O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 26 de janeiro de 2019

Colapso: prevendo o declinio brasileiro (2006) - Paulo Roberto de Almeida


Colapso!: prevendo a decadência econômica brasileira

Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org)
Brasília, 1º de maio de 2006.

1. Introdução (que já é quase uma conclusão)
Meu diagnóstico preliminar – provavelmente antecipatório – não poderia ser mais pessimista: o Brasil caminha, lentamente mas seguramente, para a estagnação do seu processo de crescimento econômico e, quiçá, para uma decadência inevitável. Em outros termos, sua chance de desenvolvimento, que significa a melhoria na qualidade de vida de seus cidadãos, encontra-se irremediavelmente comprometida. Estarei exagerando no catastrofismo? Talvez, mas o único paralelo que encontrei na literatura corrente com a nossa situação, presente e futura, é o mais recente livro do biólogo americano Jared Diamond, centrado no mesmo conceito que orienta este ensaio, aliás inspirado no seu título accrocheur. [1]
O colapso é possível, pode até ser provável, mas ele não está ainda “garantido”. A persistirem, porém, as tendências atuais e as manifestações de irresponsabilidade política e funcional de círculos dirigentes – das altas lideranças a “grupos sociais” organizados –, ele torna-se mais do que provável, quase que certo. Podemos dizer que o “meu” colapso já entrou na ordem do dia, uma agenda na qual, paradoxalmente, a previsibilidade que temos de sua possibilidade concreta converteu-se, praticamente, em inevitabilidade.
Mil perdões aos meus leitores por parecer prolixo, mas é o que eu posso concluir a partir de um exame dos indicadores de desempenho da economia brasileira nas duas últimas décadas, todos altamente negativos. A partir daí, a pergunta básica que formulo neste ensaio é: como foi que pudemos chegar a esse estado de colapso virtual? Antes de responder a esta questão, vejamos o quadro conceitual que preside à análise.

2. Colapso: anatomia de um conceito
O conceito empregado no parágrafo anterior, o de “inevitabilidade”, pode soar a catástrofe anunciada, uma profecia do apocalipse, mas eu explico, antes de voltar à minha “teoria” particular do “declinismo” brasileiro. Na história humana, nada é inevitável, está claro. O caráter aparentemente “inevitável” de certos eventos ou processos só se dá, pela mão dos historiadores, quando a passagem do tempo encarregou-se de eliminar dos registros mais freqüentes – e da memória dos homens – os fatores contingentes ou circunstanciais que poderiam ter conduzido aquele processo a um outro desfecho e quando, alternativamente, se passou a considerar, e a reter nos anais da história, unicamente aqueles elementos que levaram, “fatalmente” aos resultados já conhecidos. A inevitabilidade é, portanto, um conceito post-factum que assume ares de “verdade histórica” apenas a partir da seleção arbitrária dos fatos pelos historiadores e outros “explicadores” do passado.
Respondendo, portanto, à provocação do título – inspirado no segundo best-seller, homônimo, do biólogo americano Jared Diamond –, eu diria, de imediato, que não há nada de inevitável na decadência econômica brasileira, mas é muito provável que, se mantido o atual “curso da história”, esse resultado já esteja disponível no despontar de alguma curva de futuro de curto ou de médio prazo. Nosso sistema econômico só entrará em colapso se nada for feito, em termos de políticas públicas, para livrá-lo de suas muitas disfunções estruturais, de seus grandes equívocos não-estruturais – isto é, derivados das políticas públicas, justamente – que inviabilizam, hoje, uma taxa de crescimento mais vigorosa, da lenta trajetória em direção ao estrangulamento fiscal, da perda de substância nos investimentos inovadores em função das dificuldades sofridas pelos empreendedores  privados e da baixíssima produtividade registrada na economia como um todo, além de outros problemas que tenho procurado analisar em trabalhos recentes.[2]
Recorde-se, apenas para esclarecer aqueles que não conhecem o livro do cientista evolucionista, que o “colapso” em questão tratou de diversos casos de sociedades que entraram em crise terminal e naufragaram nos meandros da história por terem falhado em compatibilizar a utilização sustentável de seus recursos naturais e materiais com os meios e condições sob os quais elas se organizavam do ponto de vista produtivo e no plano da reprodução social. Contrariamente a seu primeiro best sellerGermes, Armas e Aço, que tinha tratado da evolução ecológica, e do “sucesso”, de várias sociedades humanas ao longo dos últimos 13 mil anos –, o título catastrofista do segundo é dirigido às sociedades que não estão prestando atenção nos sinais precursores de um colapso anunciado.
O fato é que, com base nas evidências disponíveis sobre o cenário econômico brasileiro e sobre o itinerário atual e futuro dos indicadores de crescimento, eu cheguei à conclusão de que já estamos, de fato, em decadência econômica e que as possibilidades de recuperação imediata são mínimas, senão impossíveis, nas condições políticas sob as quais nos encontramos. O conceito de colapso, nessa perspectiva, é apenas uma metáfora, uma espécie de superlativo, por certo, um alerta mais do que uma profecia, mas que traduz uma leitura da realidade a partir dos dados primários disponíveis e que concluiu, apropriadamente, que nosso futuro é bem mais sombrio do que róseo.
Recorde-se, também, que na obra de Jared Diamond, o colapso não é um evento único, uma catástrofe repentina que desaba de forma surpreendente e inesperada sobre a cabeça das pessoas. Não! Ele vem ao cabo de um lento acúmulo de elementos negativos, de sinais prenunciadores, de disfuncionalidades diversas e repetitivas, daquela mesma persistência no erro que conduziu muitas pessoas e sociedades inteiras à beira do precipício. Contra todos os alertas, profecias e estudos abalizados, que mostravam, por vezes muitos anos antes, que aquela rota seguida poderia conduzir ao desastre, as pessoas e as sociedades insistem, ainda assim, no caminho suicida, desprezam os avisos dos “pessimistas” – que costumam ser apenas realistas dotados de informações – e caminham como lemingues para a borda do precipício.
Como isso é possível, e o que podemos fazer para remediar ou desviar o curso da história? Primeiro de tudo, seria preciso identificar sinais precursores, detectar tendências evolutivas, sacar as conclusões pertinentes sobre as raízes dos males percebidos e, então, identificar as responsabilidades pelo estado de coisas. Numa segunda etapa, seria preciso elaborar diagnósticos setoriais detalhados sobre os problemas detectados e as interações deles com as demais estruturas e instituições sociais. Finalmente, com base nas etapas precedentes, seriam elaboradas respostas apropriadas aos desafios apresentados, o que sempre envolve um trade-off entre maximização das preferências de curto prazo e alguns sacrifícios no presente, de maneira a evitar o agravamento da situação e a já detectada irreversibilidade da deterioração inevitável, caso persistam as tendências anteriores.

3. A decadência econômica brasileira: uma tendência de longo prazo?
Em relação aos dados primários da economia, não é preciso ser muito enfático quanto à extensão do desastre. O Brasil vem crescendo menos que a média mundial por 10 anos consecutivos, sem ser preciso lembrar que o país já tinha praticamente estagnado nos dez anos anteriores. Um estudo apresentado pela CNI em março de 2006, revela que o Brasil está perdendo importância na economia mundial. Nos últimos dez anos, o país cresceu 2,2% em média ao ano, enquanto que o restante do mundo teve uma expansão de 3,8%. Com isso, entre 1996 e 2005, o Produto Interno Bruto do país aumentou 22,4%. No mesmo período, o mundo cresceu 45,6%, sendo que a categoria dos emergentes, à qual supostamente pertencemos, cresceu muito mais, obviamente. Para que não me acusem de catastrofista inconseqüente, reproduzo aqui os dados relativos ao período recente:

Fonte: Quadros extraídos de boletim do IEDI (Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial), abril 2006, disponível no site: www.iedi.org.br.

Retomando os mesmos dados pelo lado do crescimento real per capita, o quadro é ainda mais assustador, com regiões antes deprimidas, como a África, crescendo mais do que a América Latina, que está crescendo mais que o dobro do Brasil:

Estes dados não devem desentusiasmar ninguém, uma vez que o registro histórico precedente foi bem mais generoso com o Brasil, no longo prazo. Com efeito, nas primeiras oito décadas do século XX, o Brasil foi, com o Japão, um dos países de maior crescimento absoluto, acumulando uma média de 3,1% de crescimento real per capita ao ano, entre 1900 e 1980, sendo apenas ultrapassado pelo país asitático (3,2%) em virtude de sua igualmente vigorosa taxa de crescimento populacional. O que deu errado, então?
Resumidamente, pode-se dizer que o último quarto de século assistiu a grandes transformações na economia mundial. Vários países “convergiram” nitidamente para os níveis de renda dos membros da OCDE – foi o caso de grande parte da Ásia oriental e de alguns países da Ásia meridional –, ao passo que outros, basicamente os da África e da América Latina, divergiram de maneira acentuada, ficando para trás ou regredindo em termos absolutos, como foi o caso de vários países africanos. De modo geral, a economia mundial voltou a conhecer, no período recente, taxas de crescimento econômico  que ela nunca mais tinha visto nos últimos trinta anos. De fato, apenas no período 1971-1973, a economia mundial tinha evidenciado um desempenho global tão favorável como nos últimos três anos.
Por outro lado, jamais, em qualquer época histórica anterior, os países emergentes tinham crescido a taxas tão elevadas, superiores, em média, ao crescimento global: nos dez anos que vão de 1988 a 1997, esses países cresceram cerca de 1,2 vezes mais do que a média do crescimento mundial, tendência que se acelerou desde então. Nos cinco anos seguintes, isto é, entre 1998 e 2002, essa média representou 1,34 vezes a taxa de crescimento global e nos dois anos mais recentes, para os quais existem estatísticas consolidadas (2003-2005), essa média foi 1,51 superior. Ou seja, num momento em que, segundo os dados do último relatório do FMI, o mundo prepara-se para crescer 4,7% – e há mesmo quem coloque essa previsão acima, em 4,9% – os países emergentes podem crescer, em princípio, à taxa de 7,2% ao ano.[3]
E o Brasil nesse contexto? Não é preciso dizer que nosso desempenho é pífio, quando não desolador, como se pode constatar pela tabela seguinte:

PIB per capita e taxas de crescimento de 1995 a 2004, países selecionados
Países
PIB per capita US$ 1,000 (PPP)*
Taxa anual
Selecionados
1995
2004
acumulada (%)
Estados Unidos
31,6
38,6
2,3
Alemanha
25,7
28,4
1,1
Coréia do Sul
15,5
20,8
3,7
Chile
8,5
10,7
2,6
Rússia
6,9
9,9
4,1
Brasil
7,2
8,2
1,5
China
2,9
5,5
7,6
India
2,1
3,0
4,1
Fonte: Banco Mundial; * = Paridade de Poder de Compra.

Em outros termos, o Brasil, que partiu, em 1960, de níveis de renda per capita que eram o dobro da renda per capita da Coréia do Sul, já foi há muito ultrapassado pelo país asiático e, ao ritmo atual, corre ainda o risco de ser ultrapassado por países que partiram de patamares ainda mais baixos que o seu, como a China e a Índia, a  persistir, no médio prazo, a defasagem de taxas de crescimento como aquelas observadas nas três últimas linhas da tabela. Nosso dinamismo anterior já faz parte da história. Como se observa pela tabela abaixo, desde meados dos anos 1980, o Brasil vem crescendo – com exceção de níveis ligeiramente acima em alguns poucos anos da década passada – a taxas persistentemente abaixo da média mundial, tendo mesmo acumulado recessões mais profundas em pelo menos quatro ocasiões:

O crescimento econômico brasileiro não tem sido apenas abaixo da média mundial, mas, também, consistentemente abaixo da média dos países emergentes (quase três vezes menos, em média), como se pode verificar pela tabela seguinte:

Uma das razões do baixo desempenho da economia brasileira encontra-se na falta de investimentos. De 1995 a 2004, o volume de investimentos no Brasil representou, na média, 19,3% do PIB, taxa inferior aos 32,6% registrados nas economias emergentes da Ásia. Esse fraco desempenho da economia brasileira não poderia, portanto, deixar de refletir-se no comportamento anêmico da renda per capita. Na última década, o PIB per capita do Brasil aumentou apenas 0,7% ao ano, ante a média mundial de 2,6%.
Alguma perspectiva comparada pode permitir avaliar a extensão do desastre. Se o Brasil mantiver o atual ritmo de crescimento levará um século para conseguir dobrar a renda per capita e chegar próximo à renda per capita atual da Coréia do Sul. Em 2004, a renda per capita dos brasileiros era de US$ 8.200, equivalente a cerca de um quinto da dos norte-americanos. Nesse período, a China e a Índia lideraram a expansão do PIB per capita. O rendimento médio dos chineses aumentou 7,7% ao ano entre 1996 e 2005. Caso a China mantenha esse ritmo de crescimento, a renda média da população, que era de US$ 5.530 em 2004, dobrará em nove anos e vai superar a dos brasileiros.
Alguns acreditam que o crescimento pífio é o resultado da política econômica aplicada pelos últimos governos, inclusive o atual, colocando ênfase na taxa de juros e no superávit primário. Mas, se fosse possível fazer uma dessas simulações que só ocorrem nos laboratórios, em experiências controladas, e se o Brasil por acaso acordasse com uma taxa de juros que fosse a metade da que ele tem hoje e que, além de tudo, ele não fosse obrigado a realizar um superávit primário de 4 a 5% do PIB, ainda assim ele continuaria a apresentar baixo desempenho econômico.
A razão está em que não são os juros ou o esforço fiscal do governo que inibem volumes maiores de investimentos e, portanto, de crescimento. Isolados esses fatores, ainda assim a taxa de poupança continuaria limitada, o meio ambiente para os negócios preservaria esse cenário altamente dissuasivo ao investimento privado e a carga tributária continuaria pesando sobre os agentes econômicos privados, que são os únicos suscetíveis de criarem riqueza e emprego. Uma hipotética eliminação das despesas com juros ainda deixaria um desequilíbrio fundamental nas contas públicas, feito de crescimento vegetativo das transferências obrigatórias, peso crescente da fatura previdenciária, assunção de novas fontes de gastos como os aumentos do funcionalismo e alguns programas ditos sociais. Alguma surpresa neste quadro desolador?

4. As razões do baixo desempenho econômico persistente: barreiras estruturais e políticas ao crescimento da produtividade do trabalho
Identificados os sinais do desastre, seria preciso isolar as raízes dos problemas do baixo desempenho econômico percebido e, em seguida, determinar as responsabilidades por esse lastimável estado de coisas. Parece haver certo consenso entre os economistas ao identificar nas barreiras ao crescimento da produtividade as origens de nosso desempenho medíocre nos últimos anos. Outros fatores econômicos que explicam o baixo crescimento são as políticas macroenômicas, entre elas a regulação excessiva, a tributação claramente prejudicial ao investimento produtivo, a rigidez no mercado de trabalho e a ausência de um verdadeiro mercado de capitais, o que se reflete no custo excessivo do investimento produtivo, que acaba sendo colocando em segundo plano em relação às aplicações puramente financeiras, elas mesmas resultado do excessivo endividamento do Estado brasileiro ao longo das últimas décadas.
Um possível diagnóstico sobre as razões do baixo crescimento da produtividade do trabalho – fator que constitui, obviamente, o determinante principal do nível de renda per capita de um país – indicaria causas estruturais e não-estruturais, estas últimas derivadas das políticas macroeconômicas e setoriais adotadas por autoridades econômicas brasileiras. Dentre as primeiras, encontra-se um fator diretamente econômico, ou seja, o próprio baixo nível da renda per capita, o que desestimula a produção de bens e serviços mais sofisticados – que são justamente aqueles que concorrem no comércio internacional – e a consequente concentração da indústria manufatureira e dos agentes econômicos nos bens e serviços de baixa gama. Ainda na mesma categoria, encontra-se o fator clássico, definidor da própria economia, qual seja, a escassez relativa: sendo o trabalho o fator abundante, no Brasil, é natural sua utilização de forma mais extensiva e intensiva, o que desencoraja, ipso facto, a utilização de maquinarias e de modernas tecnologias. Mas, esses fatores estruturais representam, se tanto, um terço dos obstáculos à melhoria dos ganhos de produtividade no Brasil, segundo um recente estudo econômico (abril de 2006) da consultoria McKinsey.[4]
Os fatores estruturais, que respondem por dois terços dos problemas, podem ser sumariados como segue: a informalidade na qual vivem as companhias e o trabalho podem ser responsáveis por 28% das barreiras; a instabilidade macroeconômica  responde por outros 13%; a regulação excessiva causada pelo Estado representa 11% das dificuldades; a provisão insuficiente de serviços públicos responde por outros 8% e, por fim, a infra-estrutura insuficiente ou deficiente é responsável por 5% das barreiras ao incremento da produtividade. Esses fatores não têm sido enfrentado e, ao contrário, seu peso tende a se agravar. O mesmo estudo da McKinsey indica que se a produtividade do trabalho no Brasil representava, em 1995, 23% do nível observado nos Estados Unidos, em 2004 essa proporção caiu para apenas 21%.
A economia informal representa algo próximo de 40% da renda nacional do Brasil e mais da metade da população economicamente ativa. Cálculos econométricos estimam que a economia brasileira poderia crescer um adicional de 1,5% ao ano se ela conseguisse reduzir os níveis anormalmente altos de informalidade. O problema é que a informalidade é causada pela própria ação do Estado, que aparentemente se esmera em empurrar para a marginalidade milhares de empresas que não conseguem suportar a tributação elevada, o regulacionismo excessivo e o não respeito à lei por parte dos próprios agentes públicos. Na verdade, em muitos casos, o custo de aderir à formalidade é bem superior aos riscos e penalidades eventuais em caso de infração detectada seguida de punição no âmbito da lei.
Dados comparativos permitem avaliar o grau de informalidade do Brasil no contexto internacional. De modo geral, todos os países conhecem níveis diversos de informalidade, fenômeno que é evidenciado pela existência de empresas não registradas, pela evasão geral dos tributos oficiais, por trabalhadores sem carteira – e, portanto, sem direitos reconhecidos –, pelo não cumprimento de regulamentos sanitários, salário mínimo legal e outros processos associados a este. Segundo dados do Banco Mundial e da Organização Internacional do Trabalho, a informalidade no mundo situação próxima de um terço da renda nacional global, sendo que mesmo os países desenvolvidos conhecem o fenômeno. O gráfico seguinte dá uma idéia da situação no mundo, com destaque para a posição atual da Rússia e, na América Latina, do Chile, uma das economias mais dinâmicas de uma região que se caracteriza por altos graus de informalidade. A posição do Brasil situa-se, aliás, vinte ponto acima do indicador chileno, o que também coincide, por sinal, com a defasagem da carga fiscal, de 38% do PIB no caso brasileiro, e de apenas 18% no caso chileno.


Um detalhamento das fontes da informalidade no Brasil indicaria, como deve ser previsível, a imposição excessiva de tributos sobre a produção e circulação de bens e serviços, em volume tal que torna bastante atraente, ou virtualmente incontornável, a sonegação. Em outros termos, é o próprio Estado que estimula a informalidade, criando, assim, obstáculos insuperáveis para a eliminação de uma das principais barreiras ao crescimento da produtividade do trabalho e ao investimento produtivo. De fato, de agente indutor do processo de desenvolvimento, que ele pode ter sido no passado, o Estado brasileiro parece ter se convertido no principal fator de não-crescimento da economia. O que fazer para retornar o processo de crescimento e de desenvolvimento?

5. Existe algum caminho para o crescimento e o desenvolvimento?
Com base na experiência histórica de outros países, num estudo cuidadoso de nossa própria trajetória de desenvolvimento econômico e na identificação das referidas barreiras ao crescimento, tal como expostas na seção precedente, eu identificaria quatro grandes problemas – que são, ao mesmo tempo, quatro grandes desafios – que se colocam como condicionalidades para que o Brasil consiga retomar a trajetória dos primeiros oitenta anos do século XX e manter uma taxa de crescimento sustentada pelos próximos anos ou décadas. Os componentes principais de um processo consistente de crescimento e de desenvolvimento parecem ser os seguintes:
- estabilidade macroeconômica;
- uma microeconomia competitiva;
- alta qualidade dos recursos humanos;
- abertura aos comércio e aos investimentos.
Não é preciso dizer nada da instabilidade macroeconômica na qual o Brasil viveu, praticamente desde 1961 até o início do Plano Real, em julho de 1994. Tampouco seria preciso relembrar os focos remanescentes – ou estruturais – de desequilíbrio fiscal, bem como o fato de que, a despeito dos esforços realizados nos últimos doze anos, a taxa de inflação no Brasil permanece acima da média mundial – que é menos da metade da taxa “normal” no Brasil – e também acima da média dos países emergentes. No que tange à microeconomia, não é segredo para ninguém que a economia brasileira convive ainda com inúmeros cartéis, monopólios e reservas legais de mercado, premiando companhias estatais e ofertantes privados dispondo de posições dominantes nos mercados respectivos.
No que se refere à qualidade da educação, são notórias nossas deficiências no setor, com números aterradores de repetência escolar e de desempenho indvidual dos alunos nas avaliações comparadas dotadas de metodologias testadas (como é o caso do exame PISA, por exemplo, o programa internacional de avaliação dos estudantes, da OCDE). Finalmente, persistem os coeficientes extremamente reduzidos de abertura externa – parte do comércio exterior na formação do produto – e de receptividade ao investimento estrangeiro, o que nada tem a ver, obviamente, com a abertura aos capitais puramente financeiros.
Uma lista detalhada dos problemas estruturais e conjunturais do Brasil resulta no estabelecimento de um quadro assustador do ponto de vista da extensão das reformas e da amplitude dos consensos que deveriam ser alcançados para se lograr colocar as bases da retomada do crescimento. Isto significa, portanto, que a possibilidade ou a factibilidade real de se obter tal consenso, nos próximos anos, é próxima de zero, o que reforça, ipso facto, minhas previsões pessimistas apontando para o colapso. Quais seriam, em todo caso, o conjunto de problemas com que se defronta atualmente o Brasil?
Uma lista – obviamente não exaustiva – dos problemas estruturais e institucionais do Brasil atual resulta num formidável conjunto de obstáculos à retomada de um processo sustentado de crescimento, como se pode constatar por estes exemplos:
1. Constituição super-detalhista e “intrusiva”, concedendo muitos “direitos” e exigindo poucas obrigações;
2. Estado paquidérmico, perdulário, burocrático e ineficiente;
3. Regulação microeconômica hostil tanto ao empreendimento produtivo quanto à empregabilidade, concedendo pouco espaço para as relações diretamente contratuais ou auto-reguladas;
4. Excesso de monopólios, cartéis e restrições de mercado, pouca competição e muitas barreiras à entrada de novos ofertantes de bens e serviços;
5. Reduzido grau de abertura externa, seja no comércio, nos investimentos, nos fluxos de capital, gerando ineficiências, altos preços, ausência de competição e de inovação;
6. Sistemas legal e judiciário atrasados e ineficientes, permitindo manobras de procedimento que retardam a solução das controvérsias e aumentam os custos de transação para a sociedade.

Existiriam ainda condições para o exercício de uma governança responsável?

6. Existe alguma maneira de escapar ao colapso?
Tendo em vista o que foi exposto anteriormente, considero extremamente difícil ao Brasil evitar a ameaça real de “colapso” em seu processo de crescimento, inclusive porque, até o presente momento, as lideranças políticas sequer reconhecem o estado pré-falimentar do atual modelo econômico. A decadência econômica e o dissenso político daí decorrente – e que na verdade já se manifestam – poderiam, a exemplo de experiências históricas anteriores de persistente declínio nacional (como nos casos “clássicos” da Grã-Bretanha e da Argentina), perdurar por longos anos, quando não por várias décadas.
Poucos “profetas do apocalipse”, em sua versão econômica, têm alertado para esse estado de coisas. O diagnóstico oferecido não é, no entanto, difícil de ser feito, com base nos dados que foram aqui apresentados. Mais, difícil, provavelmente, será fazer com que a sociedade e os seus representantes políticos se coloquem de acordo em torno de um conjunto de reformas, cujo contorno mais geral me permito apresentar logo abaixo.
Minha impressão pessoal, nesse particular, é que o detalhamento oportuno desse  conjunto de reformas poderia dar margem a intermináveis discussões no congresso e na sociedade e que o seu encaminhamento ulterior – aliás, altamente problemático – abriria espaço a outras infindáveis dúvidas e tergiversações sobre sua implementação efetiva. Considerando-se, ademais, os inevitáveis conflitos sobre o custo dos ajustes necessários, afigura-se-me muito difícil, senão impossível, a consecução desse conjunto de reformas saneadoras, com o que torna-se ainda mais provável o “meu” colapso anunciado.
Em todo caso, para não terminar numa nota totalmente pessimista, vejamos quais seriam as reformas que reputo indispensáveis para recolocar o Brasil numa trajetória de crescimento. Estabeleço, em primeiro lugar, o sumário desse conjunto de reformas, com os obstáculos previstos, apresentando em seguida seu desenvolvimento mais amplo:
1. Reforma política (choca-se com a representação das regiões e dos estados);
2. Reforma administrativa (mas o brasileiro acredita que o Estado é bom);
3. Reforma econômica (a tributária contraria os interesses dos estados);
4. Reforma trabalhista e previdenciária (tropeça nos “direitos adquiridos”);
5. Reforma educacional (a sociedade ainda não está consciente de sua importância);
6. Abertura econômica (considerada indesejada pela maior parte dos agentes).

Vejamos agora, com maior grau de detalhamento, ainda que de forma sintética, quais seriam os principais elementos constitutivos das reformas propostas:
1. Reforma política: deveria começar pela Constituição e seria útil uma “limpeza” nas suas excrescências indevidas, deixando-a apenas com os princípios gerais, remetendo todo o resto para legislação complementar e regulatória. A representação política é ineficiente, onerosa e deformada: em vista dos seus custos para o País e para os cidadãos (que na verdade pouco sabem do nível real de despesas), seria conveniente operar uma diminuição drástica dos corpos legislativos em seus vários níveis (federal, estadual e municipal). No campo da reforma eleitoral, introduzir a proporcionalidade mista, com voto distrital em nível local e alguma representação por listas no plano nacional, preservando o caráter nacional dos partidos. Os principais obstáculos, obviamente, são a própria inércia dos corpos legislativos, que transformaram-se em classes e grupos de interesses que vivem dos “negócios” da política e a representação deformada entre os estados e no que tange a proporcionalidade.

2. Reforma administrativa com diminuição do número de ministérios, e atribuições de funções a diversas agências reguladoras. Retomada da privatização das empresas estatais que ainda existem e que são fontes de ineficiências e corrupção. Fim geral da estabilidade no serviço público, salvo para algumas carreiras de Estado (estritamente definidas). Reformas nos códigos processuais e no funcionamento da justiça, de forma geral. Choca-se com a crença geral da população de que o Estado é que deve estimular as “atividades econômicas”, tem a obrigação de “criar emprego” e, de forma geral, “distribuir benesses”; ou seja, torna-se materialmente impossível reduzir o tamanho do Estado paquidérmico, abrindo-se espaços à atividade empreendedora na prestação de diversos serviços públicos em bases de mercado (inclusive os de infra-estrutura básica e, eventualmente, partes da administração da justiça).

3. Reforma econômica ampla, com diminuição da carga tributária e redução das despesas do Estado; severo aperto fiscal nos criadores de despesas “inimputáveis”, que são os legislativos e o judiciário. Reformas microeconômicas de molde a criar um ambiente favorável ao investimento produtivo e ao lucro e para diminuir a sonegação e a evasão fiscal. A situação da gestão das contas públicas melhorou parcialmente com a “lei de responsabilidade fiscal”, mas as brechas ainda remanescentes tornam esse equilíbrio precário, ademais da situação sempre sensível da repartição de encargos e receitas entre as diversas entidades da federação.

4. Reforma trabalhista radical, no sentido da flexibilização da legislação laboral, dando maior espaço às negociações diretas entre as partes. Extinção da Justiça do Trabalho, ela mesma uma das fontes de criação e sustentação de conflitos. Eliminação do imposto sindical, que alimenta organizações de papel, de comportamento rentista. Nova reforma previdenciária, para terminar com os privilégios remanescentes, ampliar o tempo de contribuição, diminuir determinadas coberturas indevidas e equalizar os diversos regimes existentes (por gênero e por categorias).

5. Reforma educacional completa, com retirada do terceiro ciclo da responsabilidade do Estado e concessão de completa autonomia às universidades públicas (mantendo-se a transferência de recursos para fins de pesquisa e projetos específicos). Concentração dos recursos públicos nos dois primeiros níveis e no ensino técnico-profissional, cuja valorização passa pelo treinamento e qualificação adequados dos professores e a introdução de sistemas de remuneração por mérito e rendimento (diretamente aferidos pelos resultados dos alunos).

6. Prosseguimento da abertura econômica e da liberalização comercial; acolhimento do investimento estrangeiro e adesão a regimes proprietários mais avançados.

Existiria alguma chance de implementação desse conjunto de reformas? Existiria, ao menos, qualquer possibilidade de que alguma delas seja sequer iniciada? Com exceção de mudanças cosméticas, tudo me parece muito improvável, para não dizer impossível. O surpreendente seria que elas fossem convertidas em agenda nacional, a partir da próxima legislatura e do próximo mandato presidencial. Com efeito, todas as previsões políticas indicam a deterioração sensível, e já previsível, do quadro de governabilidade no país, tendo em vista as tendências detectadas no Congresso brasileiro, o principal vetor para a discussão e eventual aprovação dessas reformas. O País tampouco parece dispor das lideranças políticas indispensáveis à consecução desse empreendimento gigantesco, que deve, assim, permanecer como mais uma dessas utopias sem futuro.

7. Concluindo, pela via pessimista...
O Brasil não terá sido o primeiro, nem será o último país a enfrentar as agruras da decadência econômica e de um lento esgarçamento de seu tecido político e social. Afinal de contas, a história é pródiga em exemplos de declínios, sem sequer ser preciso fazer apelo, aqui, aos exemplos reais de colapso total, narrados no livro do citado especialista americano em “declínios civilizacionais”. A China, hoje invejada por seu crescimento fabuloso, constitui um modelo em escala histórica ampliada de decadência inimaginável durante pelo menos três ou quatro séculos, até a sua atual recuperação igualmente sem precedentes na história econômica mundial. A Grã-Bretanha decaiu praticamente durante todo o século XX, em especial no segundo pós-guerra, até começar a sua recuperação sob o signo do neoliberalismo tatcheriano. A Argentina, mais próxima de nós, continua, talvez, a patinar na impossibilidade material de retomar os patamares de prosperidade e de bem-estar que já foram os seus nos anos inciais do século XX.
Observando-se esses exemplos pouco edificantes, mas cuja trajetória de lento e inescapável declínio estendeu-se durante décadas, senão por séculos – sendo portanto totalmente visível aos estadistas contemporâneos –, parece totalmente possível e, de certo modo totalmente provável, que o Brasil venha a conhecer uma trajetória senão similar, pelo menos comparável de declínio e de decadência. Não está excluído um colapso, tampouco, se nada for feito, por exemplo, em relação à deterioração das contas públicas e dos gastos correntes do Estado, sem mencionar a anomia gerencial, o quadro de violência nas metrópoles, o desrespeito generalizado à lei, a começar pelas próprias autoridades políticas. Talvez o Brasil esteja mesmo condenado ao baixo crescimento, à preservação das conhecidas iniquidades sociais, a começar pela desigual distribuição de renda e riqueza, ao baixo dinamismo geral de seu sistema econômico e judiciário.
Minha previsão, realisticamente pessimista, é a de que o Brasil vai decair pelos próximos vinte anos, pelo menos. Isto é, se antes disso ele não entrar em colapso. Espero, sinceramente, ser desmentido pelos fatos...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1º de maio de 2006

1590. “Colapso!: prevendo a decadência econômica brasileira”, Brasília, 1º maio 2006, 17 p. Extensão de estudos anteriores, com síntese pessimista sobre a trajetória de declínio econômico brasileiro. Espaço Acadêmico (ano V, nº 60, maio 2006; ISSN: 1519-6186). Relação de Publicados n. 643.





[1] Jared Diamond, Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. 3ª ed.; Rio de Janeiro: Record, 2006. No capítulo 14, “Por que algumas sociedades tomam decisões desastrosas?”, são enfocadas algumas das razões de um eventual colapso: falta de previsão ou de percepção quanto a fatores de risco; mau comportamento racional; valores desastrosos e soluções mal sucedidas.
[2] Ver, por exemplo, “A decadência econômica brasileira: uma inevitável tendência pelos próximos vinte anos?”, Instituto Millenium (8.03.2006; link: http://institutomillenium.org/2006/03/08/a-decadencia-economica-brasileira-uma-inevitavel-tendencia-pelos-proximos-vinte-anos/); “Um balanço preliminar do Governo Lula: a grande mudança medida pelos números”, Espaço Acadêmico (ano 5, nº 58, março 2006; link: http://www.espacoacademico.com.br/058/58almeida.htm); “Uma proposta modesta: a reforma do Brasil”, Instituto Millenium (26.04.06; link: http://institutomillenium.org/2006/04/26/uma-proposta-modesta-a-reforma-do-brasil/).
[3] Cf. Fundo Monetário Internacional, World Economic Outlook 2006: Globalization and Inflation. Washington: IMF, abril de 2006; disponível no link: www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2006/01/index.htm. Em relação ao Brasil, o relatório afirma: “Para continuar os avanços feitos na redução da dívida pública, será importante resistir às pressões de alívio fiscal, de modo a sustentar os elevados superávits primários, e elevar o crescimento a médio prazo, por meio de reformas econômicas, inclusive pela melhoria de qualidade da política fiscal e do ambiente de negócios.”; cf. p. 42.
[4] Cf. Heinz-Peter Elstrodt, Jorge A. Fergie e Martha A. Laboissière, “How Brazil can grow”, The McKinsey Quarterly (nº 2, 2006; link: http://www.mckinseyquarterly.com/article_page.aspx?ar=1773&L2=7&L3=10; acesso em 30 abril 2006).

Trump: dois anos depois - Francisco Seixas da Costa

Bem, parece que até aqui sobrevivemos a Trump...
PRA

Trump, dois anos depois


O professor Eduardo Paz Ferreira “convocou-nos” hoje, para a Faculdade de Direito, com vista a refletir sobre Trump, dois anós após a sua posse: Luísa Meireles, Irene Pimentel, Carlos Branco, Rui Tavares, Sandra Monteiro e eu próprio. Alguns de nós tinhamos já estado por ali, a refletir sobre este mesmo assunto, precisamente há dois anos e há um ano.

Iniciei a minha intervenção dizendo que a boa notícia era o facto de Trump não ter provocado nenhuma guerra (como há dois anos se temia) e a má notícia o facto de ele ter conseguido induzir uma inédita crise de confiança à escala global (como há dois anos já se temia). 

Num nota não muito pessimista, terminei a minha intervenção afirmando que, apesar de todos os virulentos ataques de Trump ao sistema internacional de base multilateral, e não obstante o forte poder condicionante que a força dos EUA sempre objetiva em todas as circunstâncias, o quadro institucional global, com a ONU no centro, tem sobrevivido. Até quando?

Raymond Aron sobre o papel da burrice na História

Me parece inevitável transcrever, pois Raymond Aron e eu temos os mesmos sentimentos, ou instintos, na verdade uma tremenda alergia à burrice.
Em seu depoimento a Jean-Louis Missika e a Dominique Wolton, Aron avalia os erros do Front Populaire (1936):

“Assim é que eu frequentemente me inclinei a pensar que a ignorância e a burrice são fatores consideráveis na História. E digo muitas vezes que o último livro que gostaria de escrever, para o fim, teria como tema o papel da burrice na História.
J.-L. M. — Seria um verdadeiro tratado...”

O Espectador Engajado (RJ: Nova Fronteira, 1982), p. 56.

Bem, já que Raymond Aron não escreveu esse livro, eu, que também tenho uma profunda aversão à burrice, acho que vou ter de fazê-lo, se não um livro inteiro, pelo menos um artigo completo, com citações de casos históricos, exemplos exemplares e tudo o o mais.
Não digo a ignorância dos ingênuos e não educados, pois eles muitas vezes não têm culpa de sua condição (embora devessem procurar se educar em todas as circunstâncias).
Eu me refiro à burrice de alguns letrados, diplomados, que dispondo de todas as condições de se informarem, de se ilustrarem, de corrigirem seus erros de compreensão, escolhem deliberadamente alimentar a sua burrice.
São muitos, inúmeros os burros congenitais, alguns até dispondo de poder e riqueza, e até de meios de impor a sua vontade, “por la razón o por la fuerza”, como dizem os chilenos. Mas não, eles escolhem continuar burros, sabe-se lá como conseguem, alguns até exitosamente.
Deve ser porque na humanidade existe um número incomensurável de burros e de estúpidos, e eles se protegem entre eles.
Viram? Daria um verdadeiro tratado...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26/01/2019

Juca Paranhos, o barao - resenha do livro L. C. Villafane por Roberto Pompeu de Toledo


Uma fábula
Roberto Pompeu de Toledo
VEJA, 30 de janeiro de 2019, edição nº 2619

Em 17 de abril de 1910 entrou festivamente na Baía de Guanabara, vindo dos estaleiros da Inglaterra, o encouraçado Minas Gerais, navio da classe dreadnought, o que havia de mais avançado na época, e sua chegada desencadeou uma onda de patriotismo. Para o jornal O País, o “vulto de aço” da embarcação simbolizava “o Brasil novo, opulento e poderoso que vai na rota de progresso e civilização”. Para a Gazeta de Notícias, incumbiria ao Minas Gerais, “pedaço flutuante da pátria”, levar pelos mares “a força afirmativa da nossa cultura, da nossa grandeza e da nossa civilização”. Contada no recém-lançado Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, exemplar biografia do patrono da diplomacia brasileira escrita por Luís Cláudio Villafañe G. Santos, a história iniciada com a chegada da portentosa embarcação desdobra-se em dois atos e encerra-se como uma fábula.
A causa do reaparelhamento da Marinha brasileira teve em Rio Branco seu mais ardente defensor. A seu ver, tratava-se de contraponto indispensável ao laborioso quebra-cabeça com que negociava nossas fronteiras e toureava as rivalidades e desconfianças com os vizinhos. O governo brasileiro decidiu jogar alto, e optou por encomendar logo três dreadnoughts, a nova maravilha dos mares, lançada em 1906 pela Inglaterra. Em especial, naqueles anos, preocupavam a superioridade militar da Argentina e as pretensões do Peru a nacos do território brasileiro. Por questão de custo, a encomenda foi reduzida a dois, mas ainda assim causava furor. À chegada do Minas Gerais, o primeiro deles, as celebrações incluíram uma canção que aproveitava a melodia da italiana Vieni sul Mar, para honrar o navio com o estribilho, “Oh, Minas Gerais”. (Com letra modificada, em anos posteriores a canção passaria a celebrar o Estado de Minas Gerais.)
O segundo dreadnought, batizado São Paulo, chegou em outubro, bem a tempo de ser incluído no elenco no ato 2 da nossa fábula. Em 22 de novembro, aproveitando-se da ausência do comandante, João Batista das Neves, que saíra para jantar num navio francês em visita ao Rio, a tripulação do Minas Gerais apoderou-se do navio. Ao voltar a bordo, Neves foi saudado aos gritos de “Abaixo a chibata” e morto ao tentar uma reação.
Os navios iam e vinham, exibindo as bandeiras vermelhas da insurgência
   
A insubordinação dos marinheiros, remoída por anos, explodira ao impacto das 250 chibatadas aplicadas na antevéspera a um companheiro. A Revolta da Chibata espalhou-se por outros cinco navios estacionados na Baía de Guanabara. A fina flor da Armada brasileira passara às mãos da chucra marujada, sob o comando de João Cândido, o “Almirante Negro”, como seria apelidado.
Que fazer? Os navios iam e vinham nas águas da baía exibindo as bandeiras vermelhas da insurgência. O governo manteve-se pasmo e paralisado até o dia 25, quando se decidiu pelo ataque aos rebeldes. “Rio Branco se desesperou”, escreve Villafañe Santos. “Assustava-o a perspectiva de ver os principais navios da Armada brasileira destruídos e, em consequência, o Brasil, outra vez, em total inferioridade de meios militares frente a seus vizinhos.” O chanceler chegou a procurar o oficial encarregado do ataque, na tentativa de dissuadi-lo. Afinal, o destino inglório de ver os dreadnoughts, tinindo de novos, arrasados pelas próprias forças a que deviam integrar-se foi evitado depois de negociações no Congresso que incluíram, no dia 26, a promessa de anistia aos revoltosos.
A promessa não foi cumprida. Dois dias depois a repressão já começava a baixar sem piedade contra os amotinados — mas essa é outra história. Interessa-nos o contraste entre o sonho de potência de abril de 1910, à chegada do Minas Gerais, e a realidade de uma Marinha que tratava os marujos a chibatadas, exposta em novembro. “O episódio conta muito sobre a ilusão de modernidade e prosperidade de um país no qual pouco mais de um par de décadas antes a posse de outros seres humanos era legalizada e cuja economia se baseava na exportação de uns poucos produtos agrícolas”, escreve o autor do livro. A frustração bateu forte em Rio Branco. Um contemporâneo, Carlos de Laet, data daí a decadência física que o levaria à morte, um ano e dois meses depois.
Outras histórias oferecem morais já prontas à fábula que poderia ter por título “O dreadnought e a chibata”. O rei estava nu, caberia dizer, ou: o ídolo tinha pés de barro. Formulemos a nossa própria moral. Brincar de “Brasil novo, opulento e poderoso”, orgulhoso “da nossa cultura, da nossa grandeza e da nossa civilização” (para repetir os arroubos ufanistas na chegada do Minas Gerais), só vale quando se traz o povo junto.
Publicado em VEJA de 30 de janeiro de 2019, edição nº 2619

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

A China em Davos: discurso do vice-presidente - Wang Qishan

Full text of Chinese vice president's speech at 2019 WEF annual meeting

DAVOS, Switzerland, Jan. 24 (Xinhua) -- Chinese Vice President Wang Qishan on Wednesday delivered a speech at the 2019 Annual Meeting of the World Economic Forum.
An English translated version of the speech is as follows:

Stay Confident and Work Together for A Shared Future
Speech by H.E. Wang Qishan
Vice President of the People's Republic of China
At the World Economic Forum Annual Meeting
Davos, 23 January 2019

Dear Dr. Klaus Schwab,
Ladies and gentlemen,
Friends,

It gives me great pleasure to attend the 2019 World Economic Forum Annual Meeting.
This year is the 40th anniversary of the relations between China and the WEF. Over the past four decades, Davos, this lovely small town with its unique appeal, has become an important platform for China to learn about the world, exchange views, state its position and seek common understanding.
This year 2019 marks the 70th anniversary of the founding of the People's Republic of China. The past seven decades have witnessed remarkable achievements in China's development. Our nation has made historical transformation in terms of social productivity and composite national strength and delivered initial prosperity to its people who were once struggling to meet their basic living needs. China's status and influence have risen as never before. Indeed, China has increasingly become an important force for upholding world peace and promoting common development.
Many foreign friends have often put this question to me: What has made it possible for China to achieve so much in development and progress? And how will a stronger China engage the rest of the world? Well, these questions can be answered from historical, cultural and philosophical perspectives. Given the close linkage between the past, the present and the future, one needs to learn about China's past in order to understand its present and forecast its future.
China has an uninterrupted civilization of more than 5,000 years, and the Chinese nation has both gone through sufferings and made splendid achievements. When the West embarked upon industrialization and embraced the oceans, China fell behind because its emperors chose to shut China's door to the world, and this made China a victim of foreign aggression. Since modern times began, China was beset by crises at home and abroad, and ravaged by wars and chaos, which inflicted untold sufferings to its people. However, in a century of darkness, the Chinese people, rising one upon another in an unyielding spirit, never stopped searching for a way towards national renewal and prosperity.
Seventy years ago, the Communist Party of China, rallying the Chinese people around itself, engaged in an indomitable struggle and succeeded in establishing a New China in the ruins of an old semi-colonial and semi-feudal society, thus achieving national independence and liberation of the Chinese people. Since then, the Chinese nation has gained rebirth and entered a new era of development.
We will stay true to the founding mission of the Communist Party of China, uphold its leadership and China's fundamental socialist political and economic systems and be guided by a people-centered development philosophy. From the founding and building of the People's Republic to the launching of the reform and opening-up program and the shifting of focus to economic development, we have moved away from revolution to reform, from a planned economy to a market economy and from isolation to all-round opening-up. In this process, we have broken free from the fetters of dogma and Utopian thinking, freed our minds and taken a realistic and pragmatic approach, and applied Marxism's basic tenets in the context of China's realities. Four to five generations of us Chinese have, going through twists and turns, probed a way forward. Through trials and errors, with many lessons learned and heavy prices paid along the way, we have made great accomplishments and embarked upon a path of building socialism with distinctive Chinese features. Thanks to 70 years of hard work and dedication, we have turned a weak and impoverished agrarian country with backward productivity into the world's second largest economy, the largest industrial manufacturer, and the largest trader of goods, creating bright prospects for the great renewal of the Chinese nation.
This is what history has told us:
-- The Chinese nation, long among the leading civilizations in the world history, has made unique and significant contribution to human progress. The profound historical and cultural heritage of the Chinese nation is in the genes of its people. What we long for is to see China once again gain its rightful place among the nations of the world and achieve great rejuvenation.
-- The Chinese nation as we know today originates from a number of nationalities that embraced and integrated into one another throughout history. We are a peace-loving, open and inclusive nation that keeps abreast of the times. While keeping the fine Chinese culture alive and strong, we also respect other civilizations and values, and draw inspirations from other cultures. As we continue to follow the socialist path with distinctive Chinese features, we will respect other peoples' independent choices of paths and systems.
-- The Chinese culture values the teachings that one should help others to succeed while seeking one's own success, create a world for all, treat others with respect and pursue win-win cooperation. We reject the practices of the strong bullying the weak and self-claimed supremacy. Today, China's interests and future are closely linked to those of the world. While developing itself, China also wishes to work with all countries for common development and a community with a shared future for mankind.
-- The advances in China in the past 70 years are not a godsend, nor a gift from others. Rather, they are made by the Chinese people through vision, hard work, courage, reform and innovation. By striving to meet people's aspirations for a better life, we can surely win their support. United as one, we Chinese can surely overcome various risks and challenges.
-- A land of over 9.6 million square kilometers, a people of nearly 1.4 billion, and a history of over 5,000 years: These are the underlying features of China, and they are the source from which China derives confidence in its path, theory, system and culture. We have embarked on a right path that fits China's conditions and is in keeping with the trend of the times. And we will further improve and enrich socialism with distinctive Chinese features through reform and opening-up. This is a path we believe in, and we will steadily forge ahead along this path.
Ladies and gentlemen,
In recent years, problems in the global economy such as lack of new growth drivers, unbalanced development and uneven income distribution have intensified. New challenges brought by new technologies, new industries and new forms of business have mounted. Many countries are increasingly looking inward when making policies; barriers to international trade and investment are increasing; and unilateralism, protectionism and populism are spreading in the world. All these are posing serious challenges to the international order. Will economic globalization move forward or reverse course?
The economic globalization, which gained rapid ground in the last century, was started by Western developed countries, or the Mediterranean civilization. In the late 20th and early 21st centuries, technological advances have significantly reduced the geographical distance and other barriers to exchanges among countries and accelerated the economic globalization process. The BRICS countries, Vietnam, Indonesia and other emerging economies have risen. As a result, economic globalization has reached a new stage as we now know. Western multinational corporations and financial institutions are the main drivers of economic globalization. As they seek maximum profit in their operations, they allocate resources to countries and regions with low-cost production factors and sound business environment when building global industrial chains. In this process, China has moved up from the low end to the medium and high end of the global industrial chain. The nearly 1.4 billion Chinese who are enjoying greater prosperity have unleashed huge demand backed by purchasing power. And this has unlocked enormous market potential that no one can afford to ignore.
Economic globalization represents an inevitable trend of history given the enormous potential that derives from harnessing the comparative advantages of countries and enhancing economic connectivity. In response to the problems and challenges in the world today, the international community need to make serious and deep-going analysis, and more importantly, take collective actions in line with the trend proactively.
Under market economy conditions, too much emphasis on efficiency often comes at the cost of equity. While there are both internal and external factors that cause a problem, the internal one plays the key role. Therefore we must take a targeted approach to address the problems that have emerged in the process of economic globalization. Development imbalances need to be resolved through further development. Countries need to press ahead with structural reform, strike a right balance between equity and efficiency, adopt effective policy measures to prevent the worsening of income inequality and fend off the impact on some regions and industries caused by new technologies and market competition, so that all people stand to gain from continued development. What we need to do is make the pie bigger while looking for ways to share it in a more equitable way. The last thing we should do is to stop making the pie and just engage in a futile debate on how to divide it. Shifting blame for one's own problems onto others will not resolve the problems.
To address its problem, China's choice is to focus on managing our own affairs well. Socialism with distinctive Chinese features has entered a new era, yet China also faces the problem of imbalances in development. The principal issue confronting the Chinese society is that unbalanced and inadequate development cannot meet our people's ever-growing needs for a better life. We will pursue development as the top priority, promote coordinated economic, political, cultural, social and ecological advancement, and move steadily towards making China a moderately prosperous society in all respects.
We in China have continued to carry out reform across the board, resolving many tough issues and navigating dangerous rapids. Major headway has been made in supply-side structural reform, digital economy and other emerging industries are flourishing, and an innovation-driven China is taking shape. Decisive progress has been made in key battles of poverty alleviation, with the number of rural people living in poverty cut by over 80 million since 2013. Thanks to stronger measures taken, China's environment has been further improved. The Communist Party of China, the governing party in China, has strengthened itself by strictly enforcing party discipline, and a crushing victory has been secured in fighting corruption.
We in China have continued to promote opening-up across the board, advance international cooperation on the Belt and Road Initiative, upgrade an open world economy, and work for a new type of international relations featuring mutual respect, equity, justice and win-win cooperation under the principle of consultation and cooperation for shared benefit. China remains committed to building world peace, promoting global growth and upholding the international order.
Ladies and gentlemen,
New technologies bring opportunities, but they also create risks and challenges. Every major breakthrough in scientific discovery and technological innovation has greatly boosted human development and progress; but it has also led to the restructuring of value chains, industrial chains and supply chains, and disrupted the balance in the economy and society and between countries and regions. Indeed, such breakthrough challenges the existing rules and order. As a result, adjustments need to be made to both the economic and social governance of countries and global economic governance.
We are meeting here under the theme "Globalization 4.0: Shaping a Global Architecture in the Age of the Fourth Industrial Revolution", which is highly relevant. The fourth industrial revolution, with its speed, scale and complexity and the way it shapes human society, represents a significant evolution of the globalization process. We must work together to shape the global architecture in the age of the fourth industrial revolution with the vision to create a better future for all mankind.
We need to uphold the security of all mankind. We need to explore the adoption of relevant rules and standards in a phased way, while leaving broad space for the dissemination and application of scientific discovery and technological innovation. We need to accommodate in a balanced manner the interests of all countries, especially those of emerging markets and developing countries. One should not ask the whole world to address only the security concern and comply only with the standards of developed countries or individual countries.
It is imperative to respect national sovereignty and refrain from seeking technological hegemony, interfering in other countries' domestic affairs, and conducting, shielding or protecting technology-enabled activities that undermine other countries' national security. We need to respect the independent choices of model of technology management and of public policies made by countries, and their right to participating in the global technological governance system as equals.
We need to uphold multilateralism, engage in extensive dialogue and cooperation based on mutual respect and mutual trust, and jointly build a system of rules for technology and new international cooperation framework featuring peace, security, democracy, transparency, inclusiveness and mutual benefit, so that all people can gain from technological innovation.
We need to uphold social equity and justice, and ensure technological innovations are made in compliance with the rule of law and internationally recognized norms and that they are guided by us humans, meet our needs and be compatible with our values. We need to prevent technological advances from being turned into tools of committing terrorism and crimes or violating individual rights.
We need to improve policy environment and promote social prosperity and stability. We should both respect and protect the rights and interests of innovators. At the same time, we should provide necessary education and training to enable the public to adapt to the fast advancement of technology and ensure that such advancement helps raise living standards, create jobs, protect the environment, and promote the long-term interests of mankind.
Ladies and gentlemen,
In this changing world, making advance is like climbing a mountain. It is commitment, conviction and confidence that drive us forward. In this era of unfolding economic globalization, all of us mankind share a common stake. As a Swiss proverb goes, "Torches light up each other." Let us illuminate the path ahead, progress together, ascend to the summit and jointly create a great future for all mankind.

Stalin e os judeus: evento no Wilson Center, Washington (29/01)

Stalin and the Black Book of Soviet Jewry

Wilson Center, January 29, 2019, 3pm-5:30pm

In 1944, Soviet writers Ilya Ehrenburg and Vasily Grossman together with the Jewish Anti-Fascist Committee prepared a 500-page book of testimonials about the mass murder and resistance of the Soviet Jews during the Holocaust. Shortly before publication, Stalin reversed his decision to publish the book, members of the Jewish Anti-Fascist Committee were executed, and silence descended upon the memory of the Holocaust. The Black Book would not be published in Russia until 2014. In this event, we will screen excerpts from Israeli filmmaker Boris Maftsir’s upcoming documentary exploring the fate of the Black Book and consider Stalin’s views and policies vis-à-vis Soviet Jewry.
This event is part of a series organized by the Kennan Institute in honor of the International Holocaust Remembrance Day, with support from the Embassy of Israel in the United States and Rabin Chair Forum at George Washington University. For more information about the series, please visit our website.
 

Speakers

  • Boris Maftsir

    Documentary Filmmaker
  • Zvi Gitelman

    Short-Term Scholar, Kennan Institute
    Professor Emeritus, Department of Political Science, University of Michigan, Ann Arbor
  • Joshua Rubenstein

    Associate at the Davis Center for Russian and Eurasian Studies, Harvard University

Event Co-sponsors

Sponsors: 
EMBASSY OF ISRAEL IN THE UNITED STATES
RABIN CHAIR FORUM AT GEORGE WASHINGTON UNIVERSITY
JEWISH COMMUNITY CENTER OF NORTHERN VIRGINIA
LEADERSHIP, ETHICS, AND PRACTICE INITIATIVE AT THE ELLIOTT SCHOOL OF INTERNATIONAL AFFAIRS
INSTITUTE FOR EUROPEAN, RUSSIAN, AND EURASIAN STUDIES
EDLAVITCH JEWISH COMMUNITY CENTER OF WASHINGTON, DC

Info sobre Juan Guaidó, presidente "encarregado" da Venezuela

QUEM É JUAN GUAIDÓ, QUE SE AUTODECLAROU PRESIDENTE INTERINO DA VENEZUELA

G1, 24/01/2019

A oposição na Venezuela retoma seus protestos em 2019 impulsionada por uma nova figura. Jovem, determinada e conciliadora, com as reivindicações já conhecidas: transição democrática e eleições livres.

Em menos de um mês, Juan Guaidó passou de um rosto pouco conhecido do público à maior ameaça para o regime de Nicolás Maduro. Foi empossado presidente da Assembleia Nacional e, nesta quarta, ganhou o respaldo internacional de países como os EUA e o Brasil, depois de se autodeclarar o presidente interino do país.

Guaidó vem de uma família de pouco dinheiro. "Sei o que é passar fome", afirma. Hoje, aos 35 anos, é formado em engenharia e tem mestrado em administração pública. É casado e tem uma filha de pouco mais de um ano.

Em 1999, quando tinha 15 anos e Hugo Chávez cimentava a sua revolução depois de somente 10 meses na presidência, Guaidó sobreviveu a uma das piores tragédias naturais da Venezuela. Inundações e enormes deslizamentos de terra no estado costeiro de Vargas mataram milhares de pessoas. Na época, Guaidó vivia com sua mãe e seus cinco irmãos mais novos.

Em 2009, Guaidó foi membro fundador do partido Vontade Popular (VP), do líder opositor Leopoldo López.

O jovem foi eleito deputado suplente em 2010 e legislador titular em 2015 pelo estado de Vargas, depois de participar de uma greve de fome para exigir que se fixasse a data das eleições parlamentares.

Assentou seu caminho com denúncias de corrupção na estatal petroleira Pdvsa, enquanto a produção de petróleo colapsava e a crise no país se agravava, com a hiperinflação e escassez de alimentos básicos e remédios.

Não era um homem de grandes discursos, mas resolveu assumir a liderança de uma oposição dividida, com seus principais dirigentes presos, exilados ou inabilitados.

"Guaidó é uma cara nova, considerado um homem de consenso pelos moderados e respeitado também pelos radicais", disse à agência France Presse (AFP) o analista Diego Moya-Ocampos.

É um "jogo complicado", disse Mejía. A Venezuela, acrescenta, "é um país acostumado com o personalismo e o caudilhismo, e estão colocando uma carga pesada sobre Juan. A mudança não depende só dele, depende de todos".

Depois do triunfo eleitoral da oposição nas eleições parlamentares de 2015, que lhe permitiu ter a maioria da Assembleia Nacional, os principais partidos opositores decidiram se revezar na presidência da Casa a cada ano.
2019 era a vez do VP, mas seus principais líderes não podiam assumir o cargo: López está em prisão domiciliar pelos protestos contra Maduro em 2014; Carlos Vecchio, o número 2 do partido, está exilado nos EUA; e Freddy Guevara se refugiou na embaixada do Chile em Caracas, acusado pelas violentas manifestações de 2017.

Em 5 de janeiro, Guaidó foi empossado presidente da Assembleia Nacional, se comprometendo a liderar um governo de transição que convoque eleições. Em diversas declarações, convida os militares a romper com Maduro, a quem chama de "ditador" e cuja reeleição diz ser uma fraude.

Maduro, por sua vez, define Guaidó como "um menino brincando com a política" no Legislativo.

Apenas uma semana depois, foi detido durante uma hora por agentes do serviço de inteligência bolivariano, o que foi condenado pelo próprio governo chavista. A ação teria acontecido por uma interpretação de que Guaidó teria se autoproclamado presidente da Venezuela em um discurso confuso.

Sob sua direção, o Congresso declarou Maduro um ‘usurpador’ da presidência da Venezuela e aprovou uma "anistia" a militares que não reconheçam o chavista.

A oposição política venezuelana e diversos países – entre eles, os EUA, o Canadá e os membros do Grupo de Lima, do qual o Brasil faz parte – não reconheceram a legitimidade do novo mandato que Maduro assumiu no dia 10 de janeiro. Ele foi reeleito com quase 70% dos votos, uma eleição fortemente boicotada pela oposição e acusada de irregularidades.

Guaidó admite, entretanto, que desafiar um governo que controla a Força Armada lhe trará problemas. "Isso vai ter consequências", admitiu. Contudo, todas as decisões do Legislativo são consideradas nulas pela Justiça, de linha governista.

Estadão e a ONU defendem a civilização - Editorial

Que tempos! Um grande jornal e o SG da ONU lembram coisas elementares...
Paulo Roberto de Almeida

Uma defesa da civilização

Os problemas globais são cada vez mais integrados, mas as respostas se tornam mais fragmentadas, e, por isso, insuficientes

Editorial O Estado de S. Paulo, 25/01/2019

Os problemas globais são cada vez mais integrados, mas as respostas se tornam mais fragmentadas e, por isso, insuficientes. Este foi o ponto de partida do secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, para a mais forte defesa do multilateralismo apresentada nesta semana, em Davos, na reunião do Fórum Econômico Mundial. O maior adversário do multilateralismo é também o governante da maior potência global, o presidente americano, Donald Trump, modelo e inspiração de Jair Bolsonaro, presidente da maior economia latino-americana. Sem polemizar ou distribuir acusações, Guterres se dedicou a mostrar os grandes desafios e a explicar por que as ações dos governos são muito menos eficientes do que poderiam ser. 
É fácil ver na economia como os desafios são interconectados. Problemas como tensões comerciais e riscos associados ao Brexit, por exemplo, minam a confiança de empresários, investidores e financiadores, afetam os preços de ativos de vários tipos e ainda se refletem no crédito e nas decisões de negócios. Mas as questões são em geral tratadas separadamente e com insuficiente articulação internacional. 
O mesmo apelo em favor da cooperação, da articulação e da ação sistêmica havia sido formulado em Davos pela diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, e pela economista-chefe da instituição, Gita Gopinath. Esta foi especialmente clara e didática ao mostrar, numa entrevista coletiva, a interconexão dos vários tipos de riscos no caminho da economia global. Guterres empregou o mesmo arsenal de exemplos e de argumentos, mas desenhando um quadro muito mais dramático. 
São claras as conexões entre a multiplicação de conflitos políticos e o agravamento de riscos econômicos e de seus piores efeitos, como a miséria. Além disso, o aumento dos conflitos num mundo multipolar pode levar a desastres extremos, quando inexiste qualquer tipo de coordenação. Havia multipolaridade na Europa, no começo do século passado, e sua consequência trágica mais próxima foi a 1.ª Guerra Mundial, lembrou Guterres. 
Um mundo mais coordenado e preparado para respostas mais articuladas teria controlado com maior eficiência, segundo o secretário-geral da ONU, os efeitos indesejáveis da globalização, como o aumento da desigualdade entre pessoas, países e regiões. Esses efeitos tiveram desdobramentos sociais e políticos. Ampliou-se a desconfiança em relação às instituições, aos governos e também os aspectos positivos da globalização passaram a ser rejeitados. Novos desafios foram impostos aos governos. Não haverá resposta eficiente, no entanto, sem cooperação e sem articulação multilateral, sustentou Guterres. É indispensável, avançou, criar um multilateralismo inclusivo e para isso será necessário ir além das ações isoladas dos próprios organismos multilaterais – FMI e Organização Mundial do Comércio (OMC) são exemplos – tais como hoje operam. 
Os apelos de Guterres, no entanto, chegam num momento de enormes desafios para qualquer tipo genuíno de multilateralismo. Fala-se de reforma da OMC, mas seria ingenuidade entender essa discussão como originária de uma real ambição de aperfeiçoamento. O debate deve-se em grande parte às pressões do governo americano contra o atual sistema de normas do comércio internacional. A posição americana tem-se traduzido em risco de paralisação de uma das atividades mais importantes da OMC, a solução de controvérsias por meio de um órgão especializado. Para impor sua vontade, o governo dos Estados Unidos chegou a entravar a nomeação de juízes para essa tarefa. Essa atitude reflete problemas muito especiais, como os conflitos com a China e a promessa eleitoral de cuidar de setores, como a siderurgia, pouco eficientes e sem competitividade. O governo brasileiro, embora moldando um discurso baseado em assuntos brasileiros, como a agricultura, tem sido um seguidor da doutrina Trump também nos debates sobre a OMC. 
Os ideais do multilateralismo defendidos por Guterres são importantes para um mundo eficiente, equitativo e civilizado. Não é fácil defendê-los num mundo assolado pelo nacionalismo, pelo populismo e pela indigência de visão política e diplomática.