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domingo, 10 de março de 2024

Brasil poderia deslanchar, mas Lula põe empresários na defensiva, diz Edmar Bacha - Cristiano Romero (Brazil Journal)

 A mais importante entrevista da atualidade politica e econômica brasileira. (PRA)


Brasil poderia deslanchar, mas Lula põe empresários na defensiva, diz Bacha

Cristiano Romero

Brazil Journal, 10 de março de 2024 


Eleitor de Lula no pleito de 2022, o economista Edmar Bacha diz que o Brasil tem oportunidades “extraordinárias,” mas não as está aproveitando por falta de confiança de empresários e investidores na economia.

E todo mundo sabe o que está gerando este clima: o próprio comportamento e as decisões do Presidente. 

“Lula ainda tem na cabeça que o Estado deve forçar o investimento das empresas e usar seus instrumentos para fazer com que isso aconteça,” Bacha disse nesta entrevista ao Brazil Journal.

É o caso da Vale, que Lula e trata como se ainda fosse estatal apesar de ter sido privatizada há 26 anos. 

O economista diz que o ministro do Trabalho “age como um sindicalista dos anos 1930” ao tentar regular os aplicativos, e que a política industrial anunciada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin vai afastar o Brasil ainda mais das cadeias internacionais de valor.

Mas para Bacha, nem tudo são espinhos no governo Lula. Ele elogia a gestão de Fernando Haddad – “Está tudo errado na área econômica, com exceção da parte fiscal” – a nomeação de Nísia Trindade Lima para a Saúde e as iniciativas do presidente na área social. “Lula faz um bom trabalho nessa área.”

Bacha diz que o País terá que fazer a reforma do Estado, outra reforma da Previdência, e aumentar a eficiência dos programas sociais.

Mas se o Governo insistir nas ideias atrasadas, é o próprio PT que pagará o preço.  “O Lula não entendeu que o mandato dele é muito restrito. Se o bolsonarismo for minimamente competente e apresentar um candidato razoável, por exemplo, o Tarcísio de Freitas [governador de São Paulo], o Lula vai ter que ralar para ser reeleito.”

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Como o senhor avalia a gestão do governo Lula?

Acho que o Haddad está conseguindo segurar as pontas. Basicamente, é disso que se trata, enfrentar o “fogo amigo” dentro do governo e o “fogo inimigo” no Congresso. Bolsonaro realmente deixou esse horrível legado. Outro dia vi o gráfico da proporção das emendas dos parlamentares no Orçamento Geral da União [R$37,6 bilhões, metade do total previsto para investimento em 2024].

Foi boa ideia acabar com o teto de gastos?

Não foi bom acabar com o teto, mas, tendo visto todos os furos de que o teto foi vítima, era preciso conceber alguma coisa nova. O Haddad conseguiu, dentro das circunstâncias, conceber algo aceitável para Lula e o PT. A gente não pode esquecer que este é um governo do Lula e do PT. Dentro desse constrangimento, acho que ele fez o melhor possível. O governo tem diversas dimensões. A política externa, por exemplo, é um absurdo.

Por quê?

Porque é um absurdo que Celso Amorim, que é antiamericano radical desde sempre, esteja no comando da política externa. Estamos apoiando Vladimir Putin, Nicolás Maduro e Xi Jinping, e fazendo coisas unilaterais no Oriente Médio, quando deveríamos tentar fazer o meio de campo.

Que papel o Brasil poderia ter no conflito entre Israel e Palestina?

Temos condições internas para fazer o meio de campo no Oriente Médio porque essas questões estão razoavelmente pacificadas no Brasil. A lei antirracismo, por exemplo, foi proposta por Afonso Arinos de Melo Franco e aprovada em 1951. Naquela época, os EUA ainda tinham “apartheid”. Estamos purgando os pecados do passado, mas enfim, somos uma sociedade misturada e temos honra de sermos assim. Obviamente, há um problema terrível de distribuição de renda que a gente precisa enfrentar, mas que está sendo trabalhado. Lula faz um bom trabalho nessa área. Imagine ter a Nísia Trindade Lima no Ministério da Saúde. Isso é uma verdadeira prenda! Então, há coisas boas no governo.

O que o preocupa além da política externa?

Lula ainda tem na cabeça que o Estado deve forçar o investimento das empresas e usar seus instrumentos para fazer com que isso aconteça. Ele não tem mais as estatais na mão porque elas foram privatizadas. Lula quer entrar na Vale porque a companhia não está investindo tanto quanto ele queria. Ele entrou na Petrobras. O presidente [Jean Paul Prates] que ele nomeou quer comprar de volta refinarias privatizadas [durante os governos Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro]. Está querendo, também, comprar os postos de gasolina de volta [a BR Distribuidora foi privatizada em 2019]. Isso é absurdo! 

A Petrobras tinha que estar focada para fazer o que sabe fazer bem, que é a exploração de petróleo. É uma empresa estatal, então, precisa ter uma super governança. A Lei das Estatais [aprovada na gestão Temer] tentou fazer isso, mas, hoje, essa lei está sob ataque do Lula e dos petistas. Vejo problemas também no Ministério do Trabalho.

Por quê?

O ministro do Trabalho [Luiz Marinho] age como um sindicalista dos anos 1930. Ele acha que está fazendo a consolidação das leis do trabalho para um Brasil que estaria começando a se industrializar e a se urbanizar… Ele pressionou de todas as formas para fazer a chamada, entre aspas, regularização da atividade dos entregadores de aplicativos. Os entregadores reagiram, dizendo: “Não queremos essa regularização”. O pessoal do PT tem uma mentalidade atrasada.

Como o senhor avalia a política industrial lançada pelo governo?

A esta altura da partitura, aumentar a tarifa sobre importação, os requisitos de conteúdo local e a preferência para compras governamentais são decisões contrárias ao aumento da produtividade da economia. Está tudo errado na área econômica, com exceção da parte fiscal. A reforma tributária passou muito bem no Congresso, mas eu me pergunto: se o Lula estivesse realmente interessado e não tivesse delegado o assunto totalmente para o pobre do Bernard Appy [secretário especial da Reforma Tributária], que teve que resolver tudo com o Congresso sem nenhum poder político, teriam aparecido tantos jabutis quanto apareceram? E agora, há o risco de termos ainda mais jabutis na regulamentação.

A reforma tributária manteve o IPI sobre produtos que tenham similares fabricados na Zona Franca de Manaus. Este é um jabuti?

Acho que eles vão restringir a lista de produtos sujeitos a essa regra. Espero que seja como a lista da cesta básica. Há a promessa de revisão daqui a cinco anos. Nos próximos anos, temos que ficar batendo em cima para que, de fato, daqui a cinco anos a gente possa tirar esses jabutis da árvore.

Quando a Constituição foi promulgada em 1988, fixou-se prazo de cinco anos para a revisão. Houve revisão?

Lembro-me perfeitamente. Mandamos 63 projetos de emenda constitucional e o Congresso rejeitou 62. Só passou a criação do Fundo Social de Emergência [que desvinculou 20% da arrecadação dos tributos federais atrelados a gastos com saúde e educação].

O PIB cresceu 2,9% no ano passado, mas a taxa de investimento recuou 3%. Falta confiança aos empresários?

Não há confiança. O que me irrita no Lula é que o país poderia estar deslanchando se houvesse confiança. Há oportunidades extraordinárias, mas é preciso ficar na defensiva com o Lula o tempo todo. Sabe-se lá como ele vai intervir na economia. E uma economia que joga na defesa não vai para frente.

O senhor defende há muitos anos a abertura da economia como medida necessária para o aumento da produtividade. Vê alguma chance para essa agenda?

Os “Mercadantes” estão muito exultantes com o fato de que, agora, os EUA começaram a praticar a política industrial. Mas é uma política voltada para a sua luta contra a China. E, aí, o pessoal do governo do PT diz: “Se eles fazem, a gente pode fazer também”. O Alckmin fala: “Olha quanto eles [os americanos] estão gastando”. Quando o mundo estava se globalizando, o Brasil não se globalizou. Agora, o mundo está se desglobalizando.

Durante a pandemia, cadeias globais de produção foram quebradas. Isso não criou oportunidade para o Brasil se reindustrializar?

Acho que sim. O país precisa repensar a indústria. A questão não é ter política industrial, e sim ter uma política industrial voltada para a integração do Brasil nas cadeias internacionais de valor.

A política industrial  anunciada pelo governo é o contrário: é para desintegrar ainda mais o Brasil das cadeias internacionais de valor. Vai na contramão do que precisa. Esse pessoal não entende que isso vai criar meia dúzia de empregos, mas a que custo fiscal e a que preço para os consumidores nacionais? Nós, que temos dinheiro para viajar ao exterior, podemos comprar tudo lá fora, sem pagar nenhum imposto aqui. E ainda nos deixam comprar mais US$1.000 no free shop, sem pagar imposto.

Mas e os brasileiros que não conseguem sair do país porque não têm dinheiro? Esses brasileiros descobriram que existe um canal chinês que vende produtos, de até US$ 50, sem imposto. Aí, vem o governo querendo taxar esse pessoal. Isso é falta de respeito com os consumidores brasileiros, especialmente os de baixa e média renda. Eles [o governo e os empresários contrários à abertura comercial] acham que o mercado interno é deles. Meu argumento é sempre produtividade, mas o que realmente me toca é a insensibilidade social com o consumidor de baixa renda no Brasil.

O senhor enxerga alguma saída política, capaz de romper esse “pacto” anti-aberturacomercial?

Essa coisa é muito difícil. Estava pensando politicamente o seguinte: todos nós somos produtores de alguma coisa e consumidores do resto. O que a gente produz a gente quer proteger. Para proteger o que produzo, eu sei como agir. Vou lá no meu sindicato, no meu deputado, no Ministério da Indústria e Comércio. Agora, para as coisas que eu consumo, a quem eu recorro, com quem me reúno?

Com quem?

Não tem! Não há agregação de interesses individuais em coletividades que possam exercer a pressão que os grupos de interesse operam sobre o governo. E, aí, nós somos prejudicados. Bem, nós não porque temos como fazer compras no exterior. Eu me lembro bem quando, em 1983, trouxe um computador dos EUA pela primeira vez e o José Serra olhou para mim e perguntou: “O que é isso, hein?”. Naquela época, tínhamos uma Lei de Informática que proibia a importação de computadores.

O Plano Real completa 30 anos em julho. O senhor vê alguma ameaça à estabilidade dos preços?

Não.

Acredita nisso porque os brasileiros aprenderam que inflação baixa é algo bom?

Não são os brasileiros, e sim a classe política. Os políticos aprenderam que, se não mantiverem a inflação sob controle, eles caem fora

Que reformas o país precisa fazer além de abrir a economia?

A reforma do Estado brasileiro, um tema que vem sendo bastante tratado pelo Arminio Fraga e a Ana Carla Abrão.

Qual é o aspecto mais importante dessa reforma?

Uma reforma administrativa entendida amplamente. A gente tem que reduzir o peso que o gasto de pessoal exerce hoje sobre o orçamento.

Há também a questão da Previdência, que vai voltar, uma vez que o Lula está corrigindo o salário mínimoacima da inflação. Com o piso da Previdência indexado ao salário mínimo, essa situação vai se deteriorar ao longo do tempo.

Mesmo os programas sociais poderiam ser melhorgerenciados. O ex-senador Tasso Jereissati apresentou proposta de lei de responsabilidade social dando um pouquinho mais de consistência e integração às transferências sociais. Estas poderiam ser feitas de forma muito mais efetiva, com muito menos custo e mais benefícios para quem de fato necessita.

De que forma?

Unificar os programas, ter portas de entrada e saída, criar poupança para quem necessita no setor informal, para uso durante momentos de desemprego. Enfim, teria muito o que fazer para tornar o Estado mais leve e ágil, e mais voltado para o que deve fazer pelo país.

Como o senhor analisa a polarização política que caracteriza hoje a política brasileira?

Aqui, o problema foi o afundamento do PSDB. O partido surgiu como alternativa ao petismo, mas só foi bem-sucedido por causa do real. O Plano Real criou essa possibilidade de o PSDB ficar no governo federal por oito anos e, no governo de São Paulo por 20. O PSDB se desintegrouO governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, está tentando alguma coisa, vamos ver o que ele consegue.

Por que o encolhimento do PSDB explica a polarização?

Porque isso criou um vácuo no espectro anti-lulistaanti-PT. A direita se apropriou desse espaço. No passado recente e na época do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso [1995-2002], o centro tinha controle sobre suas partes. Estou pensando aqui em Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Mário Covas, José Richa, Eduardo Campos e outros grandes líderes que tivemos. O PMDB, de onde nasceu o PSDB, era uma força que também se diluiu em inúmeros partidos com aspectos fisiológicos e muito pouco caráter programático.

O PSDB é um partido de centro-esquerda. Por que seu espaço foi ocupado pela extrema-direita?

Acho que aí tem um problema de personalidade. De vez em quando a história é determinada por indivíduos. O líder carismático que apareceu [Jair Bolsonaro] é um líder de extrema-direita.

Que grupos a extrema-direita representa?

O agronegócio moderno e as igrejas pentecostais. Não consigo ver muitas outras características que possam ser identificadas. Por que o Lula ganhou a eleição? Porque, na última hora, muita gente, inclusive eu e os pais do Real, declarou voto nele. Foi isso, até mais do que os votos da Simone Tebet, que garantiu a vitória. Mas o Lula não entendeu isso até hoje.

O quê, exatamente?

Lula não entendeu que o mandato dele é muito restrito. Se o bolsonarismo for minimamente competente e apresentar um candidato razoável, por exemplo, o Tarcísio de Freitas [governador de São Paulo], o Lula vai ter que ralar para ser reeleito.

O senhor vê riscos à democracia brasileira?

Com Trump, sim. Da vez que o Bolsonaro tentou, eu estava tranquilo porque, pensei, se ele quiser fazer alguma coisa, os americanos não deixam.

No cenário externo, que riscos o senhor vê adiante?

O maior é a eleição de Donald Trump. É complicada a situação. Os americanos se acostumaram a ter uma taxa de juros muito baixa por muito tempo. A dívida pública não importava muito porque qualquer crescimento do PIB compensava a elevação da dívida. Agora, com os juros a 5,5% ao ano, não mais. O mundo é muito sensível aos juros americanos. O problema do Trump é seu discurso super radical, dizendo, por exemplo, que quer classificar imigrantes como terroristas. É inacreditável!

Ele disse que não indicará Jay Powell para novo mandato no comando do Federal Reserve [Fed, o banco central dos EUA]. Isso preocupa?

Pois é, sabe-se lá qual será a política monetária, embora a estrutura do Fed seja muito sólida. Não dá para colocar muitos “pombos” [economistas subservientes ao governo] na diretoria. Ele está falando em colocar imposto de 150% sobre o que se compra da China. Isso não depende tanto do Congresso para fazer. E tem a questão da geopolítica.

Qual, exatamente?

Trump está ameaçando enfraquecer a OTAN, além de todas as outras organizações multilaterais. Seriam os EUA se voltando para si mesmo. O isolacionismo se manifestando a esse nível pode ser muito ruim para o mundo.Os europeus terão que reagir de alguma maneira porque a ameaça da Rússia está aí. Matéria do “The New York Times” revelou a atração, por Vladimir Putin, de uma importante ala do partido Republicano. Não é só o Trump. É um grau muito grande de deterioração em relação ao que se espera do país líder do mundo ocidental.

Com a possível volta de Trump, voltamos para a era das incertezas?

Essa é a questão. O retorno de Trump é algo que, obviamente, não vai ser bom. O que podemos discutir é o quão ruim será porque os interesses comerciais e empresariais americanos no exterior são muito relevantes. A dependência da força do dólar, tendo em vista que os EUA são um país deficitário e que sua dívida externa precisa se manter sólida, é muito importante. Ainda hoje é impossível imaginar uma corrida contra o dólar. Todas as crises internacionais, inclusive, as mais recentes, foram uma corrida para o dólar, que continua sendo o ativo mais seguro. Isso expõe o mundo.

Por quê?

Seria um risco enorme você não dispor da moeda básica, um ativo sobre o qual os investidores não têm a menor dúvida. Este seria o limite que um governo Trump, isolacionista e muito aguerrido, poderia provocar no mundo. Temos que nos preparar para essa situação.

E como estamos?

O saldo comercial do Brasil é bem favorável [US$98,8 bilhões em 2023, recorde histórico]. Temos boa perspectiva tanto em termos de safra agrícola quanto de petróleo e gás. E temos reservas internacionais bastante fortes [US$ 354 bilhões]. A gente tem que se preocupar com a solidez fiscal porque o que pode ocorrer de pior é uma crise financeira, que vai nos atingir diretamente.

De que forma?

Atinge a colocação da dívida pública aqui no país, mesmo esta sendo interna. Haveria fuga de capitais. Se você olhar a composição das reservas internacionais ao longo dos últimos anos, há uma queda da importância do dólar. Ao contrário do que alguns previam, isso não ocorre por causa do renminbi. Há uma diversificação de portfólio em relação a países ocidentais sólidos, mas a dimensão desses mercados é muito pequena. Você pode diversificar 5%, 10% ou 15% do portfólio das reservas, mas, logo, logo, chega ao limite porque não existe outro país, com exceção da China, com a dimensão econômica dos EUA. Dependendo do que ocorra na Europa, temos que imaginar como seria porque, lá, não há mais líderes com a qualidade da Angela Merkel [ex-premiê da Alemanha]. Isso é preocupante porque, se não forem os EUA, têm que ser a Europa para segurar o mundo ocidental.

Como o senhor vê a situação econômica da China? 

Enquanto continuar o controle político que o Partido Comunista possui, os chineses têm os instrumentos em mãos [para lidar com uma possível crise]. Eles não têm problema fiscal como o nosso. Têm um superávit fiscal considerável. A taxa de poupança da China é extraordinária [45% do PIB]. O Brasil [cuja taxa de poupança em 2023 foi de 15,4%] tem um problema de excesso de demanda, enquanto na China falta demanda. É por isso que os chineses dependem tanto das exportações e dos investimentos em construção civil. Mas, os governantes têm os instrumentos e é mais fácil combater falta de demanda do que falta de oferta. O fato é que acabou o milagre chinês. A discussão neste momento é a que taxa de crescimento eles vão pousar.


Source: https://braziljournal.com/brasil-poderia-deslanchar-mas-lula-poe-empresarios-na-defensiva-diz-bacha/?utm_source=Brazil+Journal&utm_campaign=928212ade3-weekendjournal-10032024-1_COPY_03&utm_medium=email&utm_term=0_850f0f7afd-928212ade3-427950289

 



quinta-feira, 6 de maio de 2021

Celso Pinto: um grande jornalista econômico - Cristiano Romero

Uma singela homenagem a um grande jornalista econômico. Excelente artigo de Cristiano Romero. 

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Cristiano Romero - Celso Pinto 

- Valor Econômico

Jornalista foi crítico implacável do populismo cambal

Quando os grupos Globo e Folha anunciaram em 1999 parceria para criar um jornal de economia, o Brasil começava a sair do pesadelo que atormentava a todos desde o início daquele ano. Entre nós, jornalistas, havia apenas uma certeza quanto ao matutino, batizado mais tarde de "Valor Econômico" e lançado em 2 de maio do ano 2000: o projeto editorial seria concebido e comandado por Celso Pinto..

O Valor começou a circular num desses momentos de otimismo da economia. Mas, não foi sempre assim. Primeiro plano a realmente suceder no combate à inflação crônica que nos assolava desde o fim da década de 1970, o Real viveu sua primeira grande crise no começo de 1999, após acentuada e desorganizada desvalorização da moeda nacional, lançada havia apenas cinco anos, em relação ao dólar.

Fracassos seguidos dos planos de estabilização de preços forjaram nos brasileiros a sensação de que jamais teríamos inflação baixa. Cidadãos com menos de 40 anos não sabem o que é viver num país onde a inflação de apenas um mês chegou a 82,39% (IPCA em março de 1990) e, num ano, a 2.477,15% (1993). Depois dos reveses dos planos Cruzado I e II (1986), Bresser (1987), Verão (1989) e Collor I e II (1990 e 1991), o Real, lançado em 1º de julho de 1994, quando começou a circular a nova moeda, tornou-se um sopro de esperança.]

Evidentemente, nada acontece por acaso. Como já foi revelado neste espaço, o plano Real se beneficiou em boa medida de iniciativas que a última equipe econômica do governo Collor, sob a liderança do então ministro da Economia, Marcílio Marques Moreira, vinha tomando como parte da formulação de um novo plano de estabilização.

Um dos legados deixados à turma que formulou o Real foi a acumulação de um montante razoável de reservas cambiais, necessárias para proteger o valor da futura moeda de flutuações excessivas, que prejudicassem o controle da inflação. De outra forma, pode-se dizer que as reservas se constituíam instrumento crucial para conter ataques especulativos à moeda, expediente muito em voga, na ocasião, devido à liberalização da conta de capitais, processo ao qual o Brasil aderiu em 1991.

A liberalização da conta de capitais não tem duas faces, como pode parecer neste raciocínio. Trata-se de algo necessário, ponto. Sem isso, não acumularíamos reservas cambiais, que adiante se mostraram decisivas para o controle da inflação, e só teríamos acesso novamente a investimentos financeiros e produtivos se recorrêssemos a limitadas fontes multilaterais e bilaterais de crédito.

O sucesso do Plano Real se deve ao engenho de três economistas que participaram do Cruzado em 1986 - Persio Arida, André Lara Resende e Edmar Bacha - e de Gustavo Franco, então um jovem professor da PUC-Rio. Não se deve menosprezar, de forma alguma, o papel dos ex-ministros da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, Rubens Ricupero e Ciro Gomes, assim como o de profissionais como Murilo Portugal e Clóvis Carvalho.

Ainda assim, como disse Nelson Rodrigues, "toda unanimidade é burra". Diretor do BC responsável pela política cambial nos primeiros meses de circulação do real, Gustavo Franco constatou que a queda da abrupta da inflação melhorou radicalmente o humor de investidores em relação ao Brasil. Isso se traduziu num forte fluxo de capitais para o país.

Por essa razão, o real chegou a valer, no início de sua existência, "mais" que o dólar. Essa valorização teve dois efeitos: como os empresários fixavam seus preços com base no comportamento do dólar, a apreciação do câmbio "quebrou" a lógica da indexação existente na economia; o dólar barato, por sua vez, estimulou as importações, processo que também concorreu para moderar a alta dos preços internamente.

No entanto, em apenas cinco meses, o país voltou a ter saldos negativos significativos na balança comercial, reacendendo uma velha polêmica - a de que o Brasil, por não produzir poupança, está sempre fadado a sofrer crises cambiais.

Dentro da equipe econômica, o que se viu entre 1995 e 1999 foi intenso debate sobre os riscos de manutenção do real apreciado. A taxa de câmbio, que nos primeiros meses era flutuante, tornou-se quase-fixa em 1995, variando muito pouco nos anos seguintes. Consolidou a queda da inflação a patamares jamais vistos _ 1,37% em 1998 _, mas gerou rombos insustentáveis nas contas externas e públicas (num dado momento, para dar aos investidores a garantia de que o real seguiria valorizado, o governo emitiu centenas de bilhões de reais em papéis atrelados ao câmbio).

Em 1994, como revelou Persio Arida, Celso Pinto foi convidado a trabalhar na equipe econômica, não como assessor de imprensa, mas como uma testemunha de todo o processo de formulação do plano, em seu nascedouro, e durante os primeiros anos da nova experiência de estabilização. O compromisso era que, adiante, Celso escrevesse um livro.

Celso recusou a oferta porque, como relata Persio na apresentação de "Os Desafios do Crescimento: dos Militares a Lula" (Letras & Lucros, Publifolha e Valor Econômico, 2007), livro com colunas escritas pelo jornalista, optou por preservar sua independência e "ser percebido como um jornalista desvinculado de qualquer projeto político, por melhor que fosse".

Foi melhor assim. Do lado de cá da trincheira, Celso se tornou nos primeiros anos do Real um crítico implacável da política cambial que, amparada por juros estratosféricos, foi usada como âncora da estabilização de preços. Em janeiro de 1999, após rodada de crises na Ásia pouco mais de um ano antes e da moratória da Rússia em agosto de 1998, a realidade se impôs e o mercado derrubou as proteções do real, provocando desvalorização que fez os brasileiros acreditarem, mais uma vez, que a inflação não era apenas uma questão macroeconômica a ser enfrentada, mas uma maldição.

Celso era apaixonado por notícias de qualquer área. Para ele, não havia conversa jogada fora, em tempo algum. "Apure isso", "por que você não escreve isso?", indagava a seus repórteres. Apaixonado pelo que fazia, curiosamente, não devotava paixões por escolas de pensamento econômico. Dele não podia se dizer "é liberal" ou "é heterodoxo" ou "é nacional-desenvolvimentista".

O que guiava o jornalismo do Celso era a racionalidade e o respeito à aritmética, à Sua Excelência, o Fato, e à inteligência própria e alheia. Ao criar o "Centro Celso Pinto", o Insper deu grande contribuição ao debate de ideias num país tão carente de discussões sérias e racionais em prol do bem comum. Mais: homenageou o jornalismo econômico feito por aqui e saudou a liberdade de expressão, pilar da democracia.


quarta-feira, 22 de novembro de 2017

A Nova Matriz Economica e a Grande Destruicao - Cristiano Romero (Valor)

Cristiano Romero chama a nossa pior recessão de todos os tempos de a Grande Recessão, à qual eu dou o nome de Grande Destruição, pois foi disso que se tratou a partir dos monumentais erros de gestão econômica dos aloprados que tomaram conta do Brasil nos últimos anos. Eles não eram economistas, mas sim o que eu  chamo de keynesianos de botequim.
Eu acho que foi um período de trevas, a nossas "Dark Age", num sentido metafórico.
E acho que foi muito além disso, ou seja, de meros equívocos; eu arriscaria dizer que muitos "equívocos" foram deliberados, para dar vantagns a determinados agentes econômicos que, depois, eram gentilmente convidados a fazer doações "legais" (e também ilegais) ao partido neobolchevique e seus meliantes políticos.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 22 de novembro de 2017


Ainda, a Nova Matriz
 Cristiano Romero
Valor Econômico, 22/11/2017



Muitas teses já foram feitas sobre as causas da Grande Recessão, como ficou conhecida a derrocada da economia brasileira entre 2014 e 2017. Poucos analistas duvidam, porém, do fato de que a Nova Matriz Econômica, um conjunto amplo de políticas adotadas pelo governo Dilma Rousseff a partir de agosto de 2011, foi a principal responsável pela ruína. A recessão, segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da FGV, começou no segundo trimestre de 2014 e terminou em 2016, tendo durado, portanto, quase três anos. Como foi uma tragédia provocada por equívocos de política econômica e não fruto de uma crise externa, seus efeitos devem ser lembrados à exaustão - entre outros, queda acumulada de 8,6% do PIB e de mais de 10% da renda per capita, 14 milhões de desempregados e explosão da dívida pública.
Outros fatores contribuíram para a debacle, mas não foram tão disruptivos para a confiança de empresários e consumidores. A Nova Matriz foi concebida, em meados de 2011, sob a justificativa de que a crise mundial ocorrida entre 2007 e 2009 estava recrudescendo. A economia mundial, de fato, diminuiu o ritmo de crescimento a partir de 2012 e o boom de commodities, puxado pelo forte crescimento da China e fonte relevante da expansão brasileira entre 2004 e 2010, acabou naquela época. Apesar disso, o "fim do mundo" não adveio, como profetizaram os economistas do governo, que, na verdade, já queriam mudar tudo desde o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
Nunca uma crise foi tão antecipada quanto a que resultou na "Grande Recessão". Dilma Roussef tinha uma obsessão desde que botou os pés em Brasília para assumir o comando do Ministério das Minas e Energia, em janeiro de 2003: reduzir a Taxa Básica de Juros(Selic), que serve de parâmetro para o custo da dívida pública e funciona como referência para toda a economia. Achava que, com isso, o Brasil cresceria de forma acelerada.
Com a Nova Matriz, o PT finalmente fez o que prometeu
Ignorando todas as razões - apontadas por inúmeros estudos acadêmicos - que levam a taxa de Juros de um país chegar a níveis pornográficos, Dilma achava possível diminuir a Selic na marra. Bastava mandar o Banco Central (BC) tomar providência. Nenhum governo fez isso antes, acreditava, nem mesmo Lula, que lhe deu a Presidência da República de presente, porque todos tinham parte com o diabo, isto é, com os rentistas, os que vivem dos Juros altos pagos pelos Títulos públicos.
Começou, assim, no fim de agosto de 2011, a sequência de mudanças da política que, desde meados de 1999, vinha reduzindo a inflação, diminuindo a volatilidade do produto, fortalecendo as finanças públicas e acelerando a taxa de expansão da economia brasileira - e que levou Dilma à Presidência! Naquele mês, contrariando todos os sinais emitidos por seus documentos, além das expectativas do mercado quanto à inflação futura, o BC cortou os Juros, em vez de aumentá-los.
A Nova Matriz cortou a taxa de Juros de 12,50% para 7,25% ao ano no espaço de um ano; o Câmbio se desvalorizou, mas não sem um empurrão do governo, que aplicou IOF numa série de operações de entrada de capitais; o regime de metas para inflação foi flexibilizado, uma vez que o teto do regime (6,5%) passou a ser a meta, que deveria ser 4,5%, conforme decreto presidencial; a disciplina fiscal foi simplesmente abandonada, mas sem que o distinto público fosse informado.
Em 2012, para "cumprir" a meta de Superávit primário prevista em lei, os economistas de Dilma usaram a "contabilidade criativa". Uma das artimanhas era promover troca de ativos entre as estatais para gerar dividendos contábeis que reforçassem o resultado fiscal. O ardil foi logo descoberto pela imprensa e, no ano seguinte e também em 2014, a turma fez algo bem pior: as Pedaladas fiscais - o uso de bancos federais para pagar despesas do governo.
Uma interessante discussão sobre a Nova Matriz está sendo travada neste momento no Blog do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), um espaço privilegiado do debate econômico, criado pelo presidente do instituto, Luiz Guilherme Schymura. No blog (blogdoibre.fgv.br/), Manoel Pires, pesquisador associado da entidade, diz que o termo Nova Matriz foi utilizado pelos críticos como um "espantalho", uma visão caricatural que trata como uma coisa só todas as iniciativas adotadas pelo governo ao longo de vários anos e não considera fatores não controláveis, como o cenário externo.
Também no blog, Bráulio Borges e Samuel Pessoal, igualmente pesquisadores associados do Ibre, estão protagonizando um debate animado. O primeiro, embora não negue, como observa Schymura na última Carta da Conjuntura do instituto, que a Nova Matriz tenha sido uma causa não desprezível da Grande Recessão, diz que os críticos exageram em demasia ao atribuir todos os males àquele experimento. Ele cita o fim do boom de commodities, as restrições de oferta hídrico-energética, os efeitos da Operação Lava-Jato e problemas na aferição do PIB pelo IBGE - que teriam subestimado o crescimento nos anos anteriores, levando o governo a oferecer estímulos para a economia crescer - como fatores que concorreram com a Nova Matriz para derrubar a atividade.
Economista que muito cedo começou a alertar para os riscos das políticas adotadas pelo governo desde 2008, a três anos do fim do segundo mandato de Lula, Samuel Pessoa lembra que a Nova Matriz foi muito além das políticas monetária, fiscal e cambial.
Além da tolerância com a inflação, da redução da transparência da política fiscal, da diminuição drástica do Superávit primário e da colocação da dívida pública em trajetória explosiva, os economistas de Dilma promoveram as seguintes atrocidades: controle de preços para tentar segurar a inflação, uma vez que o BC foi inibido a não elevar os Juros; aumento do protecionismo; ampliação do papel do Estado na Petrobras e no setor de petróleo; uso de bancos públicos para induzir a redução do spread bancário; imposição de resistências ideológicas que travaram a participação do setor privado na oferta de serviços públicos e na infraestrutura; política de conteúdo nacional e de estímulos à produção local.
Muito importante lembrar que, paralelamente às mudanças da política econômica, Dilma adotou uma série de medidas populistas que não cabiam no orçamento, tanto que o financiamento do Fies e do BNDES foi feito por meio de emissão de dívida.
O desastre foi resultado, portanto, de um projeto, apesar dos improvisos fundados no desespero causado pela falta de resultados positivos. Com a Nova Matriz, o PT finalmente chegou ao poder em matéria econômica.
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

quinta-feira, 19 de maio de 2016

O descalabro economico dos anos lulopetistas: uma conta de 323 bi até 2060 - Cristiano Romero (Valor)

A conta deixada pelo governo anterior
Cristiano Romero
Valor Econômico, 18 de maio de 2016

O perfil da nova equipe econômica é um sinal claro de que o objetivo do novo governo é retomar o arcabouço que vigorou entre meados de 1999 e 2011, quando a presidente Dilma Rousseff assumiu o poder e, poucos meses depois, decidiu mudar tudo. Os integrantes do Ministério da Fazenda têm perfil fiscalista e isso é bom: por causa dos equívocos cometidos nos últimos cinco anos, a situação fiscal, nas palavras do ministro Henrique Meirelles, é um "descalabro".

Especialista em finanças públicas, Mansueto Almeida se dedicou, nos últimos anos, a alertar a sociedade, por meio de seu blog, para a ruína fiscal em curso no primeiro mandato de Dilma (2011-2014). Ele foi o primeiro economista a calcular o tamanho do subsídio - a ser pago pela sociedade durante décadas - decorrente dos empréstimos feitos pelo Tesouro Nacional, entre 2008 e 2015, ao BNDES.

Aquela operação, talvez um dos maiores equívocos de política econômica já cometidos na história do Brasil, resultou, no período mencionado, no aumento da dívida bruta do setor público em cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Captados à taxa de mercado (Selic) e emprestados ao BNDES à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), subsidiada, aqueles recursos foram transferidos, em sua maioria, para grandes empresas, muitas das quais ou quase todas, dotadas da capacidade de captar recursos, a um custo igualmente baixo, no mercado de capitais ou no exterior. Estime-se o tamanho da concentração de renda promovida no período...

O Tesouro calcula que o gasto com subsídio referente àquelas operações somará a impressionante cifra de R$ 323,2 bilhões até 2060. Do total, R$ 123,1 bilhões foram gastos entre 2008 e 2015. E o pior é constatar que, nesses oito anos, o estoque de investimento da economia diminuiu, em vez de ter crescido.

Meirelles deu a Mansueto a missão de preparar análises sobre os gastos públicos, de maneira a facilitar a busca de soluções. A tarefa é hercúlea. O governo interino de Michel Temer recebeu da gestão anterior um quadro fiscal calamitoso. Alguns números: nos 12 meses até março, a dívida bruta do setor público chegou a 67,25% do PIB, quase dez pontos percentuais acima do período anterior; no conceito primário (que exclui os gastos com juros), o resultado nos 12 meses até março foi um déficit de 2,28% do PIB; já o déficit nominal, que inclui a despesa com juros, somou o equivalente a 9,73% do PIB. Para piorar a situação, a arrecadação de impostos e tributos federais recuou 8,19%, em termos reais, de janeiro a março deste ano, quando comparada ao mesmo período do ano passado.

O marco do retrocesso da gestão fiscal do governo anterior foi a perda, em 2015, do grau de investimento (o selo de bom pagador), conquistado pelo país em 2008, depois de 26 anos de enfrentamento da "crise da dívida". O rebaixamento foi decretado pelas três principais agências de classificação de risco.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Politica economica neoliberal companheira: se renderam os aloprados... - Cristiano Romero (Valor)


Isso que dá ficar brincando de aprendiz de feiticeiro. Depois é preciso chamar profissionais para limpar o estrago.
Paulo Roberto de Almeida

Dilma deu autonomia a Joaquim Levy
Cristiano Romero
Valor Econômico, 26/11/2014

Joaquim Levy ficou surpreso positivamente com a liberdade oferecida pela presidente Dilma Rousseff para a sua gestão à frente do Ministério da Fazenda. Ela não impôs condições ao futuro ministro. Deu-lhe garantias e reconheceu que a política econômica precisa passar por um "bom ajuste". A conversa animou Levy, que retorna oito anos depois à Fazenda, onde, sob o comando de Antonio Palocci, ajudou a promover, entre 2003 e 2006, o maior ajuste fiscal já realizado no país.

Primeiro nome convidado pela presidente, Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, estava disposto a assumir o cargo que há mais de oito anos é ocupado por Guido Mantega. Antes de ser convidado e vendo seu nome circular na imprensa, o executivo dizia a quem lhe perguntasse que não poderia aceitar o convite.

Dilma telefonou para Trabuco na quarta-feira da semana passada, depois de acertar com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que faria o convite. O presidente do Bradesco ficou feliz com a oferta e consultou imediatamente seu superior hierárquico - Lázaro Brandão, presidente do conselho de administração do banco. Para seu desgosto, Brandão reagiu mal à convocação.

Nelson Barbosa deve surpreender à direita, diz aliado

Foi assim que Trabuco se sentiu: convocado pela presidente da República. "Se for para valer, não dá para dizer não", comentou ele com os mais íntimos antes de ser chamado por Dilma. Como Brandão não gostou da investida, Trabuco sugeriu ao Palácio do Planalto que ele participasse da conversa com a presidente. E assim foi: os dois principais integrantes da cúpula do Bradesco se reuniram com Dilma, em Brasília, no fim da tarde de quarta-feira.

Durante o encontro, Lázaro Brandão explicou que Trabuco não poderia deixar a diretoria executiva do banco neste momento. Ato contínuo, indicou outro subordinado seu para a Fazenda: Joaquim Levy, presidente da Bradesco Asset Management (Bram).

O nome do ex-secretário do Tesouro  já havia circulado como uma possibilidade para o Ministério da Fazenda durante a campanha eleitoral. Seus principais defensores foram o ex-presidente Lula e Palocci, seu antigo chefe. Na ocasião, Dilma não ficou muito entusiasmada.

A presidente conhece Levy desde o primeiro mandato de Lula (2003-2006). Levy foi um secretário do Tesouro marcante, na linha de Murilo Portugal, que ganhou a alcunha de "Dr. No" (título e personagem do primeiro filme da série James Bond) por ter conduzido a instituição, nas gestões dos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, com grande austeridade.

No governo Lula, Levy era odiado pela maioria dos ministros. Os petistas nutriam especial rejeição por ele. Consideravam-no "neoliberal". Mas o então secretário era adorado por Lula e mantinha boas relações com a então ministra Dilma. Em 2007, quando ele já havia deixado o Tesouro, Lula o indicou ao governador Sérgio Cabral (PMDB) para comandar as contas do governo fluminense.

No exercício daquela função, Levy foi o maior adversário da mudança, patrocinada por Lula e Dilma, do regime de exploração de petróleo no Brasil - de concessão para partilha. Foi ele quem deu argumentos a Cabral para tentar convencer Lula a desistir da alteração, principalmente, das regras de distribuição de royalties do petróleo, uma vez que, no regime anterior, o Rio, como maior produtor, era o principal beneficiário.

A concordância de Dilma em convidar Levy mostra sinais importantes para seu segundo mandato. A presidente estaria convencida, dada a gravidade das contas públicas e da proximidade de uma severa crise econômica caso nada seja feito, de que precisa mudar seu estilo centralizador na área econômica. "Ela percebeu que é melhor dar autonomia à equipe econômica", comentou um aliado.

Na entrevista que deu a oito jornalistas pouco depois da eleição, Dilma falou como ministra da Fazenda. Disse o que precisa ser feito e o que não pode ser feito antes mesmo de escolher e anunciar o nome do novo ministro. E repetiu o mantra que enfraqueceu sua atual equipe, especialmente, o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini.

"Nós vamos fazer uma política de inflação que leva em conta o fato também de que nós não vamos desempregar neste país. Ponha isso na cabeça", disse Dilma na entrevista. Um jornalista lembrou que essa (o emprego) é uma variável que independe do governo. "Você é que acha", reagiu a presidente. Na conversa com Levy, ela mudou inteiramente o tom, segundo apurou o titular desta coluna.

Outro sinal importante é que Dilma pretendia nomear Nelson Barbosa para a Fazenda, mas não o fez. Ex-secretário-executivo daquele ministério, Barbosa se aproximou da presidente no segundo mandato de Lula, ao defender ideias como a redução do superávit primário das contas públicas para estimular o crescimento econômico. "Desenvolvimentista" como Dilma, ele se tornou o economista mais ligado a ela.

A nomeação para o Ministério do Planejamento pode sugerir a ideia de que Barbosa, com o apoio tácito da presidente, fará um contraponto à esperada gestão conservadora de Levy na Fazenda. Quem conhece Brasília sustenta, entretanto, que não há como isso ocorrer graças à proeminência da Fazenda, ao contrário do que se observava no passado - de fato, nos governos militares os ministros do Planejamento eram bastante fortes.

Nem quando Palocci comandou a Fazenda e Mantega, o Planejamento, houve essa dicotomia. O primeiro a não permiti-la foi o então presidente Lula.

Dilma teria nomeado Nelson Barbosa, nas palavras de um interlocutor privilegiado, para "não desagradar a gregos e troianos". De fato, os petistas não gostaram nem um pouco da nomeação de Levy para a Fazenda e muito menos de Kátia Abreu para a Agricultura. Mas é bom que eles saibam que quem conhece Barbosa na nova fase assegura: "O 'Nelsão' vai surpreender à direita. Em assuntos fiscais, ele está bem conservador".

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Eleicoes 2014: a mistificacao e a mentira como taticas companheiras

Nunca antes na história das campanhas eleitorais brasileiras, alguém tinha mentido tão descaradamente, enganado tão despudoradamente os brasileiros mais simples, fraudado de maneira tão escandalosa o processo político com esse tipo de terrorismo eleitoral.
Pode até ser que a candidata da máfia vença dessa maneira, o que será certamente desastroso para o Brasil e todos os brasileiros, menos a máfia que nos governa e seus associados.
Em todo caso, cabe o registro, para a história, que além de roubar e trapacear, os mafiosos também fraudam o processo eleitoral.
Paulo Roberto de Almeida 

Agora, a demonização da autonomia do BC
Por Cristiano Romero
Valor Eeconômico, 17 de setembro de 2014

Ao demonizar a autonomia do Banco Central (BC), a presidente Dilma Rousseff repete o que seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, fez com as privatizações na eleição de 2006. Naquele ano, Lula, incomodado com a necessidade de disputar o segundo turno, uma vez que esperava vencer já no primeiro, sacou da cartola o tema das privatizações ao perceber que ele ainda exercia (e exerce) um enorme fascínio no imaginário da esquerda brasileira.

Lula obrigou o então candidato da oposição - Geraldo Alckmin, do PSDB - a se posicionar. O tucano mordeu a isca, saindo em defesa das estatais, em vez de mostrar os avanços que a desestatização, promovida principalmente na gestão de Fernando Henrique Cardoso, trouxera ao país.

Como Lula precisava fazer um aceno à esquerda - mal saíra do desgaste do escândalo do mensalão e já enfrentava outro, o dos aloprados -, a interdição das privatizações significou uma mudança de assunto. Ademais, atraiu votos, inclusive, do adversário, afinal, Alckmin terminou o segundo turno menos votado que no primeiro.

Dilma quer Aécio e Marina vistos como candidatos do capital

Não se tenha dúvida: a estratégia de Lula não se resumiu a um mero recurso de campanha. A demonização virou compromisso político. No segundo mandato, o então presidente vetou qualquer possibilidade de privatização. A mais notória foi a dos aeroportos, que Dilma Rousseff, como ministra da Casa Civil, planejava fazer desde 2008, mas só pôs em prática no próprio mandato. Agora, no tema "autonomia do Banco Central", é Dilma quem recorre ao expediente ardiloso da interdição do debate por meio não de ideias, mas de preconceitos e mistificações.

Não mereceria comentário propaganda da campanha de reeleição da presidente, segundo a qual, conceder autonomia ao BC teria como consequência retirar comida da mesa dos brasileiros. Mas, questionada no último domingo sobre essa peça de marketing político de quinta categoria, Dilma não só a justificou, como foi além: se não tiver mandato para assegurar o máximo emprego, o BC autônomo "tira, sim, a comida" e a perspectiva dos brasileiros. Disse, ainda, que conceder independência à instituição seria como criar o "quarto poder" e entregá-lo aos bancos. "O quarto poder não pode ser dos bancos."

Por trás dessas imagens, estão, novamente, tolices caras à esquerda que não se atualiza e perpetua o atraso brasileiro, tais como: "banco não produz nada"; "banqueiros são malvados porque são donos do capital"; "capital é algo intrinsecamente ruim"; "bancos centrais independentes existem para defender interesses dos bancos"; "os juros são altos por culpa dos rentistas e dos bancos"; "lucrar é desonesto, coisa de quem tem parte com o demônio". Não se deve subestimar o poder desses símbolos: no Brasil, até formadores de opinião bem cotados - e populistas como alguns políticos - ajudam a disseminar asneiras desse tipo.

O proselitismo de Dilma tem como objetivo transformar seus dois principais adversários - Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) - em defensores dos bancos. Marina se tornou "a candidata do Itaú " por causa da participação de Neca Setúbal em sua campanha. Neca é vítima de um preconceito típico da confusão que se pretende promover no debate que deveria ser de ideias: sua trajetória como educadora é solenemente ignorada porque, afinal, ela é "herdeira do Itaú", descendente, portanto, do que há de pior na economia e na sociedade brasileiras - um banco, um capitalista ou coisa que o valha.

Em entrevista, há uma semana, a presidente Dilma declarou: "Eu asseguro uma coisa: esse povo da autonomia do Banco Central quer o modelo anterior, quer fazer um baita ajuste, um baita superávit, aumentar os juros pra danar, reduzir emprego e salário, porque, para eles, emprego e salário não garantem produtividade. Eu sou contra isso". O tema da autonomia do BC, em sua visão, vai muito além da discussão em torno do modelo de autoridade monetária que uma democracia como a brasileira precisa ter. O ideário encerra, pelo jeito, um conjunto mais amplo de perversões.

As palavras de Dilma assustam. Depois de perder fôlego na corrida presidencial com a entrada de Marina Silva, no páreo, nos últimos dias a presidente recuperou parcela do prestígio popular perdido e voltou a ser competitiva para a disputa do segundo turno. Ao contrário de 2010, ela é, hoje, uma candidata contra o PIB e o sistema financeiro. Vestiu esse figurino sem constrangimento e pode vencer a eleição de outubro com compromissos populistas dos quais passou longe quatro anos atrás.

O risco dessa estratégia é visível. Toda vez que Dilma sobe nas pesquisas, a bolsa de valores cai, o real se desvaloriza e o juro de longo prazo, que reflete melhor a expectativa da saúde das contas públicas, sobe. Ao fugir do debate real das questões econômicas, Dilma pavimenta o caminho do próprio desastre porque, se já será difícil para qualquer um promover, nos próximos anos, o ajuste necessário para corrigir os desequilíbrios criados pela política econômica desde 2011, para ela será ainda pior, uma vez que está em pé de guerra com os mercados e já não possui a mais pálida credibilidade.

O Brasil ainda não está em crise. Não há risco imediato de insolvência fiscal ou externa. O que há é uma crise de expectativa, provocada por uma política econômica que, nos últimos quatro anos, desorganizou as finanças públicas, vilipendiou a autonomia do BC, tolerou inflação alta, procurou determinar os principais preços da economia, provocando forte queda na confiança de consumidores e empresários e, consequentemente, do PIB. A necessidade de ajuste é premente porque, a continuar a situação atual, uma crise logo vai avizinhar-se.

Sob Dilma, o custo de corrigir o rumo será sempre maior porque os agentes não confiam mais no governo. É bem provável que, reeleita, a presidente baixe a guarda e entregue pelo menos uma parte do ajuste esperado, possivelmente na área fiscal. Mas sua retórica está esticando a corda de tal maneira que, detentora de novo mandato, ela enfrentará duas dificuldades: convencer os agentes econômicos a esquecerem a eloquência da campanha; e justificar a seu eleitorado - pelo menos, à parcela que acredita na face mais demagógica de seu discurso - o não cumprimento das promessas feitas.

Cristiano Romero é editor-executivo do jornal Valor Econômico