaixador Rubens Barbosa.
Ele se referia ao protecionismo argentino. A criação de barreiras aumentou a partir de 2008, quando a crise internacional se agravou, e intensificou-se nos últimos seis meses, quando Buenos Aires abrigou a presidência temporária do bloco. A multiplicação de barreiras, como lembrou o embaixador Rubens Barbosa e confirmam os empresários dos dois lados, prejudica tanto a indústria brasileira quanto a argentina. Incapaz de reagir a esses abusos, o governo brasileiro assume a posição de cúmplice na devastação comercial e institucional do bloco.
Não houve punição econômica ao Paraguai, graças a um surto de quase lucidez do governo brasileiro. Mas terão os paraguaios interesse em ficar no Mercosul? As normas da união aduaneira impedem os sócios de negociar isoladamente acordos de livre comércio. Petismo e kirchnerismo têm sido os principais obstáculos a negociações com parceiros de peso como os Estados Unidos e a União Europeia. Talvez os paraguaios descubram, em seu absurdo isolamento, uma inspiração a mais para mandar às favas essa união aduaneira fracassada e buscar negociações relevantes para seu país. 

Paraguai: manchetes de jornais contraditorias

Manchete do jornal El Mundo, da Venezuela, de 2/07/2012: 

Brasil dice que la decisión de incorporar a Venezuela al Mercosur fue unánime

Manchete do jornal Folha de S.Paulo, do Brasil, de 3/07/2012:
Dilma pressionou por Venezuela,  diz Uruguai.

domingo, 1 de julho de 2012

Paraguai: diplomacia brasiguaia dando licoes a quem precisa...

Sem serem diplomatas, os brasiguaios constituem uma ponte para a melhoria das relações entre o Brasil e o Paraguai, bem melhor, em todo caso, do que as tramoias altamente suspeitas do Foro de São Paulo articuladas pelos companheiros do continente. 
Uma lição de pragmatismo, que os diplomatas não precisariam (e os do Itamaraty não precisam) tomar, não fosse pelo assalto feito pelos companheiros nas relações internacionais do Brasil. Um assalto, aliás, triplamente qualificado: obscuro (e tem muita coisa secreta que, infelizmente, não vai deixar traços escritos, a não ser nos depoimentos dos envolvidos, quiçás, um dia), altamente distorcido, na forma e na substância, e totalmente contrário aos interesses nacionais. Um dia isso acaba, mas os estragos já foram feitos em termos de credibilidade. Se ninguém diz nada em torno disso, eu digo...
Paulo Roberto de Almeida 


Fazendeiros brasiguaios saúdam fim da era Lugo

Brasileiros assentados há décadas no Paraguai tratam novo presidente como 'nosso Franco'

01 de julho de 2012 | 9h 25
Roberto Simon, enviado especial a Santa Rita
SANTA RITA - Federico Franco é o nosso homem em Assunção. Pelo menos é assim que pensam os grandes fazendeiros brasileiros assentados há décadas no Paraguai, que chegam a tratar o médico cirurgião de 49 anos que sucedeu a Fernando Lugo na presidência de "o nosso Franco".
Federico Franco, novo presidente do Paraguai - Efe
Efe
Federico Franco, novo presidente do Paraguai
Para líderes dos "brasiguaios", a comunidade de brasileiros que há quatro décadas expande a fronteira agrícola do Paraguai, Lugo era uma ameaça ao agronegócio e à propriedade no campo. Franco, do outro lado, é um velho amigo. O ocaso do ex-bispo que rompeu a hegemonia do Partido Colorado, afirmam os produtores brasileiros, dará início a uma nova era de "segurança jurídica" para os investimentos, cada vez mais lucrativos, no país vizinho. Mas, para isso, é preciso que o governo Dilma Rousseff aceite a legitimidade do impeachment de Lugo e mantenha a fraterna relação das últimas décadas com o Paraguai.
Juacir José Rebossi, mineiro ex-boia fria que se tornou um dos maiores fazendeiros brasileiros em solo paraguaio, onde está desde 1969, lamenta que tenha levado "tanto tempo" para Lugo cair. Em sua caminhonete, ele passeia pela região de Santa Rita - vila onde 80% da população é brasiguaia, a 70 km de Ciudad del Este - mostrando os sinais do boom agrícola que mudou a paisagem da região do Alto Paraná. O mato da época em que chegou deu lugar a infindáveis campos de milho, trigo e sobretudo soja, pontilhados por enormes moinhos e estruturas ultramodernas de processamento da colheita. Lojas de maquinário agrícola, carros, agências bancárias e restaurantes se enfileiram na rua principal, que ganhará asfalto em breve - pago não pelo Estado paraguaio, mas pelos proprietários locais.
O maior orgulho de Rebossi, porém, é a Expo Santa Rita, que ele ajudou a criar. Hoje, a feira agrícola que marca o fim da época de colheita, em maio, é o segundo maior evento do agronegócio no Paraguai e um símbolo do poder e prestígio da comunidade brasiguaia. Na edição de 2012, vieram as duplas sertanejas Fernando e Sorocaba e Chitãozinho e Xororó. Franco estava lá, como em todos os anos. Lugo, também como em todos os anos, não.
"Em todo seu governo, ele nos recebeu apenas duas vezes, logo depois que foi eleito, e nas reuniões ficou calado o tempo todo, enquanto nós explicávamos nosso temor das invasões de terra", explica Rebossi.
Mas, com Franco, "a porteira estará sempre aberta" para a comunidade brasileira. "Conhecemos ele há décadas, desde que ele foi deputado e governador, falamos diretamente, com a maior abertura. Ele é alguém realmente aberto aos brasileiros e, por isso, estamos mais otimistas agora."
''Muito obrigado''
A primeira reunião do primeiro dia de trabalho do presidente Franco, às 8h30 de segunda-feira, foi com líderes brasiguaios. No domingo, pouco mais de 24 horas após a queda de Lugo, eles haviam realizado um encontro com o cônsul do Brasil em Ciudad del Este, Flávio Roberto Bonzanini, a quem entregaram uma carta pedindo o "imediato" reconhecimento brasileiro do novo governo paraguaio.
Os fazendeiros foram especialmente trazidos à capital e recebidos em uma das salas do Palácio los López. Com Franco sentado à cabeceira, discutiram formas para desobstruir os canais com Dilma e convencer o governo brasileiro de que a destituição em 36 horas de Lugo foi legítima. Após alguns minutos de reunião, Franco interrompeu subitamente a conversa e, segurando firme um dos interlocutores brasiguaios, soltou: "Muito obrigado pelo que vocês estão fazendo por mim."
"O Paraguai fez a coisa mais certa que poderia fazer: tirar Lugo do poder e evitar o caos, a revolução", explica Francisco Mesomo, gaúcho de 64 anos que, no fim dos anos 70, comprou uma pequena propriedade no Paraguai para cultivar hortelã e, hoje, é um dos grandes produtores de soja, milho e trigo do país. Mesomo e Rebossi fizeram parte da comitiva recebida por Franco na segunda-feira.
O segundo foi ainda a Brasília, na quarta-feira, falar com um grupo de senadores - entre eles Álvaro Dias (PSDB-PR) e Ana Amélia (PP-RS) -, que manifestaram apoio firme à causa dos brasiguaios e ao reconhecimento do novo governo de Assunção.
Invasões
Rebossi e Mesomo culpam Lugo pelo movimento dos carperos, o grupo de sem-terra do Paraguai cujo nome vem dos barracos de lona onde se abrigam, as carpas. Para os dois brasiguaios, a transformação dos camponeses - que, nos anos 90, dispersos, reivindicavam a reforma agrária - em um movimento político nacionalmente organizado, os carperos dos anos 2000, foi "obra de Lugo".
Durante o governo do ex-bispo, afirmam, o Exército dava cobertura às invasões de terra e o Ministério do Interior evitava ao máximo cumprir as determinações judiciais de desapropriação. Eles alegam ainda que os camponeses eram transportados em veículos do Estado, algo que alguns sem-terra ouvidos pela reportagem negaram.
Um dos momentos mais tensos no conflito entre brasiguaios e carperos ocorreu em fevereiro na região de Ñacunday, perto da fronteira, quando cerca de 10 mil sem-terra ocuparam uma propriedade de plantação de soja. A polícia chegou a prender um dos líderes dos camponeses acusado de incitar a violência contra os brasiguaios, mas a questão segue sem desfecho. Parte das famílias continua na propriedade do brasileiro.
"Os carperos queriam que ocorresse em Ñacunday o massacre que ocorreu no dia 15 em Curuguaty", diz Fernando Schuster, referindo-se à tragédia que deixou 17 mortos - 11 sem-terra e 6 carperos - e deu início ao movimento que culminou na deposição de Lugo. "Conversei cara a cara com os carperos quando os policiais entraram na propriedade. Eles (os sem-terra) ficavam nos provocando, querendo que houvesse violência para eles usarem como arma política", diz Schuster, nascido no Paraguai, em límpido português.
Filho de pai brasileiro e candidato a vereador em Santa Rosa del Monday (cada vez mais, "do Mondaí"), outra pequena cidade do Alto Paraná, Schuster afirma que Lugo pôs os carperos "dentro do governo" e, em Ñacunday, "fez de tudo" para mantê-los nas propriedades.
"É preciso entender que Lugo queria trazer o projeto venezuelano de Hugo Chávez para o Paraguai, que ele pôs o Estado contra os produtores rurais, especialmente os brasileiros e seus descendentes", diz o candidato.
Ele afirma ainda que o ex-bispo "fez vista grossa" às ações violentas do Exército do Povo Paraguaio (EPP), "que se está tornando o equivalente paraguaio das Farc".
As informações são do jornal O Estado de S.Paulo

Aventuras diplomaticas mediterraneas: ali no Paraguai, mesmo...

Ah, a falta que faz um horizonte marítimo, para ver um pouco mais longe, pensar que as consequências sempre vêm depois, como diria um grande filósofo carioca (ou gaúcho, não sei, mas ambos com litoral marítimo), que falta faz pensar por si próprio, sem seguir os outros, já que quem pensa pelos outros acaba tendo de suportar os interesses dos outros...
Paulo Roberto de Almeida
http://www.istoe.com.br/reportagens/218248_BARBEIRAGEM+DIPLOMATICA


BRASIL
|  N° Edição:  2225 |  29.Jun.12 - 21:00 |  Atualizado em 01.Jul.12 - 04:03

Barbeiragem diplomática

Atuação desencontrada do Itamaraty no Paraguai coloca a cúpula da diplomacia brasileira em xeque. O chanceler Antonio Patriota e o assessor internacional da Presi dência, Marco Aurélio Garcia, se desgastam no governo

Claudio Dantas Sequeira e Michel Alecrim
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DESENCONTRO
Ação do chanceler Antonio Patriota durante a crise
paraguaia foi questionada por setores do governo
A crise deflagrada pela queda do presidente Fernando Lugo extrapolou as fronteiras do Paraguai, ganhou contornos de conflito regional e ameaça se transformar numa grande dor de cabeça para o governo Dilma Rousseff. Não bastassem todos os questionamentos sobre um impeach-ment com ares de golpe branco, a ação atrapalhada do Itamaraty pôs o Brasil numa situação delicada com um vizinho estratégico e desgastou a cúpula da diplomacia. Setores do governo pressionam a presidenta Dilma Rousseff pela demissão do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. Os grupos contrários à permanência de Patriota espalharam nos últimos dias que Dilma até já teria cogitado nomear uma mulher para o lugar do chanceler: a embaixadora Maria Luiza Viotti, chefe da missão do Brasil na ONU, em Nova York. O primeiro a ser atingido pela crise diplomática foi o embaixador aposentado Samuel Pinheiro Guimarães, obrigado a renunciar ao cargo de alto representante do Mercosul – uma espécie de chanceler do bloco regional. Foi ele um dos responsáveis por influenciar de forma equivocada o Palácio do Planalto a apoiar medidas drásticas de retaliação ao novo governo paraguaio, como a suspensão do País do Mercosul até as eleições de 2013. Embora a sanção política tenha sido respaldada por Dilma, a presidenta impediu que as punições se estendessem às relações econômicas e comerciais. A ideia de Samuel Guimarães era isolar totalmente o parceiro comercial. Esse radicalismo fragilizou ainda mais a situação de Guimarães e tornou inviável sua permanência no cargo. Oficialmente, o diplomata deu diferentes versões para a saída, falou primeiro em “falta de apoio” e depois em “motivos pessoais”.
Conhecido por suas posições favoráveis aos governos chamados de bolivarianos, Guimarães havia sido indicado para o posto por sugestão do ex-chanceler Celso Amorim, hoje ministro da Defesa, de quem é amigo e cossogro – a filha de um é casada com o filho do outro. Ele também teve o apoio do assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, com quem Dilma não andaria muito satisfeita, segundo assessores do Planalto. Garcia foi outro que propagou a tese de interdição do Paraguai tanto no Mercosul como na Unasul. Ele e Guimarães alimentaram também a ideia de aproveitar a suspensão do Paraguai para aprovar a entrada da Venezuela no Mercosul, uma tese controversa, sem base jurídica nos acordos regionais e desconsiderando o fato de que Assunção é depositária de todos os acordos do bloco.

As articulações atabalhoadas da cúpula da diplomacia irritaram a presidenta, que foi pega de surpresa com o anúncio do impeachment de Fernando Lugo durante a Rio+20. O embaixador brasileiro no Paraguai, Eduardo dos Santos, enviou, nos últimos seis meses, inúmeros informes alertando o Itamaraty do risco de deterioração da governabilidade no Paraguai, mas essas informações não sensibilizaram a cúpula. Nem Patriota nem Marco Aurélio Garcia acharam que o problema era sério. Pressionado por Dilma, o assessor internacional argumentou que já havia recebido 23 alertas de intenção de impeachment contra Lugo, desde sua posse em 2008. Em sua opinião, não havia razão para suspeitar que o último prosperaria. Garcia e Patriota sugeriram a Dilma atuar por meio da Unasul, para compartilhar a responsabilidade na crise. Até aí, tudo bem. O problema é que a missão de chanceleres sul-americanos que desembarcou em Assunção na sexta-feira 22, dia em que o Congresso iniciou o julgamento político, teve efeito inverso ao esperado. 
Com medo de que a interferência de outros países acabasse por inviabilizar o impeachment, deputados e senadores paraguaios aceleraram o processo. Na quinta-feira 21, dia em que souberam da ida de representantes da Unasul para o País, os parlamentares paraguaios decidiram não acatar o pedido de Lugo de abrir um prazo de três dias para apresentar sua defesa. Ficou estipulado o prazo de 24 horas. Ou seja, a ação precipitou o julgamento de Lugo, que teve resultado acachapante: foram 39 votos a favor e apenas quatro contra sua saída. Entre a abertura do impeachment e a homologação da decisão do Congresso pela Suprema Corte decorreram 30 horas. O vice-presidente Federico Franco, do Partido Liberal, assumiu rapidamente com a justificativa de “evitar uma guerra civil”. Nas ruas, com exceção de pequenos grupos, não houve reação popular. Muito menos as Forças Armadas reagiram. Mesmo assim, Lugo se disse vítima de um “golpe de Estado parlamentar”.
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EQUÍVOCO
Marco Aurélio Garcia (abaixo) argumentou que já havia recebido 23 alertas
de intenção de impeachment contra Fernando Lugo (acima), desde 2008.
E não haveria razão para suspeitar que o último prosperaria
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Golpe, propriamente, não houve. Mas a forma como se deu o processo indica uma ruptura democrática no país vizinho. Embora o julgamento político tenha observado as normas constitucionais, não há lei paraguaia que regulamente o tempo que o presidente teria para sua defesa. A própria peça de acusação deixa evidente que Lugo estava condenado de antemão, ao dizer que “todas as causas para o impeachment são de notoriedade pública, motivo pelo qual não precisam ser provadas, conforme o ordenamento jurídico vigente”. 
A maneira como se deu o impeach-ment revelou também que Lugo se tornou um presidente solitário, sem o mínimo de apoio político. Ex-bispo de esquerda, adepto da Teologia da Libertação, Lugo alcançou o poder com o apoio popular ante o desgaste do tradicional Partido Colorado, que governou o país por quase cinco décadas. Mas sempre foi considerado um “outsider”, sem experiência política e apoio dentro do Congresso. Para governar, precisou fazer concessões, aliar-se ao direitista Partido Liberal, e negociar com os colorados. Em pouco mais de três anos de mandato, o agora ex-presidente decepcionou. A reforma agrária, sua grande bandeira de campanha, avançou timidamente. Pouco foi feito também em relação ao crime organizado, ao tráfico de drogas e de pessoas – questões que afetam diretamente o Brasil. 
De acordo com setores do governo que pressionam pela saída de Patriota do cargo, a impaciência de Dilma com o ministro das Relações Exteriores não é de agora. Segundo essas fontes, desde abril, quando esteve nos Estados Unidos, a presidenta fez duras críticas à atuação de Patriota no governo. A presidenta evitou despachar com Patriota até a lista de laureados da comenda do Rio Branco, e desprestigiou a cerimônia. Já o problema de Marco Aurélio Garcia, para Dilma, é que ele falaria demais. Em março, ela o desautorizou publicamente depois que o assessor vazou que o Banco Central reduziria a taxa de juros. Na crise paraguaia, a presidenta mandou Garcia consertar suas declarações à imprensa e deixar claro que o impeachment de Lugo era um problema interno do Paraguai. Mas o estrago, mais uma vez, já estava feito.
“O Patriota fez o que deveria ter feito antes, quando viajou para o Paraguai. Talvez tenha ido tarde demais”, avalia o embaixador aposentado José Botafogo Gonçalves, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Além da reação lenta, Botafogo acha que a crise deveria ter sido discutida no âmbito do Mercosul, não da Unasul, organismo novo e ainda disperso. Essa ação permitiu a interferência dos bolivarianos Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia), fazendo coro com o discurso inflamado da presidenta argentina, Cristina Kirchner. Estrago feito, a estratégia de Dilma agora é tentar restringir a crise ao Mercosul. Ela também colocou em campo o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, que passou a falar com a imprensa e foi enviado como representante do governo à 13ª Cúpula Social do Mercosul, evento paralelo à cúpula presidencial do bloco, em Mendoza, na Argentina.
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Foto: Eraldo Peres/AP Photo