Recebi, de uma das associações de pesquisa acadêmica da qual sou membro, uma carta muito gentil, oferecendo-me um texto de um manifesto em favor da democracia e contra o fascismo, consultando-me se eu estava de acordo em assinar o manifesto redigido pela diretoria.
Achei correto o gesto, em lugar de simplesmente divulgar o texto em nome da Associação ou em nome de todos os membros, pois isso constituiria uma violência política.
A carta segue abaixo, seguida do próprio manifesto, do qual retirei o nome da associação, e os nomes dos primeiros subscritores.
Respondi o que segue mais abaixo, e recebi nova carta comentando minhas preocupações.
Transcrevo igualmente essa nova carta e a minha resposta in fine.
Paulo Roberto de Almeida
Sabará, 23/10/2018
1) Carta da Associação (22/10/2018):
Queridos associados,
A atual diretoria da ABPXX redigiu um manifesto em defesa da democracia, que segue em anexo.
Compartilhamos tal manifesto com os nossos associados para que aqueles que concordem com a redação e com a mensagem que nele está contida possam também assiná-lo antes de sua divulgação - que pretendemos fazer na terça-feira pela manhã, em nosso site e nas redes sociais. Para isso, basta nos enviar um email com sua concordância.
Diretoria ABPXX - 2017/2019
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2) Manifesto da Diretoria da Associação
MANIFESTO EM DEFESA DA DEMOCRACIA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM XXXXX
Diretoria da ABPXX – 2017/2019
Diante do atual cenário que está posto no Brasil, com o acirramento das contradições, do ódio social e de afronta à democracia, relembramos alguns artigos da nossa Constituição:
Constituição da República Federativa do Brasil (1988)
Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
A Diretoria da Associação Brasileira de Pesquisadores em Xxxxxx (ABPXX – 2017/2019) repudia qualquer forma de violação da Constituição Brasileira. Defendemos os seguintes pontos:
– Democracia plena
– Liberdade de expressão e pensamento
– Construção de uma sociedade justa e soberana
– Igualdade de gênero
– Respeito à diversidade
Combatemos em todos os sentidos:
– O fascismo e o autoritarismo
– As diversas formas de discriminação e preconceito
– A violação dos direitos fundamentais da pessoa humana
– O ódio social e a tortura
– A difusão da violência e da mentira
As Instituições de Pesquisa são espaços de reflexão, da diversidade e de construção do conhecimento. Jamais teremos uma sociedade justa e soberana cerceando o pensamento crítico e a liberdade de expressão dos professores e professoras nas suas atividades acadêmicas. Neste momento de segundo turno das eleições brasileiras, reforçamos nosso compromisso com a defesa da democracia e da nossa jovem Constituição. A ABPXX se manifesta reafirmando seu viés humanitário.
Assinam este manifesto
[Seguem nomes...]
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3) Carta de Paulo Roberto de Almeida (22/10/2018):
Em seg, 22 de out de 2018 às 04:30, Paulo Roberto de Almeida <xxxx@xxxxx> escreveu:
O manifesto em favor de princípios e valores democráticos me parece realmente equilibrado e até mesmo sensato. A oportunidade de sua divulgação, contudo, será imediatamente considerada como sendo em favor de uma candidatura e em oposição à do adversário. Ainda que as preocupações sejam legítimas, não me parece que nossa Associação deva tomar posição agora, ou seja no momento pré-eleitoral, pois seria entendido como apoio à eleição de um contra outro, o que ofenderia o direito de sócios de defenderem uma Associação absolutamente neutra quanto a escolhas eleitorais, o que possivelmente também vai contra seus estatutos.
Sou a favor de uma manifestação desse tipo na conjuntura pós-eleitoral, como uma espécie de alerta preventivo contra deformações políticas das instituições e práticas democráticas.
Antes, me parece que o posicionamento estaria baseado em meras suposições, que podem ou não se confirmar.
Depois representaria um alerta preventivo de conformidade com nossos princípios e valores, sem o ônus de confrontar pelo menos uma parte dos associados.
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4) Carta resposta da Associação (23/10/2018):
Prezado Professor Paulo
Partilhamos de algumas de suas dúvidas e sentimentos e estamos discutindo entre a diretoria esse manifesto a alguns dias. Mesmo sabendo do risco que corremos, tomamos essa decisão por achar que a ameaça é maior do que as conveniências que a neutralidade poderia nos trazer. Temos evitado nos pronunciar sobre várias atitudes que, a nosso ver tem se caracterizado como ameaças constantes à democracia. No caso, mesmo correndo o risco de sermos condicionados a uma candidatura, achamos importante frisar o conjunto de valores que nos norteiam antes, durante e depois de um processo eleitoral.
Por fim, lamentamos muito a situação de termos que escrever um manifesto que diz que certas falas e posições não são aceitáveis, a reiteração destas ao longo do tempo, nos trás a incômoda sensação de que esses valores democráticos podem ser substituídos entre nós.
Na certeza de que temos muito mais em comum do que em desacordo, esperamos que nossa posição possa ser genuinamente considerada, por você, como parte de uma das funções fundamentais de nossa associação.
Respeitosamente
Diretoria ABPXX - 2017/2019
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5) Nova carta de Paulo Roberto de Almeida (23/10/2018):
Partilho de todas essas preocupações, tanto é que pretendo votar nulo, branco ou abster-me neste segundo turno.
Mas permito-me levantar uma simples constatação de natureza talvez impressionista.
O manifesto, como dezenas de outros pronunciamentos vindos de meios acadêmicos ou pretensamente intelectuais, parte de percepções, hipóteses, possibilidades, suposições, tomando como base declarações, frases, posturas infelizes ou declaradamente antidemocráticas exaradas por um candidato execrável, autoritário e preconceituoso, e com dezenas de outras más qualidades, que podem, ou não manifestar-se concretamente no período executivo (supondo-se que ganhe).
Pois bem, do outro lado temos o patético representante de um condenado por corrupção e de um partido que concretamente roubou despudoradamente o Brasil e os brasileiros (portanto, cada um de nós), incapaz de uma autocrítica e deliberadamente defensor das mais deploráveis ditaduras da região e alhures.
Ou seja, de um lado percepções e ameaças, do outro fatos concretos de roubo, corrupção e posturas reais antidemocráticas. No meio, essa manifestação pendendo indiretamente para um dos lados.
Considero pessoalmente as instituições brasileiras relativamente fortes para resistir a tentações autoritários, mas considero também a opção por um Estado atuante a condição ideal para a continuidade de roubos e malversações como já evidenciado pelo partido mais corrupto que já ocupou o poder.
O manifesto não vai mudar a realidade eleitoral: apenas transmitir uma paranoia seletiva de pessoas que não querem aceitar que o Brasil foi levado à grande destruição econômica por aqueles mesmos que agora pretendem retomar o poder.
Continuo argumentando pelo lançamento de um manifesto até mais forte no período posterior ao segundo turno.
Atenciosamente,
Paulo Roberto de Almeida
23/10/2018
PS.: Como por ocasião do processo de impeachment, e antes, de todos as últimas eleições desde 2002, teremos dezenas de manifestos de associações acadêmicas, pedindo repúdio aos neoliberais, agora aos fascistas, e manifestando apoio aos progressistas.
Considero tudo isso normal, e compatível com a miséria intelectual que caracteriza hoje a academia brasileira.
O que eu NÃO considero normal são reitores de universidades públicas virem a público em defesa de candidatos, pois isso contraria a própria ideia de universidade, que deveria ser, em princípio, universal, e não partidária. Para mim, esses reitores deveriam ser objeto de uma sanção moral dos respectivos Conselhos Universitários, pois partidarização de uma instituição que deveria ser apartidária.
Miséria da academia, realmente.
Paulo Roberto de Almeida
Sabará, 23/10/2018