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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Livro - Carlos Ardissone: Negociacoes Internacionais em Propriedade Intelectual nos Governos FHC e Lula

Tenho o prazer de informar sobre a publicação de um livro do Professor Carlos Maurício Ardissone, dos cursos de Graduação em Relações Internacionais do IBMEC-RJ e da Universidade Estácio de Sá, que constitui uma adaptação de sua tese de Doutorado, defendida perante o IRI-PUC/RJ, em abril de 2011. Igualmente funcionário do INPI, o Prof. Ardissone está plenamente habilitado a tratar desse relevante tema da agenda internacional, que teve desdobramentos importantes desde antes da inauguração do governo FHC, quando o acordo Trips foi assinado no âmbito da Rodada Uruguai de negociações comerciais multilaterais.

Propriedade Intelectual e Relações Internacionais nos Governos FHC e Lula: os rumos das negociações globais e das políticas públicas
Curitiba: Editora Appris, 2013, 323 p.; ISBN: 978-85-8192-230-0

A forma como cada país define sua inserção internacional nas negociações globais em propriedade intelectual é fundamental para o seu desenvolvimento econômico, científico e tecnológico. Durante décadas de economia fechada, o Brasil deixou de aproveitar janelas de oportunidade para a construção de um parque industrial verdadeiramente competitivo que conferisse prioridade à inovação. Adotou-se nesse período uma postura diplomática predominantemente de resistência e baixo perfil no campo da propriedade intelectual, condizente com o ambiente protecionista vigente. A predominância de uma concepção de industrialização de inspiração nacional-desenvolvimentista entre os anos 30 e 70 não favoreceu, contudo, o fortalecimento da capacidade endógena de produção e de proteção do conhecimento e da tecnologia nacionais.
A abertura econômica promovida a partir dos anos 90 e as mudanças importantes nas normas globais de comércio levaram à necessidade de transformações no padrão de inserção do Brasil no regime internacional de propriedade intelectual. Nos Governos FHC e Lula, o país passou gradualmente por modificações em sua via diplomática, abandonando uma posição tradicionalmente reativa e de resistência para uma de mais engajamento e proposição. Não obstante, mesmo na passagem do Governo FHC para o Governo Lula, diferenças importantes se observaram em relação ao modo como o Brasil formulou a sua política externa e planejou sua articulação com outras políticas públicas, particularmente a política industrial. Essas diferenças se concentraram em três variáveis fundamentais: as ideias, as instituições (como o Ministério da Indústria e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e as lideranças, com desdobramentos relevantes para o Brasil nos rumos das negociações globais e das políticas públicas nacionais.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A insustentavel leveza do comercio internacional: OMC fracassa, mais uma vez...

Alguém esperava um sucesso? Alguém está ligando para a OMC?
Paulo Roberto de Almeida

Azevêdo reconhece fiasco nas negociações da OMC
Por Assis Moreira
Valor Econômico, 26/11/2013

GENEBRA  -  
O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, disse hoje que vai informar aos ministros, na conferência de Bali, na semana que vem, que não foi possível "encontrar convergência" para um acordo de liberalização comercial.
Segundo fontes que acompanham as discussões na plenária, fechada à imprensa, Azevêdo frisou que vai dizer aos ministros que ficou "realmente perto" o alcance de um resultado positivo, mas, que uma vez mais, não se chegou à reta final.
Conforme Azevêdo, "o fiasco em Bali terá graves consequências para o sistema multilateral de comércio". "A maioria de vocês sabe disso", sustentou em reunião com 159 países.
O fiasco, nota o diretor-geral, nao é só para a OMC e para o sistema multilateral, como também para as populações, os empresários e, sobretudo, para os mais vulneráveis.
"Ninguém em qualquer parte do mundo vai viver melhor se fracassamos em Bali", disse Azevêdo, segundo participantes da reunião.
Para ele, o pior de tudo é que o fiasco não tem justificativas. Insistiu que nada que está na mesa exige dos membros que vá além do que é possível.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

FIESP: Negociacoes Economicas Internacionais - nova publicacao

A FIESP, por meio de seu Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior, acaba de dar início a uma nova publicação:
RELATÓRIO PERIÓDICO DE NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS,
cuja primeira edição foi dvulgad em 24/01/2013
A equipe técnica é da melhor qualidade, como constatado abaixo.
 Paulo Roberto de Almeida

RELATÓRIO DIVULGADO PELA FIESP APONTA TÍMIDO AVANÇO NA AGENDA DE NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS BRASILEIRA EM 2012.
O ANO TAMBÉM FOI MARCADO PELA CRISE INSTITUCIONAL DO MERCOSUL.
A Fiesp divulgou o  “Relatório Periódico de Negociações Internacionais”. A publicação, inédita, faz uma análise dos principais acordos comerciais  internacionais vigentes, e das mudanças ocorridas ao longo de 2012. Os desafios impostos à agenda de integração econômica regional e à expansão da rede de acordos comerciais assinados pelo Brasil foram marcados, principalmente, pela crise institucional do Mercosul, pela renegociação do acordo automotivo com o México e pelo tímido avanço na agenda de negociações internacionais brasileira, que ficou pra trás em todas as frentes tradicionais (bens, serviços e investimentos), quando comparada com outros países e blocos regionais. O Relatório traz ainda detalhes sobre a suspensão paraguaia e a adesão da Bolívia ao bloco sul-americano e a reforma do Sistema Geral de Preferências Europeu (SGP), a qual excluirá o Brasil a partir de 2014.

DOCUMENTO: http://www.fiesp.com.br/arquivo-download/?id=48843

DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR
EQUIPE TÉCNICA
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP
Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior – DEREX
Diretor Titular: Roberto Giannetti da Fonseca
Diretor de Negociações Internacionais: Mário Marconini
Gerente: Frederico Arana Meira
ÁREA DE NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS
Coordenador: José Luiz Pimenta Júnior.
Equipe: Sabina Silva e Vinicius Santos
Endereço: Av. Paulista, 1313, 4º andar – São Paulo/ SP – 01311-923
Telefones: (11) 3549-4615
Fax: (11) 3549-4730

terça-feira, 3 de abril de 2012

Negociacoes economicas internacionais - novo livro


Negociações Econômicas Internacionais. Abordagens, atores e perspectivas desde o Brasil
Luis Fernando Ayerbe e Neusa Bojikian (organizadores)
São Paulo: Unesp, 2012

SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO,  1
Luis Fernando Ayerbe e Neusa Maria Pereira Bojikian

PRIMEIRA PARTE: NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS,  9
1. Negociações internacionais – teorias e técnicas, 11
Amâncio Jorge Silva Nunes de Oliveira e Janina Onuki
2. As variações condicionantes dos processos de negociação, 33
Neusa Maria Pereira Bojikian
3. Emoções: elementos para uma negociação mais cooperativa, 53
Monica Simionato
4. O fator intercultural e as negociações internacionais: desafios e particularidades da cultura brasileira, 75
Mariana de Oliveira Barros e Kelly Ribeiro França
5. Riscos em negócios internacionais: proposições para uma análise preliminar, 93
Moisés da Silva Marques
6. Decisões de investimento e análise de conflitos em áreas de baixa governabilidade , 19
Luis Fernando Ayerbe

SEGUNDA PARTE: DIPLOMACIA ECONÔMICA, 143
7. Diplomacia comercial: aspectos conceituais e o papel do diplomata comercial, 145
Saulo P. L. Nogueira
8. As negociações comerciais internacionais e a Organização Mundial do Comércio: surgimento, princípios e o Órgão de Solução de Controvérsias, 163
Fátima Cristina Bonassa Bucker
9. Diplomacia comercial agrícola: as posições do Brasil na Rodada Doha da OMC, 187 
Haroldo Ramanzini Júnior e Thiago Lima
10. A negociação de Nama da Rodada Doha da OMC, 209
Frederico Arana Meira
11. Princípios e regras do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços e do Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio da OMC, 231
Umberto Celli Junior
12. Negociações internacionais e propriedade intelectual , 253
Ricardo Camargo Mendes e Gabriel Kohlmann
13. Meio ambiente nas negociações comerciais internacionais , 269
Luciana Togeiro de Almeida
14. A formação do regime internacional de trabalho, 291
Kjeld Aagaard Jakobsen
15. Finanças internacionais e regimes cambiais, 315
Luiz Afonso Simoens da Silva

TERCEIRA PARTE: ARTICULAÇÕES POLÍTICAS E PROMOÇÃO DE NEGÓCIOS, 343
16. As mudanças na inserção brasileira na América Latina nos anos 1990 e no início do século XXI  , 345
Tullo Vigevani
17. Negociando com os Estados Unidos,  369
            Diogo Zancan Bonomo
18. Negociando com a União Europeia,  397
            Christian Lohbauer e Marília Rangel Ribas Martins
19. Negócios na China, 417
            Luis Antonio Paulino e Marcos Cordeiro Pires
SOBRE OS AUTORES, 441
REFERÊNCIAS, 447

sábado, 28 de maio de 2011

Sendo profeta em negociacoes internacionais no final de 2006

Depois das eleições de outubro de 2006, um jornalista me contatou para que eu explicitasse minha visão sobre as negociações internacionais de interesse do Brasil em 2007, nestes termos:

Caro Paulo Roberto,
estou preparando uma reportagem para o jornal XXXXX sobre cenários das negociações internacionais do Brasil em 2007 e gostaria de ouvi-lo. Trata-se de um caderno especial, a ser publicado em meados de novembro, em que vários especialistas serão ouvidos sobre vários aspectos da economia. Escreverei sobre comércio internacional...


Seguem abaixo as perguntas e minhas respostas, apenas para registrar algo que ficou provavelmente inédito, e que caberia agora, apenas verificar quanto eu acertei ou errei. Na verdade, vários dossiês permanecem inconclusos...
Paulo Roberto de Almeida

Negociações Internacionais em 2007
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 novembro 2006

1) o que se pode esperar das negociações em 2007?
Nada de muito entusiasmante, apenas mais do mesmo, ou seja: pequenas acomodações marginais nos grandes parceiros comerciais que continuarão a arrastar os pés em matéria de novos compromissos de liberalização essencialmente por razões de ordem interna. Os economistas sensatos são a favor do livre-comércio; políticos sensatos dizem que são a favor do livre-comércio mas continuarão praticando o protecionismo.

2) que acordos podem avançar?
Serviços tem grandes chances de acomodar compromissos mais amplos de abertura, como provavelmente tarifas industriais, mas aqui há muito pouco a ser feito pelos países mais avançados, cabendo aos emergentes fazer a sua parte. Não acredito que agricultura conhecerá avanços dramáticos nem os compromissos em investimentos.

3) de que países o Brasil tende a se aproximar? que mercados podem ser conquistados?
O Brasil vai buscar alianças em todas as frentes para avançar setorialmente segundo a natureza dos temas em discussão. Os mercados mais dinâmicos estão aparentemente, fora do alcance da indústria brasileira, que são os eletrônicos de massa, com a possível exceção dos celulares (mas a tecnologia é estrangeira). Continuaremos perdendo mercado para a China em bens manufaturados correntes e, cada vez mais, em têxteis e calçados. Teríamos de fazer um grande esforço em direção de mercados desenvolvidos, onde as possibilidades são ainda significativas. Mercados do sul tendem a ser mais erráticos ou apresentar limitações no que se refere a linhas de crédito.

4) e a Rodada Doha, qual será o seu encaminhamento em 2007? a estagnação/obstáculos da Rodada podem tirar o fôlego das demais negociações?
A Rodada Doha será retomada, pois nenhum país pretende ser responsabilizado pela sua derrocada. Provavelmente se repartirá de um texto inicial –projeto de acordo – a ser oferecido pelo Diretor Geral Pascal Lamy, que no começo será rejeitado por todos, mas que mais adiante, depois de algumas tergiversações, será aceito como base negociadora em sua fase final.

5) alguma perspectiva de avanços das negociações comerciais brasileiras nas Américas?
Dificilmente se irá além de acordos limitados do Mercosul com alguns países, criando pouco comércio e restringindo o acolhimento de fluxos maiores de investimento direto estrangeiro. A Alca ainda não foi enterrada, mas parece mortinha da Silva, pelo menos a julgar pelas declarações de alguns dirigentes.

6) como já se projeta a vitória de Lula, de que forma imagina o seu segundo mandato em termos de política comercial? Haverá pressões para mudanças/correções de rumo, sobretudo por parte do empresariado brasileiro?
O empresariado continuará pressionando para que se alcancem compromissos mais abrangentes, mas ele mesmo está dividido entre um setor que deseja sinceramente a abertura, por se julgar competitivo, e outro que reluta em abaixar alguns poucos pontos nas alíquotas tarifárias. O agronegócio apreciaria, particularmente, que o governo avançasse bem mais, o que de certa forma este vem fazendo, mas apenas no que se refere a nossas posições ofensivas no capítulo agrícola.

SOBRE O FATOR CHINA:
1) quais as projeções para a economia chinesa em 2007?

Um pouco mais do mesmo: alto crescimento, baixa inflação, acúmulo de reservas monetárias. Mas, a China ainda enfrenta imensos problemas sociais: uma população que precisa ser absorvida rapidamente na economia mercantil, poluição urbana e compromentimento de alguns recursos naturais. Sobre tudo isso, se projetam os indicadores de concentração de renda, um dos maiores do mundo. A China continuará financiando a prodigalidade americana por produtos chineses.

2) quais as chances das medidas de controle de crescimento terem efeito e em que isso pode nos ajudar ou prejudicar?
As medidas para “frear” o crescimento chinês apresentam caráter quase simbólico – que aliás redundariam em uma diminuição de meio ponto, se tanto, na taxa de crescimento do PIB e sobrtetudo das exportações. A China só pode ser “controlada” por uma freada brusca na economia americana ou por problemas advindos de seus próprios desequilíbrios – como por exemplo os créditos podres do setor bancário – mas aparentemente essas fragilidades estão sendo corrigidas aos poucos.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

OMC e comercio internacional - entrevista com Vera Thorstensen

"Brasil precisa fazer mais acordos comerciais"
Assis Moreira, de Genebra
Valor Econômico, 02/08/2010

A dinâmica atual do comércio internacional não está mais na Organização Mundial do Comércio (OMC) e sim nos acordos regionais. Já há 267 notificados na OMC e 100 estão em negociação, com troca de preferências entre seus membros. O Brasil precisa buscar acordos com as grandes potências e não apenas com países em desenvolvimento. Do contrário, suas exportações serão cada vez mais prejudicadas por regras criadas pelos Estados Unidos, Europa e no futuro pela China em seus entendimentos preferenciais.

Isso é o que defende a professora Vera Thorstensen, que acaba de deixar a assessoria econômica da missão brasileira, em Genebra, para criar um Centro do Comércio Global na Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. O objetivo é explorar a nova dimensão da regulação do comércio internacional, com a multiplicidade de normas que encarecem os custos para o exportador e podem afetar duramente a competitividade brasileira. Embora a Rodada Doha não prospere, na própria OMC as regras continuam evoluindo através de interpretações de seu Órgão de Apelação.

Doutora pela FGV, Vera Thorstensen, 60 anos, passou 20 na Europa, dos quase 15 em Genebra, depois de "amor à primeira vista" pelos temas de comércio internacional. Publicou o primeiro livro em português sobre OMC e suas regras, em 1999. Montou e teve papel central na formação de 120 jovens advogados que fizeram estágio na missão brasileira em Genebra desde 20023. Deu cursos pelo Brasil inteiro e na Europa (Paris, Lisboa, Barcelona).

Reputada por seu rigor, a professora Vera se tornou uma figura incontornável na delegação brasileira. Por sua sala, ao longo dos anos, passaram autoridades, acadêmicos, técnicos brasileiro, sempre buscando um esclarecimento sobre a OMC e suas regras negociadas na Rodada Uruguai ou em negociação na Rodada Doha.

Na OMC, ela foi presidente do Comitê de Regras de Origem de 2004 a 2010. Um acordo para definir como os países identificam a origem de uma mercadoria para efeito de tarifas continua bloqueado porque os países visivelmente preferem ter margem para burlar as normas.

A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu ao Valor:

Valor: Por que retornar ao Brasil agora? É frustração com a Rodada Doha?

Vera Thorstensen: No início deste ano, tomei a decisão de voltar ao Brasil consciente de que eu tinha uma missão a cumprir: criar um centro de estudos sobre a OMC para focar na regulação do comércio internacional. E explico: existe uma percepção no país de que a OMC morreu porque a Rodada Doha continua no impasse. Essa visão está errada. A OMC não só não morreu, como está muito ativa, principalmente na solução de disputas entre os países, onde foi aberto esta semana o 411. E tudo isso tem impactos imediatos no Brasil.

Valor: Que impactos seriam esses?

Vera: As regras da OMC não se referem apenas a atividades de exportação e importação de bens e serviços. São muito mais amplas, envolvendo medidas relativas ao comércio com propriedade intelectual, concorrência, investimentos, ambiente, clima, saúde, direitos humanos. Esta é a dimensão da regulação do comércio internacional. Atualmente, são duas as fontes dessa regulação. Uma, são as regras já definidas nos acordos na OMC. E mesmo sem a rodada avançar, essas regras na prática estão sendo ampliadas e revistas por decisões do Órgão de Apelação, que é uma espécie de supremo tribunal dos conflitos do comercio internacional. O mecanismo de solução de controvérsias é composto de duas fases: uma através dos painéis e a outra pelo Órgão de Apelação. Ou seja, não basta hoje apenas ler os acordos da OMC. É preciso ir atrás de todos os painéis relacionados aos temas em conflito e ver como o Órgão de Apelação interpretou os termos dos acordos.

Valor: Ou seja, um grupo de juízes está fazendo regras, enquanto os governos brigam?

Vera: Veja, os panelistas e o Órgão de Apelação têm obrigação de solucionar os conflitos comerciais que são a eles apresentados pelos países. E devem fazer isso com base nos acordos existentes que tem 700 páginas e outras 10 mil páginas de listas de compromisso de liberalização dos países. Como a OMC toma decisão por consenso, a linguagem de suas regras é muito pouco clara, é a famosa ambiguidade construtiva para se fechar negociações. Então, um país interpreta uma regra de um jeito e o outro o contrário. E isso é resolvido pelo Órgão de Solução de Controvérsias. Para manter a previsibilidade do sistema, os membros da OMC esperam que a próxima decisão utilize a interpretação anterior. É o peso da jurisprudência que tem papel fundamental. De fato, discute-se no mundo acadêmico a que ponto o ativismo do Órgão de Apelação está assumindo a posição dos negociadores dos países. E com o impasse da Rodada Doha, são esses juízes que estão atualizando na prática as regras da OMC.

Valor: Por exemplo?

Vera: O artigo 20 do Gatt, de 1947, sobre as exceções gerais, isto é, quando um país pode deixar de cumprir as regras da OMC, está sendo usado para dirimir conflitos que envolvem comércio e ambiente. Foi o caso dos pneus entre o Brasil e a União Europeia, do atum entre México e EUA, dos camarões entre EUA e vários países da Ásia, dos arbestos entre Canadá e UE. O Órgão de Apelação pegou uma página de um acordo negociado há 63 anos e através desses conflitos foi criando passo a passo uma regulação para disputas envolvendo ambiente, algo que os países até hoje nunca chegaram a um acordo.

Valor: Qual a segunda fonte hoje de regulação do comércio?

Vera: São os acordos regionais de comércio, negociados entre dois ou grupos não necessariamente próximos, como entre Chile e China. A regra que continua a vigorar em termos de acordos regionais é apenas o artigo 24 do velho Gatt, que tem 63 anos. E hoje está acontecendo uma explosão de acordos regionais incentivada até pelo impasse da Rodada Doha. Estão notificados na OMC 267 acordos regionais e a entidade já tem informação de que outros cem acordos estão em negociação.

Valor: Qual o problema de ter tantos acordos regionais?

Vera: O problema é que esses acordos estão usando as regras que englobam não só temas regulados da OMC, como estão expandindo e incluindo nova regulação como propriedade intelectual (Trips) e investimentos (Trims) no comércio. Além disso, os acordos regionais estão criando regras sobre temas que a OMC nunca conseguiu regular, como padrões trabalhistas, ambiente, investimento e concorrência. Há acordo de comércio regional que exige que os países tenham assinado as sete convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na OMC, os países em desenvolvimento afirmam que esse tema não é comércio e deve ficar na OIT. Só que, por conta da concorrência de países que não tem padrões trabalhistas, esse tema voltou a ter grande interesse. O fato de o país não ter esses padrões causaria uma redução significativa dos custos de exportação, como no caso da China, afetando a competitividade dos países que seguem as convenções da OIT.

Valor: E qual o problema de os acordos regionais criarem regras novas?

Vera: O problema é que a multiplicidade dessas regras pode minar a OMC e a longo prazo até destruí-la. Por quê? A existência de muitas regras sem controle e sem um órgão de supervisão está levando a criação de grandes blocos de regulação. Tem o modelo dos EUA, da UE e no futuro talvez da China. E já está ocasionando conflitos de regras, aumentando o custo de exportação e reduzindo a competitividade dos países que estão fora desses blocos.

Valor: Qual o impacto para o Brasil?

Vera: O Brasil não tem tradição de negociar acordos regionais fora da América do Sul e terá cada vez mais dificuldades para exportar para os grandes blocos que usam as regras que eles próprios criam, como regras sanitárias e fitossanitárias, barreiras técnicas, padrões privados de alimentos e regras de origem preferenciais. São as novas barreiras ao comércio. Dentro desses blocos, a OMC não tem controle.

Valor: Como exportador agrícola, o Brasil ficará mais vulnerável?

Vera: Sem dúvida. Se os EUA e a UE criam regras sobre alimentos, atingindo todos seus acordos preferenciais dentro de seus blocos, isso configura uma segmentação das novas regras de proteção no comércio internacional. Se o Brasil não participa, as exportações brasileiras são prejudicadas. O Brasil tem que enfrentar um grande dilema: fazer acordos regionais ou ficar autônomo. O problema é que, como grande produtor agrícola, é muito difícil fazer acordo preferencial com outros países, porque o setor agrícola é sensível para a grande maioria dos países.

Valor: O país deveria buscar acordos com os grandes parceiros?

Vera: A dinâmica atual do comércio internacional não está mais na OMC e sim nos acordos regionais. Ficar fora dos grandes blocos poderá afetar sem dúvida as atividades internacionais das empresas brasileiras.

Valor: Mas o Brasil negocia com a UE, Índia, África do Sul e outros.

Vera: Se a dinâmica é fazer acordos regionais, o Brasil deveria estar negociando não só no eixo Sul-Sul, mas no eixo Norte-Sul.

Valor: Qual a consequência do conflito entre OMC e acordos regionais?

Vera: Se as regras da OMC não forem atualizadas, crescerá o problema na hierarquia de regras, com impacto no mundo de negócios. Para se ter uma ideia, o comércio internacional envolve US$ 12 trilhões por ano. Com a multiplicação desses conflitos, os países serão obrigados a sentar de novo na mesa não só para concluir a Rodada Doha, como partir para a negociação de regras mais ambiciosas para novos temas do comércio global.

Valor: Quando Doha será concluída?

Vera: Os prazos para as conclusões das rodadas são cada vez mais longos, porque elas são mais complexas. Não me causa nenhuma estranheza que Doha não tenha sido concluída. Mas o custo político de não concluí-la é muito alto, daí porque acredito que ela será bem sucedida. A rodada será concluída quando as lideranças tiverem consciência do perigo que a multiplicação dos acordos regionais representa para o sistema multilateral que levou 60 anos para ser construído. Quando a incompatibilidade das regras regionais começarem a afetar os grandes países, eles voltarão a se sentar na mesa de negociação na OMC.

Valor: A China é um risco ou oportunidade para o Brasil?

Vera: A China pode representar oportunidade pelo tamanho de seu mercado e um risco pela sua competitividade com produtos brasileiros tanto no mercado interno com em terceiros mercados. Um dos temas mais relevantes hoje de política comercial do Brasil é definir qual sua estratégia em relação a China. Os brasileiros devem produzir na China ou o Brasil deve atrair a China a produzir no Brasil? Até agora, o Brasil não tem estratégia clara, apesar do aumento das relações bilaterais. A existência das regras da OMC é fundamental nesse relacionamento. O Brasil deve usar todos os instrumentos que a entidade permite para defender sua indústria e utilizar as mesmas regras para abrir o mercado chinês.

Valor: Qual será o foco do Centro do Comércio Global que a sra. está criando?

Vera O objetivo é analisar o quadro regulatório do comércio internacional explorando sua nova dimensão, pois as regras não envolvem só exportação e importação, mas toda uma gama de temas que vão de concorrência a saúde, investimentos, ambiente, clima, direitos humanos . E isso é essencial para a economia brasileira. Precisamos conhecer bem os detalhes das regras e saber usá-las para defender os interesses do Brasil. A ideia é juntar advogados, economistas e administradores de empresas para estudar e avaliar os impactos dessas regras, tanto da OMC como de acordos regionais, para a economia brasileira, a competitividade e sobrevivência das empresas. O centro pretende acompanhar a regulação especifica dos principais parceiros do Brasil, como União Europeia, Estados Unidos, China, Índia, África do Sul.

Valor: No que o centro inovará?

Vera Minha intenção é criar uma nova geração de especialistas em comércio internacional. Ao invés de só pensar em participar de painéis (disputas) na OMC, que saibam identificar os problemas concretos das empresas, as regras que foram desrespeitadas e levar os casos para os comitês específicos da OMC. É uma área ainda não explorada no Brasil. Poucos percebem que as regras da OMC estão internalizadas nas regras brasileiras e que isso pode ser utilizado nas atividades normais das empresas e entre empresas e governos. Esse trabalho, de dirimir conflitos, é não só de advogados, mas de economistas, porque cada vez mais os conceitos econômicos estão entrando na OMC.

Valor: As escolas de economia e direito estão atualizadas no Brasil?

Vera: Não. É triste constatar que mesmo as melhores escolas de economia e direito dão pouca atenção ao quadro regulatório do comércio internacional. Existe mesmo o absurdo de alguns professores considerarem que as regras da OMC não fazem parte do direito internacional. Na verdade, o que acontece na OMC faz parte de uma nova área do direito e da economia, que é chamada de "international trade law and economics", que já tem até uma associação criada em Genebra. Em seu congresso, em Barcelona, foi triste constar que, entre 350 participantes, só cinco eram brasileiros. São raras as escolas que oferecem cursos sobre OMC e disputas de conflitos. Como se pode criar economistas e advogados sem saber o quadro regulatório do comércio internacional, como esses futuros profissionais vão defender os interesses das empresas?