Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Argentina vs holdouts: Corte Suprema dos EUA vai decidir sobre o caso
sábado, 30 de junho de 2012
Divida Externa: ja vimos esse filme antes...
Um aumento muito grande da dívida externa se dá quando existem abundantes capitais sendo oferecidos no mundo, as taxas de juros são reduzidas e as facilidades aparentes são muito grandes.
Assistimos isso nos anos 1970 e novamente nos anos 1990: nas duas vezes o cenário final não foi exatamente positivo. E quando a tendência se inverter, e a moeda nacional se desvalorizar?
Estaremos incorrendo nos mesmos pecados do passado?
Paulo Roberto de Almeida
Dívida externa do país aumenta 43% desde fim da crise
Gustavo Pau e Eduardo Cucolo
Folha de S.Paulo, 03/07/2011
Passado o impacto mais agudo da crise internacional, a recuperação da economia brasileira provocou um efeito colateral ainda pouco comentado e compreendido: a alta mais acelerada da dívida externa desde o Plano Real. Ou, mais exatamente, desde que, em 1994, às vésperas do lançamento da atual moeda, foi fechado o acordo com os credores para normalizar os pagamentos e reabrir o mercado global de crédito para o governo brasileiro e para as empresas do país. Do final do ano retrasado para cá, a dívida externa conjunta de empresas, administrações públicas e famílias cresceu 43%. A taxa supera a expansão ao longo dos 15 anos anteriores, de 34%. Se as consequências dessa escalada ainda não estão claras, as causas são fáceis de explicar: no mundo desenvolvido, as taxas de juros despencaram para reativar a produção e o consumo; no Brasil, os investimentos públicos e privados tiveram uma forte retomada.
JUROS ALTOS
O cenário criado após o terremoto financeiro de 2008-2009 estimulou bancos e empresas do setor produtivo a buscar empréstimos e financiamentos no mercado internacional para aplicar e investir no mercado doméstico -no qual a oferta de recursos é escassa e os juros são os mais altos do planeta. A dívida externa, que era de pouco menos de R$ 200 bilhões no final de 2009, chegou a R$ 284 bilhões em maio. A parcela privada da dívida, hoje equivalente a três quartos do total, cresceu R$ 87 bilhões, enquanto a parcela pública da dívida encolheu R$ 1 bilhão. Autor de um trabalho recente sobre o tema, o economista Julio Gomes de Almeida, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), afirma que, embora não haja risco imediato, o salto da dívida ameaça a sustentabilidade do crescimento econômico.
RISCOS
“Esse é um processo insustentável a longo prazo e arriscado do ponto de vista empresarial”, diz Almeida. O perigo mais óbvio da dependência crescente de capital externo é a eventual reversão do quadro favorável atual. A alta dos juros externos ou das cotações do dólar pode tanto criar dívidas impagáveis quanto derrubar a produção nacional. O próprio governo já manifestou preocupação com o crescimento da dívida do setor privado. Em março, para conter esse movimento, houve aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para dívidas com prazo inferior a dois anos. Nos dois meses seguintes, as dívidas continuam crescendo, mas com prazos mais longos.
domingo, 3 de julho de 2011
Divida Externa: ja vimos esse filme antes...
Assistimos isso nos anos 1970 e novamente nos anos 1990: nas duas vezes o cenário final não foi exatamente positivo. E quando a tendência se inverter, e a moeda nacional se desvalorizar?
Estaremos incorrendo nos mesmos pecados do passado?
Paulo Roberto de Almeida
Dívida externa do país aumenta 43% desde fim da crise
Gustavo Pau e Eduardo Cucolo
Folha de S.Paulo, 03/07/2011
Passado o impacto mais agudo da crise internacional, a recuperação da economia brasileira provocou um efeito colateral ainda pouco comentado e compreendido: a alta mais acelerada da dívida externa desde o Plano Real. Ou, mais exatamente, desde que, em 1994, às vésperas do lançamento da atual moeda, foi fechado o acordo com os credores para normalizar os pagamentos e reabrir o mercado global de crédito para o governo brasileiro e para as empresas do país. Do final do ano retrasado para cá, a dívida externa conjunta de empresas, administrações públicas e famílias cresceu 43%. A taxa supera a expansão ao longo dos 15 anos anteriores, de 34%. Se as consequências dessa escalada ainda não estão claras, as causas são fáceis de explicar: no mundo desenvolvido, as taxas de juros despencaram para reativar a produção e o consumo; no Brasil, os investimentos públicos e privados tiveram uma forte retomada.
JUROS ALTOS
O cenário criado após o terremoto financeiro de 2008-2009 estimulou bancos e empresas do setor produtivo a buscar empréstimos e financiamentos no mercado internacional para aplicar e investir no mercado doméstico -no qual a oferta de recursos é escassa e os juros são os mais altos do planeta. A dívida externa, que era de pouco menos de R$ 200 bilhões no final de 2009, chegou a R$ 284 bilhões em maio. A parcela privada da dívida, hoje equivalente a três quartos do total, cresceu R$ 87 bilhões, enquanto a parcela pública da dívida encolheu R$ 1 bilhão. Autor de um trabalho recente sobre o tema, o economista Julio Gomes de Almeida, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), afirma que, embora não haja risco imediato, o salto da dívida ameaça a sustentabilidade do crescimento econômico.
RISCOS
“Esse é um processo insustentável a longo prazo e arriscado do ponto de vista empresarial”, diz Almeida. O perigo mais óbvio da dependência crescente de capital externo é a eventual reversão do quadro favorável atual. A alta dos juros externos ou das cotações do dólar pode tanto criar dívidas impagáveis quanto derrubar a produção nacional. O próprio governo já manifestou preocupação com o crescimento da dívida do setor privado. Em março, para conter esse movimento, houve aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para dívidas com prazo inferior a dois anos. Nos dois meses seguintes, as dívidas continuam crescendo, mas com prazos mais longos.
sábado, 7 de maio de 2011
Uma historia da divida mundial - FMI no YouTube
Back to the Future: a History of the Global Debt
http://www.youtube.com/watch?v=jeIanMdkUj0
The policy choices and decisions countries face as they emerge from the worst economic crisis in 80 years have a lot to do with their past habits. And to make good decisions, they need good data.
The IMF staff has built a comprehensive and dynamic new database on public debt. The data covers 174 countries over a period of 120 years, and will help policymakers understand the past and chart a future course to sustainable economic growth.
The data shows how government debt has risen and fallen over the years as important events, such as wars and stock market crashes, affect a country's decisions about when to save and when to spend.
It turns out the relationship between debt and economic growth has changed over time; historically, fast growing countries had low debt ratios, while slow growers struggled under higher debt. In the past 30 years that relationship has altered as advanced economies' debt levels have risen and their economies have grown.
The data also debunks some old clichés, for example that African countries have the highest debt levels. In fact, low income countries in Africa today have lower debt ratios than do advanced economies in Europe and North America.
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Divida Externa do Brasil e FMI: esclarecendo duvidas, eliminando erros
Divida do Brasil com o FMI: a farsa de sua quitacao - Flavio Morgenstern
Se tratava, como o próprio título indica, de um artigo de Flavio Morgenstern, explicando a situação real da dívida externa e interna do Brasil, precedido de alguns comentários meus sobre o fato de que a propagandeada "quitação da dívida externa do Brasil junto ao FMI", não passava, justamente, disso, de um ato de propaganda, mistificando a realidade, enganando a maior parte das pessoas e, pior, não seguida de comentários de jornalistas especializados esclarecendo que o Brasil saia pior da situação do que estava antes dessa "quitação" fantasmagórica.Não vou retomar cada passo das relações do Brasil com o FMI, algo sobre o que já escrevi a respeito, e justamente acabo de atualizar meu capítulo sobre diplomacia financeira num livro que vai ser publicado em terceira edição -- Relações Internacionais e Política Externa do Brasil -- que trará explicações mais extensas a esse respeito.
Se ouso resumir a situação, inclusive em intenção de comentaristas que me escreveram no post acima, com colocações superficiais, a favor e contra, a respeito do assunto, seria isto.
1) "Dívida" do Brasil com o FMI:
A rigor, não existe uma dívida do Brasil para com o FMI e nunca existiu. O que existiram foram planos de contingência e empréstimos condicionais -- créditos stand-by -- que foram negociados entre 1998 e 2001 (e renovados pelo governo Lula) para enfrentar situações de crise como as que abalaram os mercados financeiros na segunda metade dos anos 1990 e no início dos anos 2000, por causa da Argentina E DAS ELEIÇÕES BRASILEIRAS DE 2002 (e desculpo-me pela caixa alta, mas é bom que se diga como são os fatos, não a propaganda).
O Brasil contraiu um primeiro empréstimo do FMI, no quadro de um pacote muito mais amplo em 1998, para enfrentar um problema que diversos outros países enfrentavam: a fuga de capitais de mercados emergentes, que tinha começado com o problema do México, em dezembro de 1994, prolongou-se extensivamente nas crises dos mercados asiáticos de 1997 e assumiu contornos dramáticos com a moratória russa de agosto de 1998. O Brasil não entrou em crise e nunca deixou de pagar suas obrigações externas. Os pacotes foram preventivos e serviram para reforçar suas reservas ou alimentaram o caixa para saldar compromissos externos.
O primeiro pacote -- FMI, BIRD, BID e países membros do BIS -- foi de 48,5 bilhões de dólares. Em contrapartida (as famosas condicionalidades que muitos criticam), o Brasil assumiu o compromisso de "fazer superavit primário", ou seja, reservar uma parte de suas receitas fiscais (então estimada em 2,5% do PIB) para saldar os juros de sua dívida interna, doméstica, que estava crescendo demais.
Aos que reclamam dessas condicionalidades, eu apenas diria o seguinte: tente viver acima de seus vencimentos ou de sua renda, e vá pedir dinheiro ao seu gerente de banco apenas para continuar gastando com restaurantes e compras diversas. Tente viver acima de seus meios, para ver o que acontece. Era isso que estava fazendo, E QUE AINDA FAZ, o Brasil. Nada mais sensato, pois, do que recomendar um pouco de rigor fiscal, que é o que todo mundo faz com suas próprias contas pessoais.
O segundo pacote, contraído em meio à crise argentina de 2001, foi apenas para reforçar as reservas, com uma disponibilidade de 15 bilhões de dólares. Não foi usado, serviu apenas de garantia.
O terceiro pacote, de US$ 30 bilhões, só de dinheiro do FMI, foi feito em meio às eleições de 2002, quando OS MERCADOS ASSUSTADOS COM A POSSIBILIDADE DE O PT DAR CALOTE NA DIVIDA EXTERNA, começaram a cotar por baixo os títulos da dívida brasileira no exterior (que cairam a menos de 50% do seu valor de face, ou seja, você podia comprar um título de 100 dólares pagando apenas 48 dólares, e receberia igual do governo brasileiro os 100 dólares no seu termo). O dólar, como se sabe, foi às alturas, saindo de 1,7 reais para quase 4 contra um dólar, e a taxa de risco do Brasil foi a 24 mil pontos, ou seja 24 pontos percentuais acima das taxas de referência dos EUA.
Foi esse último empréstimo de US$ 30 bilhões que foi aceito e renovado pelo governo do PT, pelo ministro Palocci, em 2003, quando ele assumiu, mas apenas pela quantia de 14,8 bilhões de dólares, dinheiro NÃO UTILIZADO, mas que serviu apenas para reforçar as reservas.
Diga-se de passagem que foi o ministro Palocci que decidiu aumentar as garantias oferecidas pelo Brasil, não solicitadas pelo FMI, de aumentar o superavit primário de 2,5% do PIB para 3,25% do PIB, em total autonomia e independência (como compete a qualquer país membro do FMI).
Esse "empréstimo" -- na verdade, uma carta-compromisso fazendo a concessão desse crédito de 14,8 bi -- ficou em vigor até 2005, quando o governo decidiu pela sua "liquidação" e montou toda aquela operação de propaganda para dizer que tinha "liquidado a dívida com o FMI".
Vamos agora aos fatos.
2) Dívida comercial do Brasil nos mercados financeiros:
Pelo seu crédito, ou pelo direito de uso eventual do dinheiro do FMI (que também é seu, como membro de pleno direito), o Brasil pagava juros de companheiro, de 4,5% na média, ou seja, o dinheiro do FMI era MUITO MAIS BARATO do que qualquer outra operação comercial que o Brasil pudesse fazer nos mercados financeiros.
Mas, claro, apenas para dizer que "não dependia mais do FMI", o governo do presidente Lula declarou, de forma nitidamente enganosa, que estava se libertando da dependência do FMI, devolvendo um empréstimo que ele nunca tomou (na verdade, simplesmente dizendo que não renovaria mais o programa, e que o dinheiro reservado e carimbado em nome do Brasil era dispensável). Por decisão própria, o governo CONTINUOU MANTENDO A META DE SUPERAVIT PRIMÁRIO, por decisão própria, não por imposição do FMI.
O que ficou, então? Apenas empréstimos comerciais, Global Bonds, que o Brasil lança nos mercados comerciais, com taxas de juros nunca inferiores a 8%, em geral, na faixa de 9 a 11%, pelo menos naquela época (hoje se encontram Global Bonds de 7%, mas os mercados estão líquidos novamente e a taxa de risco do Brasil continuou caindo, graças à boa gestão do Banco Central).
Em resumo, o Brasil "trocou" -- não é a mesma coisa, claro, mas serve de comparação -- um "empréstimo" do FMI a 4,5% para ficar com empréstimos comerciais a 10%.
Se isso é vantajoso, apenas os novos donos da matemática da dívida podem dizer.
3) Dívida interna, e dívida total do Brasil:O fato é que para acumular as reservas que o Brasil acumulou, e proclamar que tem superávit com o mundo -- na verdade a dívida externa continua existindo, mas seu montante é inferior às reservas -- o Brasil faz dívida interna, a 10% ou mais, para poder comprar os dólares dos exportadores.
A consequencia é que temos acumulado uma dívida doméstica muito mais catastrófica do que qualquer dívida externa, inclusive comercial, pois os juros da Selic são sempre superiores aos dos mercados externos e mais do que o dobro do "dinheiro do FMI" (tão execrado).
Quem quiser saber mais sobre a dívida doméstico tem como se informar no site do Tesouro.
4) Iludindo os "incautos" e fazendo propaganda enganosa:
Termino e concluo: apenas os ingênuos acham que o Brasil se libertou do FMI, qualquer que seja o sentido que se dê a essa expressão. O Brasil nunca esteve obrigado a nada que não quisesse fazer, mas como em toda operação de crédito externo, existem garantias que tem de ser dadas pelo uso do dinheiro alheio. Pode-se garantir que as condições do FMI são muito melhores do que empréstimos "soberanos" que implicam custos maiores.
Pior do que tudo é contrair dívida interna para poder manter reservas que ainda tem um custo fiscal -- diferencial de juros internos e externos -- superior a 20 bilhões de dólares por ano.
Esse é o custo da propaganda do governo.
Paulo Roberto de Almeida
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Divida do Brasil com o FMI: a farsa de sua quitacao - Flavio Morgenstern
Volto a reafirmar, e me assusta que os jornalistas não tenham chamado a atenção para o fato -- claro, falar mal do FMI virou esporte nacional há muito tempo -- que a operação toda foi uma fraude, pois redundou em que o Brasil "se livrou" (como gostam de afirmar os ingênuos ou de má-fé) de uma dívida remunerada a juros camaradas para assumir compromissos remunerados a juros de banqueiros (vocês sabem o que eu quero dizer).
O artigo abaixo elabora um pouco mais sobre isso e vale a leitura.
Mas, volto a reafirmar, me assusta que jornalistas e comentaristas econômicos não tenham alertado para a fraude em questão.
Paulo Roberto de Almeida
A farsa da quitação da dívida externa
Flavio Morgenstern
Instituto Millenium, 3.08.2010
As observações de Bastiat não apenas permanecem atuais, como são capazes de explicar fatores ocultos ainda desconhecidos do grande público nos trâmites econômicos, muitas vezes de proporções abissais.
Bastiat, em sua obra O que se vê e o que não se vê, define corretamente que há mais de um personagem em uma transação econômica: aquele que paga, aquele que recebe e aquele que poderia ter recebido. O último é a peça fundamental no entendimento de questões econômicas. É aquele sujeito economicamente ativo que deixa de lucrar por força de o pagador escolher fazer outra compra. O exemplo de Bastiat trata da destruição de um bem, sendo que sua restituição não constitui lucro para seu dono – e, por conseguinte, para a sociedade. Como resultado geral, o pagador perde um bem, sem ganhar nenhum outro que valha o mesmo. Seria o mesmo que perder o próprio dinheiro.
Mas, quando se perde dinheiro, a perda não é clara e nítida ao perdedor? Na verdade, pode ser aí que reside o maior engano – e o maior perigo – do nosso sistema: gastamos um caudal de dinheiro antes mesmo de vê-lo, de pegá-lo, de termos um contato com ele que nos lembre, o tempo todo, que ele é nosso. Some-se a isso uma cultura que trata o Estado como aquele que deve ser o provedor de tudo (sem nunca perguntar o que não se vê: quanto isso custará?) e a falta de questionamento sobre o funcionamento dos impostos (que, afinal, é um dinheiro gasto por imposição), também devido à complexidade de cálculo, e temos a mais formidável máquina de destruição de riqueza já criada.
Um exemplo recente foi a suposta quitação da dívida externa brasileira com o FMI. Ao citar uma sigla que causa arrepios até em brasileiros cultos (que nem por isso são versados no “economês”), foi fácil para o governo pintar-se em tons de competência que beiram a mágica, ao passo que, na verdade, praticava uma destruição prejudicial a todos os brasileiros, que não viram seu dinheiro ser vaporizado.
A quitação da dívida externa, que atemoriza os brasileiros desde a época desenvolvimentista, era uma “promessa” governista de seus tempos de passeatas anti-FMI. Para tal, aumentou sobremaneira a dívida interna: em 2005, o governo vira devedor do mercado financeiro em US$12,4 bilhões – valor bem próximo aos US$15,5 bilhões que pagou ao FMI. Com isso, a balança comercial brasileira passa de uma situação deficitária para uma superavitária: do déficit de US$ 33,4 bilhões em 1998, para o superávit de US$ 13,5 bilhões, em 2006. A dívida externa, então, não foi “quitada” (afinal, qualquer dólar que um brasileiro fique devendo para um site de compras estrangeiro é computado na “dívida externa”), e sim passamos a uma situação de superávit. Contudo, trocou-se, na prática, uma dívida com juros de 4% ao ano por outra, com o mercado interno, com juros entre 8% e 12,75% – o Tesouro continua a pagar juros acima de 13% da dívida interna.
Essa troca, em microeconomia, nunca seria feita – nem mesmo o trabalhador menos instruído em educação financeira aumentaria de bom grado os juros de sua dívida. Porém, como se trata de grandezas macroeconômicas, e o governo pôde se ver livre de palavras como “dívida externa” e “FMI”, a ação foi aplaudida, enquanto o partido situacionista era saudado como salvador da situação econômica do Brasil – e toda a oposição era demonizada homogeneamente como uma oligarquia que nunca tinha feito nada pelo bem do brasileiro em todos os outros governos.
Tal e qual um sindicato de funcionários públicos, que pressionam uma autoridade política por fins econômicos, a motivação aqui também foi eleitoreira, e não financeira – faz mais sentido pagar também do seu próprio bolso uma dívida que pode atingir 12,75% de juros ao invés de uma de 4%, desde que seu partido permaneça no poder – o que também inclui salários oriundos diretamente da máquina estatal, que serão superiores em bem mais de 12,75% aos salários que poderiam obter da iniciativa privada.
Este processo de crescimento exponencial da dívida interna já vinha sendo produzido desde antes da era FHC. Se em janeiro de 1995 a dívida interna era de 62 bilhões, em janeiro de 2003, quando Lula foi empossado, a dívida estava em R$ 687 bilhões. Com Lula, ela atinge R$ 1,6 trilhão em dezembro de 2008 (ou R$ 1,9 trilhão, se computados os títulos em poder do Banco Central e as dívidas das estatais) – aumento de 60% em três anos. Este é o custo da ação governamental de “quitação” (ou balanceamento) da dívida externa. Pode parecer um custo por demais elevado – porém, o valor eleitoreiro de quitar uma dívida que é anátema de décadas do Brasil é incalculável.
Para um panorama mais abrangente, os gastos do governo até 2008 com juros e amortizações da dívida pública foram de 30,57% do orçamento (R$ 282 bilhões). Se calcularmos os recursos emitidos para o refinanciamento das dívidas este percentual sobe para 47%. E estes 17% de diferença do orçamento governamental escondem uma verdadeira batata quente que é passada pelas mãos de governante a governante há decênios: o refinanciamento da dívida significa, como acontece com toda dívida em prestações que não foi paga, renovar as parcelas vencidas com novos prazos – e, naturalmente, com novos juros.
Na prática, isso é jogar a bomba para o próximo governo pagar – um custo de ação alto para o orçamento (dinheiro público tratado aqui como dinheiro de ninguém), mas duplamente vantajoso, em termos políticos: além de se livrar, no presente, da problemática, o próximo governo, possivelmente oposicionista, terá de arcar com dívidas maiores, fazer ajustes fiscais ortodoxos, cortar benefícios que geram impopularidade em uma parcela grande do eleitorado e ter menos dinheiro em caixa para gastar do que o governo anterior, que criou essas dívidas. Como um governo em crise parece incompetente, a população, que não analisou friamente as causas da austeridade governista, ficará com uma saudosa sensação de que o governo anterior (que gerou a própria crise com gastos esdrúxulos) era melhor, pois “quitava dívidas” e gastava mais com o povo. O governo não apenas garante que se livrará, a curto prazo, de uma bomba relógio financeira: ele garante que seu nome vai ficar na história como o último governo antes de uma crise. (A Grécia sofre agora por isso, assim como, em proporções menores, a cidade de São Paulo, após gestões seguidas de arroubos fiscais de Maluf, Pitta e Marta Suplicy.)
Outra forma de torturar os números até que eles confessem uma verdade estatística que eles não possuem é esconder uma das variáveis da equação para poder inverter o sinal desfavorável em favorável. O custo de escolha da ação governamental, então, parece ter sido melhor do que o de outros governos – quando na verdade não o foi. Por exemplo, o governo petista aponta que a dívida interna correspondeu, em meados de maio de 2010, a 42% do PIB (a relação dívida/PIB é a forma mais correta de análise desses dados), enquanto no governo FHC este patamar atingiu um pico de 56% em 1998. Ou seja, o que vale não é o valor da dívida em si, mas sim o seu percentual em relação ao PIB. Além de se esquivar das quatro crises internacionais seqüenciadas que o governo FHC enfrentou (não sem merecer críticas), esta fração ignora a retração do PIB no governo Lula – ademais, a dívida pública fica alta para fazer reservas, mas isso na verdade aumenta muito a dívida bruta, que é o que importa e não aparece nos gráficos. Se o PIB cai, contudo, a dívida aumenta, já que neste cenário é necessário aumentar os juros, aumentando ainda mais a dívida até que o governo resolva diminuir as despesas – cortar na carne, impopularmente. Com o orçamento engessadíssimo, esta manobra é meio abafada, já que cada imposto precisa ir para um lugar específico, conforme a Constituição – por isso também se cria tantas “contribuições”.
O próprio crescimento do PIB merece atenção especial: já em 2004, no segundo ano sob égide do governo Lula, o país cresceu 4,9% – valor mais alto do que o melhor período tucano (4,4%, em 2000). Aqui, além de fingir desconhecer as crises que o governo FHC enfrentou (México em 1995, tigres asiáticos em 1997, Rússia em 1998 e o terror islâmico em 2001), faz-se uma manobra inversa do que a relação do PIB com a dívida: esconde-se o crescimento mundial e fica-se só com o PIB. Enquanto o mundo crescia a 2,9%, o Brasil patinava em 0,6 em 2003, graças aos temores do mercado em relação ao próprio projeto petista.
Já em 2005 o mundo crescia a 4,3%, e estávamos novamente bem abaixo: 2,3% (dados do Ipeadata, IBGE, Banco Mundial e FMI). Comparado ao crescimento mundial, o crescimento petista, desde 1961, só fica acima da desastrosa gestão Collor (desempenho médio negativo de -57,8%).
Também é o mesmo princípio que rege o câmbio do Real. Com o câmbio apreciado, a inflação fica mais lenta (as metas de inflação deixaram de assustar a população desde o Plano Real), e com os preços dos produtos importados abaixando desde então (só segurados por impostos altíssimos), os brasileiros passam a consumir produtos que nunca puderam ter, sobretudo bens de consumo duráveis, como eletroeletrônicos. Também as transações internacionais se tornam favoráveis ao consumidor médio: pode-se viajar mais e as dívidas e juros em dólar se tornam mais baratas (estranhamente, o governo trocou sua dívida em dólares por uma dívida em reais atrelada à taxa de juros, o que, novamente, significou mais gastos que não se vê, pautados num nacionalismo que apenas parece nos tirar das guerras do mercado americano).
O preço disso tudo é um pouco menos visível, e geralmente apenas sentido em longo prazo (novamente, talvez durante um governo oposicionista, dentro de alguns anos). As exportações já começaram a sentir este peso – a demanda externa ficou estancada, o que fez com que o governo aplicasse o complexo swap cambial reverso para tentar amenizar a situação do fluxo de recursos em 29 de setembro de 2008, no auge da crise americana. O baixo crescimento brasileiro deve-se ao fato de ter se escorado na demanda externa, há décadas maior do que as importações – e, para manter o crescimento, agora depende da expansão da demanda interna.
Mais uma vez, a escolha desastrosa do governo esconde-se em uma relação que não é vista: o efeito contrário da apreciação cambial sobre empregos e a produção coincide com o pico da demanda interna – com o aumento da demanda, o câmbio não parece “culpado” pela retração, já que outras forças empurram a economia. Porém, o consumo que aumenta é o de bens duráveis, que menos empregam trabalho local e que mais têm tecnologia automatizada – destruindo alguns empregos num médio prazo. Por fim, as atividades comercializáveis também perdem investimentos, comprometendo as próprias tecnologias que facilitou em um primeiro momento. Mas, com fácil certeza, os efeitos nocivos desta ação, o custo de oportunidade oculto da escolha do governo, só serão sentidos quando ninguém mais se lembrará de culpar as autoridades atuais.
Com isso, expõe-se algumas escolhas econômicas discutíveis, com custos que, como nos dizia Bastiat, não são vistos – e, piores do que a destruição de um bem, são relações de destruição de dinheiro macroeconômicas e governamentais – ou seja, além de envolverem quantias gigantescas, tornam-se, através de impostos, obrigatórias para toda a população destruir a sua riqueza.