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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quinta-feira, 5 de setembro de 2024

O Brasil e a proposta de expansão do Brics - Maria Hermínia Tavares

 

Maria Hermínia Tavares - O Brasil e a proposta de expansão do Brics

Folha de S. Paulo

Com a ampliação de 2023, a que o Brasil resistiu, grupo perdeu nitidez de propósitos

Mudanças importantes em curso na cena internacional propõem desafios inéditos para a política externa brasileira e exigem revisão das visões e estratégias que a caracterizaram ao longo de muitas décadas. Um desses desafios é decidir o que fazer com o Brics diante da segunda ampliação do bloco proposta por China e Rússia.

Durante 14 anos, o grupo foi formado pelos quatro países que o fundaram em 2009 e lhe deram o nome —Brasil, Rússia, Índia e China— mais a África do Sul, que a ele se juntou logo depois, daí o S final da sigla.

No ano passado, incorporou cinco novos membros, nenhum conhecido por praticar a democracia.

Com a ampliação, a que o Brasil resistiu, o Brics ganhou em participantes o que perdeu em nitidez de propósitos. A vingar a proposta ora em discussão, seriam admitidas mais 34 nações da Ásia, África, Oriente Médio e América Latina (Venezuela, Honduras, Cuba e Nicarágua) com níveis díspares de desenvolvimento e distintas formas de governo autocrático.

Ora em dieta de engorda, o bloco surgiu da convergência de países emergentes —com ambições globais— em torno do compromisso de buscar uma arquitetura econômica internacional mais aberta e menos dominada pelos países norte-ocidentais. Tratava-se de apoiar os esforços do G20 para lidar com a crise global e reformar as instituições financeiras multilaterais de regulação econômica, em especial o FMI e o Banco Mundial.

Em suma, o Brics seria uma ferramenta para dar vez e voz a seus criadores ali onde são tomadas as decisões que contam para a economia mundial.

Considerado pelo professor Oliver Stuenkel (FGV-SP) como uma das duas mais importantes inovações na governança global neste século —a outra seria o G20—, o Brics, contra muitas previsões pessimistas, logrou se institucionalizar.

Suas vitórias foram escassas no que respeita a reformas das instituições financeiras multilaterais.

Maiores foram os êxitos no interior do bloco: adensamento das relações bilaterais; estabelecimento de diferentes formas de cooperação; criação do Novo Banco do Desenvolvimento —o chamado Banco do Brics. O Brasil se beneficiou de muitas maneiras do intercâmbio adensado com os parceiros.

Por outro lado, a disparidade de nascença em matéria de recursos de poder entre a China e os demais membros do grupo —que só aumentou com o tempo— colocou-o diante de dois cenários possíveis: um, funcionar como uma coalizão de nações que buscam mais protagonismo no âmbito da ordem internacional existente; outro, transformar-se em mais um instrumento da ascensão da China à condição de grande potência.

O aumento do bloco em 2023 e a atual proposta de inclusão de novos membros aponta na direção do segundo cenário. Não há o que explique a escolha dos 34 candidatos a membro, salvo a intenção de promover o Brics a pilar de sustentação de uma ordem internacional pós-ocidental liderada pela China.

Nessa nova ordem, há ganhos comerciais e econômicos para o Brasil e os outros parceiros do bloco. Mas dificilmente —e por razões óbvias— haverá espaço para que floresçam a democracia, a liberdade e os direitos individuais.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Putin será um visitante inconveniente - Maria Hermínia Tavares Folha de S. Paulo


Putin será um visitante inconveniente 

Maria Hermínia Tavares 

Folha de S. Paulo,  quinta-feira, 4 de abril de 2024

Autocrata pode ser preso em qualquer dos 124 países signatários do Estatuto de Roma

O governo brasileiro parece buscar uma gambiarra jurídica que permita a entrada no país do chefe do governo russo, Vladimir Putin, para participar da cúpula do G20 no final do ano, em plena igualdade de condições com os seus 19 homólogos.

Condenado pelo TPI (Tribunal Penal Internacional) por crimes de guerra na Ucrânia, o autocrata do Kremlin pode ser preso em qualquer dos 124 países signatários do Estatuto de Roma, que deu origem àquela corte.

O Brasil, que bem fez ao incluir explicitamente a defesa dos direitos humanos entre os princípios de política externa arrolados na Constituição, assinou aquele texto civilizatório; logo, ao menos em tese, está obrigado a cumprir as decisões do TPI.

O compromisso com o acatamento daqueles direitos veio se somar a princípios mais antigos, a exemplo da adesão ao multilateralismo como valor e a participação ativa em organismos internacionais nele inspirados; a aposta na solução pacífica dos conflitos internacionais; o universalismo nas relações diplomáticas; e a não- ingerência em assuntos internos de outras nações. Em conjunto, norteiam a sua política externa.

Respeitáveis em si, tais princípios nem sempre caminham em harmonia, ao contrário do que imaginam aqueles que acreditam que todas as coisas boas andam juntas. A defesa dos direitos humanos, desrespeitados em determinado país, pode se chocar com interesses econômicos ou geopolíticos que recomendam a Brasília fechar os olhos a transgressões praticadas por parceiros. O cumprimento de normas internacionais definidas em âmbito multilateral pode demandar gestos incompatíveis com a disposição de manter boas relações com todos os países.

Não há fórmulas prontas para resolver conflitos dessa natureza. Cabe às autoridades de turno decidir quais princípios ficarão de molho, em face do que imaginem ser o melhor para o país.

Esse é o dilema do governo Lula. Sabe-se perfeitamente bem quem é Putin: um czar sem coroa que manda assassinar opositores, controla os meios de comunicação, conduz uma guerra de conquista na Ucrânia, tendo sido condenado pelo TPI por crimes contra a humanidade ali cometidos. Também resta claro como o dia que a Rússia de Putin joga água no moinho dos populismos de direita em ascensão nos quatro cantos do planeta.

Difícil imaginar que a fidelidade aos princípios da não- ingerência, os interesses econômicos que aproximam o Brasil da Rússia ou a vontade de desfilar autonomia perante as potências do Ocidente democrático consigam contrabalançar os prejuízos – internos e externos – de receber visitante tão inconveniente.


quinta-feira, 6 de maio de 2021

Sem lastro nem rumo (a política externa) - Maria Hermínia Tavares

Tem razão Maria Hermínia: não adianta muito, ou não adianta nada, ter um chanceler normal à frente da Casa de Rio Branco, sem que as diretrizes de política externa mudem claramente, ou sem que o dirigente último pare de atrapalhar com falas não só destrambelhadas como manifestamente prejudiciais ao país.

Paulo Roberto de Almeida

 Sem lastro nem rumo

Os atributos do Itamaraty estão longe de dar conta do necessário para reconstruir a imagem do país

Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo, 6.mai.2021 à 0h45

Em 29 de março passado, a insanidade finalmente deixou o Ministério das Relações Exteriores de braços dados com aquele que a alçara a princípio norteador da atuação internacional do país. A diplomacia brasileira parece ter encontrado a normalidade sob comando de um titular discreto e treinado nas boas práticas do ofício. Pelo menos tem as suas digitais o discurso do presidente na Cúpula de Líderes pelo Clima. Foi o seu primeiro pronunciamento para o mundo que não agrediu a língua ou a lógica, embora encharcado de compromissos mais que duvidosos.

Os atributos do Itamaraty, porém, estão longe de dar conta do necessário para reconstruir a imagem do país e a sua política externa. O prestígio que o Brasil conquistara lá atrás sucumbiu sob o peso do descalabro ambiental e da tragédia sanitária —ambos promovidos por um desgoverno que, de um lado, flerta com o ilícito devastador do patrimônio amazônico e ameaça as populações originárias; e, de outro, desorganiza a política de saúde e estimula comportamentos que só fazem agravar a pandemia.

Talvez as evidências mais claras de seus efeitos estejam nas falas dos eurodeputados, de esquerda e de direita, na recente sessão do Parlamento Europeu dedicada à crise da Covid-19 na América Latina. Desde os tempos da ditadura militar não se ouviam críticas tão implacáveis a Brasília—evidenciando que a reconstrução da imagem nacional dependerá mais do que de discursos e da boa praxe diplomática.

Políticas externas consequentes espelham, de uma forma ou de outra, os projetos que norteiam os objetivos nacionais e as políticas que lhes dão vida: o que se quer para o país dentro e além de suas fronteiras.

A ideia de uma nação democrática, menos pobre e iníqua, apta, enfim, a obter benefícios de suas trocas com o mundo vertebrou a diplomacia tanto dos governos do PSDB como do PT. A de Fernando Henrique, mais otimista em relação aos ganhos a extrair da globalização; a de Lula, mais inclinada aos arranjos entre países emergentes. Ambas dispostas a explorar estratégias multilaterais para fortalecer o protagonismo internacional do país e abrir oportunidades de crescimento interno.

O morador da “casa de vidro” não tem —nem nunca teve— projeto ou políticas que mereçam esses nomes. Seu alvo sempre foi destruir o que se logrou sob a democracia da Constituição de 1988; atiçar os ódios de que se nutrem os seus seguidores fiéis; disseminar preconceitos e crendices —e, naturalmente, beneficiar sua família e seus asseclas. Nada que sirva para dar lastro a uma política externa coerente, que dirá governar.