Brigando
com os fatos. Carlos Brickmann, para o Observatório da Imprensa
(*)
Especial, Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br),
Circo
da Notícia, 23 de julho/2013
O
esporte nacional não é mais o futebol. O esporte nacional é bater na FIFA,
organizadora da Copa do Mundo. Não importa o que a FIFA diga, está errado -
mesmo quando o que a FIFA diz está de acordo com as opiniões de quem a critica.
Trata-se a FIFA, nos meios de comunicação, como se fosse uma entidade
todo-poderosa, acima dos países e governos, a quem humilha por pura maldade,
embora a FIFA seja apenas, para o bem e para o mal (e frequentemente para o
mal, já que há inúmeros casos de corrupção a ela relacionados, que sempre
procurou contornar em vez de esclarecer), uma empresa privada, não pertencente
a Governo nenhum, criada e operada com o objetivo exclusivo de desenvolver seus
negócios e dar lucros.
Alguns
fatos básicos têm sido esquecidos pelo jornalismo deste país - inclusive que,
sob o comando da FIFA, o futebol cresceu constantemente no mundo inteiro. Como
lembrava o ex-presidente João Havelange, há mais países filiados à FIFA do que
à ONU. As tentativas de minar a organização internacional (como a formação de
times não-afiliados, em especial o Millonarios, da Colômbia, que reuniu em
certa época alguns dos maiores nomes do futebol mundial) sempre falharam.
Estarão todos errados, não haverá ninguém que se salve?
1 -
A FIFA não pediu ao Brasil para organizar a Copa. Vários países, entre eles o
Brasil, pediram à FIFA que os escolhesse para realizar o torneio. Entre vários
candidatos, o Brasil venceu - não apenas a CBF, Confederação Brasileira de
Futebol, mas o Estado brasileiro, já que o presidente da República participou
das articulações para que o país fosse escolhido e assinou, oficialmente, uma
carta em que se comprometia a realizar ou garantir uma série de providências.
Entre elas, por exemplo, providenciar a permissão de venda de cerveja nos estádios,
o que era vedado pela lei brasileira. O Brasil poderia ter rejeitado a
exigência e a FIFA ou aceitaria a decisão ou realizaria a Copa em outro país.
Simples assim.
2 -
A FIFA não determinou que o Brasil construísse estádios em cidades onde o
futebol não é lá muito popular. Brasília, Manaus, Campo Grande provavelmente
terão problemas para utilizar os estádios depois da Copa. Quem escolheu essas
cidades? O Governo brasileiro e a CBF. Se Belém fosse escolhida, em vez de
Manaus, para a FIFA não faria diferença. E no Pará o futebol é esporte popular.
Em Goiânia há um belo estádio que poderia ser modernizado a custo muito
inferior ao da construção de um novo. Em Brasília é bem mais difícil utilizá-lo
- a tal ponto que querem importar jogos cariocas para dar-lhe sentido.
3 -
A FIFA não determinou, também, que a Copa se realizasse em doze cidades-sede.
Doze é muito; encareceu as obras (o que talvez tenha deixado muita gente
satisfeita), encarecerá o turismo, tornará mais cansativo e mais caro o giro
das seleções. Por que doze, e não seis? Porque o Brasil assim o quis.
4 -
O Brasil precisa de escolas, hospitais, transporte, e não de novos estádios.
Voltamos à questão inicial: a opção foi oficial, brasileira. Para realizar a
Copa, seria preciso deixar os estádios confortáveis, modernos, prontos para
transmissão internacional de TV, equipados para uso de Internet. A FIFA também
não obrigou o Governo a colocar dinheiro em equipamento esportivo. O Governo é
que fez as opções: estádios padrão FIFA, muitos deles com dinheiro público. É
ruim? Se for, a escolha foi nossa, do nosso Governo democraticamente escolhido.
5 -
A realização da Copa não deixa nenhum legado útil à população do país.
Aceitemos, para argumentar, que isto seja rigorosamente verdadeiro (e não é).
Mas Barcelona aproveitou a oportunidade dos Jogos Olímpicos para
modernizar-se,
tornar-se mais bonita, mais agradável, mais acolhedora. A oportunidade é a
mesma; se o Brasil a perdeu, não pode botar a culpa em gente de fora.
6 -
O presidente da FIFA, Joseph Blatter (que este colunista, a propósito,
considera uma figura pouquíssimo recomendável), disse que talvez a entidade
tenha cometido um erro ao escolher o Brasil para realizar a Copa. Pode ter
razão ou não; mas não é exatamente a mesma coisa que dizem os críticos da
disputa da Copa no Brasil? Blatter disse, em outras palavras, que poderia ter
escolhido lugar mais tranquilo. Poderia; e parece estar arrependido da escolha.
Não há em suas palavras, entretanto, nenhuma ameaça imperialista de violar a
soberania brasileira e mudar a Copa de país, embora isso possa acontecer (e
pelo menos dois outros países americanos, Estados Unidos e México, têm
condições de realizá-la com pouquíssimo tempo de preparação). Se isso
ocorresse, realizaria o sonho de quem acha que a Copa é um desperdício de tempo
e dinheiro. E não seria a primeira vez: a Colômbia, em 1986, desistiu da Copa
devido a problemas de segurança, e o México a realizou com tranquilidade.
Quanto
ao mais, caro leitor, tanto Blatter como seu adjunto Jerôme Volcker não são
pessoas cuja visita possa considerar-se agradável. Só que o problema não é
este: os dois, arrogantes, autoritários, prepotentes, antipáticos, foram
convidados pelo Governo brasileiro. Não vieram à força; foram chamados. É duro
admitir, mas estão aqui porque queremos, conforme decisão de nossos
governantes.