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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 10 de fevereiro de 2019

O caso da embaixada em Jerusalém - Sputinik

Embaixada em Jerusalém seria desastre econômico e diplomático

sputinik
Sputinik, 9/02/2019

Em consonância com promessa feita por Jair Bolsonaro durante o período de campanha antes da eleição presidencial, o chanceler brasileiro voltou a falar ontem da mudança da embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, sublinhando, no entanto, a possibilidade de isso acontecer sem atrapalhar as relações do país com o mundo muçulmano.
Questionado na última quinta-feira, 7, em Washington, sobre a anunciada mudança da missão diplomática brasileira na capital israelense, Ernesto Araújo afirmou que a manobra é algo que ainda está sendo considerado, mas que o desejo do governo brasileiro é o de que, se isso realmente ocorrer, seja positivo não apenas para os laços com os israelenses, mas com todo o mundo árabe e islâmico. Seria isso possível?
Para Tanguy Baghdadi, professor de Relações Internacionais da Universidade Veiga de Almeida, não. Segundo ele, o fato de o Brasil mudar sua embaixada para Jerusalém, cidade sagrada e disputada por judeus e muçulmanos, significaria que "o Brasil não acredita que deva ser criado, ou pelo menos que haja condições para ser criado, um Estado palestino dentro da região". Nesse sentindo, o especialista avalia que os impactos para Brasília seriam severos. Ele lembra, por exemplo, que os países árabes e muçulmanos são importantes compradores de carnes brasileiras, e que esse mal-estar poderia afetar de maneira significativa o setor da agropecuária brasileiro.
"Imagino que Bolsonaro esteja, que o governo esteja, de uma certa forma, adiando essa decisão, até para conseguir medir a temperatura, saber o que é melhor. Porque transferir a embaixada seria muito ruim para estados que votaram no Bolsonaro em peso, seria prejudicial também para a própria economia brasileira, e não transferir a embaixada seria quebrar uma promessa de campanha", disse o acadêmico em entrevista à Sputnik Brasil, dizendo acreditar que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil esteja em vias de fazer essa transferência.
Baghdadi ressalta que, tradicionalmente, o Brasil sempre se destacou por um acentuado equilíbrio em suas relações internacionais, ao contrário do que vem sinalizando no atual governo. Hoje, entretanto, os passos da política externa brasileira estariam muito mais no sentido de despertar curiosidade do que de sinalizar alguma previsibilidade.
"Essa mudança da embaixada certamente geraria uma curiosidade, e até uma certa preocupação, dos demais países com relação a o que mais viria pela frente."
De acordo com Raquel Rocha, doutora em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), há uma grande dificuldade, por parte do atual governo do Brasil, do ponto de vista prático, em cumprir essa promessa de campanha de Bolsonaro, de reconhecer Jerusalém como capital do Estado de Israel.
"Eu confesso que eu acredito que essa seja uma promessa que vai ser alongada durante os anos de governo Bolsonaro. E vai ser sempre essa ideia de que o quando vai ser discutido e não necessariamente vai ser concretizado", disse ela à Sputnik.
Além das consequências comerciais óbvias, a especialista da USP acredita que o impacto político sobre essa provável mudança:
"Na pauta política, com certeza, a gente vai ter grandes críticas", afirmou, lembrando o caso dos Estados Unidos, país que gerou fortes reações internacionais ao realizar essa manobra. "É um pouco até contraditório em termos de alinhamento de política externa que o Brasil, agora, seja tão favorável a um desenho geográfico mais favorável a Israel. E ainda mais por ter esse favorecimento em cima de uma pauta religiosa", declarou Rocha.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Proposta dos EUA para o Brasil na frente externa - Matias Spektor


Marco Rubio concentra esforços no Brasil, país que quer ver como aliado.

Marco Rubio é chefe de facto da política externa dos Estados Unidos para a América Latina. Como senador do Partido Republicano pelo estado da Flórida, ele tem ascendência sobre a Casa Branca por força do voto latino, capaz de virar resultados numa eleição presidencial.

Rubio não dá ponto sem nó e apostou todas as fichas em virar líder da oposição à ditadura venezuelana. Com persistência ímpar, ele vem conseguindo empurrar o presidente Trump na direção que deseja.

As duas últimas vitórias foram acachapantes. Primeiro, conseguiu fazer com que os EUA liderassem uma coalizão internacional para negar reconhecimento a Nicolás Maduro. Segundo, transformou Juan Guaidó, jovem político desconhecido e sem experiência relevante, em rosto da oposição.

Agora, Rubio está concentrando seu esforço no Brasil, país que quer ver como aliado. O processo começou durante a viagem de Eduardo Bolsonaro a Washington, mas chegou a seu ponto de inflexão na terça (29).

Em artigo de opinião publicado pela CNN, Rubio fez a proposta mais audaciosa já apresentada por um líder político americano em décadas. Se vingar, afetará em cheio a posição do Brasil no mundo.

Rubio argumenta que os Estados Unidos deveriam fazer uma grande barganha diplomática com o Brasil.

O esquema funcionaria assim: os americanos ofereceriam um pacote de concessões ao governo Bolsonaro em troca de ajuda brasileira em temas de interesse geopolítico para Trump.

Na prática, o governo americano jogaria todo o seu peso para garantir a acessão do Brasil à OCDE, um pleito que, se efetivado, produziria enorme impacto positivo nas políticas públicas brasileiras e elevaria o status de Bolsonaro.

Na proposta do senador, a Casa Branca também se empenharia em fazer decolar os planos brasileiros para a base aérea de Alcântara. Com ela, viria uma enxurrada de oportunidades de negócios na área militar.

Em troca, o Brasil assumiria um papel maior na gestão da crise da Venezuela, que deve piorar muito durante os próximos meses e poderá criar instabilidade e insegurança na região. Rubio quer apoio brasileiro para atravessar a turbulência, que já está contratada.

O senador também pede ao Brasil um papel central no afastamento de China, Irã e Rússia, “inimigos da democracia”, da América Latina. A medida forçaria a diplomacia brasileira a dar uma guinada em relação aos Brics.

É impossível saber se a proposta do republicano vai vingar. O processo decisório do governo Trump é caprichoso e avança por sobressaltos, não pela avaliação cuidadosa de cenários alternativos.

Mas o argumento está feito e a bola, em campo brasileiro.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Cacofonia na política externa: militares devem arbitrar

Diplomacia. Uma política em disputa
Luana Barros
O Povo, 27/01/2019 

Às vésperas de completar 30 dias na Presidência da República, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) ainda não estabeleceu os rumos para onde a diplomacia brasileira deve seguir nos próximos quatro anos. Sem definições, atores políticos que circundam Jair Bolsonaro iniciam uma "queda de braço", como caracteriza o professor da FGV/SP e cientista político, Guilherme Casarões, para guiar a política externa brasileira. 
O desencontro entre diferentes grupos do governo Bolsonaro ganha destaque dentro das falas do próprio presidente, que recuou mais de uma vez em decisões quanto a temas internacionais. Na última semana, ficaram evidentes as contradições entre o alto escalão do governo quando declarações do vice-presidente Hamilton Mourão, que assumiu interinamente a presidência durante a viagem de Jair Bolsonaro para o Fórum Econômico Mundial, em Davos, divergiram de afirmativas tanto do próprio presidente como de outros políticos que estão próximos a Bolsonaro.
Entre as discordâncias, está o posicionamento quanto a crise na Venezuela. O Brasil reconheceu o opositor de Nicolás Maduro, Juan Guaidó, como presidente interino do país, na última quarta-feira, 23. O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, deu indicativos de que o Brasil poderia apoiar uma intervenção militar na Venezuela, enquanto Mourão foi contundente ao dizer que "o Brasil não participa de intervenção". O presidente Bolsonaro acabou seguindo o vice.

Temas anteriores também causaram impasses dentro de setores do governo.  
A transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, uma das promessas de campanha, foi contestada por setores da agropecuária após ameaças de retaliação dos países árabes, apoiadores da Palestina e grandes exportadores de carnes bovina e de frango brasileiras. Desde a posse, não houve anúncio oficial sobre o tema.

A possibilidade de saída do Brasil do Acordo de Paris também ocasionou idas e vindas. Enquanto o chanceler Ernesto Araújo e aliados pretendem que o país abandone o tratado que rege medidas de redução da emissão de gases que aumentam a temperatura do planeta, outros grupos se preocupam com os impactos nas relações comerciais brasileiras que essa saída pode ocasionar.  
Em Davos, Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil, "por ora", não sairá do acordo.
"(Há o problema do) Excesso de agentes 'credenciados' a dar opiniões sobre a política exterior de Bolsonaro. Além do chanceler, vários ministros (Moro, Guedes, Heleno), o vice-presidente, o assessor para assuntos internacionais, o filho do presidente, dentre outros, têm opinado sobre as pautas", avalia Dawisson Belém Lopes.
Professor de Política Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Lopes estabelece hipótese na qual a decisão sobre a política externa brasileira partiria de três núcleos: o nacionalista-religioso, representado pelo chanceler Ernesto Araújo; o neoliberal, liderado pelo ministro Paulo Guedes; e o militar, comandado pelo vice-presidente, general Mourão. "Se avaliarmos com cuidado as credenciais e alavancas de poder dos agentes em questão, logo notamos uma assimetria considerável. Os grupos capitaneados por Araújo e Guedes não têm coesão interna e coerência nos seus movimentos, ao contrário do núcleo militar, mais orgânico e institucionalizado", argumenta Lopes.
Guilherme Casarões explica a disputa por esse domínio nos temas internacionais também pela divisão interna em grupos. O cientista político elenca cinco: os ruralistas, os evangélicos, os militares, os liberais e os olavistas - pautados principalmente pelo chamado "antiglobalismo". Segundo Casarões, os grupos mais pragmáticos seriam os liberais, capitaneados por Guedes, e os militares. Contudo, os olavistas, onde se incluem Araújo e os filhos de Jair Bolsonaro - principalmente Eduardo Bolsonaro - teriam como vantagem a proximidade com o presidente.
Ele aponta que os ruralistas ainda estão como coadjuvantes, embora já tenham demonstrado que não irão se omitir caso seus interesses sejam prejudicados. Já os evangélicos teriam, dentro da pauta internacional, objetivos específicos. "Cada um falando uma coisa e não conseguem se acertar como parte de um projeto comum", resume Casarões.
Os dois pesquisadores, contudo, concordam na importância dos militares nessas decisões e do lugar central que Mourão assume neste contexto. "Enquanto está a meninada no playground falando um monte de bobagem, os militares são aqueles que estão segurando a narrativa e atuando de maneira mais pé no chão", ilustra Casarões. Lopes acrescenta que não há dúvida de que "essa turma entrará para 'desequilibrar o jogo', sob a liderança de Hamilton Mourão". 
Professor de Relações Internacionais e presidente do Instituto Brasil África, Bosco Monte, critica a atuação de Mourão nessa área. "É perigoso quando o presidente em exercício diz que o Estado não fará isso, (porque) ele não representa o Estado, quem representa o Estado é o titular", defende. Para ele, é necessário um maior controle do Bolsonaro sobre esse número de interferências na política externa.

sábado, 26 de janeiro de 2019

Redescobrindo inéditos (10): Politica externa paralela? (1990) - Paulo Roberto de Almeida

Depois de perder sua primeira campanha presidencial, em 1989, o líder do PT tomou duas iniciativas. Uma, a pedido, sob controle e direção estrita dos comunistas cubanos, foi a constituição do "Foro de São Paulo", uma espécie de Cominform do castrismo para poder não apenas manter sob sua estrita vigilância todos os partidos de esquerda da América Latina, mas também extrair recursos daqueles partidos amigos que por acaso estivesse no poder, uma vez que o socialismo estava, nessa época, fazendo água por todos os lados, e já se podia antever o fim do mensalão soviética que permitia à decrépita e improdutiva economia comunista cubana sobreviver em meio às agruras dos mercados mundiais.
Tomei conhecimento a posteriori desse Foro, e não tenho certeza de ter escrito algo a respeito, provavelmente não um trabalho específico, mas referências em outros textos.
A outra iniciativa foi fazer com que o PT e simpatizantes montassem um fantasmagórico "governo paralelo", que nunca funcionou, sejamos claro, mas, como sempre, o PT invariavelmente viveu mais de propaganda do que de trabalho real. Esse governo designou um chanceler paralelo, na pessoa do "filósofo" gramsciano Carlos Nelson Coutinho, que nunca soube entender de política internacional. Ele conhecia bem o marxismo, os trabalhos de Gramsci, coisas desse tipo, e, apenas porque tinha vivido no exterior, e devia falar espanhol e francês, pelo menos, fico a cargo da "política externa" do PT. Esta já estava redigido pelos apparatchiks do partido, com os habituais clichês esquerdistas-stalinistas, que eu já analisei em vários trabalhos meus.
Assisti a uma única "conferência" desse chanceler paralelo, quando ele veio à UnB para falar no quadro de algum colóquio anti-imperialista. Eu só ouvi bobagem. A maior, o que demonstrou a profunda ignorância desse "chanceler", foi atribuir a miséria e a guerra civil na Somália à "exploração imperialista", que esse infeliz país tinha recém saído de uma longa ditadura comunista, de Siad Barre, e nunca tinha permitido qualquer exploração imperialista daquela nação miserável, que logo depois entrou em guerra civil.
Desisti do governo paralelo do PT e o artigo abaixo, portanto, deve ser lido apenas como uma relíquia ingênua, quando eu achava que o PT era um partido sério.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 de janeiro de 2019.


UMA POLITICA EXTERNA PARALELA ?

Paulo Roberto de Almeida
Montevidéu, 17 de julho de 1990

O líder do PT, Luís Inácio Lula da Silva, concretizou finalmente sua promessa de candidato derrotado à Presidência da República ao anunciar, em coalizão com alguns outros partidos de esquerda, a formação de um “governo paralelo” ao legalmente constituído, no que deve ser seguramente um dos poucos exemplos de shadow cabinet ao sul do Equador.
A implementação dessa iniciativa deve ser verdadeiramente saudada por todos os democratas sinceros, e não apenas por aquele punhado de parlamentaristas convictos – cada vez mais ameaçados pelos oportunistas de ocasião – que até agora parecia viver de um ideal quixotesco. O PSDB, único partido a assumir efetivamente a mensagem parlamentarista sem tê-la ainda traduzido em termos de programa concreto, deveria refletir seriamente sobre a saudável prática recém inaugurada.
O exercício responsável de uma “administração” paralela impõe a necessidade de ocupar virtualmente todos os terrenos abertos à formulação de propostas alternativas em termos de políticas públicas, algo assim como a tática de marcação homem a homem num campo de futebol. Se os ministros “atletas” estiverem realmente preparados para as funções designadas – armação, ataque e defesa de suas próprias posições – e não para um simples “jogo de cena”, a disputa passa então a assumir contornos mais emocionantes, algo mais do que chutes nas canelas dos adversários ou empurrões maldosos nas proximidades da área do contendor. Definir suas próprias posições em função da colocação das hostes inimigas, numa simples mímesis contrária, pode não ser muito eficaz como estratégia para ganhar a partida, além de conformar uma tática mais reativa do que passiva (que de resto corre o risco de não agradar à platéia cívica, que somos todos nós).
Dito isto, qual é exatamente o papel de um “ministro paralelo” para as relações exteriores do Brasil? O que significa ter uma “política externa alternativa”? Seguramente algo mais do que o endurecimento na questão da dívida externa, a mera oposição à “Iniciativa para as Américas” do Presidente Bush ou a busca de uma integração “não-capitalista” para as nações da América Latina, alegremente anunciados pelo líder do PT. O chanceler “paralelo” – designado na pessoa do eminente filósofo e professor Carlos Nelson Coutinho – precisará avançar um pouco mais em relação às propostas vagas até agora enunciadas por Lula para que sua missão possa realmente sair da “sombra” e projetar-se em termos de propostas concretas de relacionamento externo.
Comecemos pelo lancinante e ainda não resolvido problema da dívida externa (supondo-se realmente que esta espinhosa questão possa algum dia cair sob a responsabilidade de um Itamaraty “petista”). Será que Lula realmente acredita que basta declarar encerradas as negociações com os banqueiros privados para que os governos dos países credores se disponham a sentar-se numa mesa com o representante brasileiro e simplesmente conversar? Haveria, para começar, alguém do outro lado da mesa? Nosso chanceler “filósofo” – aliás um habitué do debate contraditório – sabe muito bem que em matéria de diálogo externo, assim como no futebol ou nas artes renhidas da dialética, é preciso pelo menos dois parceiros para concretizar-se a disputa. Se o adversário faz default, não dá nem para iniciar o jogo. Estariamos simplesmente numa posição de non starter, como já disse o James Baker para o imaginativo Bresser Pereira. Não parece razoável que Lula queira repetir a malfadada experiência de Alan Garcia: por enquanto ele deve estar apenas jogando para a platéia.
No que se refere à integração continental, o animus petista sempre foi mais receptivo, ainda que com o tradicional viés da “solidariedade anti-imperialista”. O problema é que a Iniciativa Bush parece ter vindo reacender essa tradicional atitude reativa, típica do complexo de inferioridade latino-americano em face de um Big Brother que nunca conseguiu pensar suas relações meridionais senão em termos de drogas e da ameaça cubano-soviética. Exemplo disso é a Declaração de São Paulo, na qual o PT e seus hermanos de izquierda da América Latina proclamam sua vontade de se opor por todos os meios à “integração imperialista”. Em face de países já escaldados pela retórica vazia de um “integracionismo” de políticas protecionistas e com o avanço irresistível da liberalização econômica externa e interna, a mensagem oposicionista dos partidos de esquerda corre mais uma vez o risco de cair no vazio.
O problema de muitos teóricos do PT – certamente não partilhado pelo chanceler designado – parece ser o de acreditar que exista algo como uma política externa com “caráter de classe” e que a atual representaria apenas os interesses das elites dominantes e de seus aliados estrangeiros. Sem querer cair nos mitos da “unanimidade” e do “apoio consensual” tributados à política externa oficial, não parece exagerado dizer que, na prática, os desentendimentos em torno da postura externa do Brasil são bem menores do que, por exemplo, em relação à política econômica interna e os custos sociais da luta anti-inflacionária.
Ainda que se possa argumentar que toda política institucional - e a externa não é exceção - reflete, de certo modo, a estrutura política e social e o sistema político em vigor no País, a grande questão nesse terreno é saber se, efetivamente, a política externa brasileira corresponde às necessidades da Nação e aos interesses de seu Povo. Não se trata apenas de dizer que as relações exteriores têm sido traçadas em gabinetes fechados, sem a necessária participação da sociedade, por exemplo, mas de verificar se as posições assumidas pelo Brasil externamente contemplam apenas os interesses de um grupo da sociedade, que manipula a máquina do Estado para servir seus fins particulares, ou se elas servem o grande objetivo do desenvolvimento, que é a verdadeira ideologia do povo brasileiro.
Com todos os percalços criados por governos hesitantes, ora excessivamente alinhados, ora ingenuamente “independentes”, a política externa até que tem respondido bem aos anseios da Nação, caracterizando-se por um “terceiro-mundismo” moderado e realista, mais conforme ao nosso perfil de País com um pé em cada mundo (até porque não cai bem em nossos tão discretos diplomatas qualquer discurso mais radical). Se o compromisso de nossas elites com o desenvolvimento econômico e social é meramente retórico, tal falha não pode ser creditada aos profissionais do Itamaraty, que não podem simplesmente transmutar sua ação na área externa em medidas internas de correção das desigualdades, desequilíbrios ou injustiças sociais mais gritantes. A política externa é, antes de mais nada, uma questão de política interna.
Nessas condições, o que significaria uma “política externa alternativa”: um militantismo internacional exacerbado para tentar convencer nossos colegas do Terceiro Mundo de que nossos interesses nacionais são os deles também? É evidente que não há respostas exclusivas a desafios externos que são basicamente comuns aos países em desenvolvimento: dívida, acesso a mercados e a novas tecnologias, integração econômica, etc. Mas, essas respostas não podem ser equacionadas, ao nível internacional, com base apenas em slogans. Elas requerem um pouco mais de consistência. Com a palavra nosso chanceler paralelo.


Montevidéu, 187: 17/07/1990

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Itamaraty Blues - Mathias Alencastro

Itamaraty blues

Ernesto Araújo acelera um declínio que se dá também em outros governos

Ernesto Araújo tem o voluntarismo de personagens da “Comédia Humana” de Balzac, que querem galgar rapidamente os escalões da alta sociedade, e a alegria do protagonista de um romance de Michel Houellebecq —um cara de meia-idade em plena crise existencial que redescobre o sentido da vida depois de uma epifania.
Tudo bem se o leitor distraído tende a confundir Ludwig Wittgenstein com um zagueiro da seleção alemã dos tempos de Franz Beckenbauer. O importante, para o chanceler Araújo, é continuar disseminando pelas redes a boa palavra do novo governo.
Talvez essa nobre missão impeça o chanceler de reparar nas mudanças profundas que ele está provocando na sua própria instituição.
Pois além de libertar o Itamaraty das suas amarras ideológicas, ele também está libertando a Esplanada das amarras do Itamaraty. Nos últimos 20 dias, tem sido notável constatar o surgimento de novos patrões da política externa.
Paulo Guedes, o ministro da Economia, está se tornando o interlocutor exclusivo do capital estrangeiro. Sergio Moro está tornando o Ministério da Justiça e Segurança Pública em um ator autônomo da cooperação internacional bilateral e multilateral.
Treinados na experiência formadora das missões de paz no Haiti e nos países africanos, os generais do Planalto estão confortáveis na posição de mediadores entre o governo e as instituições internacionais. 
É caso para se perguntar para que servem os diplomatas no novo governo.
O dilema existencial da diplomacia brasileira não vem de hoje —todos se lembram dos tempos de cólera sob Dilma Rousseff (2010-2016).
No mais, o esfriamento nas relações entre elites políticas e diplomatas, consideradas a crème de la crème dos servidores de Estado, acontece no mundo inteiro.
Nos Estados Unidos, Donald Trump indicou o magnata do petróleo Rex Tillerson (depois substituído por Mike Pompeo, deputado do Kansas alçado a diretor da CIA, a Agência Central de Inteligência do país) para amainar os diplomatas e privilegiar novos atores, como o chanceler informal e coincidentemente marido da sua filha Ivanka, Jared Kushner.
Na França de Emmanuel Macron, os peritos da famosa “célula do Eliseu”, que assessoram diretamente o presidente, acumularam imenso poder discricionário na Quinta República.
No Reino Unido, todos os membros do governo têm um palpite sobre o maior desafio internacional desde a Segunda Guerra Mendial (1939-1945), o “brexit”. Todos menos os diplomatas, afastados das negociações e completamente inaudíveis.
Os recursos do Ministério das Relações Exteriores desses países caíram drasticamente nos últimos 30 anos.
Se a tendência continuar se agravando, os diplomatas correm o risco de conhecer o destino dos atendentes de voo, outrora admirados e invejados por todos.
Haverá resistência ao processo em curso de redução de poderes do Itamaraty. Os diplomatas recorrerão a sua habilidade política e à memória institucional para impedir ou pelo menos adiar o seu ocaso. Afinal, o prestígio e a competência de cada um deles permanece incontestável.
Mas o fato é que a ideia bizarra de transformar o Itamaraty no Farol de Alexandria do populismo tropical está comprometendo a sacralidade da instituição e, de quebra, acentuando o seu declínio.

domingo, 20 de janeiro de 2019

Redescobrindo inéditos (6): a diplomacia Sul-Sul

Eu não consigo encontrar nenhuma outra designação para a tal de diplomacia Sul-Sul, a não ser "miopia diplomática", ou viseiras voluntárias, no limite uma pura e simples estupidez.
Sempre achei uma bobagem, desde o início, e em 2014, eu colocava isso no papel, mas nunca tinha divulgado este meu trabalho, a não ser um outro ensaio que acabou publicado no meu livro Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014). Agora, publico este texto que permaneceu inédito por mais de quatro anos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de janeiro de 2019

O determinismo geográfico da diplomacia Sul-Sul

Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)
Hartford, 15 de agosto de 2014
Sumário: 
1. O problema
2. Diagnóstico
3. Propostas

A temática da política externa voltada para as relações Sul-Sul foi enfatizada desde o início o governo Lula, numa espécie de retomada de alguns dos padrões da diplomacia praticada nos tempos da política externa independente (1961-1964) e na era Geisel (1974-1979). Enquanto “estratégia” de projeção internacional, essa diplomacia Sul-Sul resume, num único conceito, todos os equívocos conceituais e todas as bobagens operacionais da era Lula: nunca antes na história do Itamaraty, e do Brasil, toda uma concepção de política externa tinha sido assim fixada no determinismo geográfico desse tipo de castração voluntária, que representou a aposição de viseiras ideológicas no que antes era apenas uma leve inclinação para o terceiro-mundismo. Mas o que poderia levar dirigentes políticos, ou diplomáticos, a preferir a parte em lugar do todo, a eximir-se de explorar o conjunto de possibilidades de cooperação, substituindo uma ampla interface por um número mais reduzido de opções? O que poderia levá-los a colocar uma viseira unidirecional no horizonte de relacionamentos externos do país?

1. O problema
Quando se fala de uma “política externa voltada às relações Sul-Sul”, se entende que as relações internacionais do país passam a estar prioritariamente voltadas para essa tal dimensão regional, não exatamente planetária, mas orientada ao hemisfério Sul, isto é, para os territórios, regiões e países identificados como periféricos, dependentes, em desenvolvimento, emergentes, ou outras variantes da mesma família. Mas em que consiste a diplomacia Sul-Sul para a diplomacia companheira? Ela representou uma mudança de eixo no relacionamento externo do país, apontando preferencialmente para países do Sul, tanto em sua acepção geográfica quanto no plano geopolítico. 
Como isso se coaduna (ou não) com as posturas tradicionais da diplomacia brasileira, e como isso se encaixa no leque de possibilidades abertas, no supermercado da História, à economia ou à sociedade brasileira? O Brasil deveria praticar uma diplomacia Sul-Sul? Ela é melhor, mais produtiva, mais benéfica e de maiores retornos concretos do que a velha diplomacia sem marcas geográficas ou geopolíticas definidas?
A diplomacia Sul-Sul tem tudo a ver com a concepção companheira do mundo, a sua Weltanschauung, segundo a qual existiria uma assimetria básica que definiria as escolhas políticas e as alianças estratégicas: de um lado, o velho Norte desenvolvido, capitalista, hegemônico e aparentemente arrogante, por vezes até unilateral e dominador; de outro, o novo Sul, periférico, dependente, explorado, enfim, em desenvolvimento e, portanto, naturalmente, interessado em posturas comuns para romper a dominação e tornar o mundo mais democrático e multilateral. Essa visão maniqueísta do mundo orienta, desde 2003, a grande diplomacia brasileira.

2. Diagnóstico
Esse tipo de atitude já tinha sido registrado na política externa brasileira em pelo menos duas épocas anteriores: a chamada “política externa independente”, dos anos 1961-1964, e o “pragmatismo responsável”, do governo Geisel (1974-1979). A política externa do governo Lula, clara e oficialmente autodesignada como Sul-Sul, reivindicou plenamente essa herança, e proclamou a retomada das tradições de “independência” nas relações exteriores do Brasil, dizendo com isso que todas as demais administrações praticaram diplomacias alinhadas, dependentes, ou até submissas ao império ou aos organismos multilaterais de Washington. Foi esse maniqueísmo ridículo que passou a caracterizar, concretamente, a diplomacia companheira. Ela conduziu a equívocos monumentais em negociações externas, e não apenas nos grupos próprios dessa filosofia, como o Ibas, a Unasul, o Brics, mas também no G20 comercial.
Os objetivos formais desse bloco seriam os de eliminar o protecionismo agrícola dos países avançados, os subsídios internos à produção e as subvenções às exportações, que prejudicam exportadores competitivos e não subvencionistas como o Brasil. Mas o grupo revelou-se, na verdade, de uma esquizofrenia exemplar, pois o que era solicitado aos ricos era considerado legítimo pelos e para os seus integrantes. Se admitirmos que a demanda de bens alimentares nos próximos anos e décadas virá, basicamente, de grandes países em desenvolvimento, como China e Índia, precisamente – já que a expansão desses mercados nos países ricos será quase vegetativa, ademais da demanda não ser beneficiada por alta elasticidade-renda, nesses casos – então a derrogação feita em favor dos países do Sul não é exatamente conforme aos interesses do agronegócio brasileiro ou das exportações do Brasil, em geral, para esses mercados dinâmicos.
Mesmo nos casos de alianças políticas, a bússola do Sul não é a que melhor serve aos interesses do país. Os companheiros sempre argumentaram com a surrada tese dos interesses comuns dos países dependentes, em face da resistência dos países do Norte na preservação da velha ordem, com uma distribuição injusta e desigual de poder e influência no plano mundial. Tais visões paranoicas e conspiratórias das relações internacionais, talvez aceitáveis para mentes simplistas, e simplificadoras, dos que dividem o mundo em linhas classistas, mas que não apresentam a mínima consistência para mentes mais abertas e inteligências mais aguçadas, sustentaram durante todos esses anos a rationale da diplomacia Sul-Sul. Não sem dispor de amplo apoio em círculos da opinião pública dita respeitável: grande parte da academia brasileira ainda se compraz com as teses intelectualmente indigentes da “dependência”, com teorias mistificadoras do “chutando a escada”, com o eterno complô das elites e das classes dominantes, que supostamente impedem países do Sul na sua justa ascensão a patamares mais altos de desenvolvimento e de prosperidade.

3. Propostas
A pobreza conceitual e a inadequação desse tipo de concepção para as relações internacionais do Brasil constituíram o lado mais patético da diplomacia companheira. Pode-se acabar com esse reducionismo absurdo, à condição que se retorne aos padrões anteriores da diplomacia normal. Poucos diplomatas devem se sentir confortáveis com demonstrações grandiosas de autonomismos superficiais, de soberanismos vazios e de retórica grandiloquente em favor do Sul. A maior parte deles considera que a abertura ao comércio e aos investimentos internacionais, a estabilidade macroeconômica, a boa governança e alta qualidade dos recursos humanos constituem bons fundamentos para uma política externa voltada para uma maior inserção do Brasil no mundo. A mais completa seleção de opções, a total soberania geográfica nos relacionamentos externos são, de longe e em todas as hipóteses, as posturas mais adequadas na determinação das políticas que melhor respondem às necessidades do Brasil no plano internacional.
Porém, como se trata de uma postura filosófica fundamental, ela exige uma mudança na direção da diplomacia brasileira, o que implica, obviamente, uma alteração radical na chefia do governo.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 15/08/2014