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quarta-feira, 24 de junho de 2020

VERGONHA da política externa subordinada - Paulo Roberto de Almeida

‪Puxa vida!
Pensei que os militares fossem mais patriotas.
É até inconstitucional — está no Artigo 4 da CF-1988 — subordinar de forma tão  completa e de maneira tão absurdamente dependente os altos interesses nacionais e a política externa do Brasil não só a uma potência estrangeira, assim como a um dirigente específico (“I love you Trump”), como fazem o presidente e seus medíocres aspones diplomáticos.
Os militares não vão reagir?
Vão deixar que a subordinação se perpetue indefinidamente?
Continuaremos a ser assim tão servis?‬
Os militares não veem que estamos sendo ridicularizados no plano internacional?
Não perceberam ainda que estamos completamente isolados até mesmo no continente e nas relações com nossos vizinhos e parceiros do Mercosul?
Não perceberam que o chanceler foi abjetamente capacho ao ter desistido de apoiar um brasileiro na presidência do BID e que, para se opor a um candidato argentino, foi até ao extremo de expedir uma nota oficial apoiando o candidato de Trump sem sequer saber de quem se tratava? Nem se deu ao trabalho de consultar o Itamaraty, os demais setores do governo, de se coordenar na região.
Dobrou-se ao capricho de seus mestres em Washington. Nada menos que isso!
Automaticamente! Sabujamente!
Trata-se de uma RUPTURA tão extrema em relação ao que está estabelecido DESDE 1960, que CINCO ex-presidentes latino-americanos tiveram de fazer uma declaração contrária a essa decisão de Trump.
Os militares vão deixar que continue essa enorme VERGONHA que é ver o Brasil ser RIDICULARIZADO na própria região?
Não se deram ainda conta de que esse governo subordina interesses concretos da nacionalidade a posturas ideológicas absolutamente ridículas pelo seu anacronismo político?
Não, não estou pedindo que as FFAA deem um golpe. Estou sugerindo que elas, e eles, os MILITARES, deixem de apoiar um presidente tão inepto e tão antinacional quanto o atual e um chanceler abjetamente subordinado a outros ineptos conselheiros.
No ponto em que estamos, tenho MUITA VERGONHA de nossa diplomacia e de suas posturas ridículas no plano externo.
Os militares deveriam pensar um pouco...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24/06/2020

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Interesse Nacional e Interferência Externa - Rubens Barbosa (OESP)

INTERESSE NACIONAL  E INTERFERÊNCIA EXTERNA 
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 17/006/2020

          O governo brasileiro deverá em breve anunciar uma das decisões estratégicas mais importantes do atual mandato. Estava prevista para ocorrer em 2020 a licitação do uso da tecnologia de quinta geração para telefonia móvel que terá forte impacto sobre as pessoas e sobre as empresas. Não é uma decisão fácil. Qual o problema ? Aceitar ou não a utilização da tecnologia chines, mais avançada, mais barata, mas vetada pelos EUA no contexto da disputa com a China. Segundo se informa, o governo, seguindo informe politico do Itamaraty, teria  cedido a pressão do governo Trump e decidido impedir, por razões geopolíticas, a participação de empresa chinesa da licitação para a instalação dessa tecnologia no Brasil
Caso se confirme, essa decisão se choca com interesses nacionais concretos. Em primeiro lugar, vai obrigar as empresas de telecomunicações a trocar os equipamentos da empresa chinesa que a muitos anos são utilizados no serviço 3G e 4G pelo de outros fornecedores com um custo adicional e um atraso na entrada em funcionamento da nova tecnologia. Em segundo lugar, vai prejudicar a modernização da indústria nacional na saída da pandemia A modernização da industria poderia ser acelerada com a utilização da 5G pela velocidade do uso de dados, da internet das coisas e da robotização. O interesse das empresas é o de iniciar o mais rapidamente possível a utilização do 5G. Em terceiro lugar, o Brasil vai tomar partido em uma disputa entre os EUA e a China, que apenas se inicia e que deverá se estender por décadas pela hegemonia global no século XXI. Haverá certamente muitas outras disputas em que países, como o Brasil, deverão decidir sobre de que lado vão ficar. Não atende ao interesse nacional o Brasil tomar partido agora de um lado ou de outro. Em quarto lugar, vai acrescentar mais um elemento negativo no relacionamento com a China, o que poderá acarretar consequências no campo comercial, com eventual reflexo nas exportações do setor agrícola.
          Nesse, como em todos os outros casos, a decisão deveria ser tomada segundo nossos próprios interesses e conveniências, acima de considerações ideológicas ou geopolíticas. Alguns países europeus (Alemanha, França, Itália) e a India decidiram não excluir nenhuma empresa e buscar as melhores condições de mercado. Setores sensíveis de governo, em especial de defesa, podem ser segregados, se for o caso. No Brasil, o presidente Bolsonaro, o VP Mourão e o Ministro da Ciência e Tecnologia, Marcio Pontes, tinham se manifestado a favor da livre concorrência, sem exclusão de nenhuma empresa na licitação que a Anatel deverá realizar. O novo ministro das Comunicações deverá seguir a posição do Itamaraty.
       Com essa decisão, o Brasil estará perdendo tempo precioso. A licitação deverá ser adiada para 2021 com prejuízo para a indústria que só vai poder utilizar essa tecnológica em 2022 ou 2023.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Vidas Paralelas: as diplomacias de Lula e Bolsonaro comparadas - Paulo Roberto de Almeida

Vidas Paralelas: as diplomacias de Lula e Bolsonaro comparadas

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: Entrevista; finalidade: Trabalho acadêmico]
  
1. Os dois primeiros anos de Lula em seus dois mandatos e os dois primeiros de Bolsonaro.
O governo Lula – que tinha prometido manter a política econômica do governo precedente na sua “Carta ao Povo Brasileiro” de junho de 2002 – começou muito bem no plano econômico, mas em compensação deu uma guinada para a esquerda na política externa, para contentar as suas bases militantes. Criou uma nova orientação para a política externa, que chamou de Sul Global, ou seja, priorizando uma política de relacionamento especial e prioritário com países do Sul, em contraposição ao que se tinha antes, que era uma política externa universalista, sem discriminações geográficas. 
Contou para isso o fato de que, depois de bastante tempo terem servido diplomatas como conselheiros presidenciais em matéria de política externa, se passou a ter um apparatchik do PT cumprindo essa função, um homem, Marco Aurélio Garcia, que foi um aliado integral dos comunistas cubanos na montagem do Foro de S. Paulo. Muito da política externa seguida durante todos os governos petistas tiveram essa inclinação, inclusive de apoio às mais execráveis ditaduras do continente e de outros continentes.
Em contraste, a política externa de Bolsonaro se colocou desde o início em confronto com essa orientação, mas exagerando do lado da extrema-direita, até exagerando na importância do Foro de S. Paulo, e colocando o combate ao marxismo cultural como uma das prioridades do Itamaraty, inclusive acusando diplomatas de terem servido de suporte a essa orientação ideológica do novo governo. O relacionamento do governo Bolsonaro se fez, ou se faz, prioritariamente em direção de outros regimes nacionalistas de extrema-direita, a começar pela figura do presidente americano, supostamente um campeão da luta contra o fantasma do globalismo e o multilateralismo. Com isso, essa política externa conseguiu alienar, inclusive por outras medidas em ambiente e direitos humanos, as boas relações que o Brasil mantinha com parceiros tradicionais na Europa.
De toda forma, não temos ainda dois anos de Bolsonaro, mas já nos dezoito meses podemos concluir que tem sido um desastre muito maior do que os primeiros dois anos do governo Lula, com uma ruptura completa nas grandes linhas da diplomacia brasileira, assim como nos métodos de trabalho do Itamaraty. 
Se posso recomendar mais amplas leituras sobre cada uma das duas políticas externas e suas práticas diplomáticas, elas figuram nestas obras minhas: 
Sobre a diplomacia de Lula: Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014; impresso e e-book); Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019; idem). Sobre a diplomacia de Bolsonaro; Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019; em edição de autor e pela UFRR; disponíveis livremente em meu blog Diplomatizzando); O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (Kindle 2020; ASIN: B08B17X5C1). Especificamente sobre o primeiro mandato dos governos Lula, tenho este artigo: 1699. “A diplomacia do governo Lula: balanço e perspectivas”, Brasília, 11 dezembro 2006, 14 p. Versão completa divulgada no blog Diplomatizzando (21/05/2012; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2012/05/diplomacia-do-primeiro-mandato-de-lula.html).

2. Caracterizando as políticas externas de Lula e Bolsonaro
A de Lula, esquerdista moderada e desenvolvimentista; a de Bolsonaro, ideologicamente marcada à extrema-direita, e subordinada não apenas aos Estados Unidos, mas ao governo Trump particularmente. Uma ruptura com os padrões tradicionais da política externa do Itamaraty muito mais profunda do que a que tinha ocorrido sob Lula. Para uma análise mais aprofundada, valem as recomendações das leituras acima.

3. A política interna de Lula e Bolsonaro
Supostamente liberal, mas de fato com NENHUMA privatização e quase nenhuma implementação de reformas fundamentais, a não ser a da Previdência, em grande medida feita pelo Congresso, e uma outra de regime especial para a questão da pandemia, preservado a reforma feita no governo Temer de controle de gastos.
Sobre a política econômica do governo Lula, posso indicar este meu artigo: 2192. “Uma avaliação do governo Lula: a área econômica”, Shanghai, 26 setembro 2010, 9 p. Revista Espaço Acadêmico (ano 10, n. 113, outubro 2010, p. 38-45; ISSN: 1519-6186; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/11273/6144).

4. Aliados e inimigos de Lula e Bolsonaro (econômicos, sociais, políticos)
A esquerda em geral, o governo comunista cubano em especial, e os bolivarianos da América do Sul, no caso de Lula. No caso de Bolsonaro, demonstrou uma subserviência a Trump jamais vista em qualquer presidente brasileiro. No plano interno, os sindicalistas para Lula – dotações do MTb para as centrais sindicais, sem comprovação de gastos – e para os ruralistas mais atrasados no caso de Bolsonaro, daí os ataques contra a fiscalização dos desmatamentos na Amazônia e a denúncia das ONGs em todas as áreas.

5. Relação de Bolsonaro com Trump
Subserviência explícita, como se notou no “I love you Trump”, por ocasião da abertura dos debates na AGNU, em setembro de 2019. Também cultiva Netanyahu em Israel e outros líderes de direita.

6. Estratégia de segurança de Lula e Bolsonaro, preocupação com ameaças à segurança e investimento nas forças armadas.
Ambos procuraram atender aos reclamos das FFAA e dos militares, mais no terreno dos soldos e pensões militares do que dos equipamentos e projetos. No caso de Bolsonaro, também conta o apoio às PMs, que ele pretende fazer uma espécie de milícia a seu serviço. Um artigo sobre e estratégia global do governo Lula: 2207. “Never Seen Before in Brazil: Lula’s grand diplomacy”, Shanghai, 18 outubro 2010, 20 p. Publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (vol. 53, n. 2, 2010, p. 160-177; ISSN: 0034-7329; link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292010000200009&lng=en&nrm=iso&tlng=en; arquivo em pdf: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v53n2/09.pdf).

7. Os principais interesses da política externa de Lula e Bolsonaro
Lula era megalomaníaco e queria ser reconhecido como grande líder mundial, ou pelo menos do Terceiro Mundo. Bolsonaro quer transformar a política externa do Brasil em bastião da luta contra o comunismo, o globalismo e outros supostos inimigos externos. Procedi a um exame sintético da política externa de Lula neste artigo: 2189. “Balanço do governo Lula: evolução do setor externo”, Shanghai, 25 setembro 2010, 6 p. Foco no comércio exterior e na integração mundial. Publicado em Dom Total (19/05/2011; link: http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=1981).

8. A consistência de Lula com a ideologia de esquerda
Retoricamente muito forte, mas na prática mais moderada; Lula nunca foi de fato de esquerda, sempre foi um oportunista. Já Bolsonaro não tem nenhuma objeção a ser identificado com a direita mais extrema. Cultivou Taiwan, antes das eleições, o que deixou os chineses muito irritados. Sobre o papel do governo Lula na questão política, tenho um artigo: 2510. “Democracy Deficit in Emerging Countries: Undemocratic trends in Latin America and the role of Brazil”, Hartford, 3 September 2013, 34 p. Paper for the Conference “Promoting Democracy: What Role for the Emerging Powers?”, organized by the Deutsches Institut für Entwicklungspolitik (DIE), the International Development Research Centre (IRDC), and the University of Ottawa (Ottawa, 15-16 October 2013; Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43350326/Democracy_Deficit_in_Emerging_Countries_Undemocratic_trends_in_Latin_America_and_the_role_of_Brazil_2013_).

9. A consistência de Bolsonaro com a ideologia da direita
Nenhuma, pois Bolsonaro não tem capacidade de formular um pensamento político. Apenas tem instintos primitivos de anticomunismo primário. Profundamente autoritário.

10. Bolsonaro e a pandemia do COVID-19.
Continuou um negacionista empenhado em sabotar as medidas de isolamento. Alguns artigos meus: 3646. “Pandemia global e pandemia nacional: um futuro pior que o passado”, Brasília, 23 abril 2020, 10 p. Notas para palestra online; disponível no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/uma-palestra-sobre-duas-pandemias.html) e em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42836086/Pandemia_global_e_pandemia_nacional_um_futuro_pior_que_o_passado_2020_); 3673. “A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global”, Brasília, 18-20 maio 2020, 28 p. Ensaio sobre a temática do título, para servir como texto de apoio a palestra online; disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43208735/A_politica_externa_e_a_diplomacia_brasileira_em_tempos_de_pandemia_global_2020_) e anunciado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/a-politica-externa-e-diplomacia.html).

11. Comparando diretamente a política externa de Lula e Bolsonaro
Não há termos de comparação. Lula era um oportunista em todos os sentidos, inclusive e principalmente na política externa. Bolsonaro é um destruidor de todas as instituições existentes. Remeto novamente aos meus livros já referidos anteriormente: Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais(Curitiba: Appris, 2014; impresso e e-book); Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019; idem); Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019; em edição de autor e pela UFRR; disponíveis livremente em meu blog Diplomatizzando); O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (Kindle 2020; ASIN: B08B17X5C1).

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de junho de 2020

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Um novo livro sobre a diplomacia brasileira - Paulo Roberto de Almeida

Quase na praça

(Não, esta não é a capa, apenas uma ilustração que aprecio)

Acabei de revisar e enviei para preparação editorial um novo livro que representa uma compilação de artigos meus sobre a política externa e a diplomacia brasileira.
Eu não o considero um "scholarly work", como se diz na academia americana, ou seja, ensaios dotados de consistência analítica, de aparato bibliográfico, consistindo num acréscimo ao estado da arte no terreno da política externa e da diplomacia brasileira.
Não, não pretendo que ele seja isso: trata-se de um livro de combate, contra o estado lamentável no qual se encontra atualmente tanto uma quanto outra.
Um amigo, do exterior, que sabe de meus escritos, me escreveu o que segue a propósito de meu trabalho. Ele primeiro comentou a minha listagem de trabalhos – apenas para fins de seleção para algum livro futuro, lista que já coloquei aqui https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/listagem-de-trabalhos-sobre-relacoes.html
– e depois se refere ao novo livro: 


Votre sélection de travaux scientifiques est une vraie encyclopédie de l'analyse sur la politique extérieure du Brésil à travers les temps ! C'est très impressionnant. Un véritable "outil de référence" pour les chercheurs sur la diplomatie brésilienne. Je vais m'y "plonger" (comme on dit en français...). Même si j'en connais déjà, avec une grande joie intellectuelle, un certain nombre.

Quant à votre nouvel ouvrage, je comprends bien entendu fort bien votre état d'esprit... C'est celui d'un patriote, d'un universitaire, d'un diplomate, d'un chercheur qui travaille depuis des décennies au profit du rayonnement international du Brésil. Et qui voit tout cela être détruit systématiquement avec des effets catastrophiques. C'est donc ce que l'on peut appeler un "ouvrage de combat" ! Combat contre la bêtise, l'ignorance, la vilénie (un mot assez "vieille France"...), la méchanceté...

Transcrevo o índice deste livro, 
Dentro em breve o livro estará disponível..
Paulo Roberto de Almeida


O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira
(Brasília: Diplomatizzando, 2020, 225 p.)

Índice

Prólogo     11

1. A política externa e a diplomacia em tempos de revolução cultural    17
2. De uma diplomacia a outra no Itamaraty: conceitos e práticas   23
3. A destruição da inteligência no Itamaraty   29
4. A ideologia da diplomacia brasileira      33
5. Os desastres da política externa do olavo-bolsonarismo    37
6. Questões de diplomacia e de política externa do Brasil     43
7. Desafios da diplomacia no Brasil, do lulopetismo ao bolsonarismo    51
8. O espectro do globalismo: a emergência da irracionalidade oficial    55
9. Manifesto Globalista     59
10. Um ornitorrinco no Itamaraty    71
11. O Itamaraty e a diplomacia brasileira em debate   75
12. Política externa e diplomacia brasileira no século XXI     83
13. A diplomacia brasileira em tempos de olavo-bolsonarismo     101
14. A diplomacia brasileira na corda bamba, sem qualquer equilíbrio   111
15. Pandemia global e pandemia nacional: um futuro pior que o passado    125
16. A diplomacia e a negociação como fundamentos das relações internacionais  135
17. Meu ‘manifesto’ diplomático: em defesa do Itamaraty  149
18. O mundo pós-pandemia: contextos políticos e tendências internacionais   153
19. A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global  167
20. A diplomacia brasileira em uma fase de inédito declínio histórico    197
22. O Itamaraty no seu labirinto    209

Apêndices:
Uma pequena reflexão sobre o trabalho de resistência intelectual      217
Livros publicados pelo autor     219
Nota sobre o autor     225

Frontispício


There are, if not universal values, at any rate a minimum without which societies could scarcely survive. Few today would wish to defend slavery or ritual murder or Nazi gas chambers or the torture of human beings for the sake of pleasure of profit or even political good – or the duty of children to denounce their parents, which the French and Russian revolutions demanded, or mindless killings. There is no justification for compromise on this. But on the other hand, the search for perfection does seem to me a recipe for bloodshed, no better even if it is demanded by the sincerest of idealists, the purest of heart. No more rigorous moralist than Immanuel Kant has ever lived, but even he said, in a moment of illumination, ‘Out of the crooked timber of humanity no straight thing was ever made.’ To force people into the neat uniforms demanded by dogmatically believed-in schemes is almost always the road to inhumanity.

Isaiah Berlin, “On the pursuit of ideal”, New York Review of Books (17/03/1988), In: Isaiah Berlin, The Proper Study of Mankind: an anthology of essays (London: Chatto & Windus, 1997), p. 15-16. 


Este livro é dedicado a todos os meu colegas de carreira que conseguem preservar a alta qualidade intelectual dos padrões de trabalho e o sentido de profissionalismo exemplar no desempenho de suas tarefas correntes no âmbito do Itamaraty, assim como aos que, além disso, se preocupam em pensar o passado, o presente e o futuro da política externa brasileira.


Prólogo



Desocupado lector: sin juramento me podrás creer que quisiera que este libro, como hijo del entendimiento, fuera el más hermoso, el más gallardo y el más discreto que pudiera imaginarse.
Pero no he podido yo contravenir al orden de naturaleza, que en ella cada cosa engendra su semejante. (...)
Muchas veces tomé la pluma para escribirle, y muchas la dejé, por no saber lo que escribiría...

Miguel de Cervantes, Don Quijote de la Mancha, Prólogo;
Edición del IV CentenarioReal Academia Española, Asociación de Academias de Lengua Española, 2004, p. 7-8.


Como Cervantes, mas sem ter o mesmo talento e a sua garra – de combatente em Lepanto, de prisioneiro dos mouros, de escritor dedicado – tomei da pena e dos meus cadernos de notas, sentei-me várias vezes à mesa do computador para juntar palavras e frases, sempre hesitando quanto ao que dizer e o que testemunhar, em face da profusão de surpresas e de infaustos acontecimentos acumulados ao longo do último ano e meio. Na seleção de textos que caberia reter, as hesitações e opções eram muitas, eliminando ensaios aqui, incluindo artigos e entrevistas ali, refinando argumentos, imaginando qual título escolher, o que exatamente se deveria manter, o que retirar, da grande massa de escritos produzidos abundantemente ao longo do período. 
Em condições normais, meus livros são rápida e facilmente compostos, após uma preparação de alguns meses: eles são montados quase que linearmente, da introdução à conclusão, depois de um esforço delongado de reflexão e de grande impulso de redação, o que normalmente me toma seguidas madrugadas solitárias na elaboração do produto final. Mas, tais noites de vigília escrevinhadora constituem a parte mais fácil. Em geral, o livro já está pronto em minha cabeça, sem ainda existir de fato, apenas me faltando escrevê-lo, o que é apenas um desenlace lógico. Um hábito longamente mantido numa trajetória de vida toda ela dedicada a leituras, notas e reflexões, levou-me a que eu sempre tomasse o cuidado de anotar leituras e as ideias que delas eventualmente brotassem; também registrava rapidamente, em muitos cadernos acumulados desde cedo, observações de viagem, impressões de palestras, sumários de encontros e de reuniões de trabalho; tenho guardados esses obscuros objetos de um não secreto desejo de anotar o que escuto ou leio.
Também me ajudou um outro hábito, cultivado mesmo sem a estrita obrigação de exercê-lo: o costume de redigir textos de apoio a palestras ou intervenções em seminários, ainda que não pretendesse lê-los na ocasião, assim como o cuidado de preparar notas sistemáticas para as incontáveis aulas de uma longa e diversificada carreira docente (que sempre mantive em paralelo ao exercício da diplomacia profissional), o de compilar listas dos livros lidos e a ler (algum dia), tudo isso sendo acumulado em muitas pilhas de papel, mais recentemente em centenas de working files no computador. Quando me decidi, por exemplo, a redigir a tese de doutoramento, ainda na era pré-informática, depois de alguns anos de laboriosas pesquisas e de leituras “revisionistas”, espalhei os muitos cadernos de notas numa mesa de jantar, com a máquina de escrever à minha frente, para, finalmente, começar a datilografar os meus argumentos, que já estavam todos idealmente concebidos, antes de tomar uma forma escrita quase definitiva.
Com este livro, contudo, foi diferente, já que ele não deveria normalmente existir, exceto pela necessidade do momento, dos tempos que correm. O mesmo tinha ocorrido com um anterior, Miséria da diploma: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019), que tampouco teria sido redigido, não fossem as circunstâncias da época, tanto quanto as agora enfeixadas sob a consigna da resistência intelectual em face de desafios momentosos, não exatamente para mim, mas para a instituição à qual estou ligado desde pouco mais de quatro décadas: o Itamaraty. As características de cada momento explicam que ambos os livros tragam o nome da instituição em seus títulos, primeiro como “miséria” e “destruição da inteligência”, agora como um “labirinto de sombras”. Não necessito explicar em que consistiam a misériae a destruição, uma vez que o livro se encontra livremente disponível em meu blog Diplomatizzando, cabendo aos interessados simplesmente descarregá-lo a partir desse pequeno quilombo de resistência intelectual. 
O labirinto de minha trajetória (um pouco à la Herman Hesse) também tem a ver com o título deste pequeno livro, que surge não como uma obra planejada – podendo ser inscrita em alguma coletânea futura, tipo Gesamtwerk –, mas como simples instrumento de combate, uma catapulta de ideias, aqui lançadas contra esses minotauros de pacotilha que estão conspurcando a política externa de um país outrora respeitado no mundo, assim como deformando a sua diplomacia que se dizia, na região e fora dela, entre as melhores do mundo. Essa distinção, meritória, foi infelizmente perdida no último ano e meio. Sim, eu e meus colegas do Itamaraty fomos levados a um labirinto obscuro, ameaçador, do qual não sabemos quando iremos sair. Não, não contamos com nenhum Teseu; só com nossa força e espírito de resistência.
De resto, vivemos tempos realmente tormentosos e torturados, com o país lançado como jangada de pedra num vasto oceano sem rumo, para usar a metáfora de Saramago. Nossa diplomacia está encerrada nesse labirinto obscuro, sem qualquer fio de Ariadne, e sem qualquer mapa do caminho. Foi esse o cenário preocupante que me levou a novamente compilar textos esparsos e publicar um novo livro que, como o anterior, não deveria existir. Não creio, entretanto, que a sociedade brasileira, menos ainda o Itamaraty, requeiram, para o restabelecimento de suas condições normais de trabalho e de funcionamento, de qualquer herói momentâneo, de alguma personalidade messiânica, que os venham salvar das muitas disfunções registradas no período recente.
Eu deveria estar me ocupando de trabalhos mais sérios, de verdadeiros scholarly works, ou seja, ensaios fundamentados em pesquisas de arquivos, empiricamente embasados, para completar meus muitos trabalhos de relações econômicas internacionais e de história diplomática, sobretudo para oferecer a continuidade de minha obra sobre a trajetória de nossa inserção global, iniciada com Formação da diplomacia econômica (2001; 2005; 2017), que se ocupou essencialmente do século XIX. Tenho já avançado um segundo volume, tratando da República até a Segunda Guerra Mundial, antes de um terceiro planejado, indo de Bretton Woods aos nossos dias. Tudo isso, porém, ficou momentaneamente para trás, em face dos tremendos desafios que se precipitaram – que desabaram, seria o termo mais exato – sobre nossa diplomacia e sobre a política externa desde o início de 2019. 
Vários anos antes que Cervantes finalizasse sua novela, um dos parceiros de escrita e de similares viagens e aventuras – que ele aliás admirava –, Camões, já tinha decretado o que ouso agora parafrasear: “Cesse tudo o que a Musa antiga canta, / Que outro ‘desafio’ mais alto se alevanta”. Esse desafio é o de enfrentar, contestar e denunciar a deplorável situação da política externa e da diplomacia brasileira, rebaixadas no plano internacional a um grau nunca antes visto em nossa história, talvez nem mesmo nos tempos do tráfico negreiro e da escravidão, ou naquele do regime militar. O Brasil está praticamente excluído de concertações que estão sendo feita entre interlocutores dos principais países e dirigentes das organizações multilaterais em torno de vários itens da agenda internacional, inclusive e principalmente porque seus representantes diplomáticos ousam, estupidamente, proclamar-se contra o multilateralismo (como se isso fosse meritório), assim como eles também se posicionam contra o monstro metafísico que eles chamam de globalismo. 
Sem pretender me comparar ao bardo das navegações, e menos ainda ao escritor do Siglo de Oro, também tenho de deixar de lado pesquisas mais exigentes para me dedicar a esta pequena digressão de oportunidade, apenas para não deixar sem respostas os muitos ataques que ambas, a política externa e a diplomacia, vêm sofrendo nas mãos (e pés) dos amadores ineptos que a comandam de fora, sem ter nenhum preparo para tal, com a ajuda dos poucos profissionais da carreira que se dispuseram a servi-los nessa miserável tarefa de destruição, não só de um estilo, mas também da própria substância de nossa diplomacia. 
Este novo livro, como antecipado no frontispício, pretende ser uma homenagem aos colegas da diplomacia profissional que se empenham em manter a alta qualidade de seu trabalho, defendendo os padrões elevados de competência técnica pelos quais nossa diplomacia ficou conhecida ao longo de décadas, um reconhecimento que, infelizmente, agora se desfez. Ele compila, como vários outros anteriores, ensaios, entrevistas e artigos e elaborados ao longo de meses de trabalho, todos eles animados pelo mesmo espírito de ativismo participativo, de honestidade intelectual e – por que não dizer? – desse contrarianismo que se identifica com minha postura básica no trabalho acadêmico: o ceticismo sadio. Ele se situa, não apenas no terreno daquilo que os franceses chamam de histoire immédiate, mas também num terreno que pode, e deve, ser situado no contexto do jornalismo de debate, senão de combate, aqui representado pelas críticas que formulo à infeliz política externa bolsonarista e à ainda mais lamentável diplomacia olavista (se é que elas existem, o que, de verdade, não acredito). 
O fato é que ambas envergonham o Brasil e não podem, absolutamente, ser consideradas como pertencendo, de alguma forma, ao arco de nossas tradições históricas em política externa e menos ainda se inserem nas tradições conhecidas de nossa diplomacia profissional. Em sua grande maioria, os textos aqui incluídos foram redigidos logo após que conclui meu livro anterior sobre a mesma temática, Miséria da Diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty(livremente disponível em meu blog Diplomatizzando, que desde 2006 constitui uma espécie de quilombo de resistência intelectual contra certas distorções em nossas políticas públicas). Não posso reclamar da matéria prima que permitiu a redação das peças aqui coletadas, pois ela é abundante, ainda que sua qualidade própria, ou consistência explicativa sejam extremamente medíocres. Enfim, sempre se pode fazer do limão uma limonada, como se diz na linguagem popular. 
A inspiração maior de cada um destes textos, ademais das estupendas entrevistas e dos impactantes escritos do embaixador Rubens Ricupero, em defesa do espírito próprio de nossa diplomacia tradicional, também pode ser encontrada em brilhantes ensaios de Sir Isaiah Berlin, em sua luta constante contra os horrores de todos os dogmatismos e fanatismos conhecidos na história da humanidade, que levaram certas “revoluções culturais” às piores desumanidades, em busca de uma perfeição lunática inatingível. O Brasil também passa por uma espécie de “revolução cultural”, tão destruidora, talvez, quanto o precedente chinês, não exatamente em vidas humanas (pelo menos até aqui), mas da ciência, da cultura (em seu sentido mais nobre), do simples sentido humano da pesquisa aplicada e do debate respeitoso. O livro se abre justamente por uma referência a essas “revoluções (in)culturais”, que significam, antes de mais nada, o estrangulamento da inteligência, o cerceamento do espírito crítico e da liberdade de pensamento e expressão. 
Como também disse Isaiah Berlin, no seu ensaio sobre a “busca do ideal” – que abre o livro The Crooked Timber of Humanity: chapters in the history of ideas –, a “primeira obrigação pública é a de evitar extremos sofrimentos”, sejam estes físicos ou espirituais. No momento em que encerro este prefácio, não sabemos ainda quando o Brasil poderá atravessar, com um mínimo de sofrimento, os horrores da atual pandemia, cujo impacto poderia ser bem menor se não tivéssemos, na direção do país, uma pequena tropa de dogmáticos e de fanáticos que não cumprem sequer a primeira obrigação pública, no sentido que lhe deu Isaiah Berlin. 
Infelizmente, ainda estamos convivendo, em nosso país, com essa deformação que Emanuel Kant chamou de “madeira torta da humanidade”. Este compêndio de ensaios faz parte de meu esforço para tentar ajudar a endireitar, não exatamente o país, mas pelo menos o “pau torto” de sua política externa e da sua diplomacia. 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 31 de maio de 2020


Diplomacia alienada de Ernesto Araújo fecha-se em gueto ideológico - Matheus Leitão (Veja)

Uma matéria antiga, mas que eu ainda não havia lido, e por isto reproduzo. O conceito de alienação tem a ver com o jovem Marx, que a usou como todos os jovens hegelianos o faziam na primeira metade do século XIX. Fazia tempo que eu não mais via esse conceito. Usei muito, em meus tempos de colegial e de universidade. Para mim, todo mundo que não era marxista era alienado.
Paulo Roberto de Almeida

Diplomacia alienada de Ernesto Araújo fecha-se em gueto ideológico

Matheus Leitão
Revista Veja, 22/05/2020

https://veja.abril.com.br/blog/matheus-leitao/diplomacia-alienada-de-ernesto-araujo-fecha-se-em-gueto-ideologico/

A diplomacia do governo Jair Bolsonaro tem colecionado derrotas. O fato de os Estados Unidos estarem estudando a suspensão dos voos provenientes do Brasil é apenas o mais claro sinal desse isolamento. Os países vizinhos querem reforçar fronteiras para se protegerem da escalada de casos de coronavírus no país. O Le Monde publicou nesta semana um forte editorial contra o presidente Jair Bolsonaro. Enquanto isso, em seminários virtuais o Itamaraty mostra a dimensão da sua alienação da realidade.
A Fundação Alexandre Gusmão já foi um importante centro de pensamento de política exterior, com discussões de grande pluralidade, mas tem abrigado seminários com convidados irrelevantes e que repetem a mesma ladainha ideológica do chanceler Ernesto Araújo.
A série de palestras, que já chegou à sua terceira edição e caminha para uma quarta, traz, entre os convidados, seguidores de Olavo de Carvalho, um dos gurus da gestão Bolsonaro, além de juristas e blogueiros, entre outras subcelebridades.
O último ciclo de palestras aconteceu nesta segunda-feira, 19, e contou com a participação da juíza de Direito Ludmila Lins Grilo; do diretor de opinião do site Brasil Sem Medo, Bernardo Küster; e do analista político e escritor Flavio Morgenstern.
Eles fizeram duras críticas ao isolamento social para conter a pandemia; condenaram o fato de as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) interferirem nos atos dos administradores públicos; alimentaram teorias conspiratórias sobre o comunismo, ataques cibernéticos, espionagens e sobre a China – país onde começaram os primeiros casos de contaminação do novo coronavírus. Não faltaram, claro, ataques à imprensa.
Ludmila Grilo, em seu perfil no Twitter, se define com uma frase de Olavo de Carvalho (“A coragem nasce do amor ao próximo”). Bernardo Küster incentiva o cancelamento das assinaturas dos veículos de comunicação tradicionais; e Morgenstern já foi condenado a pagar uma indenização de R$ 120 mil ao cantor Caetano Veloso por ter criado a hashtag #CaetanoPedófilo, em 2017, fazendo uma referência à relação de Caetano com a ex-mulher Paula Lavigne, 27 anos mais nova. Ou seja, eles escolhem a dedo para ouvir apenas quem reforças suas idiossincrasias.
Seria só mais um fato bizarro dos muitos do ministro Ernesto Araújo, mas a Fundação sempre teve um papel importante na formação do pensamento dos jovens diplomatas e na formulação da própria política externa.
Em entrevista à coluna, o diplomata Rubens Ricupero destacou um risco que, nesta semana, outros articulistas reforçaram. O país está virando um pária, e a política externa tem excluído o Brasil dos eixos relevantes no mundo. Internamente tem se fechado mais no seu gueto ideológico. Até no regime militar não foi assim. Pelo contrário, chanceleres como Azeredo da Silveira, do período Ernesto Geisel, e Ramiro Saraiva Guerreiro, do período João Figueiredo, ampliaram a influência do Brasil no mundo através da política externa do “pragmatismo responsável”.

domingo, 31 de maio de 2020

A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global - Paulo Roberto de Almeida

Um dos meus trabalhos recentes, feito para responder a convite de palestra para alunos de Direito e de Relações Internacionais, mas que não será lido, razão pela qual, como sempre faço, já o enviei preliminarmente, para conhecimento dos alunos e professores. Como sempre, farei uma pequena digressão sobre os temas selecionados, e depois deixarei o máximo de tempo para as perguntas da audiência.
Paulo Roberto de Almeida 

3673. “A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global”, Brasília, 18-20 maio 2020, 28 p. Ensaio opinativo sobre a temática do título, para servir como texto de apoio a palestra online para alunos dos cursos de Direito e de Relações Internacionais da IES de Anápolis, em 3/06/2020. 
Disponível na plataforma Academia.edu (link:
 https://www.academia.edu/43208735/A_politica_externa_e_a_diplomacia_brasileira_em_tempos_de_pandemia_global_2020_).

A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global


Paulo Roberto de Almeida
  
Sumário: 
Considerações gerais sobre a política externa e a diplomacia dos Estados soberanos
Política externa e diplomacia do Brasil em padrões tradicionais e em tempos normais
A política externa e a diplomacia em tempos excepcionais: sem qualquer programa
A política externa e a diplomacia em tempos de anormalidade pré-pandêmica
A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de anormalidade pandêmica
A restauração da política externa e da diplomacia segundo ex-chanceleres

Considerações gerais sobre a política externa e a diplomacia dos Estados soberanos
Um Estado se organiza institucionalmente em torno de seus três poderes principais, à la Montesquieu, e estes se articulam sobre a base das disposições constitucionais que regulam, de modo lato, o seu funcionamento. Os agentes públicos eleitos ou mandatados nos três poderes exercem suas funções a partir dos mesmos dispositivos constitucionais e a partir dos impulsos e iniciativas tomados pelos governos eleitos em alternância, pelo menos nas democracias representativas. No caso do Brasil, tínhamos, no Império, uma inovação à la Benjamin Constant (o franco-suíço, não o brasileiro), um quarto poder, o Moderador, usado pelo Imperador para se livrar do gabinete de turno, e convidar o líder do partido opositor (só havia dois, o Liberal e o Conservador, ambos escravistas).
O Executivo, principal poder nos governos, exerce suas funções por meio de políticas públicas, sendo que estas se dividem em macroeconômicas – fiscal, monetária, cambial – e em políticas setoriais: industrial, comercial, agrícola, educacional, científica, etc. Algumas destas possuem maior abrangência, perpassando diferentes setores da vida pública, como a Justiça, a Defesa e as Relações Exteriores. Esta última, objeto deste ensaio, toma apoio em outras políticas setoriais: de comércio exterior, da indústria, da agricultura, assim como das demais que possuem uma interface internacional, o que acaba sendo o caso de quase todas elas, pois mesmo as políticas que têm a ver com a segurança interna, com a previdência, ou as populações indígenas, por exemplo, podem receber insumos e lições comparativas extraídas de outras experiências de base nacional. Um foro de coordenação de políticas como a OCDE, ao qual o Brasil pretende ingressar, é uma espécie de gabinete ministerial incorporando todas as vertentes das políticas governamentais, macroeconômicas e setoriais. 
A política externa de um país é o conjunto de diretrizes e prioridades que um país determinado escolhe, de acordo com a sua forma de governo – parlamentarista ou de cunho presidencial, como é o nosso caso –, para se relacionar com outros Estados soberanos da comunidade internacional e no âmbito das organizações regionais ou intergovernamentais de caráter universal ou mundial, cenário no qual exercem preeminência a Organização das Nações Unidas e suas agências especializadas. Nos regimes presidencialistas, como é o caso do Brasil, cabe ao presidente determinar as diretrizes básicas da política externa, com a eventual tutela do poder legislativo no controle de suas ações e iniciativas e na designação de representantes diplomáticos junto a essas organizações internacionais ou demais países com os quais se tenham relações diplomáticas. Raramente a política externa aparece com destaque ou prioridade nos debates eleitorais, uma vez que as questões principais em cada escrutínio eleitoral tocam mais diretamente nas políticas econômicas – emprego, renda, habitação, gastos em saúde e educação, transportes, segurança, etc. –, daí uma grande latitude deixada ao chefe de governo, e de Estado (no caso dos regimes presidencialistas), na definição das linhas básicas dessa política setorial abrangente. 
A diplomacia, por sua vez, nada mais é senão a ferramenta pela qual um Estado constituído exerce a sua política externa, mobilizando agentes enviados ao exterior e o corpo profissional do Serviço Exterior para a implementação das diretrizes do presidente, com a atuação paralela dos demais poderes e dos agentes econômicos e sociais de uma nação que mantém relações normais com os demais Estados da comunidade internacional. Esse corpo profissional pode ser mais ou menos aberto à participação de especialistas recrutados em outras áreas de governo (Defesa, Economia, Agricultura, por exemplo) ou na própria sociedade civil (empresas, academia, organizações não governamentais). No caso do Brasil, existe certo insulamento do ministério das Relações Exteriores dessa “osmose” que outras chancelarias mantêm com esses agentes “externos” ao próprio Serviço Exterior oficial, ou seja, recrutado por concurso e dotado de estabilidade funcional. Essas características podem representar tanto uma garantia de alta qualidade no desempenho das funções e atividades tipicamente diplomáticas – pelo constante treinamento do pessoal habilitado –, quanto certo risco de autismo burocrático ou insulamento da sociedade e das demais agências públicas. 

Política externa e diplomacia do Brasil em padrões tradicionais e em tempos normais
(...)

Ler a íntegra neste link: 


sábado, 30 de maio de 2020

A imagem negativa do Brasil no exterior - Guga Chacra (O GLobo)


O presidente Jair Bolsonaro na última segunda-feira
Cerca de 15 anos atrás, um amigo iraniano radicado nos Estados Unidos que estudou comigo na Universidade Columbia me disse sentir inveja, no bom sentido, de eu ser brasileiro. Afirmou algo como “quando você fala que é do Brasil, os olhos das pessoas brilham. Todos adoram o Brasil no mundo. Quando digo que sou iraniano, a imagem na cabeça da maioria das pessoas é ruim”.
Não há dúvida de que o Irã carrega uma imagem terrível desde 1979, quando ocorreu a revolução no país — antes era governado pela ditadura do Xá, também sanguinária, porém mais bem vista no exterior. As cenas de pessoas enforcadas nas ruas e a adoção de medidas extremistas, com as mulheres sendo tratadas como cidadãs de segunda classe e a perseguição aos homossexuais, assombraram o planeta. A tomada da Embaixada dos EUA em Teerã, com 52 diplomatas mantidos reféns por 444 dias, desgastou ainda mais a visão que muitos americanos têm dos iranianos.
Muitos aqui nos EUA ignoravam a história milenar dos persas. Qualquer iraniano passou a ser associado a algo negativo. A proeminente diáspora iraniana em Los Angeles e Nova York teve de lutar para mostrar que eles eram contra o regime. Inclusive, boa parte deles veio para os EUA para fugir do extremismo. Condenavam o aiatolá Khomeini, mas tinham orgulho de serem persas.
Ser brasileiro no exterior parecia ser o inverso de ser iraniano, como notou meu amigo. Apesar de todos os enormes problemas do país, o Brasil era enxergado positivamente, desfrutando de uma espécie de soft power sem se esforçar. Esta imagem um pouco estereotipada se devia ao futebol e à música, que sempre encantaram o planeta — Pelé, Tom Jobim, Ipanema e mesmo o piloto Ayrton Senna. O Brasil foi por décadas sinônimo de alegria. Nossa política externa seguia uma visão multilateralista em órgãos internacionais. Éramos vistos como um dos líderes na defesa do meio ambiente. Sem dúvida, houve críticas à postura brasileira na aproximação com alguns regimes. Mas nada muito diferente dos EUA ou da França, que também sempre tiveram boas relações com algumas ditaduras.
A imprensa internacional publicava matérias positivas e negativas do país. Casos de corrupção receberam destaque, assim como o impeachment de Dilma Rousseff. O mesmo vale para a recessão econômica — lembrando que corrupção e crises na economia não eram algo único ao Brasil, embora mais intenso do que em muitas outras nações. Ainda assim, a imagem brasileira seguia normal e relativamente positiva. Não éramos uma nação pária.
A chegada de Jair Bolsonaro ao poder foi uma transformação. Houve, sim, inicialmente e mesmo ao longo de parte do ano passado, reportagens positivas sobre o desempenho econômico. Alguns líderes internacionais, como Benjamin Netanyahu e Narendra Modi, até desenvolveram uma boa relação com o líder brasileiro. A imagem do presidente, porém, começava a se desgastar devido ao desmatamento e às queimadas na Amazônia. Seu comportamento agressivo e suas falas recheadas de insultos agravaram ainda mais o cenário. Sua postura negacionista e anticiência no combate à Covid-19 foi o golpe final para os brasileiros passarem a ser associados a algo negativo.
Infelizmente, ninguém nos inveja mais. Os olhos deixam de brilhar quando dizemos que somos do Brasil. Triste.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

O mundo pós-pandemia: resumo para o programa do Livres - Paulo Roberto de Almeida

O mundo pós-pandemia: resumo para o programa do Livres 

Paulo Roberto de Almeida
Rascunho para debate público online para o Livres, no dia 25/05/2020
na companhia do embaixador Rubens Ricupero e da economista Sandra Rios. 

A presente nota se dedica, numa primeira parte, a resumir o trabalho já elaborado para este debate e ao qual se pode recorrer para maiores detalhes: “O mundo pós-pandemia: contextos políticos e tendências internacionais” – disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43123473/O_mundo_pos-pandemia_contextos_politicos_e_tendencias_internacionais_2020_) –, a que se seguem mais alguns comentários sobre a questão selecionada para debate, bem como sobre a situação recente da diplomacia do Brasil, o atual “homem doente da América do Sul”. 

Adivinhos, oráculos e previsões
Debates online: fadiga pós-pandêmica, ou então substituirão os encontros físicos;
Minhas previsões imprevidentes...; companheiros ajudavam (ética na política...); os atuais fazem besteiras previsíveis;

Mudanças e continuidades, com pandemias que vão e que voltam
A verdade é que não sabemos como será o mundo pós-pandêmico;
Emb. Ricupero alerta que não será muito diferente; pandemias não mudam estruturas longas, à la Braudel;
Depois do terremoto de 14-18, o mundo continuou mais ou menos como antes;
Pacto Briand-Kellog, 1928; Japão invade a Manchúria em 1931; rearmamento alemão em 1933; Itália inicia guerra contra a Abissínia em 1937; 

Contextos nacionais e forças transnacionais
Mudanças já estavam em curso desde antes, entre elas o nacionalismo e os retrocessos protecionistas, que aliás antecedem Trump;
Ou seja, já estávamos em mundo novo antes da pandemia; só o Brasil desapareceu do mundo, e isso também antes da pandemia; agora, então, simplesmente não existimos, ou apenas existimos como mau exemplo;

Globalização micro e macro: qual avança, qual recua?
A verdadeira globalização, a micro;
A antigloblização, a macro;

Da Guerra Fria geopolítica a Guerra Fria econômica: quem perde, quem ganha?
Uma das coisas mais impactantes que constatei nos tempos recentes – e isso não está em meu paper – foi a rendição dos acadêmicos americanos à paranoia do Pentágono
Isso já estava um pouco visível nos debates sobre a Grande Estratégia nos EUA, até em Yale, com o biógrafo de Kennan, John Lewis Gaddis, e em Harvard, Graham Ellison, autor do famoso livro sobre a Essência da Decisão (Cuba, 1962)
John Lewis Gaddis tem aliás um livrinho sobre o fim da Guerra Fria: o Ocidente venceu
Bem, agora saímos da Guerra Fria Geopolítica e estamos na Guerra Fria Econômica.\

Como será, então, o mundo pós-pandemia: muito diferente do atual?
Para ser sincero, não tenho a menor ideia de como será o mundo pós-pandemia
A Grande Depressão pode ser agora uma Super Depressão; Chimerica de Ferguson
Infelizmente, para o Brasil, dada a má qualidade de nossas elites dirigentes, assim como devido à péssima qualidade daqueles que ocupam o poder político no presente momento, esse futuro é o mais incerto possível, oscilando entre o precário e o desastroso. Não consigo detectar governo tão medíocre, tão miserável, tão prejudicial à nação, ao Estado, ao país, quanto o atual desgoverno que teve início em 1º de janeiro de 2019: não sabemos ainda quando terminará...

Mundo pós-pandemia: não muito diferente do atual
O mundo não mudará muito, em suas estruturas fundamentais, mas mudanças tópicas podem ser relevantes;
A pandemia traz desemprego, sofrimento e pobreza, mas não provocará nem uma revolução social, nem grandes rupturas políticas;
Se houver mudanças de governos será mais como resultado do desgaste do existentes, por ineficácia em lidar com as consequências da pandemia;
As mudanças econômicas serão adaptativas aos impactos trazidos pela doença com algumas inovações importantes, em produtos e métodos (todas as guerras fazem isso);
Lideranças medíocres, como a nossa, atrasarão essas mudanças adaptativas no campo econômico e retardarão ainda mais suas sociedades do que o mero impacto da doença.

O “Homem Doente da América do Sul”? 
Esse conceito de “homem doente” foi empregado pela primeira vez para o caso da China, na última década do século XIX, e esse “homem doente” era o Império Qing, decadente, tanto que veio a termo apenas três anos depois que a Imperatriz Cixi morreu, em 1908. Contemporaneamente, o outro “homem doente” da Ásia, ou da Europa, pele menos parcialmente, era o Império Otomano, que se desfez nos muitos desastres da Grande Guerra, que também desmantelaram três outros grandes impérios europeus: o dos Habsburgos, na Áustria-Hungria, o dos Romanov, na Rússia czarista, e o dos Hoenzollerns, do Reich alemão, prussiano de origem. 
Mas não se pense que o termo possa ser exclusivo dessas situações-limite, decaindo como resultado de grandes conflitos bélicos, de guerras civis, de revoluções ou de ataques de potências estrangeiras, como também no caso da China imperial, e da própria República presidida por Sun Yat-Sen. Lembro-me que no começo deste século a Economist dedicou um editorial, artigos e uma ilustração de capa, para no novo “homem doente da Europa”, a Alemanha, antes que ela começasse as reformas que reforçariam a sua taxa de crescimento, o seu desemprego, o crescimento indesejado do já alto custo do trabalho, impactando sua competitividade internacional. Ou seja, ninguém escapa de cair no qualificativo desonroso, por razões geralmente vinculados a uma fase de declínio.
Pois agora chegou a vez do Brasil. Creio que já se pode chamar o Brasil de o “homem doente da América do Sul”, e não apenas por causa da nossa evolução trágica nos números cumulativos de infectados pelo Covid-19 e pelo volume de mortos. Nossos vizinhos já tinham percebido isso, e por isso mesmo declarado o fechamento de suas fronteiras e outras comunicações com o Brasil. Nosso país se tornou o “homem doente da América do Sul” a mais de um título, sobretudo no plano diplomático, na esfera dos direitos humanos, no respeito às liberdades fundamentais e no respeito à imprensa, assim como no terreno do meio ambiente e do cumprimento de compromissos assumidos no âmbito de acordos internacionais nessa área. Já dizia o embaixador Ricupero, ainda no governo de transição presidido pelo vice-presidente Michel Temer, que ninguém quer tirar foto ao lado do Brasil. Se isso era verdade em 2017, é bem mais atualmente. Como ele também disse, o Brasil virou um “pária internacional”, um verdadeiro proscrito da diplomacia mundial, um personagem anômalo nos foros internacionais e regionais. 
Essa não é, evidentemente, a opinião do chanceler, expressa na famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, no Palácio do Planalto. Em meio aos muitos palavrões do presidente, o chanceler declarou que o Brasil poderia fazer parte de uma espécie de novo Conselho de Segurança que seria formado em um mundo pós-pandemia. Ele disse o seguinte, de acordo com a transcrição autorizada pelo ministro Celso de Mello:
Eu  [sic] cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições, tem a oportunidade de se sentar na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial. (...)
Eu acho que é verdade e assim como houve um Conselho de Segurança que definiu a ordem mundial, cinco países depois da... da segunda guerra, vai haver uma espécie de novo é ... [sic] Conselho de Segurança e nós temos, dessa vez, a oportunidade de  [sic] nele e acreditar na possibilidade de o Brasil influenciar e forma... ajudar a formatar um novo é ... cenário. (...)
E esse cenário é, ... eu acho que ele tem que levar em conta o seguinte é ... tamos [sic] aí revendo os últimos trinta anos de globalização. Vai haver uma nova globalização.
Que que aconteceu nesses trinta anos? Foi uma globalização cega para o tema dos valores, para o tema da democracia, da liberdade. Foi uma globalização que, a gente  [sic] vendo agora, criou é ... um modelo onde no centro da economia internacional está um país que não é democrático, que não respeita direitos humanos etc., ? [sic]

Tanto quanto o ainda presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, o filho 02 do presidente, o chanceler também acredita que o momento do Brasil inspira grande confiança e pode se refletir em prestígio internacional. Não se pode, evidentemente, evitar que determinadas pessoas entretenham ilusões sobre a imagem do Brasil no mundo, ou sobre sua capacidade de influenciar temas e políticas da agenda internacional. O que se pode fazer é manter uma visão realista, sóbria, sobre a inserção atual do Brasil no sistema internacional, e constatar, ou melhor, indagar com quais países, ou em quais áreas, o Brasil poderia manter relações estreitas, assinar novos acordos bilaterais ou plurilaterais, ter confirmadas as suas duas principais ambições do momento – a entrada em vigor do acordo Mercosul-UE e o ingresso na OCDE – ou receber convites e aceitar visitas, de trabalho ou de Estado, com quais chefes de governo ou de Estado dispostos a cultivar relações com o Brasil atual. Numa recente reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para marcar os 75 anos do final da Segunda Guerra Mundial e a vitória das Nações Aliadas contra o nazifascismo, o chanceler aproveitou para lançar um novo ataque a propósito dos riscos do comunismo, tendo ainda recomendado que se evitasse a palavra multilateralismo, uma vez que todos os conceitos terminados em “ismo” poderiam denotar fenômenos essencialmente negativos. 
Registre-se que nas áreas de meio ambiente, de direitos humanos, de luta contra a corrupção, de relações bilaterais com boa parte de importantes países da Europa ocidental, ou até no âmbito do Brics, mas sobretudo no campo das relações regionais, o leque de possibilidades abertas ao engenho e arte da diplomacia profissional tem se reduzido de maneira substantiva desde o início do governo Bolsonaro. Já tendo, de partida, anunciado sua oposição ao multilateralismo – em nome de um difuso e nunca explicado antiglobalismo –, as relações do governo com o sistema da ONU – em especial com a OMS, em plena pandemia – são as piores possíveis, a ponto de obstar a convites para determinados encontros, em vista das críticas do presidente e do chanceler às posturas adotadas nesses organismos, e não apenas em relação à luta contra o Covid-19. 
Sintetizando, como diplomata profissional, posso testemunhar que nunca, em minhas quatro décadas a serviço do Itamaraty – com alguns intervalos, como durante toda a duração dos governos petistas, e atualmente, quando também me encontrei afastado do trabalho executivo –, mas também com base na leitura da história, deparei-me com tal desprestígio do Brasil no plano internacional, com um tal rebaixamento dos padrões profissionais do Itamaraty e com um abandono inédito de teses, posturas e dos métodos de trabalho da diplomacia brasileira e da política externa brasileira: trata-se, seguramente, de uma era deprimente da política externa e das relações internacionais do Brasil, uma fase a que eu não hesito em chamar de EA, a Era dos Absurdos. 
Se olharmos para trás, na longa evolução do Serviço Exterior do Brasil, desde a sua independência, e a dois anos de comemorarmos, em 2022, os primeiros dois séculos da existência da nação independente, podemos certamente constatar, como afirmou o embaixador Rubens Ricupero, em seu livro A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016(2017), que nossa política externa e o pessoal profissional e os estadistas nela envolvidos participaram efetivamente da consolidação de um Estado atuante, um dos mais sofisticados dentre as nações que surgiram do colonialismo ibérico, caracterizado por uma atuação de alta qualidade, de excelência mesmo, como reconhecido inclusive por parceiros de nações avançadas e com diplomacias bem mais longevas. Infelizmente, essa tradição admirável vem sendo deliberadamente constrangida, sabotada, deformada e diminuída desde o início do governo atual. Haverá um trabalho de reconstrução a ser feito como já registrado no chamado “manifesto dos chanceleres”, publicado nos grandes jornais brasileiros no dia 8 de maio de 2020 (ler a versão em português neste link: https://www.academia.edu/43153794/A_reconstrucao_da_politica_externa_brasileira_2020_; a versão em inglês, encontra-se disponível aqui: https://www.academia.edu/43042244/The_Reconstruction_of_Brazilian_Foreign_Policy_-_Former_Ministers).
Uma transcrição de seus principais parágrafos traz algumas evidências quanto à lamentável situação atual da política externa e da diplomacia brasileira: 
É suficiente cotejar os ditames da Constituição com as ações da política externa para verificar que a diplomacia atual contraria esses princípios na letra e no espírito. Não se pode conciliar independência nacional com a subordinação a um governo estrangeiro cujo confessado programa político é a promoção do seu interesse acima de qualquer outra consideração. Aliena a independência governo que se declara aliado desse país, assumindo como própria uma agenda que ameaça arrastar o Brasil a conflitos com nações com as quais mantemos relações de amizade e mútuo interesse. Afasta-se, ademais, da vocação universalista da política externa brasileira e de sua capacidade de dialogar e estender pontes com diferentes países, desenvolvidos e em desenvolvimento, em benefício de nossos interesses.
Outros exemplos de contradição com os dispositivos da Constituição consistem no apoio a medidas coercitivas em países vizinhos, violando os princípios de autodeterminação e não intervenção; o voto na ONU pela aplicação de embargo unilateral em desrespeito às normas do direito internacional, à igualdade dos Estados e à solução pacífica dos conflitos; o endosso ao uso da força contra Estados soberanos sem autorização do Conselho de Segurança da ONU; a aprovação oficial de assassinato político e o voto contra resoluções no Conselho de Direitos Humanos em Genebra de condenação de violação desses direitos; a defesa da política de negação aos povos autóctones dos direitos que lhes são garantidos na Constituição, o desapreço por questões como a discriminação por motivo de raça e de gênero. 
Além de transgredir a Constituição Federal, a atual orientação impõe ao País custos de difícil reparação como desmoronamento da credibilidade externa, perdas de mercados e fuga de investimentos. (...)
Na América Latina, de indutores do processo de integração, passamos a apoiar aventuras intervencionistas, cedendo terreno a potências extrarregionais. Abrimos mão da capacidade de defender nossos interesses, ao colaborarmos para a deportação dos Estados Unidos em condições desumanas de trabalhadores brasileiros ou ao decidir por razões ideológicas a retirada da Venezuela, país limítrofe, de todo o pessoal diplomático e consular brasileiro, deixando ao desamparo nossos nacionais que lá residem. (..)
A reconstrução da política exterior brasileira é urgente e indispensável. Deixando para trás essa página vergonhosa de subserviência e irracionalidade, voltemos a colocar no centro da ação diplomática a defesa da independência, soberania, da dignidade e dos interesses nacionais, de todos aqueles valores, como a solidariedade e a busca do diálogo, que a diplomacia ajudou a construir como patrimônio e motivo de orgulho do povo brasileiro.

O trabalho de reconstrução será efetivamente duro e demorado. Assim faremos.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 25/05/2020