O melhor, como explica este economista, é gerar produtos e serviços competitivos e baratos; o emprego vem em consequencia. Ou seja, atuar dentro da Lei de Say: a oferta cria a sua própria demanda. Mas os companheiros não acreditam nisso; como keynesianos de botequim, eles querem privilegiar a demanda, pois supostamente haveria mais empregos. Por isso a economia vive em baixa produtividade.
Paulo Roberto de Almeida
Gerar empregos é sempre uma boa ideia?
É comum vermos placas de obras públicas com mensagens do tipo:
“esta obra gera 1.000 empregos diretos!”, ou vermos políticos em
campanha dizendo que sua meta é gerar tantos milhões de vagas no mercado
de trabalho. Na campanha eleitoral para a Presidência da República, no
Brasil, em 2003, por exemplo, o mote principal da campanha do Presidente
Lula foi a criação de 10 milhões de empregos. O opositor, José Serra,
não ficava atrás em propostas e números de empregos a serem criados.
Na recente campanha presidencial dos EUA, o fenômeno se repete, o Presidente-candidato Barack Obama afirmou que “o propósito do
American Job Act é
simples: colocar mais pessoas de volta ao trabalho e mais dinheiro no
bolso de quem está trabalhando. Ele vai criar mais empregos na
construção, mais empregos para professores, mais empregos para
veteranos, e mais empregos para quem está desempregado há muito tempo”
[1].
O candidato de oposição, Mitt Romney, não tinha discurso muito
diferente: “não é complicado ou profundo saber o que o nosso país
precisa (…). O que a América precisa é de emprego. Muitos empregos!”
[2]
O desejo de criar empregos é forte o suficiente para que governantes
defendam, por exemplo, a expansão da indústria de armamentos, com base
na ideia de que ela cria empregos, como fez recentemente o Primeiro
Ministro Inglês, David Cameron
[3].
No Brasil, Governadores de Estado se digladiam para atrair empresas
para seus territórios, por meio da guerra fiscal, para que seu
eleitorado tenha mais empregos. Outros são mais pragmáticos e aumentam o
emprego simplesmente contratando mais funcionários públicos que o
necessário.
Mas afinal, o que será mais importante: gerar empregos ou gerar
produtos e serviços que sejam úteis para a sociedade? Nem sempre as duas
coisas andam juntas. Muitos avanços tecnológicos, capazes de gerar mais
e melhores produtos e aumentar a prosperidade da sociedade,
simplesmente resultam em cortes em vagas de trabalho. Pelo menos no
curto prazo. Quando a revolução industrial introduziu teares mecânicos e
máquinas a vapor, milhares de artesãos ficaram sem emprego. Quando a
informática permitiu a criação de caixas eletrônicos nos bancos,
reduziu-se o mercado de trabalho para bancários. A mecanização da
agricultura ceifou inúmeras vagas de trabalho de colheita manual. A luz
elétrica acabou com o romântico emprego de acendedor de lampiões!
Se a geração de emprego fosse sempre boa, em qualquer circunstância,
então seria preciso barrar esses avanços tecnológicos, em diversos
momentos da história, para preservar o emprego de artesão, bancários,
trabalhadores do campo e tantas outras profissões que perderam espaço em
decorrência de inovações. Mas nesse caso, você estaria até hoje
entrando em fila de banco para sacar dinheiro, em vez de economizar seu
tempo fazendo um rápido saque em um terminal eletrônico. Ou estaria
pagando uma fortuna por um quilo de arroz ou feijão, porque a oferta de
produtos agrícolas seria muito menor do que a que temos hoje.
É compreensível que os trabalhadores que estão ameaçados pela perda de renda ou de emprego reajam e tentem manter o
status quo.
Todos nós tememos mudança que nos tragam prejuízos no curto prazo e
incertezas. Isso explica porque os artesãos se mobilizaram para destruir
máquinas durante a revolução industrial, porque bancários fizeram
greves e resistiram à informatização dos serviços bancários, ou porque
empregados de empresas estatais costumam resistir à privatização.
Também é compreensível que os políticos queiram atender à demanda de
curto prazo de seus eleitores prometendo empregos. Em artigo publicado
no Valor Econômico de 9 de agosto de 2007, Cláudio Haddad deu um exemplo
bem humorado, contando a história de um economista que foi visitar a
construção de uma represa na China e percebeu que, em vez de
retroescavadeiras os operários estavam usando pás. Ao questionar o
mestre de obras sobre esse fato, teve como resposta que o uso de
equipamentos desempregaria muitos operários. Ao que o economista
respondeu: “”Pensei que vocês estivessem construindo uma represa. Se
estiverem querendo criar emprego, por que não lhes dar colheres?””.
Certamente seria necessária uma parcela significativa da população
chinesa para cavar um reservatório de hidrelétrica com colheres, e com
isso qualquer político teria cumprido a sua promessa de gerar tantos
milhões de empregos.
O fato é que os empregos que são perdidos quando ocorrem inovações
tecnológicas, em um processo conhecido como “destruição criativa”, termo
cunhado pelo economista Joseph Schumpeter, acabam por ser compensados
pelo fato de que as inovações abrem novos mercados, que antes não
existiam.
Por exemplo, as vagas de emprego de bancário, que foram fechadas pela
informatização dos serviços financeiros, foram compensadas por outras
vagas de programadores, designers, engenheiros de computação, etc., que
passaram a ser necessários para a provisão de tal serviço. E note que a
maioria dessas especialidades exige maior escolaridade e formação
técnica que a exigida para o emprego de bancário, pagando salários mais
elevados.
Muitos se lembram da resistência dos empregados de empresas estatais
durante o processo de privatização, nos anos 90. Temerosos de perder
seus empregos, ou de perder a estabilidade de que gozavam, fizeram ampla
campanha política contra a privatização. Tivessem sido bem sucedidos,
ainda estaríamos pagando US$ 5.000,00 por uma linha de telefone fixo, ou
usando orelhões com fichas. Os empregos que foram perdidos, ou os
salários que foram reduzidos, provavelmente foram mais do que
compensados pelo gigantesco mercado de telefonia celular que se
desenvolveu após a privatização (desde quiosques que vendem capas e
baterias nos shopping centers, até a engenharia de sistemas e produção
física de aparelhos celulares). Isso sem falar nos ganhos produtividade
proporcionados a todos os setores da economia, que passaram a contar com
diversificados meios de comunicação instantânea.
Mas não são apenas empregados e sindicatos que reagem à possibilidade
de perder empregos. Empresas cuja lucratividade esteja sob ameaça de
produtos importados costumam correr para o governo, pedindo proteção (em
geral aumento de tarifas de importação), argumentando que a
concorrência estrangeira irá ceifar empregos gerados pelas empresas
nacionais. E o governo (seja ele qual for), que na campanha eleitoral
prometeu gerar tantos mil empregos, corre para atender a demanda da
indústria nacional. A consequência é que a intervenção governamental
impede que os consumidores e empresas tenham acesso a produtos de maior
qualidade e/ou menor preço. Essa interferência também permite que
recursos econômicos (capital, trabalho, espaço físico, consumo de
recursos naturais) sejam alocados para uma produção que gera produtos
piores a preços maiores.
Nesse ponto do texto já dá para perceber que a resposta à pergunta do
título (gerar emprego é sempre uma boa ideia?) é negativa. O que é
relevante é gerar produtos e serviços que sejam úteis para a sociedade,
ainda que isso se faça por meio de destruição criativa. Proteger
empregos e empresas que já não são a melhor opção produtiva para o país
significa barrar a entrada do novo, do mais produtivo. Se há interesse
em proteger aqueles que foram negativamente afetados pelas mudanças, é
mais barato, do ponto de vista social, utilizar políticas compensatórias
(como seguro-desemprego ou bolsa-família) do que manter artificialmente
o emprego.
Alguns economistas argumentam que a alocação ineficiente dos recursos
de uma sociedade pode ser responsável por grande parte da diferença de
produtividade entre as economias mais atrasadas e as mais desenvolvidas.
Pete Klenow, da Universidade de Stanford, por exemplo, apresenta
evidências da existência de cinco tipos de problemas que podem ser
fontes de má alocação de recursos em uma sociedade, gerando perda de
produtividade e, consequentemente, menor capacidade de geração de
produtos e serviços (sobre a definição de produtividade ver, neste site,
o texto “O que é produtividade e como conseguir seu incremento?”, que é
complementar ao presente texto)
[4].
O primeiro desses fatores refere-se à dificuldade que as economias
enfrentam para se adaptar às inovações que ocorrem cotidianamente. Como
evidência desse fenômeno, ele mostra que a rotatividade no mercado de
trabalho norte-americano (economia de alto nível de produtividade) é
muito superior à dos países que impõem regulação distorciva ao mercado
de trabalho (multas para empresas que demitem, estabilidade no emprego
garantida em lei, etc.). Como o mercado de trabalho dos EUA é
considerado um dos mais desregulamentados do mundo, esta é uma evidência
de que o intuito governamental (em vários países) de garantir empregos
de quem já está empregado pode estar sendo atingido às custas de menor
criação de emprego para quem está desempregado.
Em segundo lugar está a presença de empresas estatais na economia.
Tais empresas são, em geral, menos produtivas que as suas contrapartes
privadas e, portanto, representam uso menos produtivo dos recursos
escassos da sociedade. Klenow mostra evidências de que as privatizações
na China são responsáveis por parte relevante da aceleração do
crescimento daquele país.
Em terceiro lugar vem a soma de informalidade com tamanho médio de
empresas. Nos Estados Unidos, assim como nas demais economias
desenvolvidas, predominam as grandes e médias empresas, que aplicam
métodos de trabalho de alta produtividade. Nos países menos
desenvolvidos abundam as pequenas empresas, em geral informais.
Por que a informalidade predomina? Primeiro porque ser pequeno
permite ao empresário escapar da tributação. Assim, mesmo sendo menos
produtivo que uma empresa grande, a empresa pequena se mantém
competitiva pois a grande empresa é mais visível para o fisco e tem que
pagar seus impostos. No Brasil, aliás, ser pequeno (ainda que formal)
vale a pena, pois a empresa se beneficia da tributação pelo sistema
SIMPLES. Quando começam a ficar lucrativas e têm a oportunidade de
crescer, as empresas se dividem em duas (com todos os custos e
complicações burocráticas que isso implica) para não perder o benefício
tributário. Em vez de aproveitar os ganhos de escala do crescimento,
para produzir mais e melhor, a empresa se escora nos benefícios fiscais
para manter seu lucro.
Ser pequeno e improdutivo também compensa porque o empregador pode
fugir às leis trabalhistas com menor probabilidade de ser apanhado pela
fiscalização governamental. A informalidade é ainda recompensada por
evitar todos os custos e burocracias envolvidos na criação de uma
empresa 100% de acordo com a legislação. A consequência é uma só: a
empresa pequena e informal consegue sobreviver no mercado, sendo menos
eficiente que a grande e média empresa formal porque não incorre em
diversos custos pagos por estas. E, com isso, a destruição criativa de
empresas menos produtivas não ocorre. Coexistem no mercado empresas de
alta e de baixa produtividade.
O quarto fator são as já comentadas barreiras tarifárias ao comércio,
que protegem empresas e setores econômicos menos eficientes. E,
finalmente, o quinto fator é a alocação de talentos. Se supusermos que
inteligência e capacidade são distribuídos de acordo com uma
distribuição normal entre os membros da sociedade, então se alguns
grupos sociais são impedidos de assumir funções profissionais que
requerem habilidade e inteligência, parte da capacidade intelectual
desta sociedade estará sendo desperdiçada. Isso ocorre, por exemplo, em
regimes racistas que impedem que negros tenham acesso à escolaridade e a
profissões de alto nível técnico. Os talentosos que nasceram negros não
poderão dar sua contribuição à sociedade, o mesmo acontecendo com
mulheres ou indivíduos de castas inferiores, em sociedades que bloqueiam
a ascensão de tais grupos.
Outra forma de má alocação de talentos se dá por meio do
subdesenvolvimento do mercado financeiro e de capitais. Quando não se
desenvolvem mecanismos capazes de oferecer às empresas a oportunidade de
abrir seu capital e profissionalizar a gestão, a tendência é que as
empresas sejam geridas por dinastias familiares, o que já se comprovou
ser menos eficiente.
Em suma, em vez de se preocupar em gerar empregos no curto prazo, os
governos deveriam se preocupar em incentivar as empresas e a mão-de-obra
a serem mais produtivas. Isso significa evitar legislação que bloqueie a
concorrência e evite a destruição criativa, a facilitar a realocação de
capital e mão de obra entre os setores decadentes e os ascendentes,
estimular o desenvolvimento do mercado financeiro e de capitais,
democratizar o acesso ao ensino, controlar o tamanho do setor público e
garantir serviços públicos que garantam a produção a baixo custo
(estradas sem buracos, escolas que efetivamente ensinem, hospitais que
atendam e curem os doentes, etc.). Além disso, é importante dar algum
suporte a empregados e empresas que estejam em setores decadentes ou não
competitivos. Políticas como garantia de emprego por um prazo
determinado em empresas privatizadas, ou redução gradual e programada de
barreiras comerciais são mecanismos que aliviam a tensão social e
reduzem os custos de curto prazo da destruição criativa.
Download:
———————————
[2]Tradução livre. Discurso obtido em
http://www.guardian.co.uk/world/2011/sep/09/barack-obama-usa
[3]Tradução livre. Discurso obtido em
http://www.foxnews.com/politics/2012/08/30/after-convention-warm-up-romney-to-make-his-case-in-nomination-speech/
[4]
http://www.caat.org.uk/press/press-release.php?url=20121112prs
Ver apresentação e slides da argumentação de Klenow em
http://www-2.iies.su.se/Nobel2012/page_nobel_slides_java.html#Klenow