Uma carta patética de renúncia do chanceler acidental
Paulo Roberto de Almeida
A inacreditavelmente patética carta do ex-chanceler acidental Ernesto Araújo (reproduzida in fine), sem qualquer dúvida o PIOR ministro das Relações Exteriores de toda a história independente do Brasil – e também do curto período de ministério dos Negócios Estrangeiros português já instalado no Rio de Janeiro desde 1808 –, colocando seu cargo à disposição do chefe de governo contém unicamente falácias e inverdades, sendo todo o seu conteúdo inapelavelmente falso e ridículo, como vou demonstrar nesta nota.
Numa entrevista ao jornal O Estado de São Paulo alguns dias antes, o infeliz e desequilibrado diplomata – cujo epitáfio na tumba deveria ser: “Aqui jaz um pária” – havia dito duas únicas verdades, que o jornal não deixou de sublinhar em seu editorial desta terça-feira, 30 de março de 2021, dedicado à sua saída. Seleciono imediatamente essas únicas frases que expressam alguma verdade, para depois me dedicar a desmontar mais um instrumento da série de falsificações que o submisso funcionário de uma família de ineptos conduziu na provecta instituição também conhecida como a Casa de Rio Branco. Eis as passagens:
“O presidente Bolsonaro tem confiança no meu trabalho. Meu trabalho não é meu, é a implementação de uma agenda de política externa que o presidente traz desde a campanha. (...) Tenho respaldo (de Bolsonaro) porque desde o começo sempre propus ao presidente maneiras de implementar as ideias dele. (...) O presidente me nomeou por causa do meu compromisso de fazer a política que ele queria, implementar as coisas que ele quer, a visão de mundo”.
Fecho as citações dessa entrevista que precedeu os últimos desastres conduzidos pelo destrambelhado diplomata colocado como um marionete de ocasião à frente do Itamaraty, e passo a examinar sua carta-renúncia de 29/03/2021.
1) No cargo..., lutei desde o início pela liberdade e dignidade do Brasil e do povo brasileiro, pela nossa soberania e grandeza em todos os aspectos.
PRA: Não, rigorosamente não. Conceitos abstratos como “liberdade” e “dignidade” são usados abusivamente por qualquer um desses ditadores de opereta que infernizam a vida de tantos povos, pois que fazem exatamente o contrário, ao retirar-lhes a liberdade e qualquer resto de dignidade. O chanceler, como sofista que é, seguindo nisso seu destrambelhado guru expatriado, o Rasputin de Subúrbio refugiado no exterior, pensa que engana o distinto público ao distorcer o vocabulário. Sem tem uma coisa que ele não defendeu, mas invariavelmente se empenhou em destruir, foi a soberania e a grandeza do Brasil, ao colocar a política externa e a diplomacia a serviço de um dirigente estrangeiro, nisso adotando para si o patético slogan de seu inepto chefe, que chegou a proclamar seriamente: “I love you Trump!”
2) Procurei... colocar o Itamaraty a serviço do sonho de um novo Brasil.
PRA: Esse “sonho” do desvairado chanceler acidental foi um pesadelo para a quase totalidade dos diplomatas profissionais, que viram o Brasil diminuir a olhos vistos no cenário internacional, até ser reduzido à condição de verdadeiro pária, numa obra conjunta dirigida pelo inepto chefe de governo, sendo que o submisso chanceler acidental era vigiado de longe pelo subsofista da Virgínia e administrado de perto pelo Bananinha 03 e pelo fanático fundamentalista conhecido como Robespirralho. O que ele fez, sim, foi colocar o Itamaraty a serviço de Trump, do ex-conselheiro de Segurança Nacional John Bolton e do igualmente patético e mentiroso Secretário de Estado americano, Mike Pompeo, com os quais tratou do brancaleônico projeto de “invasão humanitária” da Venezuela, para tentar derrocar o governo Maduro. O que ele fez, de fato, foi reduzir o Brasil a um grau de subordinação automática ao governo Trump, o que jamais ocorreu em qualquer momento da Guerra Fria ou da política oficial de Estado no auge da luta contra o “comunismo mundial”. EA, na verdade, alienou completamente a soberania do Brasil a um governo estrangeiro.
3) Nessa luta, deparei-me... com correntes frontalmente adversas.
PRA: O ex-chanceler acidental é modesto: não foram apenas “correntes”. Jamais ocorreu na história da política externa uma tal unanimidade contra uma política externa subserviente e totalmente contrária aos interesses concretos do Brasil: desde o início, os mais diferentes setores da economia brasileira, da academia e da cultura, da mídia e da opinião pública em geral, alertaram contra as posturas absurdas que estavam sendo sugeridos ou implementados, e se opuseram contra as medidas mais estranhas e prejudiciais a esses interesses. Em raras ocasiões da história política do Brasil desde a independência se registrou tamanha oposição às orientações estapafúrdias do governo.
4) Ergueu-se contra mim uma narrativa falsa e hipócrita, a serviço de interesses escusos nacionais e estrangeiros, segundo a qual minha atuação prejudicaria a obtenção de vacinas.
PRA: O ex-chanceler acidental se engana e pretende enganar novamente: todos aqueles preocupados com os reais interesses do país não deixaram de alertar o quanto a sua política externa caótica, feita de agressividade contra os que não partilham de suas teorias conspiratórias, levantou oposição em praticamente todos os setores, sobretudo quanto a ausência completa de uma política concreta de combate à pandemia, e em face da total inoperância do chanceler e do Itamaraty na mobilização de apoios a um programa de prevenção e vacinação que simplesmente não existia, e de um rotundo fracasso na obtenção de um volume suficiente de vacinas, fracasso que é igualmente partilhado com os incompetentes do Ministério da Saúde (mas que, em última instância pode ser atribuído ao negacionismo persistente do chefe de governo).
5) ... infelizmente, neste momento da vida nacional, a verdade não importa para as correntes que querem de volta o poder – esse poder que, durante as décadas em que o exerceram, só trouxe ao Brasil atraso, corrupção e desgraça.
PRA: A únicas correntes que já trouxeram, de fato, atraso (que é a volta a um tipo de anacronismo anti-iluminista), corrupção (ainda que familiar) e desgraça (e não só por causa da pandemia, mas no armamentismo, na flexibilização dos controles ambientais e do tráfico), foram e são os fanáticos do bolsonarismo mais ignorante e grosseiro, ao qual o chanceler se tem esforçado para se alinhar completamente (inclusive gritando “MITO!”, “MITO!”) e com isso se rebaixa intelectualmente, numa triste demonstração de como maças podres conseguem contaminar todas as outras. Não se tem notícias de que forças políticas adversas ao desgoverno do capitão estejam ativamente empenhados em tirá-lo do poder: nenhum das seis dezenas dos pedidos de impeachment foi sequer considerado pelo anterior ou atual presidente da CD.
E agora chegamos ao ponto alto da alucinante e alucinada carta do chanceler:
6) A verdade liberta e a mentira escraviza. Hoje, a mentira é despudoradamente utilizada para um projeto materialista que visa a escravizar o Brasil e os brasileiros, a escravizar o próprio ser humano e roubá-lo de sua dignidade material e, principalmente, espiritual.
PRA: O infeliz e fracassado diplomata, guindado por engano e de forma fraudulenta (uma vez que EA mentiu para o presidente e para os seus patrocinadores), acredita que só ele tem o direito de distinguir entre a verdade e a mentira, o que é próprio dos egocêntricos e dos autoritários. Mas ele vai além: ele pretende que só eles podem ter o monopólio da salvação do país e da população, como se o Brasil e os brasileiros estivéssemos ameaçados a cair sob o domínio de alguma ditadura comunista, caso os ineptos do poder atual não possam impor sua versão dos fatos, a sua “verdade”. EA fez isso diversas vezes ao longo de seus infelizes dois anos à frente do Itamaraty, e não só em direção ao público interno, mas também em direção ao mundo. Ele pensa que engana o público em geral, quando suas mensagens se dirigem mais especialmente aos grupos de fiéis apoiadores do presidente atual. Numa palavra: ele é patético.
Finalmente, o chanceler acidental (e agora acidentado) conclui sua carta ao “querido Chefe”, em tom lacrimoso, dizendo que tem amor ao Brasil e ao seus povo, e que pretende continuar lutando em favor desse povo “até o fim dos meus (seus) dias”. Pode até ser, mas dificilmente ele o fará novamente nos quadros do Itamaraty ou do Serviço Exterior brasileiro, instituição que ele diminuiu sistematicamente, ao colocá-la a serviço de um pequeno grupo de aloprados, humilhando, no mesmo movimento, seus colegas profissionais de carreira. O ministério foi praticamente demolido pela desastrosa gestão do pior chanceler de toda a história independente do Brasil: o processo de reconstrução da política externa e de restauração da diplomacia será duro, lento e longo, pois que a demolição foi muito profunda, como argumentei em um livro precedente: Uma certa ideia do Itamaraty.
Se eu fosse macabro, o que não sou, eu apenas diria a EA: descanse em paz, e leve consigo seu título de pária, pois que ele não cabe ao Brasil e aos brasileiros.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de março de 2021