O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Todos Pela Educacao analisa o Plano Nacional de Educacao

Ao final da matéria consta uma informação sobre o que é, e o que quer o Todos Pela Educação.
Paulo Roberto de Almeida
Todos Pela Educação, 04 de junho de 2014
Movimento destaca pontos que merecem atenção da sociedade

O caminho do novo Plano Nacional de Educação (PNE) do Brasil foi longo: desde o envio, com atraso, do projeto de lei pelo Executivo até a aprovação na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira, 3 de junho de 2014, foram quase quatro anos de análises e discussões – considerando apenas a fase de tramitação do projeto de lei, uma vez que os debates que reuniram as propostas do governo e da sociedade para a Educação tiveram início na Conferência Nacional de Educação (Conae) de 2010.

Finalmente aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados, após a segunda passagem pela casa legislativa, o documento que vai nortear as metas da Educação brasileira para a próxima década segue agora para a sanção da Presidência da República.

O PNE anterior, que vigorou até 2010, tinha como principal ponto fraco ter centenas de objetivos e metas, o que dificultou a absorção por gestores, educadores e também pela sociedade brasileira. Calcula-se que menos de um terço das metas foram atingidas. Entre o fim da validade do antigo plano o e o início da vigência do novo, o Brasil terá ficado mais de 1250 dias sem PNE.

Mesmo após uma trajetória cheia de entraves, é após a sanção da presidente Dilma Rousseff (PT) que começa a verdadeira missão do plano. A atualização do cumprimento das metas pode ser acompanhada pelo Observatório do PNE, plataforma online, iniciativa de 20 organizações ligadas à Educação, sob a coordenação do TPE, com o objetivo de monitorar os indicadores da lei.

O Todos Pela Educação entende que é indiscutível a contribuição do PNE para os próximos dez anos da sociedade brasileira, uma vez que o plano preza pelo alinhamento de esforços de diferentes setores, áreas e entes federados pela melhoria da qualidade da Educação do País.

O texto tem muitos pontos positivos, tanto nas metas e estratégias como no corpo da lei. O plano apresenta uma agenda desafiadora para a Educação no Brasil, que precisará do empenho de todos os governos e da sociedade para ser cumprida. É por isso que é importante que municípios e estados criem, na esfera política de cada um, planos de Educação locais espelhados no PNE.

No entanto, o PNE poderia ter sido mais ousado em alguns temas, uma vez que o País encontra-se numa trajetória de mudanças estruturais – e a Educação, assim como a ciência e o trabalho, devem acompanhar essas transformações.

Pode-se dizer, em suma, que os alunos que fazem parte do sistema educacional norteado pelo PNE são alunos do século 21, enquanto o conteúdo do plano ainda olha para questões que deveriam ter sido resolvidas no século 20.

Dessa forma, o texto abaixo destaca os principais pontos que, no entendimento do movimento, merecem atenção da nossa sociedade.

Alfabetização
A meta 5 do PNE que vai à sanção presidencial é a alfabetização de todas as crianças, no máximo, até o final do 3º ano do Ensino Fundamental. O texto original, redigido pelo Poder Executivo, pedia a alfabetização até, no máximo, os 8 anos de idade. Mas a meta foi modicada outras vezes – no Senado, por exemplo, foi instituído alfabetizar todas as crianças, no máximo, até os 8 anos de idade, durante os primeiros 5 (cinco) anos de vigência do plano; no máximo, até os 7, do sexto ao nono ano de vigência; e até o final dos 6 anos de idade, a partir do décimo ano.

O TPE entende que essa meta poderia ter sido redigida de forma mais adequada ao imenso e perene desafio da alfabetização dos alunos brasileiros. O movimento acredita que a alfabetização deveria ser garantida até, no máximo, os 8 anos, uma vez que numa turma de 3º ano, como diz a meta, podem existir alunos de diversas idades – inclusive com mais de 9 anos. Sob a redação final, é possível alcançar a meta retendo os alunos no 3º ano, piorando, portanto, um dos principais problemas na Educação no Brasil, a distorção idade-série. A garantia do direito à Educação de qualidade deve ter implícita a garantia da aprendizagem na idade certa, e a redação final coloca em xeque este objetivo. Este posicionamento é alinhado à própria Meta 2 do TPE: “toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos”.
Deve-se destacar que a palavra “plena”, citada na primeira estratégia da mesma meta, é de extrema importância, uma vez que ser alfabetizado não é apenas decodificação, mas sim domínio crítico e autônomo da leitura e da escrita como ferramentas primordiais para o aprendizado contínuo, por toda a vida.

Vale lembrar que, até agosto, devem ser publicados os resultados da primeira edição Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), aplicada no ano passado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para avaliar o nível de alfabetização dos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental. Os resultados serão censitários e o teste deve ser anual.
Antes da criação da ANA, foram realizadas duas edições da Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização, mais conhecida como Prova ABC, iniciativa do Todos Pela Educação e parceiros, sendo um deles o próprio Inep. Os dados da edição 2012 mostraram que 44,5% dos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental apresentavam proficiência adequada em leitura, 30,1% em escrita e 33,3% em matemática.
Além disso, o país conta com o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), programa do governo federal lançado em 2012 que envolve os três entes da federação – municípios, estados e União – num esforço nacional para alfabetizar todas as crianças até os 8 anos de idade ao fim do 3º ano do Ensino Fundamental.

Educação Integral
Diversas pesquisas e estudos apontam que a maior exposição a situações de ensino leva a mais aprendizagem. O tema é uma das bandeiras do Todos Pela Educação. Nesse sentido, a Educação Integral, apresentada na meta 6 do PNE, é fundamental para o Brasil avançar nos índices de aprendizagem resultados das avaliações de sistema. A ampliação do tempo na escola deve ser feita com qualidade, intenção e planejamento pedagógico de aulas e atividades articuladas ao projeto político pedagógico da escola.
A meta 6 promove o oferecimento de Educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos estudantes da Educação Básica do Brasil. O Todos Pela Educação acredita que essa meta é tímida, uma vez que, com um financiamento para a área educacional que vai atingir 10% do Produto Interno Bruto (PIB) até o fim da vigência do PNE, os objetivos poderiam ser mais ousados.
Educação Especial
A meta 4, que trata da Educação Especial, foi uma das mais debatidas durante toda a tramitação do PNE no Congresso Nacional, sendo alvo de polêmica. A redação final da Câmara é: universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, preferencialmente na rede regular de ensino.
Na opinião do movimento, o PNE deveria apontar inequivocamente para a inclusão das crianças no sistema brasileiro regular de ensino. A palavra “preferencialmente” enfraquece a meta, permitindo que a escolarização das crianças aconteça em unidades especializadas, privando as crianças com e sem deficiência das aprendizagens advindas do convívio e da aprendizagem conjuntos.

Cabe mencionar, que a meta também inclui a garantia do atendimento educacional especializado em salas de recursos multifuncionais, nas formas complementar e suplementar, em escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.

Formação de professores
A formação e valorização dos docentes faz parte da agenda do TPE, sendo claramente citada em uma das Bandeiras e em uma das Atitudes do movimento. O atual ministro da Educação, José Henrique Paim tem revelado desde a posse a centralidade que o tema terá na sua gestão, considerado hoje um dos maiores entraves e desafios para a melhoria da Educação brasileira.

A meta 15 trata justamente desse tema essencial ao País, afirmando que deve ser garantida, em regime de colaboração entre os entes federativos e dentro do prazo de um ano de vigência do plano, uma política nacional de formação e valorização dos profissionais da Educação, “assegurado que todos os professores e as professoras da Educação Básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam”.

O TPE considera essa uma das principais metas do PNE, uma vez que ela é ponto de partida básico e primordial para que outras metas e estratégias se consolidem. O país avançou – ainda que de forma desigual entre as regiões – na obtenção do título de Educação Superior, no entanto, há áreas de conhecimento para as quais as redes de ensino não têm professores especializados e os currículos dos cursos de licenciatura têm um enfoque acadêmico que não fornece aos futuros professores as ferramentas didáticas necessárias para o desempenho da profissão em sala de aula. É necessária uma mudança focada e radical nos cursos de formação dos docentes brasileiros que lecionam no Ensino Fundamental e Médio.

Família, cultura e esportes
A promoção do esporte dentro das escolas, assim como de atividades culturais e da participação da família, aparece em algumas estratégias do novo PNE. Um exemplo é a estratégia 3.1, que promove a institucionalização de um programa nacional de renovação do Ensino Médio, “a fim de incentivar práticas pedagógicas com abordagens interdisciplinares estruturadas pela relação entre teoria e prática, por meio de currículos escolares que organizem, de maneira flexibilizada e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados em dimensões como ciência, trabalho, linguagens, tecnologia, cultura e esporte”.
Esse tema também faz parte da agenda do TPE, especialmente por meio das 5 Atitudes propostas pelo movimento, sendo uma delas justamente a ampliação do repertório cultural e esportivo das crianças e jovens. Consideramos que alunos e famílias devem usufruir de espaços e atividades que ajudem a desenvolver esse repertório.
Universalização do acesso
Assim como no caso da Educação Integral, há anos as pesquisas mostram que crianças que frequentaram creches e a pré-escolas de qualidade apresentam melhores condições para o aprendizado no Ensino Fundamental e Médio. Nesse sentido, é essencial atingir a meta 1 do PNE que, reforçando a Emenda Constitucional No. 59, pretende universalizar até 2016 o atendimento na Pré-Escola para as crianças de 4 e 5 anos de idade, além de ampliar a oferta em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos.
O cumprimento da meta 1 é essencial para que o Brasil cumpra, com qualidade, as metas 2 e 3. A meta 2 do PNE é universalizar o Ensino Fundamental de 9 anos para toda a população de 6 a 14 anos e garantir que pelo menos 95% dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada. Já a meta 3 é universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o fim do plano, a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio, que hoje é de apenas 54,4%, deverá alcançar 85%. Estas metas somente serão alcançadas com medidas que levem à aprendizagem adequada na idade certa, corrigindo problemas de distorção idade-série que se alastram desde o início da vida escolar de vários alunos.

Vale lembrar que a Meta 1 do Todos Pela Educação – “toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola” – influenciou os debates que levaram à aprovação da Emenda Constitucional nº 59, que obriga a matrícula escolar de crianças e jovens nessa faixa etária até 2016.

Outras Metas do movimento em consonância com as metas do PNE são Meta 3 - Todo aluno com aprendizado adequado ao seu ano e Meta 4 - Todo jovem de 19 anos com Ensino Médio concluído.

Investimento
A Meta 20 foi foco das discussões nas diferentes fases de elaboração e tramitação do PNE. O percentual do PIB que deveria e poderia ser dedicado à Educação foi repetidamente questionado por meio de comparativos com países desenvolvidos, que estariam investindo na Educação valores similares aos do Brasil. Este posicionamento foi logo rebatido analisando-se o gasto per capita dessas mesmas nações, que supera significativamente os valores do Brasil.

O fato é que muitas das metas do PNE demandarão um maior gasto em Educação. O atendimento em creche deverá mais do que dobrar em dez anos, um milhão de crianças a mais deverão frequentar a pré-escola até 2016, em torno de 5 milhões de crianças deverão dobrar o tempo que permanecem na escola, mais de 13 milhões de pessoas precisam ser alfabetizadas, quase três milhões de vagas na Educação Profissional devem ser criadas, na Educação Superior são mais de 4 milhões de novas vagas para cumprir o plano. O cumprimento das metas de melhoria da formação inicial e continuada dos professores de todos os níveis, e de valorização e elaboração de planos de carreira para os professores da Educação Básica, assim como de fomento da gestão democrática da Educação, exigirão também recursos adicionais.

A gestão dos recursos novos e dos que já são executados nos diferentes níveis de governo precisa ser mais eficiente para que esse plano não seja letra morta. A União deverá prestar a assistência técnica necessária para que os entes da federação alcancem e persigam estes níveis de maior eficiência no gasto. E tanto governo como sociedade deverão poder acompanhar a execução orçamentária de forma transparente, permitindo identificar excessos e carências, priorizar e realocar recursos face às metas, seus respectivos estágios de cumprimento e caráter estratégico. Atualmente, as duas fontes de consulta, o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope) e o Tesouro Nacional, revelam valores de execução não coincidentes.

A redação final da meta permite a aplicação dos recursos públicos em programas como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e a rede conveniada de creches. Apesar da pertinência do debate em relação à adoção de estratégias de expansão do atendimento por vias diferentes à expansão da rede pública no longo prazo, as necessidades imediatas de expansão do atendimento nas diversas etapas, particularmente na Educação Infantil e na Educação Profissional, requer a articulação com os outros setores.

A dinâmica populacional tem levado o Brasil a investir crescentemente na população mais velha, indiretamente sacrificando o desenvolvimento das novas gerações. As fontes de financiamento da Educação devem ser discutidas com prioridade, entendendo os gastos no setor como um investimento chave para a construção do país. Para garantir a coerência entre a natureza do gasto e a origem dos recursos, os royalties do petróleo – recurso não renovável – não poderiam ser considerados para cobrir gastos permanentes, como a manutenção e das redes de ensino. Para as despesas correntes, deverá ser empreendido um debate nacional que vise o desenho das grandes reformas que já estão na pauta nacional, como é o caso da reforma tributária, considerando a Educação de qualidade como fator estratégico para o desenvolvimento do país.

Esse tema também faz parte da agenda do TPE, especialmente por meio da Meta 5 – Investimento em Educação ampliado e bem gerido e de uma de suas Bandeiras: Aperfeiçoamento da gestão e da governança da área.

=======

Fundado em 2006, o Todos Pela Educação é um movimento da sociedade brasileira que tem como missão contribuir para que até 2022, ano do bicentenário da Independência do Brasil, o País assegure a todas as crianças e jovens o direito a Educação Básica de qualidade.
Em fevereiro de 2014 o Todos Pela Educação teve seu estatuto reformado para se qualificar comoOrganização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Clique aqui para baixar o Certificado de Qualificação e o Estatuto Social
Apartidário e plural, congrega representantes de diferentes setores da sociedade, como gestores públicos, educadores, pais, alunos, pesquisadores, profissionais de imprensa, empresários e as pessoas ou organizações sociais que são comprometidas com a garantia do direito a uma Educação de qualidade.

Os objetivos do movimento são propiciar as condições de acesso, de alfabetização e de sucesso escolar, a ampliação de recursos investidos na Educação Básica e a melhora da gestão desses recursos. Esses objetivos foram traduzidos em 5 Metas. Ainda que não expressem tudo o que precisamos conquistar na Educação pública, elas traduzem de forma clara e objetiva o que efetivamente precisamos alcançar para mudar de patamar e efetivar os principais direitos educacionais dos alunos. São elas:

Meta 1 Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola
Meta 2 Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos
Meta 3 Todo aluno com aprendizado adequado ao seu ano
Meta 4 Todo jovem com Ensino Médio concluído até os 19 anos
Meta 5 Investimento em Educação ampliado e bem gerido

Em 2010, o movimento adotou 5 Bandeiras, as quais entende como urgentes e com resultados mais impactantes para a melhoria qualidade da Educação e para o alcance das Metas. São elas:

Formação e carreira do professor
Definição dos direitos de aprendizagem
Ampliação da exposição do aluno ao ensino
Uso relevante das avaliações na gestão educacional
Aperfeiçoamento da gestão e da governança da Educação

Como grandes mudanças dependem do engajamento de todos, tanto por ações cotidianas quanto por valores colocados em prática, em 2013 foram identificadas 5 Atitudes que mostram como população brasileira ajudar crianças e jovens a aprender cada vez mais e por toda a vida. São elas:

Valorizar o professor, a aprendizagem e o conhecimento
Promover as habilidades importantes para a vida e para a escola
Colocar a Educação escolar no dia a dia
Apoiar o projeto de vida e o protagonismo dos alunos
Ampliar o repertório cultural e esportivo das crianças e dos jovens

O Todos Pela Educação acredita que, pela dimensão do desafio e da desigualdade histórica da Educação no Brasil, apenas a ação dos governos não é suficiente. A participação dos diversos segmentos da sociedade, reunidos em torno de metas comuns e alinhadas com as diretrizes das políticas públicas educacionais, é fundamental para promover o salto de qualidade de que a Educação Básica brasileira necessita.



Brasil-Argentina: disputa pela pior politica economica - Rolf Kuntz

Competição difícil essa: saber quem ganha o prêmio IgNobel de pior administração em geral, e na economia em particular...
Paulo Roberto de Almeida 


A política da estagflação e do atraso industrial

Rolf Kuntz
O Estado de São Paulo, 7/6/2014
A emperrada economia brasileira está sujeita a dois dos governos mais desastrosos do mundo, o da presidente Dilma Rousseff, gerente da estagflação, e o de sua colega Cristina Kirchner, chefe da diplomacia comercial do Mercosul e dona, portanto, da palavra final em qualquer negociação relevante. Isso vale para as discussões com parceiros de fora, como a União Europeia, ou para os arranjos internos, como o acordo bilateral para o setor automotivo – revisto mais uma vez segundo os critérios da Casa Rosada. De janeiro a maio deste ano o Brasil exportou para os Estados Unidos produtos no valor de US$ 10,51 bilhões, pouco mais do que o vendido para o Mercosul, US$ 10,13 bilhões, e muito mais do que o embarcado para a Argentina, US$ 6,19 bilhões. As exportações para o mercado argentino foram 18,6% menores que as de um ano antes, pelas médias diárias, enquanto as vendas para os Estados Unidos ficaram 13,2% acima das contabilizadas no mesmo período de 2013.
Nenhum outro mercado aumentou tanto a absorção de produtos brasileiros, segundo registros do Ministério do Desenvolvimento. Indústria e Comércio Exterior. Mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao explicar o pífio crescimento econômico do Brasil no primeiro trimestre, 0,2%, apontou de novo as condições do mercado internacional, incluída a desaceleração americana, como principais entraves à expansão brasileira. Como de costume, ele descreveu um mundo bem diferente daquele reconhecido por qualquer observador razoavelmente atento e informado.
De janeiro a abril, 50,36% das exportações brasileiras para os Estados Unidos foram de manufaturados. Esse é o último período com informações detalhadas sobre a composição do comércio com cada parceiro. Nesses quatro meses, as vendas de manufaturados corresponderam a apenas 35,6% da receita geral. A dos básicos, a 48,9%. Somados os semimanufaturados, a parcela das commodities correspondeu a 61,6% do total (outros 2,8% ficaram na categoria de operações especiais).
A participação dos manufaturados continuou em queda. De janeiro a maio, esses produtos proporcionaram 34,8% do total faturado. O resto – quase dois terços – veio das commodities, principalmente dos básicos, 50,3% das vendas totais.
O Brasil assume, cada vez mais claramente, o papel de fornecedor de matérias-primas, principalmente no comércio com a China e outros países da Ásia. Até abril, os manufaturados foram só 3,09% das exportações para o mercado chinês. Em contrapartida, a China exporta principalmente manufaturados para o mercado brasileiro e, de quebra, toma do Brasil fatias crescentes do comércio com os latino-americanos.
O Brasil assume, cada vez mais claramente, o papel de fornecedor de matérias-primas, principalmente no comércio com a China e outros países da Ásia
Mas há nessa história um aspecto paradoxal, pelo menos à primeira vista. Cerca de metade das vendas brasileiras para os Estados Unidos ainda é formada por manufaturados. O peso desses produtos nas vendas à União Europeia é bem menor, 34,96% de janeiro a abril, mas, ainda assim, muito maior que no comércio com os parceiros da Ásia. No entanto, a indústria brasileira perde espaço no mercado externo, incluída a vizinhança latino-americana, e até no mercado interno. Aqui, a participação de fornecedores estrangeiros tem crescido há vários anos e passou de 20,4% no primeiro trimestre de 2012 para 22,5% dois anos depois, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Em resumo: algumas indústrias conseguem manter presença no mercado americano e também – com dificuldade crescente – no europeu, enquanto a maior parte do setor manufatureiro perde espaço em quase todos os mercados. Montar uma história clara e coerente com esses pedaços é uma boa tarefa para pesquisadores, mas pelo menos alguns detalhes parecem evidentes. Um deles é a acomodação da maior parte do setor industrial no comércio com economias em desenvolvimento, quase todas menos industrializadas que a brasileira. Hoje até esse papel é inseguro, por causa da presença crescente de fortes competidores, especialmente asiáticos, na América Latina e até no Mercosul. Essa acomodação é denunciada também pelo baixo grau de inovação, discutido quarta-feira no Fórum Estadão – Inovação, Infraestrutura e Produtividade. O protecionismo, outro detalhe importante, é obviamente parte dessa história.
O estímulo à modernização e à busca de competitividade teria sido, com certeza, maior se o Brasil houvesse buscado acordos comerciais com os países mais avançados, como os da América do Norte e da Europa, mas a diplomacia econômica brasileira preferiu outro caminho a partir de 2003. O governo recusou o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), no começo da primeira gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e fixou como prioridade a integração Sul-Sul.
O acordo com a União Europeia poderia ter aberto uma porta no mundo mais avançado, mas a aliança com o protecionismo argentino, depois convertida em sujeição, entravou as negociações. Enquanto isso, outros emergentes com facilidade de acesso ao mercado europeu, como a Turquia, consolidavam suas posições. Os demais Brics – Rússia, Índia, China e África do Sul – jamais se juntaram ao delirante e anacrônico projeto terceiro-mundista do governo brasileiro.
Alguns capítulos dessa história são temas do dia a dia: a tributação sobre o investimento e a exportação, a infraestrutura insuficiente e ruim, o atraso educacional, agravado pelas prioridades mal escolhidas, o excesso de gastos e o desperdício do dinheiro público, a tolerância à inflação elevada e o intervencionismo desastrado. As tentativas de maquiar as contas públicas e a inflação ilustram de maneira pitoresca a baixa disposição do governo de reconhecer e de resolver problemas.
O investimento reduzido a apenas 17,7% do produto interno bruto (PIB) no primeiro trimestre, 0,5 ponto abaixo do nível já ridículo de um ano antes, 18,2%, resume boa parte do quadro: incompetência governamental somada à crescente e muito compreensível insegurança do setor privado. É o Brasil em rápido processo de subdesenvolvimento.


Rolf Kuntz

Rolf Kuntz é professor titular de Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP) e colunista de economia do jornal “O Estado de S. Paulo”. É autor dos livros "François Quesnay: economia" (Atica, 1984), da coleção Grandes Cientistas Sociais, e "Qual o futuro dos direitos? Estado, mercado e justiça na reestruturação capitalista" (Max Limonad, 2002). Kuntz é mestre e doutor em Filosofia pela USP. Tem interesse especial pela obra de David Hume, Jean-Jacques Rousseau, John Locke e Adam Smith.

Inflacao: heranca maldita dos companheiros - Henrique Meirelles

Os keynesianos de botequim, que são as contrafações de economistas companheiros, ainda continuam a acreditar em Celso Furtado, para quem um pouquinho de inflação não seria prejudicial ao crescimento, desde que garantindo mais emprego. Se fosse só isso...
A herança dos companheiros vai continuar a prejudicar o Brasil por anos e anos à frente...
Paulo Roberto de Almeida 

O mau humor da inflação

Por Henrique Meirelles
Folha de S.Paulo, 08/06/2014.
O instituto de pesquisas Pew, com experiência consolidada na sondagem da opinião pública em mais de 80 países, divulgou dados sobre o nível de satisfação da população brasileira com duas revelações importantes:
1) A piora da avaliação da situação econômica aqui só se compara a ocorrida em países com guerra civil ou conflito agudo, como o Egito.
2) 85% da população considera a inflação um dos maiores problemas do Brasil.
A segunda constatação tem significado histórico. Por muito tempo, a maior dificuldade no trabalho de combate à inflação foi a postura de setores do pensamento econômico e da política de que um pouco de inflação é bom para o crescimento e que os custos de enfrentá-la com rigor para mantê-la na meta não compensam e são impopulares.
A inflação baixa é fundamental não só para a manutenção do poder de compra das pessoas, mas também para maior crescimento econômico
Dizíamos que, na medida em que a população sentisse os efeitos da manutenção do seu poder de compra com a inflação mais baixa, ela não aceitaria a volta de índices mais elevados. E que isso seria uma conquista institucional histórica, pois a experiência brasileira e de diversos países mostra que inflação baixa é fundamental não só para a manutenção do poder de compra das pessoas, mas também para maior crescimento econômico.
A inflação controlada dá mais previsibilidade e retorno ao investimento e, mais importante, eleva a confiança da população, pois sabe que no próximo mês o poder aquisitivo de seu salário será mantido.
Ponto fundamental e muitas vezes esquecido é que o maior prejudicado com a inflação um pouco mais alta são os assalariados. Eles têm aumento uma vez ao ano, enquanto os preços sobem a qualquer momento.
Importante notar também que é ilusão achar que o governo ganha com a inflação já que a arrecadação de impostos cresce com os preços e as despesas de governo só crescem mais tarde. A desorganização econômica e o baixo crescimento causados pela inflação acabam inexoravelmente prejudicando os que ganham com ela, inclusive o governo.
Portanto, devemos encarar a insatisfação popular com a inflação alta, apontada recorrentemente pelo Datafolha, como positiva. Ela consolida no Brasil o valor da inflação baixa e estável. E o pessimismo agudo revelado pelas pesquisas reflete a percepção de uma inflação maior do que a dos índices oficias, pois a população lida com preços livres não controlados pelo governo.
Com a inflação controlada e a expectativa para os anos seguintes na meta, os custos do controle da inflação serão muito baixos ou inexistentes.
Quanto maior a expectativa de inflação, maior é o custo de trazê-la para a meta e maior é o custo da desorganização inflacionária na economia como um todo.

Conluio Antidistributivo: coisa de sociologo gramsciano de ma-fe

Um leitor deste blog confessa que não gosta de minhas opiniões, embora ache o blog bom, e me pede uma opinião sobre a entrevista de um sociólogo (essa tribo de masturbadores sociais, como diria o Sérgio Mota) a propósito da próxima campanha eleitoral.
Aqui o comentário:


Cássio Moreira

15 minutos atrás  -  Compartilhada publicamente
Olá Paulo Roberto. Muito bom o teu site. Embora discordo de alguns pontos desse artigo gostaria de saber tua opiniao sobre essa entrevistahttp://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/06/1466547-conluio-antidistributivo-puniu-dilma-e-campanha-sera-mais-radicalizada-diz-sociologo.shtml

 E se de certa forma acha que essas duas analises sao complementares?
Leia mais
O sociólogo em questão acha que as elites de sempre, que ele identifica nos partidos de oposição ao atual partido no poder, estão mancomunadas num projeto perverso, que seria o de impedir que o partido hegemônico fizesse mais bondades em favor do povinho miúdo, que depende dos favores do Estado para ter maior igualdade distributiva.
Não vou dar minha opinião sobre o que ele disse pois isso seria promover comentários desonestos, feitos de má-fé, por um espírito partidário, à condição de argumentos de observador isento da política, o que obviamente não é o caso.
O cidadão partidário, gramsciano como vários de seus colegas, não entende de economia, e acha que os empresários foram contra a presidente apenas porque ela reduziu os juros e desvalorizou o real.
Com essa demonstração de ignorância elementar, não é preciso mais nada, a não ser confirmar que se trata de alguém de má-fé e politicamente motivado.
Paulo Roberto de Almeida

O Brasil e o mundo em dados comparativos - Julio Cesar de Carvalho Lima

Uma publicação do deputado Julio Cesar de Carvalho Lima que compila estatísticas oficiais comparativas entre diversos países sobre ampla gama de indicadores, neste link:
http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/17739
Paulo Roberto de Almeida

O Brasil e o mundo em dados comparativos : os continentes, os países, o Brasil, as regiões, os estados e os municípios comparados em valores absolutos, relativos e per capita
AuthorLima, Júlio César de Carvalho

Files in this item

Name:Size:Format:Visualização
brasil_mundo_lima.pdf25.39MbAdobe/PDFThumbnail
brasil_mundo_lima_qrcode.png1.783KbPNG imageThumbnail

This item appears in the following Collection(s)

Direito dos Tratados - Valerio Mazzuoli (nova edicao)

Um livro que já se tornou referência na área:

Going to Washington: National Gallery, among others (Degas-Cassat)

Art Review: Degas and Cassatt, Paired at the National Gallery
“Degas/Cassatt,” at the National Gallery of Art in Washington, looks anew at a relationship between two painters.

WASHINGTON — The friendship between Mary Cassatt and Edgar Degas is one of the few remaining mysteries of Impressionism. She was a wealthy, independent American suffragist who painted upper-class women tending children and taking in the opera; he was a Frenchman, a decade older, who spied on nudes in brothels and once said that women couldn’t understand style.
Curators, mindful of the age difference and of Cassatt’s status as an expatriate living and working on Degas’s turf, have tended to show us a student-teacher relationship. So it’s refreshing to see, instead, a platonic power couple, as we do in “Degas/Cassatt” at the National Gallery.
With just 70 works squeezed into four small galleries, this show is not your typical Impressionist blockbuster. And it’s so focused on technique, so determined to avoid any hint of romance or paternalism, that it sometimes feels clinical.
Familiar paintings and pastels are outnumbered here by prints and drawings. But that focus ultimately proves to be a smart decision, as in MoMA’s show “Gauguin: Metamorphoses.” The unpolished, process-oriented works by Degas and Cassatt present both artists in a new light, allowing viewers a glimpse of the inspiration each found in the work of the other.
One exception to the limited role of major paintings: the Cassatt masterpiece “Little Girl in a Blue Armchair,” from the National Gallery’s collection, which appears right at the beginning of the show. Fresh from a trip to the conservation lab, it dazzles with its predominant hue of deep turquoise.
A letter from Cassatt to her dealer Ambroise Vollard, also on view, proclaims that Degas worked on an area of the painting’s background; the recent cleaning and infrared photography have revealed that changes were indeed made. A horizontal line became a much more Degas-esque diagonal, and a small dog was moved from the floor to a soft chair in the foreground (where it has more of a rapport with the painting’s slouching subject.)
In smaller works shown nearby, Degas and Cassatt conduct separate but parallel material experiments with metallic paint, distemper and egg tempera. In her pastel “At the Theater,” for instance, Cassatt gives a subtle glint to the fan held by an operagoer; Degas, meanwhile, made his “Dancers (Fan Design)” shimmer with a liberal application of powdered silver.
More intense collaborations emerge in the next gallery, which is devoted entirely to prints. Most of them relate to an unrealized journal of 1879-80, Le Jour et la Nuit, which was to involve other Impressionists like Camille Pissarro and Gustave Caillebotte.
At the time, Cassatt was new to printmaking — she did not produce her most famous prints, the Japanese-influenced series of mothers and children, until the 1890s — but she threw herself into the project, with some help from Degas (who introduced her to the technique of soft-ground etching).
In that sense, he served as Cassatt’s mentor, an idea reinforced by a few of her tentative studies of standing nudes, seen from the back, which clearly echo voyeuristic works by Degas. But, on the whole, the prints convey a sense of shared enterprise. Both artists, for instance, allude to the journal’s title with bold silhouettes and other plays of light and dark — Degas in a marvelous scene of actresses in their dressing rooms, and Cassatt in a view of two women at the opera that relates to her well-known painting “The Loge” (also here).
The show organizer and the museum’s associate curator of French paintings, Kimberly A. Jones, argues that Degas and Cassatt, seen in black and white, look more like equals. This view gives Cassatt a little edge, and lends gentility to Degas’s often dishabille actresses and women of the night.
But it can’t totally erase the distinctions between their social milieus. The fact remains that Degas could go places Cassatt couldn’t, even at the opera, where a woman without male accompaniment was restricted to the loge and limited to matinee performances. She could not roam the orchestra, or lurk backstage, or haunt the nighttime cafe-concerts, as Degas did to gather material for Jour et Nuit. Her subjects are inevitably boxed-in; only their eyes may wander, with the aid of opera glasses.
One place she could visit, with relative freedom, was the museum. In a pastel by Degas, “At the Louvre (Miss Cassatt),” she is clearly in her element, leaning jauntily on her umbrella as her companion (probably her sister) perches primly on a bench. Related prints and sketches make it clear that Degas appreciated Cassatt’s swagger; in some versions, he places her right at the center of the image, so that she eclipses the second figure.
He also made a more conventional portrait of Cassatt, albeit one that depicts her as a very unconventional woman; it shows her leaning forward, as if she were about to leap from her chair, displaying an aggression normally reserved for men (like the similarly posed print collector in an earlier Degas painting, seen in the catalog).
Cassatt liked the portrait enough to hang it in her studio. But some three decades later she sold it, writing to her dealer Paul Durand-Ruel in 1912 or 1913, “It has artistic qualities but it is painful and depicts me as such a repugnant person, I don’t want anyone to know that I posed for it.”
By that point, her friendship with Degas had become strained; they had taken opposite sides of the Dreyfus affair, and their artistic interests had diverged (with Degas moving closer to abstraction in loose pastels and continually reworked canvases, and Cassatt adopting a tight figurative realism influenced by Japanese prints and American painters like Thomas Eakins). Both artists, difficult personalities to begin with, were becoming more cantankerous with age and failing health. The distance is apparent in prints and paintings from the 1890s, in the show’s final gallery. Here the brushy, violent Degas canvas “Scene From the Steeplechase: The Fallen Jockey” is flanked by two precise, saccharine Cassatt paintings of women and children picking apples in Edenic orchards.
Fortunately, “Degas/Cassatt” does not leave us here. It has an alternate conclusion, of works the artists exchanged over the years, which supports the show’s theme of reciprocity. We can see that Degas owned multiple versions of Cassatt’s print “The Visitor,” of a woman calling on a friend in a well-appointed parlor, and that Cassatt had a large pastel of a Degas nude squatting over a washtub.
And we can appreciate that their friendship was — like many friendships between artists — professional, competitive and complicated. It was, in other words, a relationship of equals.
Correction: May 31, 2014 
An art review on Friday about “Degas/Cassatt,” at the National Gallery of Art in Washington, referred imprecisely to the Museum of Modern Art’s show “Gauguin: Metamorphoses” in making a comparison between the exhibitions. The MoMA show is a current one running through June 8, not a “recent” show.

Decreto bolivariano: mistura de totalitarismo e desespero eleitoral

Interpreto assim o decreto celerado, de inspiração bolivariana, emitido quase secretamente pelo governo no final de maio: se trata de uma mistura dos instintos totalitários do partido no poder, sempre presente, com o seu desespero de ver que o monopólio do poder lhe escapar em outubro, em função dos desastrosos resultados econômicos da atual gestão.
Ambos se reforçam. Resta ver se a sociedade vai reagir e obrigar os parlamentares a anularem o decreto castrador que lhes humilha em suas funções legislativas e de representação da sociedade.
Sociedades podem involuir. O Brasil claramente retrocedeu institucionalmente e mentalmente sob os companheiros totalitários.
Paulo Roberto de Almeida 

Governo Dilma

O lado eleitoreiro do decreto bolivariano de Dilma

A um mês do início da campanha eleitoral, presidente editou um decreto que afaga os movimentos sociais, mirando as urnas nas eleições de outubro

Laryssa Borges, de Brasília
Veja.com, 8/06/2014
A presidente Dilma Rousseff, acompanhada dos ministros Gilberto Carvalho (Secretaria Geral) e Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário), recebe integrantes da liderança do Mst. A presidente foi presenteada com uma cesta de produtos orgânicos produzidos por agricultores do movimento, como arroz, leite, castanhas, pimenta e até uma garrafa de cachaça

PRESENTE – A presidente Dilma Rousseff recebe uma cesta de integrantes do MST em fevereiro, um dia depois de os sem-terra promoverem atos de vandalismo e atacar a segurança do Palácio do Planalto (Pedro Ladeira/Folhapress)

Desde a sua fundação, em 1980, o PT se apoia nos chamados "movimentos sociais" para avançar. Ao chegar à presidência com Lula, em 2002, o partido não descuidou da relação com grupos de sem-terra, indígenas ou estudantes com os quais já tinha laços. Eles tiveram financiamento e interlocução privilegiada com o governo. Do lado petista, nada mudou na passagem da administração Lula para a administração Dilma Rousseff. Chefe de gabinete do ex-presidente e atual ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho continua sendo o czar dos movimentos sociais no Planalto. O dinheiro continua a fluir. Ainda assim, o controle que o PT detém sobre essas organizações se esgarçou nos últimos tempos, ao passo que novos grupos de esquerda – como mostraram as manifestações de junho de 2013 – já não se alinham de maneira imediata à legenda. Nesse cenário, a edição no dia 23 de maio do decreto presidencial 8.243/2014 é um passo evidente na direção de cooptar, ou recooptar, os “movimentos sociais” para o projeto petista. A medida instituiu a participação de “integrantes da sociedade civil” em todos os órgãos da administração pública e, feita numa canetada, representa um assombroso ataque à democracia representativa.

Nesta semana, em um claro exemplo das dificuldades recentes de interlocução do PT com os movimentos sociais, Carvalho admitiu preocupação com a ameaça do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) de realizar um protesto nos arredores do estádio do Morumbi, palco do último amistoso da seleção brasileira antes da estreia na Copa do Mundo. Alinhados historicamente ao PT, os sem-teto se tornaram a pedra no sapato da gestão do prefeito Fernando Haddad (PT), promovendo atos diários, que na maioria das vezes terminam em confusão com a polícia. Há meses, o governo federal monitora a ação de grupos que realizam protestos pelo país, mas rechaçam aproximação com partidos políticos. No ano passado, durante a onda de manifestações de junho, o presidente do PT, Rui Falcão, até tentou capitalizar e infiltrar militantes petistas nos protestos. O resultado foi pífio: petistas foram hostilizados e isolados nas ruas.

Os números da mais recente pesquisa feita pelo instituto Datafolha, divulgada na semana passada, mostram que a rejeição à presidente Dilma é a pior entre os pré-candidatos: 35% dos eleitores do país afirmam que não votariam nela de jeito nenhum em outubro. Segundo o instituto, a queda nos índices de Dilma foi mais acentuada em redutos eleitorais do PT – Regiões Norte (queda de 53% para 44%) e Nordeste (de 54% para 48%). "Ironicamente, movimentos sociais e sindicais levam o governo do PT, partido que tem sua origem 'nas ruas', a conhecer um de seus mais elevados patamares de reprovação, equivalente apenas aos observados depois das denúncias de Roberto Jefferson sobre o mensalão, em 2005", escreveu o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, no jornal Folha de S.Paulo.

Leia mais sobre o decreto bolivariano de Dilma

Nos governos do PT, sindicatos, movimentos sociais como o MST, o MTST e entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE), foram generosamente tratados pelo governo federal – a UNE recebeu 30 milhões de reais de indenização para a construção de uma nova sede no Rio de Janeiro e quase 13 milhões de reais em convênios no governo Lula. O onipresente MST amealhou 64 milhões, em 2005, ano do escândalo do mensalão, por meio de ONGs, cujos caixas foram previamente abastecidos pelo governo por meio de convênios. Na gestão Dilma, porém, esses grupos e entidades já não consideraram suficiente ter canal direto com o Executivo federal. Resultado: cenas de indígenas, sem-terra e sem-teto tentando invadir o Palácio do Planalto ou acampados em frente à sede do governo viraram rotina. 

Leia também:  Para juristas, decreto coloca o país na rota do bolivarianismo

“A criação desses mecanismos de participação popular serve para dar voz a partidos e movimentos que não têm presença eleitoral. É um atalho, um golpe de esperteza, dando presença e direito decisório a grupos sem representatividade efetiva”, afirma o historiador Marco Antonio Villa, professor do Departamento de História da Universidade Federal de São Carlos. “Com os conselhos populares, o PT toma o aparelho de Estado de uma forma subreptícia. É uma estratégia de leninismo tropical”, diz.

No Congresso, dez partidos se mobilizam para tentar barrar o decreto de Dilma. Segundo oRadar on-line, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), sugeriu ao Palácio do Planalto que revogue o decreto. Pressionado, Alves resiste em colocar em votação um decreto legislativo para anular os efeitos do texto presidencial.

“É um escárnio colocar como conselheiros um leque de movimentos que são apenas corrente de transmissão de partidos de ultraesquerda e de setores mais bolivarianos do PT. É a clientela do Gilberto Carvalho. É uma coisa botocuda e grosseira fazer esses conselhos”, diz o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).

“A presidente já vinha flertando com esse pessoal ao receber o ‘radical chique’ do MST, o Movimento Passe Livre depois das quebradeiras que eles promoveram”, diz Aloysio. “Como está se esvaindo o prestígio da presidente Dilma nas franjas do eleitorado que o PT agregou nesses anos todos, ela se volta agora para os setores mais radicais e sensíveis a uma visão não institucional da política."

“É claro que a presidente tenta capitalizar nas eleições. Medidas como essa são para ‘inglês ver’ porque é capitalizar em cima de jogo de cena. Com esses conselhos populares ela tenta encenar um teatro de marionetes com os movimentos sociais um ano depois das manifestações de julho e no período eleitoral”, diz o presidente do DEM, senador José Agripino (DEM-RN). “Isso tudo agora que ela está em processo de queda de popularidade e de intenções de votos e quer posar com um teatro de fantoches”, completa.