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sexta-feira, 15 de julho de 2022

Como os lacaios de Trump violaram a Constituição brasileira para ajudar um golpista do Império: golpe contra Maduro - José Casado (Veja)

Antes mesmo de tomar posse, os lacaios do aloprado Trump, Bozo e o chanceler acidental, TRAMARAM CONTRA A CONSTITUIÇÃO, o princípio na não intervenção nos assuntos internos de outro país, no caso bem pior, a tentativa de golpe contra o ditador chavista Maduro, da Venezuela. Os trapalhões se deram mal, pois a inteligência cubana já tinha detectado os movimentos preparatórios.

Paulo Roberto de Almeida

 Fiasco de Trump e Bolton, com ajuda de Bolsonaro, salvou o ditador Maduro


Ex-assessor de Trump fala do fracasso de plano de golpe na Venezuela, que teve adesão de Bolsonaro 32 dias antes da posse em Brasília 

Por José Casado Atualizado em 14 jul 2022, 08h15 - Publicado em 14 jul 2022, 08h00 

John Bolton, 73 anos ex-conselheiro de Segurança Nacional do governo Donald Trump, comentou ontem, em entrevista a Jack Tapper, da CNN, as manobras do ex-presidente para tumultuar a eleição presidencial americana de 2020, impedir a posse de Joe Biden e continuar no poder.

Bolton, integrante da elite de servidores do Partido Republicano, conviveu com Trump por 16 meses. Romperam por diferenças sobre as intervenções de Trump na política externa — foi demitido num tuíte e chamado de “doido” e “incompetente” pelo presidente.

Fora do governo, Bolton se vingou num livro (“The Room Where It Happened: A White House Memoir” — jA sala onde aconteceu: um livro de memórias da Casa Branca). Contou com detalhes algumas das delinquências presidenciais. Entre elas, o aval de Trump ao presidente da China, Xi Jinping, na construção de campos de concentração para mais de um milhão de pessoas da minoria étnica muçulmana uigur.

Ontem, Bolton falava na CNN sobre a tentativa de golpe de Trump na invasão da sede do Congresso americano, em janeiro do ano passado, quando o jornalista Jack Tapper provocou, com ironia: “Não é necessário ser brilhante para tentar um golpe de estado.”

O ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump rebateu: “Discordo disso. Como alguém que já ajudou a planejar golpes de estado, não aqui [nos Estados Unidos], mas, você sabe, em outros lugares, isso demanda muito trabalho. E não foi isso o que [Trump] fez. Ele apenas foi tropeçando de uma ideia a outra.

No fim das contas, ele incentivou a invasão do Capitólio. Quanto a isso, não há nenhuma dúvida.

“Os golpes foram bem sucedidos?” — Tapper quis saber.

Bolton, que foi embaixador do governo George W. Bush na ONU, entre 2005 e 2006, preferiu desconversar: “Não vou entrar em detalhes, mas…” E mencionou superficialmente o esforço do governo Trump para derrubar o ditador venezuelano Nicolás Maduro, admitindo: “Não foi bem-sucedido.

Foi um completo fiasco — e com a participação de Jair Bolsonaro, que aderiu à proposta de Trump para ajudar a derrubar Maduro exatos 32 dias antes de tomar posse em Brasília.

Às 7 horas da manhã de quinta-feira 29 de novembro, o recém-eleito Bolsonaro recebeu, com uma continência, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA na sua casa na Barra da Tijuca, no Rio. Estava acompanhado dos futuros ministros Fernando Azevedo (Defesa), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).

Bolton saíra de Washington para uma reunião do G-10, o grupo dos países mais industrializados, em Buenos Aires. A escala no Rio tinha dois objetivos: convidar Bolsonaro para, depois da posse, se reunir com Trump em Washington, e, confirmar a disposição do futuro governo brasileiro em se engajar num plano para derrubar o ditador venezuelano Nicolás Maduro.

Em janeiro de 2019, quando Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto, o projeto de golpe avançava com um governo paralelo na Venezuela, liderado pelo oposicionista Juan Guaidó. A cooperação brasileira foi coordenada, simultaneamente, em Washington e Caracas

“Contatos contínuos”, contou Bolton no livro, “estavam sendo feitos com altos oficiais militares, com exmembros do gabinete chavista, líderes sindicais e outros setores da sociedade venezuelana para construir alianças. Achávamos que o ímpeto permanecia com a Oposição, mas eles precisavam acelerar o ritmo.”

Prosseguiu: “Na Venezuela, estava sendo desenvolvido um plano, que achávamos promissor, para trazer suprimentos humanitários através das fronteiras da Colômbia e do Brasil para distribuir pela Venezuela.”

Maduro havia fechado as fronteiras com o Brasil e a Colômbia. Para a Casa Branca, a ajuda humanitária no país em convulsão social e com a economia derretendo, catalisaria as forças de oposição ao regime. Também mostraria que as fronteiras da Venezuela, na prática, estavam abertas, “refletindo a crescente falta de controle” de Maduro. E ele ficaria na “posição impossível de negar suprimentos humanitários a seus cidadãos empobrecidos”.

Combinou-se o sábado 23 de fevereiro como o “Dia D”, a data-alvo para o começo da “ajuda humanitária da Colômbia e do Brasil à Venezuela”.

Entre janeiro e fevereiro, relata Bolton, intensificaram-se os boatos de deserções na cúpula militar de Maduro. “Houve rumores semelhantes antes”, relata Bolton, mas o plano humanitário transfronteiriço foi o principal fator para que, desta vez, pudesse ser verdade.”

O governo Trump, com a ajuda do Brasil e da Colômbia, estava pondo em marcha um novo plano de golpe na Venezuela, baseando-se mais em expectativas do que no controle efetivo dos acontecimentos. “Havia também algum sentimento de que deserções dessa magnitude [na cúpula militar] trariam um número significativo de tropas com eles, com as unidades militares aparentemente se movendo em direção às fronteiras, mas depois voltando para Caracas para cercar o Palácio de Miraflores, a Casa Branca da Venezuela.”

“Suprimentos de ajuda vinham sendo construídos há semanas em vários postos de controle em ambas as fronteiras, e comboios adicionais foram preparados para chegar aos postos ao longo do dia, escoltados por voluntários da Colômbia ou do Brasil, para serem recebidos do outro lado por voluntários venezuelanos. Pelo menos esse era o plano.

O sábado 23 de fevereiro amanheceu com multidão na fronteira da Colômbia, e violência na zona limítrofe da Venezuela com o Brasil, no Estado de Roraima, onde vivem os índios Pemones. Eles lutaram contra a Guarda Nacional de Maduro: “Ambos os lados sofreram baixas. Os Pemonessupostamente capturaram 27 guardas, incluindo um general, e queimaram um posto de controle do aeroporto.”

Pouca coisa deu certo — e restrita à zona secundária da operação, a fronteira do Brasil com a Venezuela. A tentativa de golpe “simplesmente fracassou”, resumiu Bolton nas memórias do período. “Fiquei feliz por obter o resultado certo, mas o tempo perdido no debate interno [entre Washington e Caracas] foi equivalente a jogar uma tábua de salvação a Maduro.”

Um mês depois, a Rússia enviou novas tropas e equipamentos à Venezuela, para reforçar a defesa do regime, e “havia fortes indícios de que mais estavam chegando”. De Brasília, porém, Bolton continuava a receber “boas” notícias: “O ministro da Defesa do Brasil, Fernando Azevedo, me dizia que o fim estava próximo para Maduro.”

A aventura desastrada de Trump e Bolton, com a ajuda de Bolsonaro e do presidente colombiano Iván Duque, ainda custa caro aos venezuelanos. No próximo 13 de outubro Maduro completa dez anos no poder. A ditadura continua.

https://veja.abril.com.br/coluna/jose-casado/fiasco-de-trump-e-bolton-com-ajuda-de-bolsonaro-salvou-o-ditador-maduro/

sexta-feira, 1 de abril de 2022

VEJA, sobre a história da Petrobras

Enviado pelo Mauricio Lima

Diretor de Redação de Veja 

A HISTÓRIA 
SE REPETE
legenda

GIGANTE CORPORATIVO avaliado em quase 90 bilhões de dólares, a Petrobras é uma empresa peculiar sob vários aspectos. Apesar de ter como seu principal controlador o governo brasileiro, trata-se de uma companhia de capital aberto e ações negociadas em bolsa, num regime misto, com milhões de acionistas no Brasil e no exterior. Sua mais recente estratégia de negócios alinha a política de preços às cotações do petróleo no exterior, uma forma de garantir a própria sobrevivência, bem como evitar riscos de desabastecimento no mercado nacional, que ainda depende de 30% de importação do produto e seus derivados. Infelizmente, desde sua criação, em 1953, por Getúlio Vargas, ela sempre foi alvo da ingerência dos governantes, como aconteceu durante a gestão petista, quando acabou engolfada no escândalo do chamado petrolão.

Nas últimas semanas, tal roteiro de interferência governamental novamente se repetiu. O aumento no preço internacional dos combustíveis a partir da crise deflagrada na guerra da Ucrânia levou o governo a pôr a Petrobras na mira do presidente da República, Jair Bolsonaro. Preocupado com os reflexos que a política de preços da empresa possa ter no humor do eleitorado às vésperas da eleição, ele adotou, em um primeiro momento, um discurso hostil em relação à companhia e seus dirigentes, responsabilizando-os diretamente pelo alto custo da gasolina, do gás de cozinha e do diesel. Em um segundo passo mais radical, abandonou as ameaças e vitupérios disparados em suas lives para encampar a intervenção explícita na empresa, ao anunciar a demissão de seu presidente, o general Joaquim da Silva e Luna, depois de uma constrangedora fritura pública.

Nomeado pelo próprio Bolsonaro há um ano para substituir Roberto Castello Branco, que ocupava o cargo desde o início do governo, Silva e Luna havia presidido a Itaipu Binacional e suportou com disciplina militar os ataques do presidente. Na semana passada, logo depois da confirmação de sua saída, ele falou a respeito do assunto em entrevista exclusiva a VEJA. Em tom emocionado, o general detalhou os episódios em que Bolsonaro tentou influenciar os rumos da empresa e impor medidas temerárias — todas refutadas. Tal zelo com a governança corporativa, contudo, acabou levando ao seu desligamento.

Em obediência aos ritos que regem a Petrobras, seu novo número 1 só deve ser empossado no dia 13 de abril, quando ocorre a próxima reunião do conselho. O economista Adriano Pires, 64 anos, é o indicado do governo ao posto e deve tornar-se o quadragésimo presidente da petroleira. Respeitado por suas posições equilibradas e alinhadas aos princípios liberais, Pires foi bem-aceito pelo mercado. Tomara que em sua gestão à frente do colosso petrolífero ele tenha mais sorte (e tranquilidade) que seu antecessor.

sábado, 29 de janeiro de 2022

A grande perda de tempo na internet: fomos capturados pelo buraco negro da atenção? - Fernando Schüler (Veja)

 Fernando Schuler: “Há uma epidemia: uma indústria inteira querendo capturar nosso tempo”


A era da dispersão

Há uma indústria inteira focada em capturar aquilo que cada um de nós tem de mais importante: nosso tempo e nossa atenção


Por Fernando Schüler  Veja, 27 jan 2022 - Publicado em 22 jan 2022

O perigo chegou de mansinho. Você precisa entregar aquele projeto, na empresa, e quando menos percebe está assistindo a vídeos sobre tsunamis no YouTube. Você decide fazer aquela pós-­graduação que planejava há muito tempo, mas na sexta-feira à noite, no meio da aula, está perdido checando mensagens, no Whats­App, ou bisbilhotando a vida de um monte de gente que você mal conhece, no Instagram.

Leio que nós, brasileiros, gastamos três horas e 42 minutos todos os dias nas redes sociais. Pouco mais de dez horas na internet, sendo metade disso em um telefone celular. Achei incrível isso. Gastamos mais de vinte horas por mês só no TikTok, e a coisa vem crescendo. Fui somando tudo com o que as pessoas presumivelmente fazem desconectadas (dormir, por exemplo, ou quem sabe ler alguma coisa) e a conta não fecha. Será que as pessoas transam checando o último bate-boca no Twitter? A última novidade parece ser o metaverso. Vejo um especialista animado dizendo “você poderá ser qualquer coisa por lá, um gato, um coelho, ou mesmo um Elvis Presley”, e garante que será a rede dominante no futuro próximo.

Há quem diga que não vê nenhum problema nisso. A sobrecarga de informação é um fato do nosso tempo e é natural que percamos um pouco do dia separando o joio do trigo. Há quem vá mais longe e diga que a dispersão no mundo digital pode ser mesmo um modo de vida. Conheço uma senhora que passa o dia no YouTube, e parece que está tudo bem. De vez em quando ela faz um comentário do tipo: “Viram a última gafe do Faustão?”. A psicanalista Élisabeth Roudinesco vai nessa direção. Ela diz que “estar o tempo todo conectado é melhor do que usar drogas”. Achei fraco o argumento. Sou dos que desconfiam que há um problema bastante grave aí, que em geral costumamos empurrar para debaixo do tapete.

Talvez eu ache isso porque sou professor. Percebo o efeito destruidor sobre a atenção dos alunos pela simples presença de um celular em sala de aula. Um estudo feito na Universidade Carnegie Mellon mostrou que o desempenho de alunos com seus aparelhos ligados, em testes padronizados, é 20% menor do que o de alunos inteiramente focados. Outra pesquisa mostra que levamos até 23 minutos para retomar a atenção quando somos interrompidos. Se fossem dez ou quinze minutos, isso não faria lá grande diferença. Esse não é o ponto central.

O ponto é que andamos em meio a uma guerra. Quem faz o alerta é um ex-estrategista do Google, James Williams, que lança agora no Brasil seu livro Liberdade e Resistência na Economia da Atenção (clique para comprar). Williams trabalhava no Google exatamente na área de “programação persuasiva”. Era pago para criar estratégias de “captura” da atenção das pessoas. Em um dado momento, percebeu que ele mesmo havia perdido o controle. Não era a primeira vez que tinha acontecido isso. No ensino médio se meteu com games digitais e quase dançou. Depois fez uma carreira de sucesso, na indústria da tecnologia, focado em “fidelizar” usuários, até perceber que ele mesmo havia sido fisgado. A partir daí, deu um tempo. Foi estudar em Oxford e tentar decifrar o problema.

Ele diz que vivemos uma epidemia. Que há uma indústria inteira focada em capturar aquilo que cada um de nós tem de mais importante: nosso tempo e nossa atenção. Captura voluntária, feita com técnicas sofisticadas de inteligência artificial, uso de cookies, de clickbaits, aqueles conteúdos “caça-­cliques” com títulos do tipo “Dez vídeos que vão fazer você chorar”, e coisas do tipo. O tempo de atenção de cada indivíduo passou a ser milimetricamente monitorado. Se tornou, ele mesmo, o produto. Há um velho conceito de “liberdade como autodomínio” em jogo aí, e é precisamente isso, a retomada do controle sobre nossa própria atenção, que Williams enxerga como o “grande desafio da nossa época”.

A informação foi, no passado, um bem escasso. Em Relatos do Mundo, Tom Hanks faz o papel de um veterano da Guerra Civil que ganha a vida lendo notícias de jornal em teatros e igrejas nas pequenas cidades do Velho Oeste. A atenção, à época, era abundante, diante da informação rarefeita. A coisa hoje se inverteu. A informação se tornou abundante e a atenção, um recurso escasso. Acessamos muito mais informação do que precisamos. Ela vem de maneira caótica, em boa parte mesquinha, feita de qualquer besteira capaz de capturar nossa atenção.

“Há uma epidemia: uma indústria inteira querendo capturar nosso tempo”

Sempre me surpreendo com o oceano de informação irrelevante que toma conta do debate público. O acidente de moto do general Pazuello, a “quentinha” do Wagner Moura com os sem-teto, a última treta do Zé de Abreu com não sei quem. A lista dos trend topics do Twitter é um bom mostruário do besteirol infinito, mas está longe de ser o único. O resultado está aí. A política transformada em um exercício permanente de incomunicabilidade, em que cada um tem a sensação de ganhar alguma coisa, no curtíssimo prazo, e todos perdem, coletivamente.

O primeiro resultado da dispersão crônica é a perda do sentido de potência e realização pessoal. Tenho um amigo escritor que a cada dois anos passa um tempo numa pousada, no interior, escrevendo seus livros. Ele guarda o celular em um cofre e desliga seu acesso à internet. Ele entra em flow. Um estado de completa imersão no que está fazendo. Isso lhe dá um sentido de autodomínio e a sensação de que realmente está fazendo o que havia decidido fazer. O modo dispersivo dos meios digitais poderia tirar tudo isso dele. Em troca, lhe daria uma sucessão de recompensas de curto prazo, em geral inúteis.

Outro resultado são as microafetações de humor. Há uma tonelada de estudos que mostram a conexão direta entre o uso intensivo de redes sociais e o aumento da ansiedade e do estresse. A permanente comparação de sua vida real com a vida “editada”, dos outros; a raiva que dá, todas as manhãs, ao checar as opiniões do político que você odeia e dos queridos amigos que gostam dele. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Pittsburgh conduziu um amplo estudo identificando “uma significativa associação entre o uso das mídias sociais e o aumento da depressão”. Eu me lembrei da definição algo poética de Tim Wu sobre a liberdade: a possibilidade de “viver sem ansiedade”. No fundo é isso que está em jogo.

Sou vivido demais para acreditar que produziremos uma “solução coletiva” para esse problema todo. Que iremos disciplinar as redes sociais, que as big techs ajustarão seus algoritmos, ou que algum cometa cairá sobre a Terra e desligará a internet por duas ou três gerações. O mercado e o avanço tecnológico tratarão de despejar mais e mais informação sobre a nossa cabeça.

De modo que me permito deixar um conselho neste ainda quase início de ano: larguem um pouco a internet. Em especial, as mídias sociais. Há quem ganhe dinheiro com isso, mas não são muitos. A maioria só perde seu bem mais precioso: o tempo. Esse bem fugidio, que apenas vai escorregando, sem que a gente perceba, e cujo preço, no final, vem na conta de uma tristeza morna por tudo aquilo que deixamos de viver.

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2022, edição nº 2773

domingo, 29 de agosto de 2021

A restauração da diplomacia na gestão atual - Leonardo Lellis (Revista Veja)

 Política

Carlos França retoma pragmatismo no Itamaraty para reconstruir pontes

  • Após encontrar uma pasta contaminada pelos delírios ideológicos do bolsonarismo, chanceler tenta recuperar o diálogo com parceiros

Ainda na campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro fez uma das promessas que viria a descumprir assim que empossado no cargo: retirar o que considerava ser “viés ideológico” das relações exteriores do Brasil. Aconteceu exatamente o contrário. Nomeou Ernesto Araújo, que pautou a condução de sua política externa pelas teorias conspiratórias do escritor Olavo de Carvalho, priorizou relações com governos à imagem e semelhança de seu ideário ultraconservador e criou atritos com parceiros históricos até o ponto em que a sua permanência se tornou insustentável. Agora, o chanceler Carlos França, que se aproxima de completar cinco meses à frente do Itamaraty, tenta consertar o estrago. Ainda que empreendida de forma discreta, a mudança é sentida tanto nas questões internas quanto nos discursos e gestos de aproximação de países antes hostilizados. “O ministro trabalha para reconstruir as pontes que foram dinamitadas e recuperar o nível de confiança no Itamaraty”, obser­va Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington.

O sinal dos novos tempos foi dado já no discurso de posse, quando França se descolou do negacionismo do antecessor ao reconhecer a gravidade das crises ambiental e sanitária. Em um movimento interno, trocou o comando da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag). De respeitado órgão dedicado às questões acadêmicas, ele havia se tornado na gestão Araújo uma máquina de promover desinformação sobre a Covid-19 e espalhar boatos conspiratórios associando a China à disseminação da doença. As sandices foram tantas num passado recente que a Funag acabou entrando no radar das investigações da CPI da Pandemia. Cicerone de olavistas e suas teses nos eventos que promovia, o presidente Roberto Goida­nich foi exonerado por França.

FORA DO CIRCUITO - Eduardo Bolsonaro (em visita a Donald Trump) e o assessor Filipe Martins (abaixo, com o guru Olavo de Carvalho): eles perderam o espaço que tinham com Ernesto Araújo e a influência na política externa -
FORA DO CIRCUITO – Eduardo Bolsonaro (em visita a Donald Trump) e o assessor Filipe Martins (abaixo, com o guru Olavo de Carvalho): eles perderam o espaço que tinham com Ernesto Araújo e a influência na política externa – @bolsonaro.enb/Facebook; @filgmartin/Instagram

O movimento mais delicado até aqui envolveu afastar gradativamente do raio de influência do Itamaraty dois nomes de maior peso, a começar pelo assessor especial da Presidência, Filipe Martins, outro discípulo de Olavo. Nos tempos de Araújo, dizia-se que Martins, um dos mais empenhados na cruzada ultraconservadora, tinha mais poder que o próprio ministro e havia se tornado até um conselheiro influente do presidente. Hoje, França nem sequer o recebe em seu gabinete. Com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o ministro tem apenas uma relação protocolar. A frieza é recíproca: se cada gesto de Araújo era celebrado e replicado pela dupla para a horda de seguidores no Twitter, França não conta com a mesma deferência. Apesar disso, Martins e o filho Zero Três do presidente continuam com a pretensão de terem interlocução fora das fronteiras, mas hoje ela se resume a laços com o ex-­presidente americano Donald Trump e movimentos internacionais de direita — um exemplo é a organização da CPAC, evento de extrema direita que acontece nos dias 3 e 4 setembro em Brasília (e que terá entre os palestrantes o próprio Ernesto).

Com o afastamento da dupla e da influência olavista na pasta, diplomatas e servidores celebram nos corredores do Itamaraty que o clima de caça às bruxas tenha se dissipado. O mesmo alívio se nota nas relações com outros países. Foi França, por exemplo, quem convenceu o presidente a escrever uma carta a Joe Biden para reduzir as desconfianças em relação à política ambiental brasileira. Também são marcas dessa inflexão a posição em organismos internacionais. O país se absteve de votar pela abertura de investigação contra Israel por crimes de guerra em Gaza, aprovada no Conselho de Direitos Humanos da ONU, e para condenar o embargo econômico a Cuba. “Essas abstenções já representam uma guinada que seria inimaginável sob Ernesto Araújo”, diz o professor da FGV Guilherme Casarões, especialista em relações internacionais.

HISTÓRICO - Oswaldo Aranha: o brasileiro preside a Assembleia-Geral da ONU que definiu a partilha da Palestina em 1947 -
HISTÓRICO - Oswaldo Aranha: o brasileiro preside a Assembleia-Geral da ONU que definiu a partilha da Palestina em 1947 – Bettmann Archive/Getty Images

Considerando-se a lista de problemas criados pela gestão anterior, o maior trabalho até o momento tem sido normalizar as relações com a China, o principal parceiro comercial e alvo dos piores ataques de membros do governo, incluindo o próprio Araújo. “O diálogo está restabelecido e agora há mais boa vontade por parte da China, mas a desconfiança está plantada”, pondera o diplomata Valdemar Carneiro Leão, ex-embaixador em Pequim. O primeiro chanceler a receber um telefonema do novo ministro foi o chinês Wang Yi. “O embaixador da China no Brasil mantém contatos frequentes com o chanceler brasileiro, que tem reiterado que as relações com a China são uma prioridade da diplomacia brasileira e que o relacionamento bilateral é amplo, mutuamente benéfico e estratégico”, relata o porta-voz da embaixada chinesa, Qu Yuhui. Os dois países se preparam para promover, ainda neste ano, a reunião de cúpula da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). Entre representantes do agronegócio, a sensação é de otimismo por poder projetar um futuro com menos solavancos com o maior destino de nossas exportações. O mesmo se dá com o papel ativo que o Itamaraty passou a exercer na busca de imunizantes contra a Covid-19, ao contrário de Araújo. França se reuniu com o colega chinês na primeira reunião do Fórum Internacional sobre Cooperação em Vacinas.

Sob todos os aspectos e frentes, trabalho não falta. Mesmo a relação com aliados históricos está sendo refeita, como com a Argentina, onde o presidente Alberto Fernández tem a oposição de Bolsonaro desde a sua campanha. Existem questões práticas a resolver com os hermanos, como diminuir as resistências à redução da tarifa externa comum do Mercosul. Para avançar nas discussões, França se reuniu três vezes com Felipe Solá, ministro das Relações Exteriores argentino. No Senado, fonte das pressões que levaram à queda de Araújo, França também tenta recompor o diálogo. Já participou de duas reuniões convocadas pela senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores, que processou Ernesto por insinuar que ela fazia lobby em favor dos chineses — ela venceu.

OSTRACISMO - Ernesto Araújo: a atuação se resume a dar palestra para radicais -
OSTRACISMO - Ernesto Araújo: a atuação se resume a dar palestra para radicais – Evan Vucci/AP/Imageplus/.

O desafio maior do novo chanceler é avançar ainda mais nessa faxina diplomática, já que ele não pode contrariar frontalmente as diretrizes do Palácio do Planalto. “Não vejo como França será capaz de melhorar a posição do Brasil internacionalmente. Qualquer grande mudança terá de vir de Bolsonaro, e isso também provavelmente não terá credibilidade. A visão em Washington é a de que o Brasil hoje é mal administrado em muitas frentes e, provavelmente, incapaz de mudar enquanto Bolsonaro estiver na Presidência”, avalia o brasilianista Peter Hakim, presidente emérito do Diálogo Interamericano, instituição dedicada a discutir a América Latina.

Muito embora não possa ter sucesso na impossível tarefa de controlar o presidente, França tem a seu favor a proximidade que alcançou ao conviver com Bolsonaro quando era chefe de cerimonial do Palácio do Planalto. Não estimular os arroubos presidenciais e costurar nos bastidores já é um bom começo para que o Itamaraty retome um rumo mais razoável. A relevância histórica do Brasil na área de relações internacionais foi delineada desde que o Barão do Rio Branco atuou para definir as fronteiras do país e teve momentos grandiosos como o papel de Oswaldo Aranha na Assem­bleia-Geral da ONU em 1947 que definiu a partilha da Palestina e abriu caminho para o Estado de Israel. O que se espera é que o Itamaraty reencontre a sua história de respeito às outras nações e devolva ao Brasil o protagonismo que o país se esforçou por décadas para construir.

Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753