Por ocasião do lançamento, no Itamaraty e na Casa Thomas Jefferson, na Asa Sul de Brasília, de dois livros apresentando uma iconografia quase completa, e uma coletânea de textos escritos, entrevistas e discursos de Oswaldo Aranha, preparei um texto em homenagem ao grande estadista, ao chanceler brasileiro, o maior no século XX, depois de Rio Branco.
De fato, Oswaldo Aranha foi,
depois do Barão do Rio Branco, o maior chanceler brasileiro em todo o século
XX, segundo uma frase, que figura nos dois livros aqui apresentados, do
embaixador Rubens Ricupero, ele mesmo autor de um outro monumento à
inteligência nacional, que é o seu livro recém publicado, A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017).
Não há nenhuma
dúvida a esse respeito, como justamente testemunham os dois livros agora
lançados: Oswaldo Aranha: uma
fotobiografia, de Pedro Corrêa do Lago, ajudado por seu irmão Luiz Aranha
Corrêa do Lago, bem como a coletânea Oswaldo
Aranha: um estadista brasileiro, em dois volumes, publicada pela Fundação
Alexandre de Gusmão, um trabalho de coleta, organização e refinamento editorial,
por funcionários do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, da Funag,
dos textos mais significativos de Oswaldo Aranha.
As duas obras prestam
uma justa homenagem à personalidade ímpar e à ação política e diplomática excepcionais,
ao longo de nossa história, entre os anos 1930 e 1960, do famoso político
gaúcho, um dos líderes, senão O Líder,
da Revolução liberal de 1930, seguidamente ministro da Justiça e ministro da
Fazenda no governo provisório de Getúlio Vargas (entre 1931 e 1934), logo
depois embaixador em Washington (de 1934 a 1937), cargo a que renunciou
imediatamente após, e em protesto ao golpe do Estado Novo, em novembro de 1937,
finalmente chanceler do Brasil, de 1938 a 1944, num dos períodos mais decisivos do século
XX, e um dos mais dramáticos na história do Brasil, quando ele soube
corajosamente ancorar o Brasil junto ao bloco das Nações Aliadas que resistiam
à fúria militar, devastadora e tirânica, das potências agressoras
nazifascistas. Aranha também foi, mais uma vez e finalmente, ministro da Fazenda no governo constitucional de Getúlio
Vargas, de meados de 1953 até o suicídio do ex-ditador, em agosto de 1954,
quando novamente ele salva o Brasil de graves ameaças em sua economia e balanço
de pagamentos, como já tinha feito nos anos 1930.
As duas obras se
completam, se complementam, em suas vocações respectivas, ao oferecer um painel
ricamente ilustrado, por imagens e textos, sobre o homem, o político, o
estadista que, mais do que qualquer outro em nossa história, soube preservar, nos
anos sombrios da depressão e das ameaças totalitárias nos anos 1930, os valores
democráticos da nação brasileira e as melhores tradições da nossa diplomacia mais
do que centenária, bissecular.
A Fotobiografia, uma obra extremamente rica, inédita em toda a nossa
história editorial, oferece, graças aos esforços de pesquisa e trabalho,
durante mais de duas décadas, dos dois irmãos Aranha aqui presentes, mais de
600 imagens e cerca de 500 depoimentos sobre o grande homem que foi Oswaldo
Aranha. Os dois volumes agora publicados pela Funag conseguiram coletar, por
sua vez, a partir de uma enorme massa de material primário, até aqui dispersa
em arquivos diversos e publicações avulsas, tudo o que de mais importante Oswaldo
Aranha escreveu ou falou entre 1930 e 1959, deixando infelizmente de lado suas
atividades da primeira fase, já examinadas em obra historiográfica de Luiz
Aranha Corrêa do Lago, que examina a sua carreira até a Revolução de 1930.
A atenção dos dois
volumes da Funag esteve focada na obra diplomática de Oswaldo Aranha, e ele
merecia esta homenagem no ano em que comemoramos os 70 anos da sessão da
Assembleia Geral da ONU, por ele presidida, em 1947, que votou pela partilha da
Palestina, até então sob mandato britânico, determinando a criação de dois
estados independentes na região. Oswaldo Aranha, obviamente, merece esta
homenagem por bem mais do que isso, já que ele foi um dos mais extraordinários
modernizadores e construtores do Brasil tal como o conhecemos hoje, plenamente
democrático e inserido na economia mundial, exibindo valores e princípios já
defendidos desde o início do século XX por estadistas como o Barão do Rio
Branco e Rui Barbosa, dois homens, dois pensadores, dois historiadores e
diplomatas aos quais Oswaldo Aranha devotava incontida admiração e apreço.
Cabe justamente recordar
que Oswaldo Aranha, quando jovem estudante na Faculdade de Direito do Rio de
Janeiro, como registrado na importante biografia que dele fez o brasilianista
Stanley Hilton, publicada no ano do seu centenário, em 1994, fez um discurso de
homenagem a Rui Barbosa, em 1916, quando este retornava de Buenos Aires, na
condição de representante diplomático do Brasil nas comemorações do primeiro
centenário da República Argentina, em cuja capital ele tinha pronunciado o
célebre discurso sobre “os deveres dos neutros”, motivado pela invasão da
Bélgica, neutra, por tropas do Império alemão. Ele retomou o mesmo discurso, e
as mesmas invectivas de Rui contra a Alemanha, quando suas tropas novamente
romperam e violaram a neutralidade da Bélgica, nas horas mais sombrias da
Segunda Guerra Mundial, relembrando ao ditador Getúlio Vargas que ser neutro
não significava ser imparcial ante o crime e a injustiça. Ele soube, assim, mais
adiante, na conferência extraordinária dos chanceleres americanos, realizada no
Rio de Janeiro em janeiro de 1942, depois do traiçoeiro ataque japonês em Pearl
Harbor, interromper a neutralidade brasileira em face da guerra europeia, e
romper as relações diplomáticas do Brasil com as potências agressoras, no
momento em que a guerra se tornava mundial.
Graças em grande medida
aos esforços de Oswaldo Aranha, o Brasil soube fazer uma escolha decisiva num
dos momentos mais cruciais de sua história, como ainda nos lembra o embaixador
Rubens Ricupero, em seu livro de história diplomática, colocando nosso país do
lado não apenas vencedor na contenda global, mas do lado mais justo e mais
legítimo, o das nações democráticas, defensoras dos direitos humanos e das
liberdades. Este foi o chanceler Oswaldo Aranha, e a ele devemos nossas
justas homenagens, como agora se faz com o lançamento destas duas obras de
valor.
Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro
Sérgio Eduardo Moreira Lima; Paulo Roberto de
Almeida; Rogério de Souza Farias (organizadores);
Brasília: Funag, 2017;
disponível
na Biblioteca Digital da Funag: