A globalização e o direito comercial: uma longa evolução, por Paulo Roberto de Almeida
Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Texto escrito originalmente por Isaac Asimov.
Quando eu estava no exército, fiz um teste de aptidão, solicitado a todos os soldados, e consegui 160 pontos.
A média era 100.
Ninguém na base tinha visto uma nota dessas e durante duas horas eu fui o assunto principal.
(Não significou nada – no dia seguinte eu ainda era um soldado raso da KP – Kitchen Police)
Durante toda minha vida consegui notas como essa, o que sempre me deu uma ideia de que eu era realmente muito inteligente. E eu imaginava que as outras pessoas também achavam isso.
Porém, na verdade, será que essas notas não significam apenas que eu sou muito bom para responder um tipo específico de perguntas acadêmicas, consideradas pertinentes pelas pessoas que formularam esses testes de inteligência, e que provavelmente têm uma habilidade intelectual parecida com a minha?
Por exemplo, eu conhecia um mecânico que jamais conseguiria passar em um teste desses, acho que não chegaria a fazer 80 pontos. Portanto, sempre me considerei muito mais inteligente que ele.
Mas, quando acontecia alguma coisa com o meu carro e eu precisava de alguém para dar um jeito rápido, era ele que eu procurava. Observava como ele investigava a situação enquanto fazia seus pronunciamentos sábios e profundos, como se fossem oráculos divinos.
No fim, ele sempre consertava meu carro.
Então imagine se esses testes de inteligência fossem preparados pelo meu mecânico.
Ou por um carpinteiro, ou um fazendeiro, ou qualquer outro que não fosse um acadêmico.
Em qualquer desses testes eu comprovaria minha total ignorância e estupidez. Na verdade, seria mesmo considerado um ignorante, um estúpido.
Em um mundo onde eu não pudesse me valer do meu treinamento acadêmico ou do meu talento com as palavras e tivesse que fazer algum trabalho com as minhas mãos ou desembaraçar alguma coisa complicada eu me daria muito mal.
A minha inteligência, portanto, não é algo absoluto mas sim algo imposto como tal, por uma pequena parcela da sociedade em que vivo.
Vamos considerar o meu mecânico, mais uma vez.
Ele adorava contar piadas.
Certa vez ele levantou sua cabeça por cima do capô do meu carro e me perguntou:
“Doutor, um surdo-mudo entrou numa loja de construção para comprar uns pregos. Ele colocou dois dedos no balcão como se estivesse segurando um prego invisível e com a outra mão, imitou umas marteladas. O balconista trouxe então um martelo. Ele balançou a cabeça de um lado para o outro negativamente e apontou para os dedos no balcão. Dessa vez o balconista trouxe vários pregos, ele escolheu o tamanho que queria e foi embora. O cliente seguinte era um cego. Ele queria comprar uma tesoura. Como o senhor acha que ele fez?”
Eu levantei minha mão e “cortei o ar” com dois dedos, como uma tesoura.
“Mas você é muito burro mesmo! Ele simplesmente abriu a boca e usou a voz para pedir”
Enquanto meu mecânico gargalhava, ele ainda falou:
“Tô fazendo essa pegadinha com todos os clientes hoje.”
“E muitos caíram?” perguntei esperançoso.
“Alguns. Mas com você eu tinha certeza absoluta que ia funcionar”.
“Ah é? Por quê?”
“Porque você tem muito estudo doutor, sabia que não seria muito esperto”
E algo dentro de mim dizia que ele tinha alguma razão nisso tudo.
Tradução feita por Update or Die. Original: What Is Intelligence, Anyway?.
O Awebic levanta discussões sobre novas perspectivas de educação. O que você pensa sobre isso?
O Globo e O Estado de São Paulo, 7/04/2015
Acabo de voltar do exterior. A sensação é de déjà vu, de um passado distante. Explicar o Brasil voltou a ser complexo. “Li sobre as denúncias, passeatas, déficits e crises; o que ocorre no Brasil?”, perguntou-me um investidor estrangeiro. A resposta inevitavelmente tende a ser longa e começaria com um “veja bem”. Mas faço um esforço para resumir. Foi um ciclo favorável, não investimos o suficiente e não reconhecemos seu fim a tempo. Insistimos em voltar ao passado, a ponto de precisar ajustar tudo simultaneamente no presente para evitar uma crise maior no futuro. Porém, nada é estanque: com a depreciação recente do real, já há investidor externo de olho em oportunidades. A Bolsa subiu nos últimos dias por causa disso.
Todas as economias da América Latina - desde Argentina e Venezuela até Chile e Peru - estão enfrentando queda de crescimento. Sinal de um fator comum: o fim do ciclo externo favorável - boom de commodities e crescimento na China, capital abundante no mundo. Até denúncias e investigações estão ocorrendo em outros países, como em México e Chile, o que sinaliza que a tolerância a desvios é também cíclica.
A desaceleração é geral, mas não igual. A intensidade da desaceleração econômica depende das políticas domésticas. Algumas políticas amplificam os choques externos, outras criam resiliência. Há exemplos de ambas na América Latina. Na Argentina, a economia está no seu segundo ano de recessão, enquanto na Colômbia o crescimento ainda é razoável (acima de 3%).
Não vejo perspectiva realista de recuperação robusta dos preços das commodities. Quando os atuais preços das commodities são analisados desde 1913 em termos reais (i.e., preços em dólar deflacionados pela inflação nos EUA), observa-se uma tendência lenta e persistente de declínio (ver Macro Visão: Declínio secular das commodities, de volta à tendência? a seguir) O ciclo recente de forte alta dos preços iniciado em 2002 (associado ao crescimento da China) foi precedido de três ciclos anteriores: o primeiro, entre 1915 e 1919, associado à 1ª Guerra Mundial; o segundo coincidindo com a 2ª Guerra Mundial e a reconstrução da Europa no pós-guerra; e o terceiro começando com a elevação dos preços do petróleo em 1973 e continuando com o repasse de custos maiores de energia para as demais commodities.
A queda recente dos preços entre 2011 e 2014 apenas os trouxe de volta à tendência de longo prazo. Os preços não estão deprimidos sob uma perspectiva histórica, e, portanto, não é de se esperar um retorno rápido. Na realidade, os ciclos de alta anteriores foram sucedidos por “undershootings”, preços caindo para abaixo da tendência, por um tempo.
O declínio secular é concentrado nos preços das commodities agrícolas, mas os preços dos manufaturados também caíram em termos reais. A queda de ambos é em relação aos preços de serviços que têm subido em termos reais.
As perspectivas, portanto, são de crescimento menor na América Latina, afetado pelo preço dessas commodities. É claro que a perspectiva de recuperação global, devido à retomada do crescimento nos EUA, ajuda. Mas para um patamar menor do que o projetado antes da crise.
No Brasil estamos em plena temporada de ajustes. Identificamos pelo menos cinco ajustes relevantes em curso: (i) fiscal, (ii) parafiscal, (iii) realismo tarifário, (iv) balança de pagamentos e (v) meta de inflação.
O ajuste fiscal são as metas de superávit primário (de -0,6% para 1,2% do PIB ) e da dinâmica da dívida pública. É o principal ajuste para reconquistar a credibilidade e permitir a recuperação da economia.
O ajuste parafiscal refere-se aos gastos (ou crédito) fora do orçamento (fora da meta de superávit primário), mas que fazem parte do esforço de recuperação da responsabilidade fiscal.
O realismo tarifário é o ajuste dos preços administrados (gasolina, eletricidade, etc.) que ficaram defasados nos últimos anos.
O ajuste na balança de pagamentos é o esforço de redução do déficit em conta corrente (de 4% para menos 2,5% do PIB). O fim do programa de intervenção diária de venda de swap e a forte depreciação (de 2,65 reais por dólar no começo do ano para 3,1 reais por dólar) fazem parte desse ajuste.
O último ajuste é a busca do centro da meta de inflação de 4,5%, a partir de uma inflação acima de 8% esse ano.
É muito ajuste de uma só vez. Cada ajuste é custoso e, portanto, desafiador. A implementação dos vários ajustes simultaneamente é ainda mais difícil. Mas os ajustes (pelo menos o fiscal e o parafiscal) são necessários para a retomada da confiança no curto prazo e a recuperação do crescimento. Perseverar é fundamental para avançar.
Mas mesmo implementados, os ajustes são “apenas” reparos, que recuperam as disciplinas fiscal, parafiscal, monetária, cambial e de preços administrados, e não reformas propriamente ditas. As reformas como a tributária, previdenciária, do comércio exterior e da educação (ou, simplesmente, muitas pequenas medidas que facilitariam a vida) são aquelas que alavancam o crescimento através do aumento da produtividade. Fica difícil imaginar, na atual situação, capacidade para implementar os ajustes e as reformas ao mesmo tempo.
Mas os ajustes têm seu efeito. À medida que o pior cenário fique mais distante, os preços mais depreciados (taxa de câmbio e outros ativos) devem voltar a atrair interesse em investir no Brasil.
Não é necessário (nos atuais preços) ter grandes anúncios, por não serem esperados. Basta evitar a perda do grau de investimento pelo Brasil e o descontrole (econômico, político, etc.).
Na ausência de estabilidade e sob o risco do pior cenário, os atuais preços não atraíram interessados, com receio de perdas de capital (no jargão dos investidores “os preços ficarão ainda mais baratos”).
O mundo nos observa como num reality show, mas está preocupado com o outro BBB: o da classificação de risco do Brasil. Não haverá volta dos investidores de forma permanente sem a implementação dos ajustes ora em curso.
Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco.
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Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).