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quinta-feira, 6 de maio de 2021

Quem é Antonio Paim, o filósofo baiano - Guilherme Evelin (Revista Época, 2019)

Quem é Antonio Paim, o filósofo baiano que fez a cabeça do ministro da Educação

Paim é visto como um mestre pelos liberais-conservadores que passaram a orbitar em torno da Esplanada dos Ministérios
https://epoca.globo.com/quem-antonio-paim-filosofo-baiano-que-fez-cabeca-do-ministro-da-educacao-23361323
O professor Antonio Paim, guru do ministro da Educação, Ricardo Veléz Rodríguez Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
O professor Antonio Paim, guru do ministro da Educação, Ricardo Veléz Rodríguez Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Em seu discurso de posse no dia 2 de janeiro, em meio a críticas ao globalismo, ao pensamento gramsciano, ao marxismo cultural e à ideologia de gênero — o quarteto eleito como alvo preferencial dos ataques da ala ideológica do governo Jair Bolsonaro —, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, explicou que a “inspiração liberal-conservadora” de suas propostas educacionais, que pregam a recuperação dos valores culturais tradicionais e religiosos, vinha de “dois grandes educadores”: Antonio Paim e Olavo de Carvalho.

A ascendência do “guru da Virginia” — como Olavo de Carvalho passou a ser chamado pelos bolsonaristas — sobre o novo governo instalado em Brasília se tornou bem conhecida. Além de opinar a favor da escolha de Vélez Rodríguez para o Ministério da Educação, Carvalho também atuou pela nomeação do embaixador Ernesto Araújo para o Itamaraty. Menos alardeada, a influência das ideias de Paim é igualmente importante em setores do novo governo, e a figura do filósofo baiano é tão ou mais reverenciada que a de Carvalho.

Autor de obras como "Histórias das ideias filosóficas no Brasil" e "Evolução histórica do liberalismo", Paim é também tratado como um mestre pelos liberais-conservadores que passaram a orbitar em torno da Esplanada dos Ministérios. “Paim mostrou que a luta pelo sistema democrático-representativo e pluralista produz resultados humanamente mais aceitáveis que os sistemas cooptativos do antigo Leste Europeu, de Cuba, da Venezuela bolivariana e da China comunista”, disse o cientista político Paulo Kramer, que fez parte da equipe de transição do governo Bolsonaro e foi coautor de um livro com Paim e Vélez Rodríguez sobre o “novo patrimonialismo brasileiro”, publicado em 2015.

Para o cientista político Christian Lynch, professor da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, “Paim é autor de uma obra ciclópica e muito respeitável sobre a história das ideias filosóficas no Brasil, que é um clássico da área”. “A preocupação central em seus textos sobre o pensamento político brasileiro tem sido compreender as raízes do iliberalismo no Brasil, que ele acredita radicar numa incompreensão da questão da representação política”, acrescentou Lynch. “Nos últimos 20 anos, o prestígio do socialismo ou da social-democracia foi relegando alguns intelectuais a um lugar marginal na academia e na mídia, como se fossem dinossauros em extinção. Com o retorno do conservadorismo, depois de 30 anos, esses autores voltaram à voga.”

Prestes a completar 92 anos, Paim, nascido em Jacobina, no interior da Bahia, vive hoje numa casa de repouso particular para idosos, repleta de jardins e com um lago, no Jardim Bonfiglioli, bairro de São Paulo, às margens da Rodovia Raposo Tavares. ÉPOCA o encontrou lá em dois domingos, dia que ele reserva para ouvir música clássica, num quarto em que mantém uma TV, um computador e uma estante com seus livros e fotos de suas duas filhas. Paim precisa recorrer a um andador para se locomover, mas, em meio a alguns resmungos contra a velhice (uma m..., resume), ele se mantém bem-humorado, com uma conversa afiada e atualizado sobre tudo que ocorre com o governo Bolsonaro. 

O ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguez, na posse de seu cargo, cumprimenta seu antecessor Rossieli Soares Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil
O ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguez, na posse de seu cargo, cumprimenta seu antecessor Rossieli Soares Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Sua ligação mais direta com o novo governo é, claro, com Vélez Rodríguez, com quem falou, por telefone, para desejar sucesso no governo. O ministro da Educação foi seu aluno quando chegou ao Brasil na década de 70, com uma bolsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) para estudar pensamento brasileiro num curso ministrado por Paim na Pontifícia Universidade Católica (PUC) no Rio de Janeiro. Paim rememora, com prazer, como conheceu Vélez Rodríguez, colombiano de nascimento, depois naturalizado brasileiro. “No primeiro dia de aula, ele falou em América Latina. Eu disse a ele: Você ganhou uma bolsa para estudar pensamento brasileiro. Não me venha com conversa de América Latina, que isso não existe aqui’. Ele, ainda um garoto, não respondeu nada e ficou em pânico”, contou Paim, aos risos.

O mestre disse que depois o “discípulo” se mostrou de grande valor e fez uma pesquisa primorosa sobre o caudilho gaúcho Júlio Prates de Castilhos (1860-1903), prócer do começo da República brasileira. Castilhos ajudou na difusão do positivismo, doutrina filosófica importada da França com grande penetração entre os militares brasileiros e inspiração do lema “Ordem e Progresso”, inscrito na bandeira nacional. A pesquisa redundou depois no livro Castilhismo, uma filosofia da República, de Vélez Rodríguez. A obra bebe no pensamento de Paim. Para o filósofo, “o positivismo era um troço primitivo”, a República foi instalada no Brasil por meio de “um golpe de Estado” articulado por uma minoria e a derrubada da monarquia em 1889 foi “um retrocesso brutal que abortou a construção no país de instituições representativas democráticas” no modelo liberal inglês — para Paim, o ápice da civilização política.

Paim e Vélez Rodriguez também comungam a mesma ojeriza às ideias socialistas e ao que eles chamam de doutrinação marxista nas universidades brasileiras. Para o filósofo baiano, o “Brasil é o único país do mundo, além da França, onde o comunismo parece que não acabou”. Ele diz ainda que “um marxismo vagabundo” prolifera nos campi nacionais. “A USP é hostil ao pensamento brasileiro. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, órgão do Ministério da Educação responsável pela supervisão dos cursos de pós-graduação) está na mão dos comunas, dos marxistas. O MEC só dá passagem e bolsa para quem está na chave gramsciana. Se você não estudar Gramsci, você perde o emprego. É exatamente isso”, afirmou Paim, que considera Gramsci um “totalitário”. Ele manifesta a esperança de que o novo ministro “vai liquidar isso”. “Não tem cabimento dar ao Estado o poder de dar pontuação às instituições culturais”, afirmou Paim, referindo-se ao método usado pela Capes para avaliar a pós-graduação.

Mestre e discípulo têm uma velha pinimba com a Capes. Em 2009, Vélez Rodríguez publicou um artigo na imprensa em que acusou os “burocratas da Capes no setor de filosofia” de agir de forma persecutória, entre 1979 e 1999, para extinguir os cursos de graduação e pós-graduação em filosofia brasileira, um nicho de atuação de filósofos conservadores, considerados minoritários na academia brasileira.

Segundo Vélez Rodríguez, “uma guilhotina ideológica” ceifou esses cursos por eles serem considerados de direita. A ação teria sido comandada por antigos ativistas marxista-leninistas, seguidores do filósofo e padre jesuíta Henrique Claudio de Lima Vaz. Vaz era mentor, na década de 60, da Juventude Universitária Católica (JUC) e da Ação Popular (AP), uma corrente política de esquerda em que militaram, no passado, José Serra e Herbert de Souza, o Betinho, entre outros. Quase uma década depois de sua publicação, o artigo de Vélez Rodríguez continua a reverberar no mundinho acadêmico. Após sua nomeação para o Ministério da Educação, circulou um manifesto de professores de filosofia, assinado inclusive por Marilena Chauí, que rebate “as insídias” contra o padre Vaz.

A rixa de Paim e Vélez Rodríguez com os seguidores do padre Vaz dura décadas. Paim diz que foi “boicotado” por antigos militantes da AP, quando eles assumiram o Departamento de Filosofia da PUC do Rio de Janeiro no final da década de 70. Uma reforma foi feita na pós-graduação, e o curso de filosofia brasileira, de Paim, foi retirado do currículo. Quando textos do jurista e filósofo Miguel Reale — mestre de Paim e pai do ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff — foram retirados de uma antologia distribuída aos alunos, Paim publicou uma “denúncia” em forma de artigo no Jornal do Brasil.

A polêmica gerou meses de controvérsia na imprensa nacional e depois virou o livro "Liberdade acadêmica e opção totalitária". “Excluíram o Miguel Reale porque ele tinha sido integralista, o que é um absurdo. Eu tinha arrumado bolsas para os marxistas, em pleno governo militar, porque achava um absurdo a discriminação a eles, mas a convivência é difícil. Você não deve dar cargo de poder a eles, porque eles vão liquidar os outros. É da alma deles”, disse Paim.

Raul Landim, ex-diretor do Departamento de Filosofia da PUC, tem uma versão diferente. Disse que a exclusão do curso de filosofia brasileira estava relacionada a uma modernização do departamento para adequá-lo à realidade de outros cursos de filosofia no mundo. Da mesma forma, a antologia de textos distribuída aos alunos passou a incluir apenas filósofos considerados clássicos.

“Fui da AP, mas não sou marxista, como também não era o padre Vaz. Estávamos preocupados em melhorar a competência dos alunos, mas o Paim transformou tudo em questão ideológica”, disse a ÉPOCA Landim, hoje professor aposentado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na última terça-feira 8. A querela não terminou bem para ele. Seis meses depois, Landim e outros professores perderam seu emprego na PUC. Ele acha que a polêmica teve um efeito indireto em sua saída.

Apesar desse passado, Paim avalia que Vélez Rodríguez deve agir com prudência em sua faxina ideológica no Ministério da Educação. “Não pode generalizar. O Ministério da Educação tem muito funcionário decente. Não pode achar que tudo é marxista, tudo não presta, como os procuradores fizeram com a classe política. Não é bem assim”, afirmou. Perguntado sobre o Escola sem Partido, Paim disse que os professores devem adotar a mesma postura que ele tinha na sala de aula.

“Em meu tempo de professor, eu dava um curso sobre Kant (Immanuel Kant, filósofo alemão do final do século XVIII, considerado um dos pilares da filosofia moderna). Eu transmitia a eles como ler "A crítica da razão pura", mas não fazia doutrinação. Se eu fizesse isso, dizia a eles que podiam me criticar e me botar para fora”, afirmou. Paim disse que o curso de filosofia serve para ter conhecimento de todos os principais pensadores, inclusive Marx. Mas ressalva que Marx deve ser lido à luz da “complexidade do idealismo alemão”. Fora desse contexto, alertou, “marxismo vira bestialógico”.

Antes de virar um conservador e um anticomunista ferrenho, como ele próprio admite, Paim fez um caminho sinuoso. Foi ele próprio um comunista de carteirinha. Na juventude dos seus 20 e poucos anos, estudante no Rio de Janeiro, entrou no Partido Comunista do Brasil, o Partidão, entusiasmado com a União Soviética depois da Segunda Guerra Mundial. Achava que os soviéticos encarnavam a liberdade, que não existia na ditadura de Getulio Vargas.

Virou secretário de redação da Tribuna Popular, o jornal do partido, em que militava, entre outros, o poeta Carlos Drummond de Andrade. Durante o governo de Gaspar Dutra (1946-1951), num enfrentamento de jornalistas e gráficos que resistiram a bala a uma ação da polícia para fechar o jornal, levou um tiro que o deixou com um buraco na cabeça e foi condenado a sete anos de prisão. Foi enviado para uma casa de detenção, onde, segundo Paim, o diretor queria matá-lo. Paim contou que numa ocasião em que o diretor tentou pegá-lo com as mãos pelas grades da cadeia, reagiu e quase quebrou o braço do agente. Como punição, foi mandado para um cubículo numa solitária, onde ficou em condições degradantes. “O anticomunismo brasileiro era de um primarismo brutal. Uma pessoa com um mínimo de caráter ou enfrenta aquele negócio, ou se avacalha. Aí, eu virei comuna mesmo”, afirmou.

Depois de uma inspeção feita por uma Comissão da Câmara dos Deputados, Paim foi reconhecido como preso político e enviado para uma penitenciária onde, em condições melhores, cumpriu pena de dois anos e dois meses de prisão. Solto, virou dirigente do Partido Comunista. Em 1953, foi enviado para a União Soviética para estudar teoria leninista, na Universidade Lomonosov, em Moscou. Aprendeu a ler O capital, de Marx, em russo para traduzi-lo para o português. Paim disse que transformou-se em um “bolchevique sem alma, sem amigo, sem família, sem p... nenhuma, integrante de uma casta devotada à causa”.

Na Universidade Lomonosov, Paim, porém, apaixonou-se pela russa Margarita Anatolia Rodanov — que fazia a tradução simultânea para os brasileiros. Seus colegas comunistas não gostaram daquele namoro, porque achavam que atrapalhava as relações do Partido Comunista brasileiro com o soviético. Terminado o curso, Paim voltou para o Brasil, mas ficou poucos meses aqui antes de resolver voltar para a União Soviética para casar com Margarita.

“O amor foi um processo de humanização para mim”, declarou numa ocasião Paim, que disse ter sido salvo do comunismo pela paixão. Ele foi gradualmente afrouxando os laços com o partido. A ruptura final veio com a divulgação dos crimes de Stálin com o relatório Kruschev, de 1956, quando Paim ainda morava na União Soviética. “Fui eu que lutei para distribuir o relatório para o Partido Comunista brasileiro. Não dava para ficar no partido depois daquilo. Da minha geração, ninguém ficou”, contou Paim. O processo de desencanto daquela geração com o stalinismo é contado no livro "O retrato", de outro ex-comunista baiano, Osvaldo Peralva, que foi jornalista da Folha de S. Paulo. A reedição de 2015 de "O retrato" tem prefácio assinado por Paim. “A leitura de 'O retrato' pode contribuir para que pessoas de bom senso revejam esse tipo de opção”, escreveu o filósofo na apresentação. 

Depois de conseguir a autorização do regime soviético para que Margarita saísse da Rússia, Paim voltou para o Brasil com a mulher. Instalaram-se em Copacabana, no Rio de Janeiro, tiveram uma filha. Mas o casamento com Margarita, que traduziu Machado de Assis e fez um dicionário russo-português, durou pouco. Por volta de 1962, quando o Brasil já vivia o acirramento dos ânimos anticomunistas que culminaria no golpe militar contra o governo João Goulart em 1964, a russa resolveu voltar, com a filha, para a União Soviética, onde a mãe era uma dignitária do regime. Paim confessou ter ficado “desarvorado”. “Eu era muito agarrado a minha filha. Era um potocozinho”, disse Paim, que nunca mais a viu. Não é o único momento que usa da suavidade baiana para se referir a suas ligações com antigos camaradas e a Rússia soviética. “O povo russo é uma gente muito simpática, bonita, alegre. Sinto saudades deles, do período em vivi lá”, contou. Recentemente, disse ter descoberto a existência de duas netas na Rússia. Uma delas, volta e meia, lhe escreve e-mails em português — e torna a desaparecer.

O processo de saída do marxismo, disse Paim, foi igualmente penoso. “Uma coisa é sair do Partido Comunista, outra é sair do marxismo”, explicou. Ele fez a opção deliberada de “passar anos estudando para aprender” e conseguir o rompimento com a antiga ideologia. “O Fernando Henrique não fez isso e continuou se arrastando”, disse. Passou a estudar Kant com um engenheiro alemão, especialista na obra do filósofo. Com ele, disse Paim, fez “terapia kantiana” para se libertar do marxismo. A transição para o liberalismo conservador, brincou, foi igualmente “gradual, lenta e segura”. Por um tempo, flertou com a social-democracia. Contou que só virou liberal mesmo em meados da década de 70, depois de ter estudado como o liberalismo inglês se reformou, ao longo do século XIX, para tornar suas instituições políticas mais representativas.

Paim se disse animado com a perspectiva de dar maior consistência programática às várias propostas liberais que ganharam força nos últimos anos no Brasil. Disse ter o lido o programa do PSL, o partido de Bolsonaro, e o achou “muito bom”. Considera que o novo presidente “tem uma proposta liberal, sem dúvidas”, e que ele pode liquidar o PT, outro porta-voz do que ele chama de “marxismo vagabundo”. Mas mantém um certo ceticismo em relação aos resultados que podem ser alcançados pelo novo governo. “O Brasil elegeu um governo militar-liberal. Tem mais milico lá do que no tempo do Castello Branco. É um arranjo complicado. Você não pode dizer isso a priori, mas pode não dar certo. Depende muito da relação com o Congresso”, disse.

Em relação ao Brasil, Paim disse ter menos ilusões ainda. “Se não houver um cataclismo que mude sua base social, o Brasil jamais será um país desenvolvido”, afirmou. Adepto de uma filosofia que faz uma leitura culturalista das sociedades, ele acha que o obstáculo está relacionado a valores morais desenvolvidos nos tempos do período colonial, quando a Inquisição impediu que o país acompanhasse a Revolução Industrial. “No Nordeste, havia um dito: ‘Não herdou, não roubou, emerdou’. Isso mostra que o ódio ao lucro e à riqueza é um troço arraigado, profundo, no Brasil. A moral social é muito ruim. O grande obstáculo que impede a sociedade liberal no Brasil é a Igreja Católica. A Igreja Católica é hoje uma espécie de Partido Comunista”, disse Paim. Segundo ele, o máximo que o Brasil poderá aspirar em termos de participação da riqueza mundial será como país agroexportador, graças ao sucesso do agronegócio. “E PT Saudações”, completa ele, peremptório.


Rubens Ricupero: A longa jornada de reconstrução da imagem internacional do Brasil - Creomar de Souza (Canal MyNews)

Creomar de Souza resume o pensamento do embaixador Rubens Ricupero sobre a inexistência de qualquer pensamento estruturado sobre política externa no presente desgoverno, de qualquer visão estruturada do mundo, bem como a ausência completa de objetivos determinados para a diplomacia brasileira, tendo em conta a capacidade do Itamaraty e as oportunidades oferecidas pelo mundo ao Brasil. O desastre é claro, total e definitivo, enquanto durar o desgoverno. Excelente postagem. 

Paulo Roberto de Almeida


Diplomacia

A longa jornada de reconstrução da imagem internacional do Brasil

Nos últimos dois anos e meio, o poder argumentativo do Brasil, condutor da política externa, foi abandonado e substituído por leituras ideológicas da realidade internacional 
canal MyNews, 6 de maio de 2021 

O Embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero, em seu livro monumental “A Diplomacia na Construção do Brasil”, lembra que uma diplomacia, para ser eficaz, depende de três ingredientes essenciais: uma leitura correta da realidade internacional, a existência de uma visão de país, e a capacidade de compatibilizar as necessidades e interesses nacionais com o contexto e as possibilidades internacionais. Ricupero relembrou a fórmula em sua aula no curso sobre história da diplomacia organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Na ocasião, o Embaixador constatou que, nos últimos dois anos e meio, a nossa política externa ficou à deriva, justamente pela leitura totalmente equivocada da realidade internacional e a ausência de uma visão estratégica coerente de país.

O Embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero, autor do livro “A Diplomacia na Construção do Brasil”, de 2017.
O Embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero, autor do livro A Diplomacia na Construção do Brasil, de 2017. Foto: José Cruz (ABr).

Mesmo com a mudança recente de chanceler, que deu algum alento à nossa diplomacia, o conteúdo da política externa ainda carece daqueles três elementos para voltar ao leito tradicional de onde nunca deveria ter saído. Ao longo dos anos, argumenta Ricupero, o Brasil consolidou uma identidade ancorada nos interesses e valores do país. A nossa diplomacia projetou um país que se vê como fator de moderação, construção de consensos, construtor de pontes e amante da paz e do direito internacional. Ressalta Ricupero que Brasil não tomou esse caminho apenas por virtude, mas por absoluta necessidade. Desprovidos de poder militar e econômico, tivemos de usar a força do argumento em vez do argumento da força para perseguir objetivos nacionais, como é o caso da consolidação de nossas fronteiras.

Em dois anos e meio, contudo, parte importante do nosso poder brando – baseado no argumento, no conhecimento, na negociação e no exemplo – foi desperdiçado. Ao abandonar linhas mestras de nossa diplomacia e guiar-se por uma leitura ideológica da realidade internacional, o país saiu ao mundo em busca de monstros a destruir, e estes na verdade não passavam de moinhos de vento. Em nome da guerra cultural contra o comunismo globalista, perdeu-se a capacidade de enxergar a realidade dos interesses. Nossa diplomacia tomou um desvio feito de improvisações, queima de pontes, conflitos artificiais e oportunidades perdidas. Com isso, o prejuízo à reputação e à credibilidade do país podem ser irrecuperáveis no curto prazo. Afinal, sempre haverá a dúvida se o país não terá uma recaída, mesmo que volte a ter uma diplomacia normal no curto prazo.

Diante desse panorama, o mais urgente é reconstruir o que puder ser reconstruído, retomando a diplomacia pautada pela Constituição Federal. O presidente do Conselho de Relações Internacionais dos EUA, Richard Haas, tem um livro intitulado “A política externa começa em casa”. De fato, é muito difícil ter eficácia em política externa se o contexto doméstico for dominado por confusão, negacionismo, política ambientais destrutivas, desprezo por valores universais. Na ausência de um projeto de país capaz de galvanizar forças políticas diversas e a população, é impossível ganhar projeção internacional. Da mesma forma, é preciso que a identificação de tendências, desafios e oportunidades no campo internacional não seja ditada pelo sectarismo e por teorias conspiratórias sem base na realidade. É essencial ter uma visão das forças reais que movem o mundo, em busca de oportunidades para o crescimento, a prosperidade e a segurança dos brasileiros.

A ponte entre o projeto de país e a leitura sóbria da realidade internacional é uma diplomacia moderna, bem treinada, prestigiada e com capacidade de interlocução com a sociedade e com o Parlamento. A nossa política externa foi quase sempre profundamente “diplomática” porque prestigiou os organismos internacionais, a solução pacífica das controvérsias, o relacionamento diplomático universal e o direito. No entanto, a leitura ideológica do mundo e o caos interno que predominaram nos últimos anos tiveram como consequência a cristalização de uma política externa anti-diplomática.

Nossos diplomatas profissionais, coitados, foram instruídos a cortar diálogo com certos governos, protestar em cartas ridículas contra críticas na imprensa, enfim, tiveram de adotar o tom dos militantes, tomando partido em decisões e embates políticos de outros. A relutância em aceitar a vitória de Biden em nome da afinidade com Trump foi a cereja do bolo. Em síntese, parte de nossos diplomatas desaprenderam a fazer diplomacia. A reconstrução da nossa política exterior e da excelência da diplomacia exigirão um reaprendizado. Felizmente, há recursos humanos qualificados para se tocar essa obra, desde que disponham como argamassa de um diagnóstico pragmático do cenário internacional e um consenso mínimo sobre o país que queremos.

Sem lastro nem rumo (a política externa) - Maria Hermínia Tavares

Tem razão Maria Hermínia: não adianta muito, ou não adianta nada, ter um chanceler normal à frente da Casa de Rio Branco, sem que as diretrizes de política externa mudem claramente, ou sem que o dirigente último pare de atrapalhar com falas não só destrambelhadas como manifestamente prejudiciais ao país.

Paulo Roberto de Almeida

 Sem lastro nem rumo

Os atributos do Itamaraty estão longe de dar conta do necessário para reconstruir a imagem do país

Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo, 6.mai.2021 à 0h45

Em 29 de março passado, a insanidade finalmente deixou o Ministério das Relações Exteriores de braços dados com aquele que a alçara a princípio norteador da atuação internacional do país. A diplomacia brasileira parece ter encontrado a normalidade sob comando de um titular discreto e treinado nas boas práticas do ofício. Pelo menos tem as suas digitais o discurso do presidente na Cúpula de Líderes pelo Clima. Foi o seu primeiro pronunciamento para o mundo que não agrediu a língua ou a lógica, embora encharcado de compromissos mais que duvidosos.

Os atributos do Itamaraty, porém, estão longe de dar conta do necessário para reconstruir a imagem do país e a sua política externa. O prestígio que o Brasil conquistara lá atrás sucumbiu sob o peso do descalabro ambiental e da tragédia sanitária —ambos promovidos por um desgoverno que, de um lado, flerta com o ilícito devastador do patrimônio amazônico e ameaça as populações originárias; e, de outro, desorganiza a política de saúde e estimula comportamentos que só fazem agravar a pandemia.

Talvez as evidências mais claras de seus efeitos estejam nas falas dos eurodeputados, de esquerda e de direita, na recente sessão do Parlamento Europeu dedicada à crise da Covid-19 na América Latina. Desde os tempos da ditadura militar não se ouviam críticas tão implacáveis a Brasília—evidenciando que a reconstrução da imagem nacional dependerá mais do que de discursos e da boa praxe diplomática.

Políticas externas consequentes espelham, de uma forma ou de outra, os projetos que norteiam os objetivos nacionais e as políticas que lhes dão vida: o que se quer para o país dentro e além de suas fronteiras.

A ideia de uma nação democrática, menos pobre e iníqua, apta, enfim, a obter benefícios de suas trocas com o mundo vertebrou a diplomacia tanto dos governos do PSDB como do PT. A de Fernando Henrique, mais otimista em relação aos ganhos a extrair da globalização; a de Lula, mais inclinada aos arranjos entre países emergentes. Ambas dispostas a explorar estratégias multilaterais para fortalecer o protagonismo internacional do país e abrir oportunidades de crescimento interno.

O morador da “casa de vidro” não tem —nem nunca teve— projeto ou políticas que mereçam esses nomes. Seu alvo sempre foi destruir o que se logrou sob a democracia da Constituição de 1988; atiçar os ódios de que se nutrem os seus seguidores fiéis; disseminar preconceitos e crendices —e, naturalmente, beneficiar sua família e seus asseclas. Nada que sirva para dar lastro a uma política externa coerente, que dirá governar.



Itamaraty, em um mês, já mudou - Pedro Luiz Rodrigues (Diário do Poder)

 Itamaraty, em um mês, já mudou

Pedro Luiz Rodrigues  
Diário do Poder, 05/05/2021 às 16:18

Há pouco mais de um mês na chefia do Ministério das Relações Exteriores, Carlos Alberto França exorcizou de nossa diplomacia os discursos e as condutas excêntricas que muitos danos vinham causando ao País no cenário internacional.

Nesse curto espaço de tempo, França conseguiu reconduzir nossa política externa ao curso seguro do pragmatismo, do equilíbrio e do bom-senso. É conquista a ser comemorada, em particular por estar tendo lugar num governo ideologizado, propenso a excessos, inclusive verbais, contra países e dirigentes estrangeiros.

É o Brasil que ganha quando o comando do Itamaraty não é entregue a cabos eleitorais de alas ideologizadas dos extremos de nosso espectro político-partidário, cuja conduta não raramente é lesiva ao verdadeiro interesse nacional.

Nos governos do PT, poder desmesurado foi concedido a Marco Aurélio Garcia – para alguns, o chanceler “de fato” no período –  que desmantelou relacionamentos tradicionais e estabeleceu alianças capengas com governos ideologicamente afins, em alguma medida às custas do escancaramento dos cofres públicos.

Nos primeiros dois anos e três meses do Governo Bolsonaro, a condução da política externa foi também dividida com o Palácio do Planalto, no caso com Felipe Martins, o especialista internacional do PSL. O chanceler Ernesto Araújo foi um “yes-man”. Adepto fervoroso do olavismo, mais será lembrado pelos discursos obscuros que proferiu do que por seja lá pelo que tenha feito.

Nesta quinta-feira (6) o novo Chanceler fará exposição na Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal. Deverá reforçar as posições de equilíbrio e sensatez que foram as características de sua recente apresentação na Câmara dos Deputados. A conferir.

Pedro Luiz Rodrigues, diplomata e jornalista. Foi porta-voz do Itamaraty e diretor da sucursal de Brasília do jornal O Estado de S. Paulo.

https://diariodopoder.com.br/opiniao/itamaraty-em-um-mes-ja-mudou

O governo Bolsonaro está desmoronando - Celso Rocha de Barros (FSP, 3/05/2021)

Não tenho tanta certeza de que o governo esteja desmoronando. Pensei isso quando Sergio Moro pulou fora do barco, mas os bolsonaristas saíram rapidamente chamando o ex-juiz de "comunista", e se recompondo e continuando a atuar de forma quase normal.

Concordo com a maior parte do artigo, mas talvez não com este trecho: 
"O extremista Ernesto Araújo perdeu o Itamaraty e agora xinga o governo no Twitter."
Não tenho certeza de que o patético ex-chanceler acidental era um extremista, o que seria um pouco redutor para personalidade tão problemática. Para mim era um ultra-ideológico desequilibrado, incapaz de fazer de outra forma; talvez desesperado para ser aceito pelo bando de loucos, ignorantes, aloprados, e ele tinha de se rebaixar ao nível deles, para não demonstrar que os que mandavam nele eram idiotas terminais e cretinos fundamentais.
Paulo Roberto de Almeida

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Celso Rocha de Barros – O governo Bolsonaro está desmoronando

- Folha de S. Paulo

Resta-nos confiar no que ainda temos de burocracia profissional no país

No sábado (1º), velhos vacinados pelo Doria foram às ruas em apoio a Bolsonaro. Parabéns para os chineses: os manifestantes pareciam bem fisicamente, e seus evidentes problemas mentais eram claramente preexistentes.

Mesmo a maior manifestação, no Rio de Janeiro, não reuniu mais do que quatro ou cinco dias de brasileiros mortos durante a pandemia por culpa do governo Bolsonaro. Se a ideia era dizer “se tentarem derrubar Bolsonaro, terão de se ver conosco”, ninguém ficou assustado.

A demonstração de força dos bolsonaristas fracassou, mas o que interessa é que precisaram tentá-la. Eles sabem que Bolsonaro está perdendo.

O governo dos extremistas se desfaz a olhos vistos. Pela primeira vez na história, os chefes das Forças Armadas renunciaram conjuntamente em protesto contra o presidente da República. Logo depois, o Supremo Tribunal Federal tomou coragem e cumpriu seu dever constitucional obrigando o Senado a abrir a CPI do assassinato em massa. Bolsonaro manobrou para barrar a CPI, fracassou; manobrou para tirar Renan Calheiros da relatoria da CPI, fracassou.

A equipe econômica está se desintegrando em plena luz do dia, com demissão após demissão, uma fila puxada pelos melhores que só não termina em Guedes porque existe o inacreditável Adolfo Sachsida. O extremista Ernesto Araújo perdeu o Itamaraty e agora xinga o governo no Twitter. O vice-presidente Mourão deu uma entrevista ao jornal Valor Econômico em que declarou que não deve continuar na chapa na campanha da reeleição; defendeu, inclusive, a união em torno de uma terceira via para 2022.

Não há precedente para nada disso. Todo governo brasileiro que chegou perto desse ponto caiu antes de atingir esse grau de degeneração. E, no entanto, o governo Bolsonaro não cai.

No fundo, quem sustenta o governo Bolsonaro no momento é a Covid-19. O vírus impede manifestações de rua dos 70% do eleitorado que rejeitam Bolsonaro. E a mortandade causada pelo governo está tão fora de controle que as forças que poderiam organizar o impeachment não querem assumir responsabilidade pelo número imenso de mortes que Bolsonaro já contratou.

Mas se a Covid-19 segura Bolsonaro no Planalto, também impede que seu governo seja funcional, o que, sejamos honestos, já não seria fácil de qualquer maneira. O Brasil tem um grande problema de cuja solução depende a solução dos outros, a pandemia. Foi justamente esse o problema que Jair Bolsonaro desistiu de solucionar, porque já não comprou a vacina, já sabotou o isolamento social, e, a esta altura, não saberia corrigir-se se o quisesse.

Daí em diante, não há mais governo, só a mímica da rotina administrativa, a máquina rodando no vazio. A grande realização de Bolsonaro em 2021 foi aprovar o orçamento antes de maio.

Não há mais governo, e ninguém se dispõe a derrubar quem já desistiu de governar.

Resta-nos confiar no que ainda temos de burocracia profissional, no SUS, na Anvisa, nos governos estaduais, no Butantã, na Fiocruz. Que o medo da CPI pelo menos impeça Bolsonaro de continuar atrapalhando essa gente.

Minha aposta é que, depois do governo Bolsonaro, alguma palavra do português brasileiro entrará para as outras línguas como sinônimo de desastre.

Celso Pinto: um grande jornalista econômico - Cristiano Romero

Uma singela homenagem a um grande jornalista econômico. Excelente artigo de Cristiano Romero. 

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Cristiano Romero - Celso Pinto 

- Valor Econômico

Jornalista foi crítico implacável do populismo cambal

Quando os grupos Globo e Folha anunciaram em 1999 parceria para criar um jornal de economia, o Brasil começava a sair do pesadelo que atormentava a todos desde o início daquele ano. Entre nós, jornalistas, havia apenas uma certeza quanto ao matutino, batizado mais tarde de "Valor Econômico" e lançado em 2 de maio do ano 2000: o projeto editorial seria concebido e comandado por Celso Pinto..

O Valor começou a circular num desses momentos de otimismo da economia. Mas, não foi sempre assim. Primeiro plano a realmente suceder no combate à inflação crônica que nos assolava desde o fim da década de 1970, o Real viveu sua primeira grande crise no começo de 1999, após acentuada e desorganizada desvalorização da moeda nacional, lançada havia apenas cinco anos, em relação ao dólar.

Fracassos seguidos dos planos de estabilização de preços forjaram nos brasileiros a sensação de que jamais teríamos inflação baixa. Cidadãos com menos de 40 anos não sabem o que é viver num país onde a inflação de apenas um mês chegou a 82,39% (IPCA em março de 1990) e, num ano, a 2.477,15% (1993). Depois dos reveses dos planos Cruzado I e II (1986), Bresser (1987), Verão (1989) e Collor I e II (1990 e 1991), o Real, lançado em 1º de julho de 1994, quando começou a circular a nova moeda, tornou-se um sopro de esperança.]

Evidentemente, nada acontece por acaso. Como já foi revelado neste espaço, o plano Real se beneficiou em boa medida de iniciativas que a última equipe econômica do governo Collor, sob a liderança do então ministro da Economia, Marcílio Marques Moreira, vinha tomando como parte da formulação de um novo plano de estabilização.

Um dos legados deixados à turma que formulou o Real foi a acumulação de um montante razoável de reservas cambiais, necessárias para proteger o valor da futura moeda de flutuações excessivas, que prejudicassem o controle da inflação. De outra forma, pode-se dizer que as reservas se constituíam instrumento crucial para conter ataques especulativos à moeda, expediente muito em voga, na ocasião, devido à liberalização da conta de capitais, processo ao qual o Brasil aderiu em 1991.

A liberalização da conta de capitais não tem duas faces, como pode parecer neste raciocínio. Trata-se de algo necessário, ponto. Sem isso, não acumularíamos reservas cambiais, que adiante se mostraram decisivas para o controle da inflação, e só teríamos acesso novamente a investimentos financeiros e produtivos se recorrêssemos a limitadas fontes multilaterais e bilaterais de crédito.

O sucesso do Plano Real se deve ao engenho de três economistas que participaram do Cruzado em 1986 - Persio Arida, André Lara Resende e Edmar Bacha - e de Gustavo Franco, então um jovem professor da PUC-Rio. Não se deve menosprezar, de forma alguma, o papel dos ex-ministros da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, Rubens Ricupero e Ciro Gomes, assim como o de profissionais como Murilo Portugal e Clóvis Carvalho.

Ainda assim, como disse Nelson Rodrigues, "toda unanimidade é burra". Diretor do BC responsável pela política cambial nos primeiros meses de circulação do real, Gustavo Franco constatou que a queda da abrupta da inflação melhorou radicalmente o humor de investidores em relação ao Brasil. Isso se traduziu num forte fluxo de capitais para o país.

Por essa razão, o real chegou a valer, no início de sua existência, "mais" que o dólar. Essa valorização teve dois efeitos: como os empresários fixavam seus preços com base no comportamento do dólar, a apreciação do câmbio "quebrou" a lógica da indexação existente na economia; o dólar barato, por sua vez, estimulou as importações, processo que também concorreu para moderar a alta dos preços internamente.

No entanto, em apenas cinco meses, o país voltou a ter saldos negativos significativos na balança comercial, reacendendo uma velha polêmica - a de que o Brasil, por não produzir poupança, está sempre fadado a sofrer crises cambiais.

Dentro da equipe econômica, o que se viu entre 1995 e 1999 foi intenso debate sobre os riscos de manutenção do real apreciado. A taxa de câmbio, que nos primeiros meses era flutuante, tornou-se quase-fixa em 1995, variando muito pouco nos anos seguintes. Consolidou a queda da inflação a patamares jamais vistos _ 1,37% em 1998 _, mas gerou rombos insustentáveis nas contas externas e públicas (num dado momento, para dar aos investidores a garantia de que o real seguiria valorizado, o governo emitiu centenas de bilhões de reais em papéis atrelados ao câmbio).

Em 1994, como revelou Persio Arida, Celso Pinto foi convidado a trabalhar na equipe econômica, não como assessor de imprensa, mas como uma testemunha de todo o processo de formulação do plano, em seu nascedouro, e durante os primeiros anos da nova experiência de estabilização. O compromisso era que, adiante, Celso escrevesse um livro.

Celso recusou a oferta porque, como relata Persio na apresentação de "Os Desafios do Crescimento: dos Militares a Lula" (Letras & Lucros, Publifolha e Valor Econômico, 2007), livro com colunas escritas pelo jornalista, optou por preservar sua independência e "ser percebido como um jornalista desvinculado de qualquer projeto político, por melhor que fosse".

Foi melhor assim. Do lado de cá da trincheira, Celso se tornou nos primeiros anos do Real um crítico implacável da política cambial que, amparada por juros estratosféricos, foi usada como âncora da estabilização de preços. Em janeiro de 1999, após rodada de crises na Ásia pouco mais de um ano antes e da moratória da Rússia em agosto de 1998, a realidade se impôs e o mercado derrubou as proteções do real, provocando desvalorização que fez os brasileiros acreditarem, mais uma vez, que a inflação não era apenas uma questão macroeconômica a ser enfrentada, mas uma maldição.

Celso era apaixonado por notícias de qualquer área. Para ele, não havia conversa jogada fora, em tempo algum. "Apure isso", "por que você não escreve isso?", indagava a seus repórteres. Apaixonado pelo que fazia, curiosamente, não devotava paixões por escolas de pensamento econômico. Dele não podia se dizer "é liberal" ou "é heterodoxo" ou "é nacional-desenvolvimentista".

O que guiava o jornalismo do Celso era a racionalidade e o respeito à aritmética, à Sua Excelência, o Fato, e à inteligência própria e alheia. Ao criar o "Centro Celso Pinto", o Insper deu grande contribuição ao debate de ideias num país tão carente de discussões sérias e racionais em prol do bem comum. Mais: homenageou o jornalismo econômico feito por aqui e saudou a liberdade de expressão, pilar da democracia.


quarta-feira, 5 de maio de 2021

Aviso aos navegantes: alerta contra um empreendimento OPORTUNISTA: Brazilian Journal of Development, máquina de sugar dinheiro de incautos

Recebi a mensagem abaixo (em itálico, in fine) em meu e-mail pessoal, convidando-me a publicar nessa revista um texto meu, que nem é artigo, como eles anunciam, e sim mera apresentação de Grupo de Pesquisas no Uniceub, onde sou professor.

Se eu concordar em "publicar" o meu texto, que já está disponível neste link: 

3823. “Desafios a um Brasil Global: reflexões do Grupo de Pesquisas no UniCEUB”, Brasília, 16 dezembro 2020; Apresentação oral e via transmissão online disponível no formato do YouTube, com respostas a questões enunciadas da audiência (link: https://www.youtube.com/watch?v=umLfEQSS0Oc&feature=youtu.be). Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/44721231/3823_Desafios_a_um_Brasil_Global_reflexoes_do_Grupo_de_Pesquisas_no_UniCEUB_2020_).

eu ainda TERIA DE PAGAR R$ 490,00, pelo "privilégio" duvidoso de ter meu nome associado a um EMPREENDIMENTO OPORTUNISTA.

O pior é que junto com esse texto meu – que eles dizem que avaliaram e se tratava de um bom artigo – eles me mandaram mais dois e-mails semelhantes, para artigos que NÃO SÃO MEUS: 

1) Parabenizo pelo excelente artigo: “A EFICIÊNCIA DAS MEDIDAS DA POLÍTICA PÚBLICA FEDERAL DE INCENTIVO À MANUTENÇÃO E À CRIAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19”...

2) Parabenizo pelo excelente artigo: “A REFORMA INCOMPLETA DO DIREITO SINDICAL BRASILEIRO: O ESTRANGULAMENTO DO SINDICATO BRASILEIRO”, ...

     Minha recomendação: APAGUEM e DENUNCIEM essas mensagens oportunistas, destinadas a arrancar dinheiro de acadêmicos incautos.

Paulo Roberto de Almeida

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Prezados autores,

Parabenizo pelo excelente artigo: “DESAFIOS A UM BRASIL GLOBAL: REFLEXÕES DE UM GRUPO DE PESQUISAS NO UniCEUB”, publicado no “III Simpósio Internacional d e Pesquisa e XVIII Encontro de Iniciação Cienti¬fica do UniCEUB 2020”

Neste sentido, convidamos você a publicar seu artigo na revista Brazilian Journal of Development, revista avaliada pelo novo Qualis Capes único como B2, em 2019, e indexada em diversas bases como Latindex e Clase. O novo qualis ainda não foi atualizado na plataforma sucupira, mas você pode obter a listagem completa em: ou http://www.ppc.uem.br/qualis-2019 ou no aplicativo Chrome Qualis: 

Nossa revista pode ser acessada em seu site: 
https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD. Todos os artigos publicados recebem o seu identificador DOI. Nossa empresa é a Brazilian Journals Publicações de Periódicos e Editora Ltda., CNPJ n. 32.432.868/0001-57, e nossa revista está vinculada a Faculdade da Indústria da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP), além de ser a revista de divulgação oficial de trabalhos acadêmicos da Associação Comercial de São José dos Pinhais (ACIAP).

O critério de seleção de seu artigo, que já foi analisado e considerado como aprovado pelo nosso conselho editorial, baseou-se na relevância do seu trabalho e na contribuição que ele tem no campo de estudo abordado.
Em função do corte de recursos para a pesquisa nos últimos anos, a revista não possui apoio financeiro público. Assim, optou-se em solicitar a contribuição financeira de R$ 490,00 por artigo a ser publicado, destinada aos custos de diagramação, formatação, registro do DOI e manutenção da revista, contribuição a qual deve ser feita por meio de depósito bancário ou Paypal (cartão de crédito).

Aceitando o convite, basta responder este e-mail informando o interesse e o tipo de pagamento escolhido. As demais informações serão enviadas na sequência. Não há necessidade de formatar o artigo, a revista possui editores responsáveis para este fim. A revista é de fluxo contínuo para recebimento e publicação dos artigos, portanto, assim que os artigos são formatados e diagramados, estarão disponíveis online.
Em caso de dúvidas, estamos à disposição pelos telefones: (41) 3534-7401 ou
(41) 99591-3404 (trabalhamos com WhatsApp neste número).

Prof. Dr. Edilson Antonio Catapan
Editor-Chefe
Brazilian Journal of Development


US Dollar Share of Global Foreign Exchange Reserves Drops to 25-Year Low - Serkan Arslanalp and Chima Simpson-Bell (FMI)

 US Dollar Share of Global Foreign Exchange Reserves Drops to 25-Year Low

By Serkan Arslanalp and Chima Simpson-Bell

The share of US dollar reserves held by central banks fell to 59 percent—its lowest level in 25 years—during the fourth quarter of 2020, according to the IMF’s Currency Composition of Official Foreign Exchange Reserves (COFER) survey. Some analysts say this partly reflects the declining role of the US dollar in the global economy, in the face of competition from other currencies used by central banks for international transactions. If the shifts in central bank reserves are large enough, they can affect currency and bond markets.

Our Chart of the Week looks at the recent data release from a longer-term perspective. It shows that the share of US dollar assets in central bank reserves dropped by 12 percentage points—from 71 to 59 percent—since the euro was launched in 1999 (top panel), although with notable fluctuations in between (blue line). Meanwhile, the share of the euro has fluctuated around 20 percent, while the share of other currencies including the Australian dollar, Canadian dollar, and Chinese renminbi climbed to 9 percent in the fourth quarter (green line).

chart

 

Exchange rate fluctuations can have a major impact on the currency composition of central bank reserve portfolios. Changes in the relative values of different government securities can also have an impact, although this effect would tend to be smaller since major currency bond yields usually move together. During periods of US dollar weakness against major currencies, the US dollar’s share of global reserves generally declines since the US dollar value of reserves denominated in other currencies increases (and vice versa in times of US dollar strength). In turn, US dollar exchange rates can be influenced by several factors, including diverging economic paths between the United States and other economies, differences in monetary and fiscal policies, as well as foreign exchange sales and purchases by central banks.

The bottom panel shows that the value of the US dollar against major currencies (black line) has remained broadly unchanged over the past two decades. However, there have been significant fluctuations in the interim, which can explain about 80 percent of the short-term (quarterly) variance in the US dollar’s share of global reserves since 1999. The remaining 20 percent of the short-term variance can be explained mainly by active buying and selling decisions of central banks to support their own currencies.

Turning to this past year, once we account for the impact of exchange rate movements (orange line), we see that the US dollar’s share in reserves held broadly steady. However, taking a longer view, the fact that the value of the US dollar has been broadly unchanged, while the US dollar’s share of global reserves has declined, indicates that central banks have indeed been shifting gradually away from the US dollar.

Some expect that the US dollar’s share of global reserves will continue to fall as emerging market and developing economy central banks seek further diversification of the currency composition of their reserves. A few countries, such as Russia, have already announced their intention to do so.

Despite major structural shifts in the international monetary system over the past six decades, the US dollar remains the dominant international reserve currency. As our Chart of the Week shows, any changes to the US dollar’s status are likely to emerge in the long run.

Serkan Arslanalp is Deputy Division Chief in the Balance of Payments Division of the IMF’s Statistics Department. 

Chima Simpson-Bell is an Economist in the IMF’s Statistics Department.

Centro de Estudos Globais do IRel-UnB, mini-cursos e palestra de Paulo Roberto de Almeida

 

Centro de Estudos Globais - Universidade de Brasília

enviou uma mensagem sobre o evento:
Organizado por: Centro de Estudos Globais - Universidade de Brasília
Data: segunda, 26 de abril de 2021, 16h00 - 18h00
Local: Videoconferência via Sympla Streaming

Olá,

Nós agradecemos o seu interesse pela palestra "Relações econômicas externas e inserção econômica internacional do Brasil", proferida pelo Embaixador Paulo Roberto de Almeida em 26/04. O objetivo da mensagem é apresentar as nossas atividades, por meio do nosso website (http://www.estudosglobais.net). 


Palestra neste linkhttps://www.youtube.com/watch?v=_6HyhBtmkNc

Aproveitamos também para informar que há poucas vagas disponíveis para o curso "Escrever e Publicar um Artigo Científico - técnicas, roteiros e dicas para a publicação competitiva" (https://bit.ly/31Tdowh). O curso é uma iniciativa da nossa Revista Brasileira de Política Internacional, tem 20 horas de duração e se iniciará no próximo dia 24/05.



O Ocidente inseguro e a China em ascensão - Paulo Roberto de Almeida

 Uma reflexão sobre as incertezas ocidentais quanto à postura da China no sistema internacional numa conjuntura de alteração dos equilíbrios econômicos existentes nos últimos séculos 

Paulo Roberto de Almeida

É simplesmente FALSO que a China represente uma AMEAÇA a princípios e valores das democracias de mercado e às instituições do multilateralismo contemporâneo, como se o governo autocrático do PCC quisesse demolir as democracias existentes atualmente, ou como se a China estivesse desmantelando a ordem mundial criada por elas desde Bretton Woods. 

É uma grande HIPOCRISIA dos EUA transformar sua arrogância (hubris) e paranoia por motivos de um declinio relativo (ou perda de preeminência hegemônica absoluta) em mobilização de outras democracias avançadas num esforço coletivo para se CONTRAPOR aos progressos econômicos e tecnológicos da China. 

Quanto aos avanços militares da China, eles não se destinam a implantar o comunismo no mundo, mas a evitar que a nação chinesa seja novamente humilhada, como foi no passado, por outras potências dominantes.

O mundo ganharia muito, em especial os países em desenvolvimento, se houvesse total abertura econômica, liberalização comercial, disposição para a complementaridade real das grandes economias na divisão mundial do trabalho e no reforço das instituições multilaterais em prol de investimentos em capital humano nos países mais pobres (que são os que estão na origem das “exportações” indesejadas de seus excentes demográficos miseráveis para os países ricos).

É um EQUÍVOCO dos EUA e de outros parceiros avançados essa atitude confrontacionista vis-à-vis a China, quando ela não é uma potência “revisionista”, como foram os militarismos fascistas expansionistas da primeira metade do século XX, ao prosseguir em sua estratégia de plena inserção no status quo atual, que foi justamente criado pelas grandes potências democráticas de mercado ao favorecerem o multilateralismo, a globalização, o livre comércio e a exportação de capitais. 

Trata-se também de uma arrogância típica de países ocidentais seguros de seus valores e princípios fundamentados em regimes democráticos e nos direitos humanos achar que a China deva ter um sistema político que seja um reflexo dos seus.

Paulo Roberto de Almeida

Brasilia, 5 de maio de 2021


Postura anti-China dos ideólogos bolsonaristas dificultou combate à pandemia: ex-ministro Mandetta

 Mandetta responsabiliza Eduardo Bolsonaro e Itamaraty por dificuldade em negociar insumos com a China

Na época, o chanceler brasileiro era Ernesto Araújo, que pertencia à ala ideológica do governo
Por Renan Truffi e Vandson Lima, Valor — Brasília
Valor Econômico, 04/05/2021 

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) responsabilizou o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) pelas dificuldades do governo brasileiro em negociar insumos com a China, durante a primeira onda do coronavírus.

Mandetta falou sobre o assunto hoje em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia. Na época, o chanceler brasileiro era Ernesto Araújo, que pertencia à ala ideológica do governo.

"Eu tinha dificuldades, por exemplo, nas relações com a China. Eu tinha um Ministério de Relações Exteriores que eu precisava muito porque eu era dependente de insumos que estavam na China, insumos que eu tinha que trazer para dentro do Brasil. Então, era mais do que necessário que nós tivéssemos um bom diálogo com a China. Tinha dificuldade com o ministro de Relações Exteriores. O outro filho do Presidente que é deputado, o Eduardo, tinha rotas de colisão com a China, através do Twitter, mal-estar", contou.

Segundo Mandetta, os filhos do presidente impediram que ele se reunisse com o embaixador da China, Yang Wanming, no Palácio o Planalto. "Eu fui até certo dia ao Palácio do Planalto, e eles estavam todos lá, os três filhos do presidente, e mais assessores que são assessores de comunicação. Disse a eles: 'Olha, eu preciso conversar com o embaixador da China, eu preciso que ele nos ajude, pedir uma reunião com ele. Posso trazer aqui?'. 'Não, aqui não'. Acabei fazendo por telefone. Eu ia fazer essa reunião na Opas, que é um mecanismo internacional. Isso era difícil", explicou.

Após essa afirmação, o ex-ministro foi questionado pelo vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), se existia uma "oposição" ao diálogo com os chineses. "Existia uma dificuldade de superar essas questões", respondeu Mandetta. Ele deu a entender que essa "dificuldade" foi motivada por influência do ex-presidente norte-americano Donald Trump.

"No início [da pandemia], há uma viagem do presidente para a Flórida, e ele encontra o presidente Trump. Era um momento em que o Trump chamava o vírus de vírus chinês, havia um mal-estar da China com os Estados Unidos, e aqui, de alguma maneira, fazia-se esse tipo de conflitos com a China, que eu achava, naquele momento, que dificultava muito a boa vontade. Por isso eu fui até a Embaixada [da China], por isso eu liguei pedindo pessoalmente que eles ajudassem", complementou.

https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2021/05/04/mandetta-responsabiliza-eduardo-bolsonaro-e-itamaraty-por-dificuldade-em-negociar-insumos-com-a-china.ghtml