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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

A Journey Inside the Whale: books, books, books (a gentle madness...) - Paulo Roberto de Almeida

Apenas para registrar...



A Journey Inside the Whale: submergindo sob o peso dos livros, literalmente

Paulo Roberto de Almeida

Existem coisas contra as quais não adianta lutar, ao que parece. Ao vir para os EUA, e “abandonar” um número indeterminado de livros no Brasil (talvez na casa de uns poucos milhares), fiz-me a promessa – oh, quão vãs são essas promessas contra a natureza – de que não iria comprar livros, ou pelo menos muitos livros. Afinal de contas, já não tenho onde colocar no Brasil, e se começasse a comprar outros aqui teria também de comprar mais estantes, bem mais do que desejaria.
Mas, quem disse que essa loucura gentil, essa compulsão perigosa, esse desvio de caráter, essa tendência maniática, todos esses vícios poderiam ser controlados apenas por uma promessinha assim feita ao apagar das luzes brasilienses e antes de chegar na realidade livresca “estadounidense”, como gostam de dizer os companheiros a respeito de tudo o que se refere ao império. Pois fiquem sabendo os companheiros que este império do mal, como eles gostariam que fosse, é antes de tudo um império do saber, do conhecimento, da abundância livresca, e de revistas, e de sites, e de tudo o que possa se expressar livremente, e que tem relação com o gênio humano (mas também tem muita bobagem, e outras francamente inqualificáveis).
Este é também o Império do livre comércio, da lei da oferta e da procura (ela funciona, para os que não acreditam nos mercados), das relações comerciais livremente consentidas, algumas até obrigadas, tal o volume de publicidade e de apelos de toda ordem. Os meus apelos todos sabem quais são, e por vezes fica difícil resistir. Vinha resistindo, mais ou menos, e nos quatro últimos meses só tinha comprado uns 10 ou 15 livros, poucos para o meu gosto e meu ritmo habitual. Pois agora exagerei, talvez, mas as justificativas são explicadas abaixo, como passo a relatar.
Como sempre, procuro resistir, a despeito de sempre frequentar livrarias e de consultar os lançamentos pelos veículos de book reviews e pelos boletins das editoras. Nas livrarias, sempre sento com dois ou três no café (invariavelmente um Starbucks, quando se trata da Barnes & Noble, a única grande rede que ainda resiste ao império dos ebooks), e fico fazendo anotações nos meus Moleskines de bolso (sempre levo dois, por se acaso...), prometendo a mim mesmo não comprar, ou só comprar depois que aparecer mais barato no Abebooks (para os que não sabem, se trata da maior rede de livros usados do mundo, com filiais por vários países, o que não inclui, of course, o Brasil). Fico anotando, com aquela angústia a apertar o coração sobre se devo comprar ou não, quando vou ter tempo de ler por inteiro, anotar, e usar em algum trabalho corrente ou futuro. Dúvidas kirkegaardianas, para os que conhecem esse tipo de angústia intelectual.
Hélas, infelizmente, malgré moi, in despite of promises, recaí nos velhos vícios. Tive um acesso de encomendite aguda, logo transformada em compras compulsivas num dos maiores sebos reais dos EUA, a livraria Powell’s, em Chicago (mas tem também em Portland, no Oregon). Voltei de viagem, ao Illinois (em Urbana e Chicago) com o carro cheio de livros, meus e de Carmen Lícia. Relaciono os meus, cuja aquisição começou antes de partir em viagem (pelo Abebooks, justamente), que recolhi a chegar de volta, feliz com os meus 20 kgs de livros.
Começo então pelos que já tinha encomendado antes de partir (mas apenas desta fase recente, deixando de lado os que comprei ou recebi nos meses anteriores a maio).
Primeiro tinha pensado em comprar o último do Thomas Sowell, possivelmente um dos maiores intelectuais dos EUA, negro, mas indiferente a isso, ou melhor, altamente preocupado em que a “raça” não se converta em ideologia. Seu livro mais recente (não o último, claro), que acaba de sair em 2013, se chama, justamente, Intellectuals and Race, que eu folheei bastante numa ida à B&N, fiquei namorando, anotando e quase comprei, desistindo para cumprir minha promessa. Mas não resisti quando vi que havia uma síntese de seus principais escritos, o que me pareceu mais apropriado. Assim, encomendei pela Abebooks, pelo ridículo valor de 4 dólares, mas novo, absolutamente novo (ao preço de capa de $ 29.99), mais 3 dólares de frete, The Thomas Sowell Reader, um livro de 2011 da Basic Books, contendo os trabalhos mais importantes de Sowell nos campos das questões sociais, economia, política, questões jurídicas, raça e etnicidade, educação, além de rascunhos biográficos e pensamentos ao acaso, como ele chamou sua última seção. Recomendo, vivamente: são 400 páginas da mais pura honestidade intelectual disponível no mercado (a preços de mercado...).
Depois encomendei um livro que acaba de sair (por $ 35, a preço de editora), o do David Stockman, The Great Deformation: the corruption of capitalism in America (que paguei um pouco mais, $ 23 + 3); livro novíssimo, estrito e lato sensu, pois ainda está sendo resenhado nos principais veículos literários (eu mesmo já postei trechos e críticas em meu blog). Ele foi secretário do Orçamento do primeiro Reagan, e se demitiu no meio do segundo ano, quando percebeu que, a despeito das promessas de correção das deformações do capitalismo americano, o Reagan (ou seus conselheiros) estava na verdade praticando Keynesianismo militar. De fato, existe muita bobagem escrita sobre o tal de neoliberalismo ou conservadorismo econômico do Reagan, e sua Reaganomics, ou supply side economics. Lembro-me de ter lido, na época (começo dos anos 1980) artigos do próprio Stockman, defendendo os princípios econômicos republicanos, que foram abandonados pelos próprios republicanos, e aí ele se mandou, simplesmente, pois não queria compartilhar dos gastos militares e outras embromações. O livro é um catatau de mais de 700 páginas, que examina toda a política econômica americana desde os anos Reagan, mas recua em diversas passagens ao New Deal de Roosevelt, que ele desmistifica devidamente, como a própria crise atual. Vale vários debates, o que pretendo fazer, assim que mergulhar no livro.
Também encomendei na Abebooks, antes de partir, e ao ridículo preço de 5 dólares, o primeiro livro do Francis Fukuyama dedicado à teoria política: The Origins of Political Order, que vai da era das cavernas à Revolução francesa. Já conhecia o livro, por ter lido resenhas, trechos e folheado em livrarias, e estava esperando a publicação dos dois (o segundo ainda não saiu) para comprar de uma vez. Como ainda demora um pouco, comprei a edição paperback (mas igualmente novíssimo, como sempre faço, um pouco por sorte, outro por comparação) no sebo eletrônico. O livro é antes de mais nada uma homenagem ao seu velho mestre Samuel Huntington, cujo Political Order in Changing Societies também aprecio, como Fukuyama (que corrige e completa que foi seu antigo mentor e guia intelectual).
Bem, aí parti para dar minha palestra sobre “Brazilian Foreign Policy and the Economic Consequences of Mister Lula” (excusez du Keynesianisme involontaire), no Lemann Institute of Brazilian Studies da Universidade do Illinois em Urbana. Lá comecei ganhando o livro mais recente de meu amigo Jerry Dávila, Dictatorship in South America (Wiley-Blackwell, 2013), examinando os casos da Argentina, Brasil e Chile; ele está dirigindo o Institute e dá aulas de história. Gostei, e vou resenhar, assim que possível. Também ganhei, do meu velho amigo, grande brasilianista, e ex-diretor do mesmo Instituto, Joseph Love, seu famoso livro sobre o regionalismo gaúcho, Rio Grande do Sul and Brazilian Regionalism, 1882-1930 (Stanford, 1971), examinando o pensamento e a ação dos castilhistas e outros malucos que fizeram do RS uma potência política; eu só tinha uma edição brasileira desse livro, mal traduzido por sinal, e sem as muitas fotos do original. Bem, esses dois não me custaram nada, só carregar, mas em compensação deixei com eles muitos livros, meus, da Funag, e a RBPI, que tinha levado especialmente para isso. Sabem como é: ninguém visita grandes amigos acadêmicos impunemente. Meus três livros mais recentes (Relações Internacionais, pela LTC, Globalizando, pela Lumen Juris, e Integração Regional, pela Saraiva) valeram o convite, os dois restaurantes, e a simpatia dos dois acima citados, mais o Werner Baer, que já formou gerações de economistas em Urbana (antes em Vanderbilt), mas parece que alguns não aprenderam muito...
Aproveitei a loja da Apple na Universidade para comprar o novo iPad mini, na maior potência e a um preço menor do que as lojas comerciais; Carmen Lícia comprou um disco externo, para guardar suas milhares de fotos que ilustram nossas viagens (e algumas comilanças, também). Pelo menos este iPad pesa menos na barriga quando vou ler na cama, iBooks, Kindle, ou outros ebooks em outras plataformas.

Bem, agora começa realmente o festival de livros, na Powell’s de Chicago, onde fui duas vezes, uma delas sozinho, o que me permitiu abusar (mas Carmen Lícia me disse que já tinha comprado tudo o que precisava, uns quatro ou cinco de sua área de estudos chineses e orientais). Vou só relacionar os livros, pois seria muito extenso e cansativo falar de cada um deles, vários que eu já conhecia de bibliotecas, resenhas ou miradas rápidas em livrarias. Cada um deles custou, com uma ou duas exceções, de 4 a 6 dólares, apenas, e seria um crime deixá-los na prateleira, pegando poeira, a esses preços, e todos totalmente novos, ou seja, usados não usados (eles são loucos esses caras da Powell’s, esses americanos, em geral).

Comprados na Powell’s, de Chicago:
1) Feinstein, Temin, Toniolo: The World Economy between the World Wars (Oxford, 2008); já tinha lido esse livro e anotado, copiado, na Biblioteca do Itamaraty; muito bom e recomendo vivamente, para os que praticam história econômica, como eu;
2) Peter Isard: Globalization and the International Financial System: what’s wrong and what can be done (Cambridge: 2005); história econômica empírica, não impressionismo;
3) A. C. Crayling: Toward the Light of Liberty: the struggles for freedom and rights tha made the Modern Western World (Walker, 2007); um exame da história e do contexto das grandes declarações revolucionárias pelas liberdades democráticas;
4) Timothy Ferris: The Science of Liberty: Democracy, Reason, and the Laws of Nature (Harper Collins, 2010); como a revolução científica impulsionou a democracia;
5) David. L. Bosco: Five to Rule Them All: The UN Security Council and the Making of Modern World (Oxford, 2009); a velha e a nova geopolítica e o multilateralismo;
6) Sylvia Nasar: Grand Pursuit: The Story of Economic Genius (Simon and Schuster, 2011); pela mesma autora de A Beautiful Mind, um exame dos grandes economistas;
7) Andreas Kalivas and Ira Katznelson: Liberal Beginnings: Making a Republic for the Moderns (Cambridge, 2008); a velha questão da democracia dos antigos e modernos;
8) Guillermo Calvo: Emerging Capital Markets in Turmoil: Bad luck or Bad Policy? (MIT Press, 2005); o brilhante economista argentino nos EUA (FMI e universidades) que trata das crises financeiras dos anos 1990, inclusive no seu país e no Brasil;
9) E. Wayne Nafziger: Economic Development (Cambridge, 2004); 4a edição deste excelente manual acadêmico, precioso, a vários títulos, inclusive a bibliografia;
10) Findlay, Henriksson, Lindgren and Lundhal (eds): Eli Heckscher, International Trade, and Economic History (MIT Press, 2006); estudos em homenagem ao grande teórico do comércio internacional, um grande historiador econômico, além disso.

Bem, esses foram os poucos livros que comprei em Chicago, onde tinha ido apenas para assistir apresentações de ex-alunos de Friedrich Katz (um austríaco emigrado nos EUA, como tantos intelectuais fugidos do nazismo) e de John Coastsworth (de quem tenho livros de quando ela ainda estava em Harvard, agora na Columbia), e a quem conheci pessoalmente: dei-lhe um livro meu e ficamos de nos ver em NY; os dois foram os grandes promotores da história econômica da América Latina em Chicago, uma tradição que sobrevive apenas parcialmente, depois da morte do primeiro e da saída do segundo; Chicago é sinônimo de economia teórica, atualmente, quando não denegrida pelo mito absolutamente simplista dos Chicago boys e sua economia liberal (os austríacos não acham, e consideram os chicagoanos ainda intervencionistas demais). Mas é isso.
Eram tantos livros que não pude carregar para casa de uma vez só: tive de fazer em duas viagens, do carro na garagem ao apartamento, e agora não tenho onde coloca-los mais; estão todos no chão, esperando que eu um dia arrume as mesas; vou ter de usar o parapeito das janelas, ou comprar mais estantes...
Um dia volto a falar de todos esses livros, ou vou usá-los em meus trabalhos; estou terminando um texto sobre a Brazilian Trade Policy, e depois tenho de fazer um outros sobre Economic Regime Change in Brazil, o que vai me dar muito prazer. Sim, ainda tenho um outro livrão, de mais de 700 páginas, que comprei numa sessão em homenagem ao Albert Hirschman, em Princeton, onde fui duas semanas atrás: sua biografia intelectual por Jeremy Adelman, um ex-aluno e admirador (como eu, aliás...). Falando nisso, vou postar um artigo sobre ele na mais recente New York Review of Books. Na sequência...
Quando vou terminar de ler e de escrever? Não tenho certeza, mas como já adiantei ao Criador (se ele me escuta, o que duvido, pois eu desconfio que ele não está nem aí para irreligiosos como eu), vou precisar de mais ou menos 150 anos adicionais, para terminar de ler só o que tenho, sem falar de mais 200 outros, para ler os de bibliotecas e os que foram aparecendo por aí.
Voltarei a falar de livros, leituras, escritos, e outras distrações intelectuais...
Não babem no teclado, por favor...

Chicago-Hartford, 5-7 Maio 2013.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Qual deles seria maior?: o cinismo, a mentira, a desonestidade ou a desfaçatez?

Ou todos eles juntos e mais alguma coisa, que nem pretendo mencionar, para não ofender algumas almas sensíveis, que talvez se choquem com a corrupção e aquele velho hábito dos que mandam de praticar um esporte muito conhecido desde sempre, já estigmatizado por Antonio Vieira e outros espíritos mais lúcidos...
Paulo Roberto de Almeida 

Editorial O Estado de S.Paulo, 7/05/2013

É temerária a perspectiva de que “se passe a menosprezar o exercício da democracia e se comece a aplicar a ditadura de um partido sobre os demais”. Por outro lado, “você pode fazer o jogo político, pode fazer aliança política, pode fazer coalizão política, mas não precisa estabelecer uma relação promíscua para fazer política”. Um petista desavisado que topasse com essas declarações sobre a política brasileira não hesitaria em atribuí-las à conspiração da “mídia conservadora” para “acabar com o Partido dos Trabalhadores (PT)”. Mas são declarações textuais de Luiz Inácio Lula da Silva, o grande líder do PT. Constam de mais uma publicação destinada a cultivar o mito petista, o livro 10 Anos de Governos Pós-Neoliberais no Brasil: Lula e Dilma, que será lançado dia 13.
Quem acompanha com um mínimo de espírito crítico a trajetória política de Lula sabe do absoluto descompromisso do ex-presidente com a coerência. Lula fala o que quer, quando quer, movido por notável intuição político-eleitoral e comprovado senso de oportunidade. Não tem o menor escrúpulo de desdizer hoje o que afirmou ontem nem de fazer amanhã o que condenou hoje. Assim, Lula declarar que tem medo da “ditadura de um partido sobre os demais” e reprovar a prática de “relação promíscua para fazer política” não chega a ser surpreendente, mas é de um cinismo de fazer corar um monge de pedra.
Que dizer, então, do comentário do “principal protagonista” do PT a respeito do polêmico episódio da divulgação da Carta ao Povo Brasileiro? Essa proclamação, de cunho essencialmente eleitoral, cumpriu em 2002 o objetivo de, poucos meses antes da eleição presidencial, tranquilizar os setores da opinião pública temerosos diante da determinação dos radicais lulopetistas de reverter a política econômico-financeira “neoliberal” com que o governo FHC lograra acabar com a inflação, promover a estabilidade e retomar o crescimento social e econômico.
Eleito, Lula realmente manteve os fundamentos econômicos “neoliberais”, que permitiram a vigorosa ampliação dos programas sociais iniciados por seu antecessor. E agora, num surto de sinceridade, se dá ao desfrute de fazer blague com aqueles acontecimentos: “Eu era radicalmente contra a carta porque ela dizia coisas que eu não queria falar, mas hoje eu reconheço que ela foi extremamente importante”. Teria sido mais verdadeiro se dissesse “útil”.
De qualquer modo, ao longo das 20 páginas em que o organizador do livro, coadjuvado por outro fiel seguidor do ex-presidente, se empenha em levantar a bola para o entrevistado, Lula faz também uma análise do PT atual a que certamente só se permitiu porque se considera soberano, com direito ao luxo de dizer a mais pura verdade: o Partido dos Trabalhadores está dividido hoje em dois grupos – “o eleitoreiro, parlamentar, o PT dos dirigentes”, e o partido “da base, igualzinho ao que era em 1980″.
O que Lula não chega a admitir é que, dentro da “democracia petista” – que, de resto, não é muito diferente daquela praticada pelos outros partidos -, quem manda de fato são os “dirigentes”, hoje obcecados em perpetuar-se no poder. A base, “igualzinha ao que era em 1980″, continua, é claro, defendendo as mesmas propostas radicais que fizeram Lula ser derrotado em três pleitos sucessivos. E para os “dirigentes” é muito importante que mantenha esse discurso, para que o PT possa continuar ostentando a aura de partido popular.
É isso que explica, por exemplo, a presença do disciplinado Rui Falcão no comando formal da legenda. De vez em quando Falcão reúne a tropa, solta algumas palavras de ordem radicais, vocifera contra a “direita”, os “neoliberais”, a “mídia golpista” e vão todos para casa jubilosos de sua militância “revolucionária”.
Enquanto isso, a nomenklatura petista, refestelada nos altos gabinetes do partido e do governo, cultiva relações cada vez mais promíscuas com as lideranças políticas que combateu durante mais de 20 anos e conspira, nos bastidores do Congresso, para sufocar forças políticas que possam emergir na contramão de seus interesses eleitorais em 2014. 

Departamento de traducoes estramboticas, ao trabalho, por favor...

Duas peças recentes, que eu continuo tentando entender...

1) “Mas voltando desse parêntese, a destinação dos royalties do petróleo. Ela não é trivial. Eu enviei para o Congresso quando vetei a medida, aliás, vetei parte da Lei dos Portos, dos Portos não, dos Royalties, e era do Petróleo, que mudava os contratos para trás, em uma afirmação que o Brasil tem que respeitar contratos gostando dos contratos ou não, não é uma questão de vontade, é uma questão de respeito à lei. Porém esse processo está sub judice, e a MP que define essa parte, essa parte dos royalties que é royalties, participações… essa parte da lei, aliás royalties, participações especiais e os recursos do pré-sal, destina à educação… essa lei, ela está parada porque ela está sub judice. O Supremo Tribunal está avaliando essa questão, se é ou não é inconstitucional ou não”.

2) “Todos os países para caminharem e caminham mais rápido quando há consenso, quando se constrói consensos. Consenso é algo que tem que ser construído, então caminha melhor, caminha de forma mais pujante, caminha mobilizando a todos quando é capaz de construir consenso. Nós construímos a necessidade de consensos e eu vou falar sobre dois consensos que eu acredito que sejam fundamentais para o país”.

O pessoal que trabalha em interpretação simultânea já desistiu; os que transcrevem da linguagem oral para a escrita, também. Resta o setor de decifração de manuscritos medievais, o pessoal que conhece linguagem de sinais, os últimos tradutores de Código Morse, enfim, alguém precisa vir em nosso socorro para que possamos entender o que está acontecendo nos mais altos escalões do poder...
Paulo Roberto de Almeida

Paquistao, Bangladesh: dois paises em estado pre-falimentar...

Quando 200 mil pessoas saem as ruas para demandar que os ateus sejam enforcados, existe algo de errado nesse país.
Quando a intolerância atinge tais níveis de expressão, justamente contra a liberdade de expressão (como já havíamos visto no Paquistão, no Irã, na própria Grã-Bretanha, desde o episódio dos Versos Satânicos de Salman Rushdie, novamente no caso das caricaturas dinamarquesas e incontáveis outros exemplos desse mesmo tipo), então o país inteiro está contaminado pelo ódio religioso, pela mais baixa manifestação dos espíritos totalitários, estamos a caminho de um Estado falimentar.
Isso explica, aliás, as madrassas de lavagem cerebral nas crianças, e o estoque infindável de homens bomba...
Afeganistão, Paquistão, Bangladesh, o que será desses países?
No Irã, a teocracia vai um dia deixar de existir, e a população educada vai novamente tomar conta dos destinos do país. Mas em países onde a própria elite foge de suas responsabilidades, o futuro se apresenta negro, se me permitem (ainda) tal expressão (eu não disse preto...). Isso inclui, perto de nós, o Haiti, também um Estado pré-falimentar, mantido pela assistência pública internacional, e que assim continuará pelos próximos anos (ou décadas).
Paulo Roberto de Almeida 

‘Atheists must be hanged’: Raw video from Islamist street clashes in Bangladesh

The protesters were so numerous that they blocked entire freeways, according to an AFP report, which says they chanted, “One point, One demand: Atheists must be hanged.”
A video, above, shows raw footage from the fighting. Some of the protesters have apparently set car tires on fire. At one point, riot police can be seen firing into the crowds, presumably with rubber bullets. Another shot shows an entire street in flames.
Police gave varying figures for the size of the demonstration, though some estimated as many as 100,000 or even 200,000. Even if that’s inflated, it’s still a sign of the apparent force behind this movement. A number of the protesters reportedly came from outside the capital for the demonstration, part of a rising movement demanding harsher punishment for “insults” to Islam.
“This government does not have faith in Allah,” one protester told the AFP, referencing Bangladesh’s officially secular constitution, adopted in 1972. “This is an atheist government, we will not allow them to live in Bangladesh. Muslims are brothers, we must protect Islam.”
The violence seems to have begun when police approached some stick-wielding protesters; it’s not clear who began the fighting, but it escalated dramatically.
Bangladeshi Prime Minister Sheikh Hasina has resisted demands for tougher anti-blasphemy legislation, both because of the government’s secular constitution and because, as she points out, the country already has such laws. She pointed out, as a way of calming the dissent, that the government has already arrested four bloggers for “derogatory comments” about Islam. That probably has not done much to calm Bangladesh’s Hindu minority or other non-Muslims in the country.

Istvan Hont (1947-2013) - Leonidas Montes

Um grande intelectual desaparece, infelizmente.
Paulo Roberto de Almeida 

Istvan Hont (1947-2013)
Leonidas Montes
Society for the History of Economics

Istvan was born in Hungary. He was educated in Budapest at the King Stephen I Gymnasium and then at the University of Budapest. First he studied Engineering, moving then to History and Philosophy. In 1974 he finished his MA and PhD (with the benefit of hindsight, perhaps his early engagement with mathematics and physics contributed to his rigorous or almost scientific standard for research). His PhD thesis, supervised by Professor Eva Balázs, was entitled “David Hume and Scotland”. Since his PhD dissertation, he could not leave this fascinating period of our history. In fact, David Hume, Adam Smith and their context became the passion and motive of his life. Immediately after completing his PhD, Istvan was appointed Research Officer in the Institute of History in the Hungarian Academy of Sciences. One of his early jobs consisted on making summaries of papers for a journal. As a voracious reader, besides devouring plenty of books, that early job also helped to broaden his vast knowledge.

In 1975, with the help of Sir Michael Moissey Postan (1899-1981), by then Professor of Economic History at the University of Cambridge, Istvan and his wife Anna left Hungary to start an academic life in the UK. They went to Oxford University. He continued with his interest on David Hume and the Scottish Enlightenment, but got interested in political economy. At Oxford University, under the supervision of Professor Hugh Trevor-Roper (1914-2003), Regius Professor of Modern History, he obtained another PhD. He was immediately appointed, in 1977, to the Research Fellowship in Intellectual History at Wolfson College, Oxford. A year later, he moved to Cambridge as a Fellow of King’s College where he directed, along with Michael Ignatieff, the newly established Research Centre project on “Political Economy and Society 1750-1850.” During the six years of this project (1978-1984), he organized a series of groundbreaking conferences. One of this conferences resulted in the seminal collection on eighteenth-century political economy essays gathered in Wealth and Virtue: The Shaping of Political Economy in the Scottish Enlightenment (Cambridge, 1983), which he co-edited and introduced with Michael Ignatieff. Istvan contributed to this book with two influential papers: his “The ‘rich country – poor country’ debate in Scottish classical political economy” and, with Ignatieff, “Needs and Justice in the Wealth of Nations”. The economic limits to national politics, Hume’s treatment of credit, the nation-state and nationalism in 18th century, the language of the debate and its context, remained his intellectual motivations. Istvan began his academic career at Cambridge University. He became Lecturer in the Faculty of History and then he was appointed Reader in Political Thought.

Between 1986 and 1989 Istvan and Anna moved to Columbia, where he was appointed Assistant Professor. After this experience in the US, they returned to King’s College, Cambridge. Except for one failed attempt to move to Harvard, and short visiting appointments at Princeton, Chicago, Harvard, Göttingen, Budapest, among others, Cambridge and King’s College became and remained their home. The attempt to move to Harvard, or better said, the attempt to move Istvan Hont to Harvard, became famous. I vividly remember this episode as I was member at King’s College. Early in 2002, the Faculty of Government at Harvard University, normally divided over appointments, had reached a unanimous consensus to appoint Istvan Hont. The Faculty had discussed about the candidate for nearly a year and requested around 20 evaluations from outside experts. Lawrence Summers was then President of Harvard. And Summers, as an economist, had regularly promoted younger candidates who would produce more. When he heard about this appointment, he was concerned with Hont’s research productivity. Finally Summers vetoed Istvan’s unanimously approved appointment. This created a hot debate in Harvard and also in Cambridge. Istvan, who was 54 years old at the time, declared to the WSJ: "I don't feel old… I feel I'm in the full swing of my research activities. I was originally a refugee in Hungary and I got all my appointments 10 years later than anybody else. It took me a long time to get to England and establish myself." At the end, he was happy to remain at King’s College, Cambridge. And as a young Smith scholar, I celebrated Summers’ decision.

After this experience, Istvan began to work on his Jealousy of Trade. International Competition and the Nation-State in Historical Perspective (Harvard, 2005). It is a collection of his essays, but it contains a carefully written long introduction that summarizes his life research. Actually this long introduction can be read as a new book. Perhaps Summers was right: Istvan was not productive with his research. But in Istvan’s case there was definitely a trade-off between quality and quantity: what he wrote and published is seminal and fundamental.

Istvan would attend some History of Economics Society Meetings, and was enthusiastic with the development of the Society. In 2007 Istvan Hont received the Joseph J. Spengler Prize for the best book. Cristina Marcuzzo, chair of the Spengler Committee, stated:

“We found Hont's book to be monumental in the detail and breadth of its scholarship. His understanding of both the primary texts he utilizes and the broader political-economic-historical contexts of that work is indeed masterful. The ground of international trade in that era has certainly been ploughed before, but not often with the depth and skill Hont brings to the work. This is both an outstanding work in the history of economic and political ideas and a work that is relevant to ongoing discussions today about globalization and the nation-state. Its contemporary relevance is but one more reason to honor it with this year's Spengler Prize.”

His Jealousy of Trade (2005), using the title of Hume’s famous essay, concentrated and expanded his idea that eighteenth century political economy, mainly represented by Hume and Smith, established the framework of our modern conception about international politics. After publishing this celebrated book, the corruption/luxury debate led him to explore the intellectual extent of the relationship between Rousseau and Smith. This was the subject of his Carlyle Lectures (Oxford University, 2009) and Benedict Lecture (Boston University, 2010). (*)

Istvan was an enthusiastic and fervent member of the so-called Cambridge School, a tradition that owes much to Peter Laslett, Quentin Skinner, J. A. G. Pocock and John Dunn, among others. His influential legacy is the best proof that he was an important representative of this approach to intellectual history.

I remember the first time I met Istvan as a PhD student. We used to have lunch at King’s College dining hall. After some conversations, I finally dared to ask him to read a paper on the Adam Smith Problem. He invited me for lunch. And I asked Istvan “what do you think about it?” He immediately replied, with his Hungarian accent, “it is rubbish”. One would first feel threatened, but he had his way. And at the end, he would be very helpful. As my PhD dissertation developed, he became a great and inspiring company. Gradually we became acquainted, had dinner together with Anna, and had regular lunches at King’s where our conversation went beyond Adam Smith and David Hume.

As a scholar Istvan knew almost everything about the Scottish Enlightenment. Besides his encyclopedic knowledge, he studied and he chewed each idea. And he thought carefully about every word he wrote. His undergraduate students, I remember, thought he was extremely demanding, but he was respected as a very good teacher. I imagine that writing a paper with him was a challenge, but also an intellectual experience. He was certainly terrifying and at times awkward, but he was immensely generous with his time and knowledge. I still remember his smile which was a sign of approval. And I still remember, after we became acquainted, that whenever we would talk about Adam Smith, I would call for his opinion paraphrasing Adam Smith’s definition of the virtue of self-command: “what does the awesome and respectable Istvan Hont think about this idea”. He liked that, as he realized a student would need some self-command with him. But he also was inspiringly helpful.

Istvan certainly liked what he did in his life. I imagine him at his bed, happily reading Lucretius, as David Hume did. I also imagine that he might have asked Anna to burn some of his unpolished manuscripts, as Adam Smith did. He passed away on Friday, 29 March 2013, aged 65.

(*) Istvan develops his thesis in a conversation at Harvard University (see “Rousseau and Smith: A Conversation with Istvan Hont”: http://www.youtube.com/watch?v=v83Zh2IenM4

Leonidas Montes
Dean School of Government, Universidad Adolfo Ibáñez

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About Jealousy of Trade (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2005)
This book connects the commercial politics of nationalism and globalization in the 18th century to theories of commercial society and Enlightenment ideas of the economic limits of politics. It considers British neo-Machiavellian political economy after the Glorious Revolution and explores eighteenth-century theories of international market competition that continue to be relevant for the twenty-first century. 'Jealousy of Trade' refers to a particular conjunction between politics and the economy that emerged when success in international trade became a matter of the military and political survival of nations. Today, it would be called 'economic nationalism', and in this book Istvan Hont connects the commercial politics of nationalism and globalization in the eighteenth century to theories of commercial society and Enlightenment ideas of the economic limits of politics. The book begins with an analysis of how the notion of 'commerce' was added to Hobbes' 'state of nature' by Samuel Pufendorf. Hont then considers British neo-Machiavellian political economy after the Glorious Revolution. From there he moves to a novel interpretation of the political economy of the Scottish Enlightenment, particularly of David Hume and Adam Smith, concluding with a conceptual history of nation-state and nationalism in the French Revolution."Jealousy of Trade" combines political theory with intellectual history, illuminating the past but also considering the challenges of today. 

O racismo oficial do Estado brasileiro: o Apartheid em construção

Já protestei, neste mesmo espaço, contra o racismo do CNPq, na verdade da Presidência da República e da republiqueta dos companheiros: o CNPq foi obrigado, provavelmente contra a opinião de seus dirigentes e da maioria dos seus integrantes, a colocar essa exigência de autodefinição racial no Currículo Lattes.
Eu, obviamente, não desejando escolher entre ser branco, preto ou amarelo, simplesmente marquei que "Não desejo declarar", o que parece uma confissão de vergonha ou de covardia, quando deveria sinplesmente não existir essa exigência obrigatória.
Depois, pensando bem, resolvi que queria ser negro, e convidar TODOS os pesquisadores que tem necessariamente de se classificar a escolher a mesma opção: se declararem NEGROS.
Esta é a única maneira de denunciar e de inviabilizar a classificação RACISTA que nos pretendem impingir: pronto, agora somos todos NEGROS, e exigimos um tratamento condizente com a nossa condição de NEGROS.
Como Vinicius de Morais, que no seu Samba da Benção, se declarava o branco mais preto do Brasil, seremos agora todos brancos absolutamente negros, já que se trata de autodefinição.
Simplesmente vergonhoso.
Paulo Roberto de Almeida

Currículo racial
Editorial O Estado de S.Paulo, 5 de maio de 2013

Parece não haver desvão da sociedade brasileira que esteja livre do germe do racialismo patrocinado pelo Estado. A mais recente investida se deu na Plataforma Lattes, sistema que agrega informações sobre o universo acadêmico, organizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Na Plataforma, os pesquisadores devem manter seu perfil acadêmico e atualizá-lo regularmente com sua produção, para que as instituições de fomento possam medir seus méritos antes de conceder financiamentos. É o chamado Currículo Lattes, sem o qual praticamente nenhum pesquisador hoje no País é reconhecido. Pois agora o CNPq solicita dos acadêmicos uma informação que nada tem de científica ou meritória: a "raça" ou a "cor".

Os pesquisadores que tiveram de atualizar seu Currículo Lattes nos últimos dias depararam-se com essa exigência esdrúxula: "O campo 'Cor ou Raça' é de preenchimento obrigatório para a publicação do Currículo Lattes. Essa informação é solicitada para atender à Lei n.º 12.288, de 20 de julho de 2010". Trata-se da lei que institui o chamado Estatuto da Igualdade Racial, um projeto que, prenhe de boas intenções, oficializou a desigualdade racial no Brasil.
Ao estabelecer uma série de mecanismos que visam a "combater a discriminação de cidadãos afro-brasileiros", o estatuto parte do princípio de que os cidadãos brancos são invariavelmente favorecidos nos concursos e no trabalho graças somente à cor de sua pele, e não a seus méritos pessoais. Portanto, para combater essa suposta discriminação, criou-se outra, que nada tem de hipotética. Pretendeu-se resgatar uma "dívida histórica", referente à escravidão, à custa do artigo constitucional segundo o qual "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza".
Essa aberração jurídica foi corroborada pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, ao avalizar a adoção de cotas para negros e pardos nas universidades públicas. "A pobreza tem cor no Brasil", justificou a ministra Rosa Weber, como se a pobreza fosse uma característica inerente aos negros. Poucas vezes a consolidação de um estereótipo social negativo como esse contou com o apoio de tão doutos jurisconsultos.
O resultado é que a sociedade está agora legalmente dividida em negros e pardos de um lado e brancos de outro. Por esse motivo, pareceu natural ao governo exigir uma declaração racial formal dos pesquisadores e acadêmicos - como parte de seu currículo pessoal. A Secretaria da Promoção da Igualdade Racial informa que esse dado agora é necessário para "orientar os órgãos públicos federais na adoção de ações de promoção da igualdade racial" e que isso "atende a uma das mais antigas reivindicações do movimento negro brasileiro". A julgar pela explicação da secretária de Políticas de Ações Afirmativas, Angela Nascimento, isso significa que o Estado poderá discriminar pesquisadores em razão de sua raça ou de sua cor na hora de decidir se deve ou não financiá-los, pois o "quesito raça/cor" é "instrumento fundamental da ação governamental no planejamento, avaliação e alcance de tais políticas públicas".
Sofisticou-se, assim, o racialismo. Até aqui, as políticas de ação afirmativa tinham como base apenas levantamentos demográficos genéricos, feitos pelo IBGE, nos quais se preservava o anonimato. Agora, no caso dos pesquisadores, seus nomes estarão vinculados a rótulos como "negro", "branco" ou "amarelo", como se essas definições fizessem parte de suas qualificações. Em artigo no jornal O Globo (18/4), sob o apropriado título O ovo da serpente, a antropóloga Yvonne Maggie se disse "chocada" com a exigência do CNPq, expressando dúvidas pertinentes: "Como essa informação será utilizada? Será sigilosa?".
Há a opção "não desejo responder à pergunta", mas quem garante que o pesquisador que se recusar a informar sua raça não será discriminado por isso? O fato é que a pergunta nem sequer deveria ter sido feita, pois que mérito acadêmico há em ser "branco", "negro" ou "amarelo"?

Bolsa Familia: o maior programa assistencialista do mundo (e grande curral eleitoral...)


Blog do Augusto Nunes, 06/05/2013

REYNALDO ROCHA
O Bolsa Família completa em 2013 dez anos de existência nos moldes em que foi criado. Ao longo desse tempo, foi vendido como o programa de inserção social mais exitoso do mundo. O degrau para a ascensão social de classes menos assistidas. A grande obra que permitiu retirar da miséria milhões de brasileiros.
Os que ousaram criticar a falta de uma “porta de saída” eram rotulados de insensíveis ou defensores da desigualdade social ou coisas muito piores. Como sempre, demonizavam quem se dava ao trabalho de raciocinar.  Não entenderam sequer que os opositores tucanos não poderiam ser contra o programa. Afinal, foi invenção deles. Criação de Ruth Cardoso. Em outro modelo.
Há sempre uma componente que o PT não consegue falsificar nem controlar: o tempo. Que, por vezes, é mais lento do que gostaríamos. Mas é implacável.
O Bolsa Família já tem a segunda geração de dependentes! Netos de mulheres atendidas são hoje a condição para que filhas passem a receber o benefício.
São famílias dependentes. Avó, mãe e netos. Uma cadeia de horror, uma prova irrefutável da falência das políticas sociais do lulopetismo. A miséria preservada.
Foram dez anos (e haverá mais dois!) de nenhuma alteração no quadro social do Brasil. Mesmo para os dependentes dos auxílios federais.
Qual o nome que pode ser dado a isto, senão fracasso?
Lula e Dilma criaram uma classe média de fantasia. De cenário de filme, onde só existem as paredes dos sets de filmagem. Alavancada por um crédito fácil. Que se acabou. Ou pelo imenso endividamento de quem acreditou no paraíso petista ou pelo juro excessivo embutido em suaves prestações. Um novo “milagre brasileiro”. Que, como os outros, não levou ao céu. O inferno era previsível. O outro nome dele é inflação.
A imensa massa de dependentes (financeiros e eleitorais) criada pelo PT com o Bolsa Família é humilhante para o país. Não há porta de saída! Não há incentivo para que se abandone este auxílio que um dia Luiz Gonzaga chamou de esmola: “Mas doutô, uma esmola a um homem qui é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão!” O que seria um suporte para um futuro é hoje o bilhete de permanência no passado.
Não fazíamos criticas. Gritávamos alertas! E apoiamos o amparo aos menos assistidos, pobres e miseráveis. E pedíamos um passo além! O resgate da dignidade. A ajuda que não seria nunca, permanente, mas temporária. E sabíamos que este auxílio era um fim em si mesmo. Para aumentar um imenso curral de miseráveis manobrados por quem descobriu na miséria um dos eixos (o outro é a corrupção) do projeto de poder aloprado e criminoso. Mas sempre maléfico ao Brasil. E ao ser humano.
O resultado aí está. Não é opinião. São fatos.
O que dizer de um regime que por 10 anos deteve mais poder que qualquer outro (nem mesmo a ditadura militar chegou a tanto, pois lhe faltava apoio de civis engajados na loucura) e se sustenta na permanência da miséria como combustível eleitoral?
Que não teve a mínima competência para criar uma ponte e preferiu construir um muro? Com gente dentro…
Vejam este trecho de reportagem do Globo: “Grávida de seis meses, Danielle estuda à noite, no 1º ano do ensino médio, e diz que só espera a criança nascer para solicitar o benefício. – Ela está fazendo a família dela e vai ter o próprio Bolsa Família, diz a mãe”.
Não é só uma jovem que fez da maternidade o acesso ao que “vicia o cidadão”. São 50 milhões de brasileiros beneficiados. Sem porta de saída. Sem saber de onde vem o dinheiro. Sem ter a noção que a dignidade está na educação e na efetiva inclusão social.
Jamais houve um náufrago que, sobrevivendo num bote de emergência, quisesse nele permanecer.O PT criou a profissão em que não se trabalha mas se tem a paga pelo que não se fez.
Já não são só os miseráveis que se beneficiam. São brasileiros (famílias na segunda geração) que preferem receber sem produzir. São incentivadas pelo governo do PT, que prefere miseráveis dependentes a cidadãos informados e produtivos, na totalidade.
Não estou criticando quem necessita do Bolsa Família. Nem do próprio programa de amparo. Mas ACUSO o governo do PT de instrumentalizar a miséria, perder 10 anos de nossa história, usar miseráveis como combustível desta máquina de compadrios e corrupção, ignorar a educação (que nunca valorizou) como a ÚNICA porta de saída do programa assistencialista e deturpar o sentido da palavra DIGNIDADE.
Nada deu errado. Esse era o plano. Deu certo.
Para eles, uma massa eleitoral sob controle. Para nós um passo da manutenção do projeto de poder que nos envergonha!
Em 10 anos, perdemos 10 anos.