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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Fernando Gabeira, entre o identitários e o universal na política (OESP)

Artigo desta sexta-feira, 2/11/2018 de Fernando Gabeira no Estadão. Ele sublinha possíveis similaridades entre a vitória de Trump nos EUA e a de Bolsonaro no Brasil, como tendo origem no esquecimento, pelos partidos "progressistas, do homem comum, em benefício das minorias estridentes e reivindicantes.
Eu já tinha sublinhado isso, embora rapidamente, numa das minhas postagens. O cidadão comum ficou esquecido, durante anos, na propaganda e nas políticas dos companheiros, preocupados em defender e promover as minorias: mulheres (que não são minoria, mas são "oprimidas"), negros, gays, e vários outros grupos que se sentem merecedores de "direitos", que podem acabar virando privilégios, como cotas e programas especiais, com o dinheiro de todo mundo.
Em 1932, no meio da Depressão americana, Franklin Roosevelt, impulsionado por um assessor, também começou a falar do "Forgotten Man", os esquecidos da grande tragédia que foi a crise seguida da depressão econômica.
Acho que foi mais ou menos isso que ocorreu com Bolsonaro: ele falou para o homem "esquecido", o desprezado nas propagandas (geralmente mentirosas) e nas políticas (equivocadas) do PT.
Deu no que deu. O homem esquecido deu o troco, e o PT perdeu muito mais do que aparentam os 47 milhões de votos. Grande parte desses votos, que não são do PT, ainda sofreram o efeito de sua propaganda viciosa, viciada, deformada, mistificadora, sobre a "ameaça do fasismo", o "retorno à ditadura", a misoginia, o racismo, e outras bobagens, das quais não escaparam sequer os grandes jornais estrangeiros, convertidos involuntariamente em "mortadelas internacionais" do PT.
Pois bem, acho que pouco a pouca a visão correta das coisas vai se impor.
Gabeira ajuda nessa tarefa.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2/11/2018

Sonhos e realidade

Associação entre o PT e as minorias trouxe para elas a desconfiança do homem comum

A vitória de Bolsonaro não é idêntica à de Trump. Mas antes e depois das duas eleições há pontos de contato. Não servem para explicar tudo, mas ajudam. 
Um dos livros em que encontro as semelhanças é de Mark Lilla, uma crítica aos liberais com um subtítulo interessante: Depois das políticas de identidade. A julgar pelo livro de Lilla (The Once and Future Liberal: After Identity Politics), a vitória de Trump suscitou o mesmo movimento nos EUA e no Brasil: resistência. Lilla põe essa palavra entre aspas, pois significa uma oposição a tudo o que Trump representa, sem ainda uma visão clara de futuro. 
A vitória de uma figura controvertida acabou despertando nos EUA uma grande solidariedade entre os derrotados, campanhas, marchas, abaixo-assinados. Mas ainda são raras aqui, no Brasil, onde Bolsonaro acaba de vencer, as visões críticas do período que abriu o caminho para que ele triunfasse. 
Lilla fala no descaminho dos democratas por se terem fixado nas políticas identitárias: mulheres, homossexuais, indígenas e negros. Não que seja contra essas lutas. 
Sua análise da campanha republicana mostra que na maior parte do tempo ela se fixava em temas nacionais, que interessam a todos. O exame do site democrata, no entanto, revela grande peso às lutas fragmentárias, que interessam a setores bem específicos do eleitorado. 
Lilla considera um erro a fixação nas lutas identitárias porque elas afastam um pouco as pessoas dos temas mais amplos, que envolvem o bem comum. As pessoas mergulhadas nessas lutas têm tendência menor a defender temas nacionais, sair para uma conversa nas ruas sobre o que ele chama o bem comum. 
Coincidência ou não, eu já tinha manifestado em artigos a mesma reserva quanto ao alcance das lutas identitárias na eleição brasileira. Também na minha crítica ressaltava a ausência da ênfase no bem comum, só que nos meus textos não usava essa expressão, mas a adesão a um projeto nacional. 
Num artigo afirmava que as lutas que ainda chamam das minorias tendem a criar a necessária solidariedade de grupo, regras e objetivos próprios. Mas ela se dá em oposição a uma sociedade que ainda não reconhece esses direitos. 
Torna-se muito difícil conversar com o homem comum, encontrar um assunto que mobilize todos, e não apenas alguns setores da sociedade. No caso brasileiro, os três grandes temas nacionais em jogo passaram um pouco ao largo das forças de esquerda. Um deles era a corrupção. A esquerda o subestima de modo geral e o escamoteia especificamente quando o PT é o maior acusado. 
Um segundo grande tema nacional foi a segurança. A visão clássica e tradicional da esquerda é condicioná-la à melhoria das condições econômicas, da educação, da renda. Como a expectativa é de respostas em curto prazo, o discurso cai no vazio e é facilmente ironizado. 
Um terceiro tema, mais intelectualizado, foi a discussão sobre o tamanho e o papel do Estado na economia. Também aí a perspectiva privatizante pareceu mais atraente. E não só pela teoria. As manifestações de 2013, em parte, revelaram a precariedade dos serviços públicos. 
A corrupção também passou a ser uma chave para explicar o fracasso do governo. Tenho a impressão de que é a conversa na rua quando não se tem nada a dizer sobre aqueles temas. 
Uma das características da luta identitária é a autoexpressão: sou gay, negro ou indígena e tenho orgulho de minha condição. Isso é irretocável na posição pessoal. No entanto, Lilla observa em seu livro que numa campanha eleitoral não é a autoexpressão que conta, mas a persuasão. 
O exemplo que usa para definir o comportamento dos liberais nos EUA talvez seja aplicado também à esquerda brasileira. Lilla compara as eleições à pesca. É preciso acordar cedo e pescar até tarde, lá onde o peixe existe, e não onde você gostaria que estivesse. Se o peixe morde a isca e se debate, dê linha e espere que se acalme. 
Mas, para o escritor, os liberais ficaram na praia discorrendo sobre os problemas do mar, sobre a necessidade de a vida aquática abrir mão de seus privilégios. Tudo na esperança de os peixes confessarem coletivamente seus pecados e nadarem mansamente para ser pescados. Se esse é o seu enfoque da pesca, lembra Lilla, o melhor é se tornar vegetariano. 
Nesta altura, não se podem comparar totalmente as táticas. No caso brasileiro, se, de um lado, a luta identitária pode ter dificultado um pouco a conquista da maioria, o caminho eleitoral das minorias acabou comprometendo o seu futuro. Isso simplesmente porque no tema central, a corrupção, o PT, embora não seja o único, é o maior acusado. A associação entre o partido e as minorias acabou trazendo para elas também a desconfiança do homem comum. 
Não sei ainda como as coisas se vão recompor. Se as lideranças minoritárias fizerem uma análise do que se passou, creio que um dos seus passos será libertar-se de governos. Para isso é preciso ter uma nova visão da importância dos recursos materiais na política. O período que se encerra foi marcado por campanhas milionárias. O PT venceu com uma em 2002 e não reaprendeu o caminho da austeridade. 
A vitória de Bolsonaro, a julgar pela de Trump, deve suscitar um grande movimento, que até lembrou aos liberais americanos que eles têm mais energia do que suspeitavam. 
Aqui, no Brasil, enquanto estiverem gravitando em torno de um partido acusado de corrupção, os simpatizantes da esquerda podem até descobrir uma energia insuspeitada. No entanto, a chance de essa energia se dissolver em vão é muito grande, sobretudo se as pessoas não pararem um segundo para pensar, achando que o momento é como a Quarta-Feira de Cinzas em Salvador, onde todos saem às ruas cantando e dançando as mesmas músicas do carnaval que passou. 
Faria bem um tempo de reflexão, estudos e debates. Foi tudo tão rápido e, para alguns, tão surpreendente que, a rigor, nem o governo nem a oposição sabem precisamente o que fazer. 

JORNALISTA