O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 19 de janeiro de 2019

Redescobrindo estudos ineditos (1): Politica economica externa (2014)

Em 2014, participando a minha maneira – ou seja, discretamente – do debate eleitoral em curso naquele ano eleitoral, eu comecei a elaborar alguns papers, destinados em primeiro lugar a auto-esclarecimento, em seguida como possível subsídio à formulação de políticas públicas nas áreas em que me considero relativamente competente, ou seja, relações econômicas internacionais do Brasil.
O que vai abaixo é um exemplo desse tipo de trabalho, um primeiro, de caráter geral e depois contendo propostas para a área econômica externa.
Se escrevesse hoje, eu teria propostas mais específicas, como por exemplo, tarifa única, liberalização unilateral, renegociação do Mercosul, etc.
Mas, segue para conhecimento dos interessados.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de janeiro de 2019


Sugestões a propósito de uma política econômica externa para o Brasil

Paulo Roberto de Almeida
Texto provisório, primeiro de uma série; Hartford, 26 de julho de 2014.

Sumário:
1. Declaração de propósitos
2. Papel da política externa na agenda nacional
3. Definições tópicas para uma diplomacia governamental na área econômica
     3.1. Política comercial
     3.2. Política industrial
     3.3. Política financeira
4. Outras áreas de diplomacia econômica e conclusões

1. Declaração de propósitos
O dever de todo estadista, seja candidato ou já ocupando o poder, começa pela exposição clara, inteligível para o grande público, do que ele considera que devam ser as prioridades que todos – políticos em geral, partidos, governo, Estado como um todo, o povo brasileiro, enfim, ele pessoalmente – precisam perseguir, incansavelmente, para o maior benefício da população. Observando-se o Brasil atual, e as preocupações já expostas pela maior parte dos cidadãos, parecem ser estas as prioridades dos brasileiros:
       1) Dispor de segurança básica, para si e sua família;
       2) Contar com serviços públicos de qualidade, sobretudo nas grandes metrópoles;
       3) Ver o governo garantindo o poder de compra da moeda, com inflação mínima;
       4) Futuro melhor, via educação e saúde, o que depende do aumento da renda.

Estas são as questões que mais preocupam os brasileiros, e elas devem vir sempre em primeiro lugar. Nenhuma delas tem a ver com política externa, mas talvez esta possa trazer algumas contribuições para o encaminhamento adequado desses muitos problemas que preocupam todos os brasileiros, empresários e trabalhadores.

2. Papel da política externa na agenda nacional
A política externa tem, e deve ter, um papel eminentemente secundário em face dos grandes problemas nacionais. Precisa ficar claro, desde o início, que todos, TODOS os problemas nacionais são “made in Brazil”, e devem receber respostas e soluções puramente nacionais. O ambiente externo tem sido extremamente favorável para o crescimento e o desenvolvimento de todos os países que têm sabido aproveitar os impulsos e as oportunidades externas para alavancar avanços internos.
A política externa poderia ter um papel maior na agenda nacional se o Brasil fosse mais aberto ao comércio internacional e bem mais receptivo a investimentos estrangeiros e associações com todos os países avançados tecnologicamente, fatores altamente relevantes para os projetos nacionais de desenvolvimento. Basta uma comparação entre os países de mais alta renda per capita e seus respectivos coeficientes de abertura externa para constar esta simples realidade. Este deveria ser um argumento suficientemente convincente para justificar um processo de maior abertura comercial e de maior aproximação aos países líderes do desenvolvimento tecnológico e cultural no mundo. Uma política externa compatível com os interesses nacionais precisaria se concentrar numa agenda desse tipo, todo o resto sendo secundário, inclusive as alianças Sul-Sul, que só nos afastam desses objetivos prioritários.

3. Definições tópicas para uma diplomacia governamental na área econômica
Uma exposição do que poderia ser uma agenda externa focada nos interesses brasileiros de desenvolvimento poderia ser articulada em torno das seguintes questões.
3.1. Política comercial
Discutir em nível interno uma nova rodada de facilitação do comércio exterior, com o desmantelamento de entraves administrativos e sistêmicos a uma elevação dos fluxos de exportações e de importações. Tal processo deveria ser paralelo e coincidente com um processo de diminuição do peso tributário sobre as empresas, insuportável sob qualquer critério que se examine. Como não haveria acordo para uma reforma tributária completa, e sobretudo para uma revolução fiscal abrangente, melhor começar pela redução pontual, linear e calendarizada, de todos os impostos, tributos, contribuições e gravames que atingem o setor produtivo e o TRABALHO, tanto em nível federal, como nos demais níveis. Seria um processo negociado, gradual de redução da carga fiscal, em que todas as unidades da federação veriam alíquotas impositivas serem reduzidas em valores diminutos (digamos 0,5% por semestre, ou ao ano), o que seria compensado pela eficiência arrecadatória e pelo estímulo às atividades empreendedoras.
Paralelamente seria iniciado um esforço de revisão completa das bases de funcionamento da união aduaneira do Mercosul, a começar pela alternativa entre (a) unificação de suas regras de aplicação, ou (b) negociação de um protocolo adicional ao Protocolo de Ouro Preto, introduzindo a possibilidade de negociação externa individual de novos acordos de liberalização, com preservação da cláusula NMF para dentro. Sob a segunda hipótese, o Brasil poderia negociar acordos com a UE, a Aliança do Pacífico e até com os EUA, prevendo redução de tarifas, abertura a serviços, defesa de propriedade intelectual e regras estáveis para investimentos, abertos aos demais membros do Mercosul, se estes assim o desejassem.
No que se refere ao próprio Mercosul “histórico”, seria preciso dar um fim à leniência inaceitável com as arbitrariedades argentinas: se elas se contrapõem às normas existentes, basta denunciá-las sob o regime de solução de controvérsias do bloco; se isso não for suficiente, resta ir à OMC. O que o Brasil não pode fazer é prejudicar os seus exportadores em nome de uma suposta generosidade com contraventores reincidentes.
Não há muito que o Brasil possa fazer no plano das negociações comerciais multilaterais, seja no âmbito da Rodada Doha (paralisada), seja no contexto da agenda de Bali, ou qualquer outra. O que cabe, sim, é examinar todos os demais acordos plurilaterais existentes no sistema multilateral de comércio, verificar a compatibilidade com o processo (a ser conduzido) de reforma na política comercial nacional, e considerar a hipótese de aderir a esses outros instrumentos de abertura e facilitação.
No plano plurilateral, caberia examinar todos os acordos – bilaterais de livre comércio, ou simplesmente de preferências tarifárias – que o Brasil poderia começar a negociar com os mais relevantes parceiro do comércio internacional, que não são exatamente os do G20 comercial, onde estão os maiores obstrucionistas de uma agenda aberta, e aos quais estivemos vinculados por simples decisão política e ideológica.
3.2. Política industrial
Os governos petistas promoveram cinco ou seis, todas fracassadas, e nos últimos tempos se dedicaram a improvisações e puxadinhos, que criam uma selva de regulações diferenciadas entre setores, com regimes fiscais diferentes, inclusive desrespeitando o princípio da isonomia tributária que deveria pautar as ações do governo. A política industrial está intimamente relacionada à política comercial, e, na sua vertente externa, deveria dedicar-se a atrair o máximo possível de investimentos estrangeiros e incentivar associações com o que há de mais tecnologicamente avançado no mundo. A política Sul-Sul não pode, inquestionavelmente, cumprir esse papel. Independentemente de o Brasil ser ou não membro da OCDE, caberia associar-se ao Comitê de Indústria dessa organização e passar a examinar todos os protocolos, códigos e demais normas voluntárias estabelecidas naquele âmbito, de maneira a colocar a indústria brasileira num contexto de plena conformidade com os padrões internacionais nessa área.
Uma das primeiras tarefas internas seria retomar, reexaminar, eventualmente assinar ou renegociar todos os acordos bilaterais de proteção a investimentos, os APPIs, que foram sabotados pelos petistas antes mesmo de assumirem o governo em 2003. O Brasil descumpriu mais de uma dezena de acordos assinados com os mais importantes parceiros exportadores de capitais e de investimentos diretos. Deixou de oferecer um ambiente seguro e estável para esses investimentos, assim como deixa de oferecer um ambiente estável para os próprios empresários brasileiros do setor. Caberia trabalhar com a CNI e algumas federações estaduais mais ativas nessa área, com o objetivo de colocar o Brasil no mesmo patamar regulatório que os países mais avançados, deixando de lado o stalinismo industrial até aqui praticado pelo governo.
3.3. Política financeira
O Brasil assinou, no quadro da crise provocada pelas eleições de 2002, um acordo preventivo com o FMI, renovado pelo governo Lula em 2003, que previa a disponibilidade de aproximadamente 15 bilhões de dólares, do total de 30 bilhões potencialmente utilizáveis, a juros modestos de 4,5% ao ano. Demagogicamente, em 2005, o governo Lula terminou esse acordo, teoricamente para o Brasil não ficar “dependente” do FMI, e o Brasil passou a emitir bônus globais a um custo duplicado em juros. Caberia em primeiro lugar denunciar essa demagogia que custou caro ao país.
No plano das relações financeiras externas, cabe igualmente encerrar a demagogia do “comércio em moedas locais”, que significa um inacreditável retrocesso de mais de 70 anos em relação à multilateralização de pagamentos externos acertada em Bretton Woods em 1944. Essa bilateralização cambial nos obrigaria, por exemplo, a utilizar nosso saldo no comércio com a China na compra de produtos chineses, o que seria de uma estupidez monumental. Existem custos, já impostos, ao Banco Central, de criar uma nova janela de contabilização de operações externas no caso do comércio com a Argentina. Não cabe criar mais janelas, e ainda transferir o risco cambial, atualmente inteiramente a cargo de operadores privados de comércio, como deve ser, para o BC.
Mais importante, o Brasil, por motivos totalmente políticos, se engajou na criação do Banco do Sul, e agora no Novo Banco de Desenvolvimento. São iniciativas que não acrescentam nada aos mecanismos, ferramentas e fontes já existentes, seja em nível nacional – BNDES ou BB –, seja no plano regional – BID, CAF, etc. – ou multilateral – BIRD e outros bancos regionais e nacionais, inclusive europeus. Não existe falta de recursos, no mundo, para qualquer projeto de qualidade que se queira promover nacionalmente ou em outros países. Esses bancos “ideológicos” significam uma baixa de padrões de qualidade na seleção e aprovação de projetos, implicam a sustentação de projetos dúbios, mas apoiados politicamente por ou outro parceiro ou membro dessas instituições, e representam oportunidades potenciais para mais desvios e iniciativas corruptas nessas esferas.
O Brasil não necessita, nem internamente, nem externamente, de bancos desse tipo, e um novo governo, comprometido apenas com a inserção do Brasil no mundo globalizado, deveria ter a coragem de denunciar sua assinatura nesses acordos e retirar-se dessas instituições. Ele faria melhor, na agenda financeira externa, se trabalhasse na futura conversibilidade do real, fortalecendo suas bases internas (isto é, menor inflação e maior liberalização nas transações financeiras internacionais) e adotando, para o BNDES, os mesmos padrões de funcionamento e financiamento que aqueles em vigor no âmbito da OCDE e das grandes instituições financeiras multilaterais.

4. Outras áreas de diplomacia econômica e conclusões
Estas três áreas, comercial, industrial e financeira, são as mais relevantes na interface entre uma agenda interna de desenvolvimento e uma agenda diplomática na área econômica. Existem outras, por certo, relativas à tecnologia, à propriedade intelectual (na qual os governos lulo-petistas também promovera inacreditáveis retrocessos conceituais e práticos), à cooperação científica e educacional – durante muito tempo toldada pela distorção ideológica da diplomacia Sul-Sul – e até no terreno das políticas de segurança e de capacitação bélica, igualmente marcadas pelo anti-imperialismo infantil dos companheiros e por suas alianças espúrias nesse terreno. Todas elas possuem algum impacto econômico relevante para um projeto nacional de desenvolvimento, mas cabe insistir que o ambiente internacional é bastante favorável ao crescimento do Brasil, à condição que este empreenda reformas internas capazes de potencializarem a sua interação com o mundo.
Os maiores problemas, os maiores obstáculos a essas reformas, os maiores atrasos – inclusive mentais – encontram-se inteiramente no próprio Brasil. A tarefa de reforma da agenda diplomática brasileira começa por um sério empreendimento de reformas internas, uma missão hercúlea que cabe a um estadista. O Itamaraty, a despeito de também fazer parte do atraso mental brasileiro – com sua adesão a um ultrapassado desenvolvimentismo ideológico dos anos 1960 –, não seria um obstáculo ao esforço de renovação da política econômica externa, desde que convenientemente instruído. Como burocracia obediente que sempre foi, ele saberá se engajar nas novas prioridades.

Hartford, 26 de julho de 2014

Globalizacao e globalismo: um "debate" aloprado - Paulo Roberto de Almeida


O que eu pensava sobre o globalismo em 2017? 
Uma reflexão em 2019

Paulo Roberto de Almeida


No segundo semestre de 2017, já tendo sido convidado uma primeira vez no ano anterior, para dar uma entrevista para o grupo de mídia chamado “Brasil Paralelo”, fui novamente contatado pelos seus organizadores para dar uma segunda entrevista para a mesma ferramenta de mídia sobre os temas do globalismo e da globalização. Nunca fui muito adepto dessa coisa bizarra chamada “globalismo”, que considero uma ideologia completamente sem sentido, mas sempre fui um estudioso da chamada globalização, uma força impessoal que existe desde o começo do mundo, e que se exerce de modo impessoal, independentemente do que possam pensar ideólogos, intérpretes, críticos ou promotores da globalização, em suas diversas modalidades, como por exemplo os tipos micro e macro, distinção que faço e cujos fundamentos já expliquei em outro trabalho:
3235. “Globalização micro e macro: o que é isso?”, Brasília, 23 janeiro 2018, 2 p. Debate no Facebook sobre globalização política e econômica, talvez efeito secundário do debate sobre o globalismo. Postado no Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/globalizacao-economica-e-globalizacao.html).

Minha primeira entrevista, em outubro de 2016, teve, aparentemente, algum sucesso, razão pela qual fui novamente contatado um ano depois, sem que eu soubesse, na origem, das posições políticas dos organizadores de “Brasil Paralelo”, nitidamente à direita do espectro político. Nunca tive preconceito contra quaisquer correntes políticas e de opinião, sendo aberto a todas as propostas inteligentes que possam emergir de todas elas, embora reconheça que, na extrema esquerda e na extrema direita, mas mesmo no centro, muitas coisas pouco inteligentes circulam impunemente (e conquistam adeptos). Não importa: eu leio de tudo, de uma a outra ponta, e faço meus próprios julgamentos, assim como me utilizo dos argumentos dessas tribos para formar minha próprio opinião sobre diversos assuntos. Essa entrevista de 2016 teve este registro:


Pois bem, um ano depois, fui contatado pelos mesmos organizadores para dar uma “nova entrevista” sobre esses temas já referidos: globalização e globalismo. Pedi, preventivamente, um roteiro sobre o que queriam conversar e recebi uma lista de quatro ou cinco questões, com base nas quais preparei, como sempre faço, algumas notas de reflexão e análise para minha própria orientação no curso da entrevista. Essas notas foram depois postadas em meu blog, de conformidade com o registro abaixo:
3202. “Globalismo e globalização: os bastidores do mundo”, Brasília, 7 dezembro 2017, 8 p. Notas para entrevista para novo programa da série Brasil Paralelo, sobre o processo de globalização e o conceito de globalismo. Blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/globalizacao-e-globalismo-como.html).

A “entrevista”, acertada em meados de outubro de 2017, foi finalmente feita no dia 8 de dezembro, mas apenas no momento de abrir o computador, para me conectar, é que soube que seria, na verdade, um “diálogo”, e na companhia de – talvez eu devesse dizer em contraposição a – ninguém menos do que Olavo de Carvalho, de quem eu já conheço várias obras, mas ignorava que ele era uma espécie de guru do antiglobalismo, influenciando, nessa condição, uma impressionante tribo de seguidores no Brasil (não sei se ele tem seguidores em outros países). Enfim, nunca me intimidei com credenciais ou títulos de qualquer personalidade, pois costumo pensar com minha própria cabeça, sem atentar para argumentos de autoridade ou citações de autores sabidos e não sabidos.
Durante a gravação, não me distanciei de minhas notas senão para responder a acusações diretas do famoso personagem, mas no essencial me mantive na linha do que já tinha preparado para a “entrevista”. Ele é que me atacou continuamente, de forma não tão agressiva quanto o faria posteriormente, junto com a tribo de seguidores. Acredito que o personagem teve um papel importante na história política recente do Brasil, tendo sido um dos poucos jornalistas – eu não o chamaria de “filósofo”, no máximo ele seria um “sofista” – a denunciar o Foro de São Paulo, embora eu sempre o achei exagerado no alarme contra a “comunização” do Brasil sob os governos de esquerda. Sempre vi os comunistas, mesmo os do PCdoB, como os maiores aliados dos capitalistas, pois se são inteligentes sabem que o socialismo não funciona, e seu papel, verdadeiro e principal, é o de extorquir os capitalistas, tanto para fins partidários, como para enriquecimento dos militantes (e sobretudo pessoal).
Enfim, finalizada a gravação, o vídeo foi transmitido em 11/12/2017 e pode ser visualizado no YouTube (link: https://youtu.be/6Q_Amtnq34g), no Facebook (link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1746403232089786), como informei no Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/globalismo-e-globalizacao-ou-vice-versa.html). Eu não classificaria esse “diálogo” involuntário – sobre o qual nunca soube por antecipação – como sendo um confronto entre Olavo de Carvalho e Paulo Roberto de Almeida, como muitos o fizeram na sequência do debate, mas apenas como constituindo uma exposição paralela de ideias não convergentes, poucas vezes coincidentes, na maior parte dos casos divergentes e até mesmo opostas (o que é normal no mundo dos debates democráticos), sobre esses dois conceitos: globalização e globalismo, em torno do qual mantemos concepções nas antípodas.
O que eu não previa, porém, é que, no seguimento do vídeo, Olavo de Carvalho e com ele dezenas de seus seguidores continuariam a me atacar, muitas vezes de forma vil – ou seja, com palavras grosseiras, até mesmo xingamentos –, o que não tive nenhum problema em registrar, pois revelador dos ânimos (e do caráter) dessa tribo de fundamentalistas. Pouco me importa o fato de haver ou não fundamento às teses deles sobre o globalismo – que me parece um fantasma totalmente desprovido de evidências concretas –, mas a violência e a virulência dos ataques que me foram dirigidos foram surpreendentes, o que depois foi confirmado pelo novo estilo escatológico do guru da Virgínia, capaz de xingar a todos com os mais chulos impropérios.
Devo dizer que não me orgulho em nada – até me envergonho – de postar coisas tão medíocres e lamentáveis, em meu blog, que é supostamente dedicado a coisas inteligentes, para pessoas inteligentes. Os dois registros efetuados a propósito desse evento sumamente desagradável são estes:

Reafirmo, uma vez mais, minha aversão a esse tipo de “debate”, não desejado por mim, e que jamais seria empreendido não fosse por esse ambiente maniqueísta em que se movem diferentes figurantes do atual cenário político, e que pode tornar-se ainda mais exacerbado do que o já observado nos anos finais do lulopetismo delirante e desde o “golpe” perpetrado contra o regime mais corrupto nunca antes visto no Brasil. Não que eu me oponha a debates de ideias – quando são ideias, ou até mesmo ideologias –, longe disso, pois sou, basicamente, um acadêmico, ou seja, um desses seres alienados que vivem se digladiando em torno de conceitos abstratos. Mas o que se nos apresenta por vezes, nos palcos cibernéticos, nas redes e ferramentas de comunicação social ou em quaisquer outros meios, é um simulacro de “debate” que acaba revelando, bem mais do que argumentos bem fundamentados, a profunda ignorância dos interlocutores, como esse falso alarme sobre um tal de globalismo, por exemplo.
A globalização é um processo real, empiricamente embasado, ao passo que o globalismo é um mero conceito, para não dizer um espantalho, agitado justamente por pessoas que acreditam existir essa coisa intangível, e que pretendem lutar contra ele, nas suas diversas versões imaginárias, combinando espectros conspiratórios que juntam bilionários de esquerda, organizações internacionais, comunistas enrustidos e alguns outros representantes de uma fauna improvável. E se você pede provas da existência dessa entidade maléfica, prejudicial à soberania de nações frágeis como o Brasil, essas pessoas o acusam de ser um globalista disfarçado, e são elas que passam a lhe pedir provas de que o globalismo não existe. Seria preciso provar a inexistência de seres fantásticos como os unicórnios.
Não vou, neste momento e neste espaço, deblaterar contra os inimigos da “ordem global”, pois seria alimentar um debate tão inútil quanto desnecessário, mas prometo, quando tiver tempo, voltar ao assunto, para tentar esclarecer algumas questões reais do atual processo de globalização. O que me interessa, na verdade, é debater as políticas públicas que permitam ao Brasil enveredar por um processo sustentado – que não tem nada a ver com a tal de sustentabilidade – de crescimento econômico, feito de mudanças estruturais (ou seja, progressos tecnológicos) e de melhoria do capital humano, o que permitiria a elevação dos padrões de vida do conjunto da população.
Não acredito, por exemplo, que exista um grande embate mundial entre o globalismo e a liberdade humana, inclusive porque não existe um espaço único que seria exclusivo ou excludente a um outro, uma vez que cada um desses conceitos pertence a universos diferentes, inclusive no campo propriamente conceitual. Aliás, esses conceitos, sobretudo o primeiro, são suficientemente “etéreos” para imaginar um embate mundial entre um e outro. Seria preciso primeiro definir exatamente o que é esse tal globalismo, saber como se manifesta, onde já se encontra implantado, e inquirir depois em que sentido ele poderia cercear, limitar, eliminar a liberdade humana, cujos parâmetros respondem a uma infinidade de variáveis – geralmente domésticas – que se situam num âmbito bem mais vinculado aos sistemas políticos nacionais. Seria o globalismo um monstro metafísico, ou estaria ele na mesma condição do imperialismo na visão do tirano Mao Tsé-tung, que o considerava um “tigre de papel”? Confesso não saber responder, inclusive porque o “debate” não faz muito sentido, num sentido, digamos, socrático.
Vou voltar ao assunto, assim que for possível. Esta nota se destinava apenas a consolidar algumas postagens de um ou dois anos atrás, mas que passaram a ter relevância a partir de novos interlocutores surgidos nos últimos tempos. Até mais...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de janeiro de 2019

As FFAA ocupam o governo? Talvez. Elas são iliberais? Acredito que não - PRA

Discordo de Augusto de Franco quanto à classificação das FFAA que ele faz: a prova do pudim está em comê-lo e os militares não podem ser acusados de iliberalismo a partir do nada.
Militares se envolveram em assuntos políticos desde longa data, praticamente desde o segundo império, e no próprio golpe da República. Depois, militares continuaram a se envolver em política, praticamente durante todo o século XX, mas enquanto personagens da política, não enquanto corpo institucional do Estado.
As FFAA se envolveram de fato no sistema político em poucas oportunidades: 1) na deposição do presidente Washington Luiz, em 1930; 2) na de Getúlio Vargas em 1945; 3) na implementação do parlamentarismo, em 1961; 4) na deposição de Goulart, em 1964; 5) na Junta Militar, depois do afastamento do presidente Costa e Silva, em 1969; 6) no retorno ao regime civil, em 1985.
Todos os demais episódios, inclusive os atuais, partem, não das FFAA enquanto corpo estatal, e sim de indivíduos militares atuando pelos canais existentes na política.
Quero ver os comportamentos supostamente iliberais das FFAA no governo atual.
Paulo Roberto de Almeida


A intervenção militar no Brasil atual que ninguém está querendo ver


Não se assustem quando digo que há um movimento militar (ou, pelo menos, uma movimentação: um conjunto de articulações de militares da reserva e da ativa) no Brasil atual. Há, é óbvio. É preciso ser idiota ou muito desonesto para não ver. Já publiquei três artigos sobre isso:
Agora segue o quarto artigo.
Quando militares intervêm na política, mesmo que por vias legais (eleições ou nomeações de quem foi eleito), mas de forma organizada, isso significa, sim, uma intervenção militar. Em democracias o papel dos militares na política é bem claro: nenhum. Um dos princípios basilares das democracias liberais é o controle dos militares pelos civis (nunca o contrário: regimes tutelados por militares são i-liberais).
O Brasil de hoje está sob intervenção militar. Claro que não é uma intervenção como a de 1964 ou de 1968, um golpe, uma quartelada, contra o Estado democrático de direito. Claro que os militares que começaram a se articular – mais ostensivamente entre 2014 e 2018 – para intervir na política por meios legais (via eleições ou legítimas nomeações de quem foi eleito) não rasgaram a Constituição. Isso não significa que não há intervenção.
Há intervenção: os militares da reserva, em conluio com militares da ativa, se organizaram para colocar ordem na casa. Isso é uma intervenção, uma ação indevida. Não há muita diferença, em termos de concepção e de comportamento político, entre um militar da reserva e um militar da ativa. Passar para a reserva não tem o efeito de mudar concepções e comportamentos num passe de mágica. E o que é pior é que as concepções dos militares (da reserva ou da ativa, pouco importa em termos práticos) que resolveram tomar o Palácio do Planalto e vários cargos-chave do governo por vias legais, assumindo posições de comando no primeiro escalão e no segundo escalão, têm um pensamento i-liberal em termos políticos: basta analisar suas declarações (passadas e recentes) para comprová-lo.
Não há quem possa negar que enxames de militares, de modo organizado, ocuparam posições estratégicas no governo Bolsonaro. Matéria do Congresso em Foco de ontem (18/01/2019) faz um levantamento de cargos de primeiro e segundo escalões que foram entregues a militares.
No levantamento do Congresso em Foco – veja-se a lista abaixo – estão faltando muitos nomes ainda. Por exemplo, não aparece o nome do major Pedro César Nunes de Souza, chefe de gabinete da Presidência. Também não aparecem os militares que estão no MEC, como o general Oswaldo de Jesus Ferreira que comandará a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). E nem aparece o antigo comandante do Exército, o general Villas-Bôas, que também vai estar no Palácio (como funcionário ou “consultor”) – espantosamente, porquanto sempre foi considerado um fiel da balança, quando os próprios membros da corporação desconfiavam, com razão, do oportunista e péssimo militar Jair Bolsonaro. Quando Bolsonaro foi eleito, Villas-Bôas passou-se de armas e bagagens para o Estado-Maior bolsonarista.
Tudo isso é, no mínimo, um exagero. Não há, nem nunca houve, em qualquer democracia do mundo, um governo com tantos militares.
Isso nada tem a ver com a capacidade técnica, a dedicação, a lealdade, a honestidade, o espírito público e outras características dos militares. Tem a ver com o fato de que a entrada massiva de militares em cargos políticos, não foi obra do acaso e sim uma operação deliberada de ocupação do terreno mesmo, não importa o motivo: se foi para moralizar a vida pública e combater a corrupção, se foi para proteger o Estado-nação brasileiro da perigosa ameaça comunista (como eles, os militares, argumentaram em 1964) ou se foi para defenestrar da vida pública os democratas (como eles fizeram em 1968), se foi para impedir a volta do PT e manter Lula preso et coetera. O fato é que os militares estão seguindo a fórmule-inverse de Clausewitz-Lenin, ou seja, estão tomando a política como continuação da guerra por outros meios. Para tanto, estão fazendo uma guerra de posição (tal como na guerra de 1914-1918, estão cavando trincheiras em terreno supostamente ocupado pelos inimigos).
Repita-se: nada disso é relevante. O que é relevante, para a democracia, é que os militares não poderiam ter papel político: e agora passaram a ter. O que é preocupante, para os regimes liberais, é que os militares têm um pensamento i-liberal.
Eis a lista (incompleta):
Presidente da República – Capitão Jair Bolsonaro
Vice-presidente da República – GeneralHamilton Mourão
Ministro do GSI (antiga Casa Militar) – General Augusto Heleno
Secretário-Executivo do GSI – General de Divisão Valério Stumpf Trindade
Secretário de Coordenação de Sistemas do GSI – Contra-AlmiranteAntonio Capistrano de Freitas Filho
Secretário de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional do GSI – Major Brigadeiro do Ar Dilton José Schuck
Secretário de Segurança e Coordenação Presidencial do GSI – General de Brigada Luiz Fernando Estorilho Baganha
Secretário-Executivo Adjunto do GSI – Brigadeiro do Ar Osmar Lootens Machado
Secretário Executivo da Secretaria-geral – Generalde Divisão Floriano Peixoto Vieira Neto
Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Secretaria-geral – GeneralMaynard Marques de Santa Rosa
Secretário-Executivo Adjunto da Secretaria-geral – General de Divisão Lauro Luis Pires da Silva
Assessor Especial da Secretaria-geral – CoronelWalter Félix Cardoso Junior
Ministro da Defesa – General Fernando Azevedo e Silva
Secretário-Geral da Defesa – Almirante de Esquadra Almir Garnier Santos
Secretaria de Produtos de Defesa – General de Divisão Decílio de Medeiros Sales
Secretário de Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto – Tenente Brigadeiro do Ar Ricardo Machado Vieira
Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) – Tenente-coronel da Força Aérea Brasileira Marocs Pontes
Chefe de Gabinete do MCTIC – Brigadeiro do ArCelestino Todesco
Secretário de Políticas Digitais – Tenente-Brigadeiro do Ar Antonio Franciscangelis Neto
Secretário de Radiodifusão – Coronel Elifas Chaves Gurgel do Amaral
Secretário-Executivo Adjunto – Coronel-Intendente Carlos Alberto Flora Baptistucci
Ministro de Minas e Energia – Almirante Bento Costa
Chefe de Gabinete de Minas e Energia – Contra-almirante José Roberto Bueno Junior
Ministro da Infraestrutura –Capitão Tarcísio Gomes
Secretário de Transportes Terrestre e Aquaviário – General Jamil Megid Júnior
Ministro da Secretaria de Governo – General Carlos Alberto dos Santos Cruz
Secretário Nacional de Segurança Pública – General Guilherme Theophilo
Secretário de Esportes – General Marco Aurélio Vieira
Ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) – Capitão Wagner Rosário
Presidente da Funai – General Franklimberg de Freitas
Presidente do Conselho de Administração da Petrobras – Almirante-de-esquadra Eduardo Bacellar Ferreira
Presidente da Itaipu – General Joaquim Silva e Luna
Porta-voz do governo – General Otávio Santana do Rêgo Barros
E ainda precisamos saber onde será alocado o general linha-dura Aléssio Ribeiro Souto (que coordenou o programa de educação do candidato Bolsonaro). Esse general, aliás, é o exemplo perfeito de um militar com pensamento i-liberal: recentemente ele declarou (quando já integrava o principal grupo técnico da campanha bolsonarista) que “os livros de história que não tragam a verdade sobre 64 precisam ser eliminados”.
A lista acima não contempla os militares que forem eleitos para outros níveis de governo e para os parlamentos. Mas parece óbvio que houve também articulação – confessada publicamente pelo vice-presidente General Mourão – para candidatar militares das três forças (assim como houve articulação – feita inclusive pelo filho de Bolsonaro, Eduardo – para montar listas de candidatos com elementos policiais, da Polícia Federal e da Polícia Militar). As forças de segurança resolveram fazer o que nunca deveriam fazer numa democracia: intervir na política. Ah! Mas agora foi legítimo, porque elas usaram os meios legais. Nada disso. Militares não devem intervir (de modo organizado) na política: nem por meios ilegais, nem por meios legais.
Outra coisa é uma pessoa que foi militar ser eventualmente nomeada para um cargo qualquer. Mas não é disso que estamos tratando aqui.
Quem pode acreditar que todos estes militares foram nomeados por mero acaso, ou por notório saber, na ausência de bom candidatos civis?
Eles foram nomeados porque se alinham com um pensamento: o pensamento i-liberal do capitão eleito Jair Bolsonaro. Quem quiser comprovar esta afirmação pode conversar com esses militares: em maioria, eles defendem os golpes de 1964 e 1968 (ou, cinicamente, negam que houve golpe), acham que quem se opôs à ditadura era terrorista (e até hoje, cinquenta anos depois, continuam chamando os dissidentes do golpe de terroristas), justificam as perseguições, prisões, condenações, banimentos, exílios e até a tortura (alguns ainda tratam o torturador do Exército, Brilhante Ustra, como herói) em nome do combate ao comunismo. São esses que estão no poder em cargos de destaque, não os militares que se converteram à democracia liberal.
Outra evidência é que, uma vez no governo, esses militares se comportam como uma corporação (por exemplo, lutando internamente para escapar da reforma da Previdência) e, o que é mais grave, atuam como uma espécie de partido informal militarista-bolsonarista.
Por outras vias, os que pediam – nas manifestações do impeachment – Intervenção Militar Já!, tiveram sucesso. E quem pode garantir que militares não estavam por trás dessa palavra de ordem?
Ou seja, estamos – no Brasil de 2019 – sob intervenção militar: uma intervenção “branca”, operada por meios legais, mas uma intervenção. Uma intervenção que ninguém está querendo ver e que pode ter consequências trágicas para nossa democracia (no mínimo tornando-a menos liberal).

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