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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 26 de março de 2019

Nunca Antes na Diplomacia: a aula antidiplomática do chanceler atual - The Intercept

A aula magna lisérgica de Ernesto Araújo

O diplomata, num acesso de empáfia digna do olavismo, afirma que muitas pessoas no Itamaraty “estavam no fundo da caverna, vendo as sombras, se relacionando com essas sombras”. Mas que ele e sua equipe estão “tentando puxar essas pessoas para fora”, para a “luz do dia”, numa alusão ao Mito das Cavernas de Platão.
Pois bem, vejamos o que disse o iluminado na aula magna. Araújo listou os “problemas” da diplomacia brasileira em sua intervenção:

A indiferença moral

Para o chanceler, o país pratica uma diplomacia sem “bússola moral”, desconhecendo que existe um “norte moral e um sul moral” – será que há um oeste imoral e um leste amoral?
Ou seja, existe o bem e o mal no mundo, materializado por estados e governos, bons e ruins. E que nós deveríamos nos relacionar apenas com os “bons”. Certamente o Brasil não deveria manter relações amistosas com regimes racistas – como o da África do Sul nos tempos de apartheid – ou genocidas. O problema é que, para além desses exemplos óbvios, as coisas se complicam.
Para onde aponta a bússola de Araújo nestes casos? Em qual aula do curso online de Olavo esses meandros são abordados? Não sabemos.

A indiferença civilizacional

Segundo o chanceler, nossa diplomacia não reconhece que “nós fazemos parte de uma determinada civilização, e que isso nos impõe um legado e uma responsabilidade”. Trata-se de um trecho vago, mas apoiando-se no ponto anterior, somos levados a concluir que existem civilizações boas e ruins, melhores e piores. Espero que não seja esse o caso, pois o ranqueamento de culturas, povos e tradições é algo que só gera racismo e violência. Coisas que certamente passam longe de nosso chanceler.

O comercialismo

Seria a “tendência de ver a política externa como política comercial”. Há uma tradição no Brasil de realizar trocas comerciais com os mais diversos países, colocando a busca por mercados acima de ideologias pessoais. Por exemplo, Médici e Geisel, dois militares inimigos do comunismo no Brasil, jamais tiveram pudores de fomentar as trocas entre o Brasil e os países do bloco soviético. Isso se chama “pragmatismo”.
Agora, na era Ernesto, para ser parceiro comercial do Brasil é preciso não apenas ter dólares para comprar nossos produtos, é preciso também ser bom, é preciso estar no “norte” (ou seria “sul”) moral do chanceler.
Conhecendo-se o pensamento de Olavo e de seu seguidor, isso é uma crítica às relações entre Brasil e China. A China não é “boa”, não é “ocidental”, então não é nosso parceiro preferencial. Especulo, apenas.

O nominalismo

Sua preocupação é com “caráter redondo da expressão”. O leitor me perdoe, mas não sou capaz de analisar essa afirmação.

Isolamento do Itamaraty em relação à sociedade brasileira

Araújo afirma que o “Itamaraty é um escritório da ONU no Brasil, com o papel de disciplinar essas massas ‘ignorantes’”. Conhecendo o pensamento de Olavo, sabemos o que Araújo entende por “sociedade brasileira”. Essa se resume àquela fração do Facebook, do Twitter e do WhatsApp que apoia de maneira tresloucada as ações do “Capitão” e seus amigos.
Araújo deveria saber que a sociedade brasileira depositou 57 milhões de votos em Bolsonaro, mas também 47 milhões em Fernando Haddad. E que atualmente 24% da sociedade julga o governo Bolsonaro ruim/péssimo, segundo pesquisa Ibope do dia 20 de março. Muito cuidado, então, quando falar em “sociedade brasileira” – ela está longe de ser o bloco homogêneo que o séquito olavista está acostumado a tratar.

Isolamento da política externa em relação às demais políticas nacionais

Novamente, Araújo fala do isolamento do Itamaraty em relação à mítica “sociedade”, ente jamais definido pelo chanceler. Talvez objetivo seja substituir o paradigma da P.E.I (Política Externa Independente) pela P.E.Z. (Política Externa do Zap).
Aqui o chanceler reclama da falta de “pensamento analógico” (?!?) no Itamaraty, e condena o que chamamos de “políticas de estado”, que são posições e defesas mantidas pelo ministério ao longo de todos os governos das últimas décadas. Por exemplo, a prioridade dada à integração regional ou o não reconhecimento do território obtido por Israel através de conquistas militares. Tudo isso seria lixo para o nosso ministro.

O tematismo

Termo que na definição de Araújo é, simplesmente, a chamada “especialização do trabalho”. Algo louvado por Adam Smith em 1776 e por Platão em 380 a.c. como crucial para o desenvolvimento das sociedades. É um problema para Araújo, que inclusive mudou a grade curricular do curso preparatório no Instituto Rio Branco. Tirou a cadeira que tratava da história da América Latina, e reduziu a carga de outras, como a de economia. Em troca, foram criadas as cadeiras de clássicos I e II. Essas duas últimas disciplinas incluem em suas ementas textos de autores comoHomero, Tucídides, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Kant, Hobbes e Rousseau.
Os jovens diplomatas receberão salários de R$ 18 mil para lerem a Íliada, poema épico escrito no século 8 a.C.. Uma torre de marfim para ninguém botar defeito.
O objetivo da criação dessas disciplinas parece ser o de colocar em marcha o projeto de Olavo de Carvalho de defesa da “civilização ocidental”. Ou ainda, emular o conteúdo do “curso de filosofia” online do astrólogo da Virgínia, guru intelectual do chanceler. Não há dúvidas que o Itamaraty é formado, em sua esmagadora maioria, por indivíduos de grande inteligência e erudição.
O sonho do intelectual erudito completo, que entende desde metafísica até física quântica, é o desvario que faz com que Olavo de Carvalho se sinta capaz não só de discutir toda a filosofia, mas também tenha tempo para refutar as teorias de Einstein.

A agenda globalista

Araújo acha perniciosos os conceitos de universalismo e multilateralismo que são pilares da tradição do Itamaraty. O multilateralismo diz respeito à busca de soluções negociadas, baseadas no direito internacional, no debate, no consenso. O Brasil, há mais de século, busca participar ativamente dos fóruns internacionais. A definição de nossas fronteiras, desde o Tratado de Madri (1750) passando pela compra do Acre (1903), foi obra de diplomatas, não de militares.
O universalismo seria “a doutrina da indiferença, o apagamento das nossas identidades”, segundo Ernesto. Na sua visão, sem qualquer base real, o chanceler afirma que, no nosso caso, o “universalismo” significa que “pode tudo, menos cooperar com os Estados Unidos”.
Mas nessa cooperação com os EUA, Araújo fala explicitamente da questão venezuelana. O chanceler parece realmente disposto a apoiar uma aventura militar no país vizinho, liderada pelo insano presidente Trump, numa repetição tragicômica da episódio de 1965, quando o Brasil enviou tropas para apoiar os EUA na sua invasão à República Dominicana.
Araújo tem os atributos dos olavistas: adora conspirações e despreza a realidade concreta. O chanceler afirma que o Brasil errou na escolha de seus parceiros comerciais a partir dos 1950 e, principalmente, a partir dos anos 1970:
“…por causa dessa aposta equivocada é que talvez se explique que o Brasil, que foi o país que mais cresceu no mundo, mais ou menos 1900 e 1975, quando seu principal parceiro de desenvolvimento eram os EUA, depois estagnou, quando desprezou essa parceria e começou a buscar a Europa, ou uma integração latino-americana e mais recentemente a aposta no mundo pós-americano dos BRICS”.
Trata-se de um argumento tão surreal, tão sem base empírica, sem qualquer evidência ou teoria que o suporte, que alguém deveria ter tirado o microfone do chanceler neste momento, evitando que essa vergonha ficasse registrada nos anais da casa de Joaquim Nabuco.
O que parece evidente a partir desses episódios é que falta a Ernesto Araújo não só a experiência necessária como o preparo intelectual e acadêmico para servir em tão nobre e disputada função. Para evitar suas sandices em relação à Venezuela, General Mourão como colocado como sua babá na última cúpula de Lima.
O próximo passo seria devolver Araújo para o segundo escalão da burocracia do ministério, trazendo para o cargo alguém que saiba juntar lé com cré. Algo certamente facilmente encontrado nos corredores do Itamaraty.
Araújo, se tudo der certo, será lembrado como “o breve”.

Entrevista do El Pais reproduzida no blog Pragmatismo Político




Diplomata é demitido após chamar Olavo de “Rasputin de subúrbio”

Diplomata é demitido Olavo Rasputin de subúrbio
Paulo Roberto de Almeida (Imagem: Medium | O Livre)

Autor de 14 livros, um dos mais antigos diplomatas brasileiros em atividade é demitido após chamar Olavo de Carvalho de “sofista da Virgínia” e de “Rasputin de subúrbio”. Ministro das Relações Exteriores é discípulo de Olavo

O diplomata e doutor em ciências sociais Paulo Roberto de Almeida se envolveu em mais uma das dezenas de polêmicas do Governo Jair Bolsonaro (PSL). Após publicar um artigo em seu blog pessoal com críticas à política externa brasileira, ele foi exonerado pelo ministro Ernesto Araújo do cargo de presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), um dos braços do Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Sem o cargo que ocupava desde 2016, Almeida deverá trabalhar em receber. Ou seja, ocupará o fictício “departamento de escadas e corredores” do Itamaraty.
Um dos mais antigos diplomatas em atividade no país, está desde 1977 no Governo, e autor de 14 livros, Almeida critica na entrevista a seguir a ausência de diretrizes de Araújo – a quem atribuiu ideias paranoicas –, ressalta que o ministro tem sido tutelado desde que assumiu a função e que, politicamente, a visita de Jair Bolsonaro a Donald Trump, nesta semana, será a glória para o presidente brasileiro.
Por que o senhor foi demitido do IPRI?
A razão aparente parece estar ligada ao fato de eu publicar em meu blog pessoal (Diplomatizzando) análises críticas sobre a política externa conduzida pelo atual chanceler. A razão real parece ter sido minhas fortes críticas ao suposto mentor intelectual desse chanceler, seu patrono na escolha para o Itamaraty, Olavo de Carvalho, a quem eu chamei de “sofista da Virgínia” e de “Rasputin de subúrbio”, o que de certa forma deixou-o desconfortável, pois costuma referir-se respeitosamente a esse bizarro personagem, a quem chama de professor. As posturas antiglobalistas defendidas por ambos constituem uma agenda impossível para qualquer serviço diplomático, na medida em que alimentam paranoias reacionárias que não encontram qualquer fundamento nas negociações internacionais nas quais se engajam os diplomatas.
Uma outra razão que pode ter motivado minha exoneração do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty foi o fato de me ter referido a “fundamentalistas trumpistas”, que o atual chanceler considerou como um ataque pessoal a ele, quando eu estava na verdade visando pessoas mais influentes do que ele, entre elas um dos filhos do atual presidente, Eduardo Bolsonaro, e o atual assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins. O primeiro é considerado uma espécie de “chanceler paralelo”, e passeou pelos Estados Unidos exibindo um boné da campanha de “Trump 2020”, o que representa um grau de aderência totalmente inadequada em termos de política externa responsável. Ademais, teve a arrogância de declarar que o “povo brasileiro” apoiava a construção do muro pretendido pelo presidente americano na fronteira com o México, o que é uma usurpação de mandato. O segundo é um verdadeiro crente, um true believer em Olavo de Carvalho, mais conhecido como “Robespirralho”, autor do discurso julgado extremamente fraco feito pelo presidente em sua visita ao Fórum Mundial de Davos.
Qual a influência de Olavo de Carvalho em sua demissão?
Não mais que indireta. A despeito de eu me ter chocado com o “sofista da Virgínia” a propósito dessa construção metafísica chamada antiglobalismo – como se tivesse de provar a inexistência de unicórnios, o que ele pretende –, ele não teve nenhuma responsabilidade direta na exoneração, tendo esta sido decidida pelo próprio chanceler, provavelmente em conluio com Eduardo Bolsonaro e Filipe Martins. Ficaram agastados com minhas críticas a essas ideias bizarras dentro da agenda diplomática.
Qual a sua avaliação sobre a política externa de Ernesto Araújo?
Difícil fazer uma avaliação sobre o que não existe. Não dispomos, até o momento presente, de nenhuma exposição clara, completa, racional, sobre qual seria essa política externa, até aqui marcada apenas por slogans: luta contra o globalismo, contra o marxismo cultural, contra o multilateralismo, contra o climatismo, o comercialismo, coisas totalmente bizarras, com efeito. Depois, essa introdução inócua de temas religiosos na agenda diplomática, que tampouco se coaduna com a postura de um Estado secular, como parece ser o Brasil. Em terceiro, e mais importante lugar, posturas contrárias a um tratamento verdadeiramente diplomático do mais importante tema da diplomacia brasileira no momento atual, a crise terminal do governo chavista na Venezuela. Foram os militares que tiveram de reafirmar ao atual chanceler o respeito a princípios constitucionais e de Direito Internacional relativos à não intervenção nos assuntos internos de outros países, quando o chanceler estava disposto a apoiar a aventura americana de forçar uma confrontação com o governo chavista. Na última reunião do Grupo de Lima coube ao vice-presidente Hamilton Mourão liderar a delegação brasileira, e de certa forma a posição dos demais países da região, contrária a qualquer intervenção militar na Venezuela.
Já ouvi diferentes relatos sobre a condução da política externa desse Governo. Dizem que ela é conduzida pelo Eduardo Bolsonaro ou pelo Filipe Martins. Ou ainda que os militares tutelam o ministro Araújo por meio do vice-presidente. Concorda com alguma dessas versões ou teria uma quarta corrente?
No plano puramente ideológico, ou principista, todos os três personagens, o chanceler e os dois primeiros, demonstram adesão às ideias estapafúrdias de Olavo de Carvalho sobre as relações internacionais, que são manifestamente inadequadas, e prejudiciais, a uma condução racional da diplomacia brasileira. No plano prático, o chanceler teve sua escolha apoiada e decidida pelos dois olavistas brasileiros, daí sua total dependência em termos de sua legitimação no governo atual. Em consequência do desconforto do núcleo militar com tais posturas inadequadas – como a ideia inaceitável para os militares de uma base americana no Brasil, ou a subserviência às posições do presidente americano – estabeleceu-se uma espécie de cordão sanitário em torno do chanceler e do próprio Itamaraty, inclusive porque o chanceler subverteu a hierarquia de comando no ministério, algo que os militares consideram como inaceitável. Seria, como eles dizem, ter coronéis mandando em generais. Eles também estão conscientes de que o Itamaraty foi submetido a uma reforma orgânica imposta sem qualquer consulta à casa, o que também causou desconforto geral. No conjunto, existe um comitê de tutela informal exercido pelos militares sobre a política externa.
Pelo que o senhor acompanha, como o Araújo chegou ao topo da carreira? Procede que ele conquistou o presidente com o artigo Trump e o Ocidente?
Não é que ele conquistou o Bolsonaro. O Bolsonaro não leu nada. Ele [Araújo] levou o artigo para o Olavo de Carvalho. Foi levado pelo Nestor Foster, nosso ministro conselheiro em Washington, que é um olavista. Conheço o Nestor, que é um bom funcionário, e que me deu um livro do Olavo, O Jardim das Aflições. Que é uma aflição ler, porque é uma coisa caótica. O Olavo não tem método, ele tem rompantes, ideias. O Ernesto, então, publicou esse artigo em minha revista sem que eu fizesse qualquer censura. No artigo ele trata da decadência do Ocidente, que é algo debatido por vários estudiosos, mas ele mete no meio aquela ideia de Cristo, de Deus, que é uma coisa que você não consegue debater. Você consegue debater com teóricos, historiadores, sobre o Ocidente em si, não a interferência de Deus. No blog dele, o Metapolítica, ele disse que houve uma intervenção divina para unir o Olavo e o Bolsonaro. Hoje, o que ele faz comigo é me denegar um direito que ele teve no passado e ainda tem, o de debater suas ideias pessoais em um blog. Na verdade, quem o colocou lá foram o Filipe Martins e o Eduardo Bolsonaro. Sem nominá-los, em meu artigo, eu os chamei de fundamentalistas trumpistas. O ministro achou que eu falava dele, mas não. Eu o considero um personagem menor nesse jogo de poder. Ele construiu um perfil que não é o dele para se elevar ao cargo de chanceler, mas é totalmente inseguro e não conseguiu construir uma política externa até hoje.
Pelo fato de o senhor considerá-lo menor, acredita que o ministro é manipulável?
Certamente que ele não vai desatender sugestões do Eduardo Bolsonaro e do Filipe Martins, que são seus promotores, nem do Olavo de Carvalho. Agora, o Olavo acaba de se desacreditar por si só com essa ordem de que todos os seus alunos abandonem o Governo. Por um lado, ele tem essa influência bolsonarista e olavista. De outro, ele está totalmente tutelado pelos militares desde 1º de janeiro. Ele tratou da base americana no Brasil, o que foi rebatido pelo Ministério da Defesa; ele defendeu o rompimento de relações militares com o governo Maduro, o que deixou os militares brasileiros irritados; e depois, com a Venezuela, em que ele aparentemente comprou a ideia da agenda americana, de imposição de uma ajuda humanitária para tentar desequilibrar o Governo chavista, o que não conseguiu. Nosso chanceler comprou essa ideia e teve de ser controlado pelos militares, quando o general Mourão foi o chefe de delegação na última reunião do Grupo de Lima e liderou a América Latina na defesa da não intervenção militar na Venezuela. É uma coisa que caberia a um diplomata. Está em nossa Constituição, nos princípios do direito internacional. Ver um diplomata atuando antidiplomaticamente é uma coisa inédita no Itamaraty.
Há uma submissão aos Estados Unidos?
É algo alucinante pensar que o chanceler não acate nossa Constituição, e isso os militares fizeram o favor de lembrar, e tome atitudes voluntaristas e de apoio à postura americana que não se coadunam com uma política externa sensata e razoável que o Brasil sempre teve. Depois, as ideias bizarras expressas pelo chanceler são algo inédita em diplomacia. Assista a aula magna que ele deu no Instituto Rio Branco. É uma coisa constrangedora. Não faz nem o sentido lexical, de frases completas.
Mas essa crítica, de que não se consegue completar as ideias, é algo recorrente sobre os discursos do presidente também.
O presidente está lá porque foi eleito, tem a sua legitimidade. O chanceler, teoricamente, deveria conduzir a política externa. Os diplomatas não têm a menor ideia do que esperar da política externa brasileira. Só vejo arroubos. Nessa palestra no Rio Branco, ele falou de comercialismo, de globalismo, contra o multilateralismo, a perda da fé e de que não vamos apenas exportar café e minério, mas também crenças. É algo inacreditável até no plano puramente operacional, primário, elementar.
Sem essa definição de uma política externa, o que se pode esperar das relações comerciais do Brasil? Por exemplo, a China abandona parte do mercado brasileiro para comprar dos americanos.
Exato. A gente tem as ideias aventadas pelo Paulo Guedes, de abertura econômica e liberalização comercial que agora ficaram um pouco de escanteio por causa da reforma da Previdência. Mas não vejo como será feita essa abertura econômica. Não se sabe com quem vai se debater. O Brasil não conseguiu nem resolver como fará com o Mercosul, se ele continua como está, se vai avançar para consolidar sua união aduaneira ou se vai recuar para um simples projeto de zona de livre comércio. Todas essas alternativas têm seus prós e contras na política comercial brasileira. Na nova estrutura do Governo, publicada em janeiro, diz que o Ministério da Economia tem competência para as negociações econômicas internacionais. E nas competências do Itamaraty, diz que o Itamaraty participa das negociações econômicas internacionais. Ou seja, fomos relegados a uma posição secundária, o que nunca ocorreu antes. O Ministério das Relações Exteriores sempre teve preeminência nas negociações comerciais do Brasil, ainda que a política comercial seja estabelecida pela Fazenda. Tem um lado nebuloso nessas definições de políticas setoriais que até hoje não foi resolvida. Não vi nenhuma declaração clara nem do chanceler nem do ministro da Economia de como será conduzida a política comercial.
O que essa viagem do Bolsonaro aos Estados Unidos pode trazer para o Brasil?
Aparentemente vai trazer o acordo de salvaguardas tecnológicas, que está atrasado há 20 anos. É um acordo para a utilização da base de Alcântara (no Maranhão). A boa relação dos presidentes Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso trouxe esse acordo que acabou sendo sabotada pelo PT, pelo próprio Bolsonaro e pelos partidos de esquerda. Houve um relatório na Câmara do então deputado Waldir Pires, que havia recusado esse acordo. Os deputados queriam ter transferência de tecnologia, mas os Estados Unidos queriam preservar essas informações, que que é absolutamente normal num mercado assimilado a construção de mísseis e balísticas. Agora, parece que esse acordo vai sair. Na aula magna deste ano para a turma do Itamaraty, o chanceler não conseguiu nem explicar o que seria feito nas visitas aos Estados Unidos, Israel e Chile. Só disse coisas banais de que se trata de relações importantes. Ele também criticou a China, várias vezes, sem dizer o nome dela. É algo alucinante o que está acontecendo.
E sobre os Estados Unidos, nada além do acordo de salvaguarda?
Algo que pode ser discutido é a dispensa de vistos de americanos que visitam o Brasil, algo que pode ser atacado pelos da esquerda, pelos nacionalistas e pelo pessoal que defende reciprocidade estrita, o que é uma imbecilidade. Não tem reciprocidade estrita nas relações internacionais, tudo é assimétrico. Nenhum país é igual ao outro. Você não imagina que você tenha milhares de americanos que queiram vir ao Brasil e se estabelecer ilegalmente. Uma família americana típica, um casal e dois filhos, se pensa em viajar ao Brasil já tem de gastar de 600 a 700 dólares só de visto. Com esse dinheiro eles já passam uma semana no Caribe. Então, o visto talvez saia para os turistas e para a facilitação dos empresários nos Estados Unidos. Não sei mais o que pode sair, de fato.
Politicamente para o Bolsonaro, o que representa essa visita?
É a glória porque ele é uma espécie de Trump brasileiro. Ele tuita, ele fala e aprova as posições do Trump. Falou que, assim como os Estados Unidos ia trocar a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, falou que a China compra o Brasil. Fico pensando o que a gente fez para merecer uma coisa dessa, uma indefinição completa dos interesses do Brasil. Tanto que os militares se encarregaram, mais uma vez, de cercear, de limitar, de controlar, de proibir essa transferência da embaixada – que constrangeu os exportadores de carne halal, a ministra da Agricultura teve de intervir – atacar a China é outra bobagem monumental e a questão da relação muito próxima com os Estados Unidos é uma subserviência, que nosso chanceler demonstra. É inaceitável para os militares essa subserviência aos Estados Unidos, assim como para qualquer pessoa de bom senso.
O senhor está sem função nenhuma no Itamaraty. Está indo só “bater o ponto”, sem trabalho algum?
Vou para a biblioteca, que é o que eu fiz durante anos no lulopetismo. Aliás, tenho de agradecer ao Celso Amorim [ex-chanceler] e ao Samuel Pinheiro Guimarães [ex-secretário-geral] por terem me dado a oportunidade de escrever dois ou três livros no período em que fiquei sem função alguma. De 2006 a 2010 eu só frequentava a biblioteca. Depois tirei uma licença, fui dar aula em Paris e ocupei um cargo secundário em um consulado nos Estados Unidos. Só voltei a ter algum cargo após o impeachment da Dilma Rousseff. Agora, voltarei ao “departamento de escada e corredores”.
Mas o senhor fará pesquisas, sem produzir diretamente para o Itamaraty ou para qualquer outro órgão do Governo, que paga o seu salário. É isso?
É uma irregularidade administrativa que precisa ser resolvida pelo Itamaraty. Acredito que o Tribunal de Contas da União não admite que você receba sem trabalhar. Então cabe ao Itamaraty me dar uma função. Em toda a gestão lulopetista eu sempre fui ao chefe de administração e dizer que estava disposto a trabalhar. E, apesar de promessas, não me davam nada.
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segunda-feira, 25 de março de 2019

Ricardo Bergamini coloca o dedo na ferida: governo à deriva...

Ricardo Bergamini escreve: 

Aos vazios de ideias e argumentos não vale acusar a oposição (calada), nem a imprensa, nem o IBOPE. O debate tem que ser maduro.

É pública e notória a confusão do governo Bolsonaro. Os seus filhos vão arruinar esse governo. 

Aprovação de Bolsonaro cai 15 pontos e é a pior da série histórica do Ibope

Pesquisa aponta 34% de avaliação positiva, menos que FHC, Lula e Dilma em primeiro mandato

  

'CAUSA PERPLEXIDADE A QUANTIDADE DE CRISES CRIADAS PELO PRÓPRIO BOLSONARO', CRITICA BANQUEIRO

Ricardo Lacerda, sócio fundador do BR Partners e ex-presidente do Goldman Sachs no Brasil, criticou postura do presidente e se disse pessimista sobre futuro da reforma da Previdência

25/03/2019 - 06:00 - Época


Ricardo Lacerda votou nulo, mas, no começo do governo, se dizia otimista com a reforma da Previdência 

Sócio fundador e presidente do banco de investimento BR Partners e ex-presidente do Goldman Sachs no Brasil e do Citigroup na América Latina, Ricardo Lacerda se disse perplexo com a "quantidade de crises criadas pelo próprio Bolsonaro", pelo polemista Olavo de Carvalho e pelos filhos do presidente. Em conversa com a coluna no fim da semana passada, Lacerda disse não ver mais chances de que haja uma reforma da Previdência ambiciosa.

”É normal um certo nível de desarticulação no início do governo. Mas causa perplexidade a quantidade de crises criadas pelo próprio Bolsonaro, bem como o protagonismo de atores como Olavo de Carvalho e os filhos do presidente", criticou Lacerda, elogiando, contudo, a performance do time comandado por Paulo Guedes.

”A equipe econômica tem se mostrado incrivelmente coesa, coerente no discurso e trabalhando duro pra fazer o que realmente precisa ser feito: aprovar a reforma e reduzir o tamanho do estado", afagou.

E faz um alerta a Bolsonaro, cobrando-o tal qual fez Rodrigo Maia:

”A grande dúvida que o mercado vai monitorar daqui pra frente é o quanto isso faz parte da agenda do próprio presidente da República. Se Bolsonaro não se engajar pessoalmente nesses temas veremos um ajuste significativo nos preços dos ativos".

Sobre a reforma da Previdência, foi pessimista:

"Cenário de reforma da Previdência forte não existe mais. Agora é uma reforma fraca ou nenhuma reforma".

Ricardo Bergamini

O Antagonista faz um pouco de terrorismo econômico e político para vender o seu produto...

...mas isso não quer dizer que os argumentos expedidos sejam irrelevantes, ao contrário.
O governo é trapalhão, mas com trapalhões que não nos fazem rir, ao contrário.
Precisamos pensar na governabilidade e no futuro econômico do país, ao contrário da Bolsofamiglia, que só pensa nela mesma.
Leiam os argumentos do Antagonista, que só copiei até certo ponto, porque é muito longo.
Paulo Roberto de Almeida

A reforma da Previdência — a reforma das reformas — está em risco.
Brasília vem assistindo a inúmeras disputas internas do governo, a desentendimentos entre governo e Congresso…
Os atritos são públicos e notórios.
A cada dia que passa, surgem mais dúvidas acerca da aprovação da reforma.
Sem a nova Previdência, o Brasil vai quebrar.
E terá um encontro marcado com uma nova crise econômica.
É por isso que sempre defendemos a reforma da Previdência. E seguiremos defendendo que seja feita.
O raciocínio é simples.
Se nada for feito, você sentirá as consequências — antes e depois de se aposentar.
As consequências serão imediatas…
Virão muito mais rápido do que você pensa.
Porque, se Bolsonaro não convencer o Congresso da importância de suas principais medidas…
… você terá de enfrentar uma crise econômica tão grande quanto a que viveu com Dilma Rousseff.
Fonte: g1.globo.com, 08/01/2016
Fonte: g1.globo.com, 22/09/2015
Fonte: O Estado de S. Paulo, 20/12/2015
Fonte: G1.globo.com, 07/05/2015
Não é apenas o sucesso do governo que está em jogo…
É o futuro da sua família.
O presidente Jair Bolsonaro está numa corda bamba:
  • taxa de desemprego batendo os 2 dígitos;
  • recordes de violência; e
  • população sem dinheiro para nada.
Qualquer tropeço pode comprometer o governo Bolsonaro pelos próximos 4 anos… e a economia do país pelas próximas décadas.
Já é consenso entre os analistas políticos, no Brasil e no mundo…
Ou o presidente mostra a que veio nos primeiros 100 dias ou…
… ficará travado pelo resto do mandato, sem realizar as mudanças necessárias.
“Os primeiros 100 dias não são o fim da história, são o fim do começo.”
Foi o que Michal D. Watkins, professor da Universidade Harvard, disse neste estudo:
Fonte: Harvard Business Review
Na prática, o governo tem pouco tempo para agir.
O Brasil está correndo o risco de cair numa das maiores crises econômicas da história.
A Previdência, hoje, está engolindo os cofres públicos como um leão faminto.
E, se isso seguir assim, você pagará a conta.
Você e todos os 208,5 milhões de brasileiros.
Se a reforma não for feita o quanto antes, o dólar pode bater os R$ 5,00.
A dívida pública sairá de controle, ultrapassando os 80% do PIB.
Em tempos estáveis ela beirava os 50%, como você pode ver no gráfico fornecido pelo Tesouro Nacional.
Mas a dívida pública disparou a partir de 2013 com os desmandos de Dilma.
E sairá de controle se nada for feito, segundo as estimativas dos analistas do FMI e da Secretaria do Tesouro Nacional.
Sem perspectiva, o que ainda resta do dinheiro dos investidores sairá do país.
A taxa de desemprego poderá subir dos atuais 12% para 25%…
Serão 52,1 milhões de pessoas sobrevivendo de bicos, subempregos e ou até mesmo de esmolas.
Fonte: O Antagonista
A imagem do Brasil no exterior ficará ameaçada.
Sem contar que o governo de Bolsonaro será condenado ao fracasso, sem nenhuma mudança expressiva nos próximos 4 anos.
Até idosos e quem se aposentou por invalidez terão que trabalhar.
Somente os rápidos avanços da Reforma da Previdência podem tirar o Brasil desse cenário caótico que está por vir.
Ou seja…
Mesmo depois de você suar para pagar impostos durante toda a sua vida…
Você corre um grave risco de ficar sem nada.
Nada de tomar água de coco na piscina, nada de aproveitar o almoço de domingo com sua família… nada de jogar bola no quintal com seus netos….
Sem dinheiro para remédios básicos ─ e, se você não se precaver, até mesmo sem dinheiro para o arroz e feijão.
Mas a batalha que o governo tem pela frente não é garantida.
E, mesmo com um ex-militar no comando, essa batalha promete ser das mais difíceis.
Porque de um lado o presidente se vê pressionado a aprovar a reforma e equilibrar as contas públicas…
Do outro, alguns deputados e certos grupos com poder de barganha e influência no Congresso impõem obstáculos para aprovar reforma.
Será uma guerra política que, se o governo perder, quem sofrerá as consequências é você.
E como a história já nos provou, nem sempre é fácil ganhar esta guerra.
Michel Temer, por exemplo, teve uma briga dura quando tentou fazer uma pequena reforma na previdência dos deputados…
Temer X Congresso, em 2017
Fonte: Valor Econômico
FHC também não teve vida fácil…
FHC X Congresso em 1998
Fonte: Folha de S. Paulo
Como você sabe, não é de hoje que o Congresso resiste em aprovar a Reforma da Previdência.
A tarefa do governo Bolsonaro não será nada fácil…
Existem quatro grupos dificultando a reforma, cada um com seu próprio interesse.
O comandante do Exército, Edson Pujol, já anunciou que não quer as Forças Armadas na reforma da Previdência.
Fonte: O Antagonista
Também tem o interesse do Judiciário e Ministério Público…
Fonte: Valor Econômico
Os sindicatos também não gostam das mudanças que a reforma vai trazer.
Fonte: Uol
E o quarto: os interesses de alguns deputados e senadores, que vão votar o tema.
Imagine só…
Na pauta a ser aprovada, consta que a aposentadoria de deputados será reduzida de uma média de R$ 14,1 mil para o teto pago a qualquer cidadão, R$ 5,5 mil.
Fonte: Crusoé
O mesmo poderá valer para senadores, que hoje ganham em média R$ 30 mil de aposentadoria.
Não é justo que esses políticos contribuam por menos tempo e ganhem muito mais do que qualquer cidadão, muito mais do que você.
Como pode ver, a reforma mexe profundamente com os privilégios dos parlamentares.
E tudo isso está deixando o Congresso dividido.
A oposição faz de tudo para colocar a população contra a reforma, acusando-a de promover a “perda dos direitos do trabalhador”.
Fonte: Site Partido dos Trabalhadores, PT
Mas em momento algum ela cita que, se não houver essa reforma, quem não terá direito algum será o próprio trabalhador.
Porque o Brasil sofrerá como no início da década de 1990, quando a inflação do país chegou a 80% ao mês.
Você lembra?
Seu dinheiro tinha um valor no dia 1º e passava a valer bem menos no dia 2…
A moeda toda hora mudava de nome…
A taxa de juros subia nas alturas…
Havia filas quilométricas nos postos de gasolina por causa de aumentos no valor do combustível, às vezes de 50% de uma só vez…
E o Congresso já dá sinais de que colocará muitas barreiras para aprovar esse texto…
Não é de hoje que parte do Congresso fica contra o governo ─ e contra você.
E, quando “os caras” querem jogar contra, eles não brincam em serviço.
Basta uma distração, ou alguma pequena desavença…
… que projetos com o intuito de salvar os cofres públicos são vetados para dar lugar a outros que comprometem ainda mais nossas finanças.
É o que você pode comprovar abaixo:
Fonte: Valor Econômico, 3/4/2018
Michel Temer foi derrotado no Congresso, mesmo com pautas que procuravam amenizar os gastos públicos.
Algum tempo depois, quem deu mais um golpe contra as contas públicas foi o Senado.
Fonte: Crusoé, 04/01/2019
Já sabendo que deixaria o Senado, o senador Eunício Oliveira aproveitou para favorecer todos os senadores que iriam deixar suas cadeiras.
Ele aprovou gastos sem limites com plano de saúde para ele e para todos os seus colegas.
E os golpes contra o governo não param por aí…
Fonte: Congresso em Foco
Mesmo cientes do desequilíbrio das contas públicas, os deputados ainda querem aumentar o salário dos servidores do SUS.

As FFAA e a missão no Haiti: Vinicius Mariano de Carvalho (FSP)

Haiti foi marco, mas não causa da modernização dos militares, diz pesquisador
Folha de S. Paulo, 25/03/2019
 - A longa missão de paz da ONU comandada pelo Brasil no Haiti foi um marco na modernização do Exército, mas não sua causa —que se encontra na Constituição de 1988. Para os haitianos, seu legado se esvaiu com o fim dos quase 13 anos de operação. As opiniões são do pesquisador Vinicius Mariano de Carvalho, professor no Brazil Institute e no Departamento de Estudos da Guerra do King´s College, de Londres.
- O sr. busca separar o impacto da Minustah sobre as Força Armadas e para o conceito de operações de paz. Qual sua avaliação? 
- A operação era uma novidade na ONU, e demandou um forte aspecto de adaptabilidade. Havia a necessidade de empregar técnicas táticas, e havia uma correlação entre os componentes civil e militar da missão, um quadro bastante complexo de atores. O contingente militar era muito grande [passou de 12 mil, encerrou com quase 5.000 soldados, um quinto deles do Brasil] e navegou em águas não muito claras, se a missão era de manutenção de paz ou de construção da paz. Ao fim, ele obrigou a ONU a repensar suas operações. A Minustah se tornou uma grande escola para as Nações Unidas compreenderem a realidade em ambiente nos quais as forças oponentes não são muito claras. O Brasil teve papel bastante relevante nisso. Foi uma experiência, não direi nem positiva, nem negativa.
- Até hoje, forças de segurança vendem a ideia de que o Haiti foi uma escola para a atuação em favelas. Isso é um mito? 
- É importante lembrar que antes da Minustah já havia doutrina para isso. A Constituição de 1988 deixa claro que parte do treinamento das Forças Armadas era para garantia da lei e da ordem. O grande ganho para elas foi a exposição a outras doutrinas e práticas. Ela não era uma operação brasileira, apesar de que o componente militar maior sempre foi o brasileiro e o comandante era um general daqui. Outro grande ganho que não é lembrado foi o aprendizado de operação entre agências. Isso é mais importante do que os ganhos táticos no Haiti. A Minustah não foi um laboratório para operar nas favelas. Foi uma feliz coincidência haver a necessidade de operações no Brasil, mas aqui era outro contexto. Era muito diferente do que ocorria no Rio, do ponto de vista tático e político.
- Como assim? 
- A Minustah era multinacional com mandato da ONU, com regras de engajamento escritas. Ela era muito mais ampla. As GLOs são requisitadas por governos de Estado para segurança pública. Aqui, o emprego de tropas precisava de um claro amparo legal para evitar violações, um arcabouço.
- Uma crítica comum é a de que o Brasil estava fazendo serviço sujo para outras potências, como os americanos. 
- Isso é curioso, sempre se diz que outros países limpam a sujeira das grandes potências. Os EUA usualmente não mandam tropas.
A aprovação pelo Conselho de Segurança, em particular pelos cinco membros com poder de veto, mostra que isso transcende a ingerência americana. E o Brasil teve pela primeira vez uma atitude ativa, não apenas reativa.
- Em que a Minustah falhou? Qual sua principal crítica a ela? 
- Ela foi longa demais, e parte disso se deveu ao terremoto de 2010. Em certo momento, ela diluiu-se em seus objetivos. No Timor-Leste, a ONU tutelou a criação do Estado por dois anos. No caso do Haiti, ela ficou como uma missão de estabilização que durou 13 anos. Nesse período todo, muito do que seria necessário para uma transição para uma democracia não aconteceu. Hoje nós vemos os conflitos retornarem às ruas de Porto Príncipe, e temos lá a Missão de Transição. Aqui, é importante dizer que não se tratava apenas de uma questão do componente militar, mas ela virou um para-Estado dentro do Haiti. Quando ele saiu, o Haiti se viu novamente sem estabilização.
- Em 2014 e 2015, a ONU estudou as missões de paz num painel liderado pelo ex-presidente timorense José Ramos-Horta, no qual estava o general brasileiro Floriano Peixoto, hoje ministro. O grupo absorveu alguma lição do Haiti? 
- Sim. Ramos-Horta esteve aqui no King´s College semana retrasada e deixou isso claro. A primazia sempre deve ser do aspecto político. Não será um robusto componente militar que vai conseguir fazer o país ser bem-sucedido. Ficou clara também a questão da proteção de civis. A página mais sinistra da Minustah foi a introdução do cólera na ilha por meio das tropas [no caso, provavelmente de soldados nepaleses; doença matou mais de 10 mil pessoas].
- Qual o impacto do terremoto na formação dos militares brasileiros? 
- Foi o maior desastre humano da ONU. Apenas Floriano, que era o comandante militar, sobreviveu na cúpula da missão. Em 2009, a estabilização já estava em nível muito desejável, com Judiciário e modelos de eleição funcionando. As maiores gangues estavam neutralizadas. Aí veio o terremoto, que danifica completamente qualquer estrutura de Estado, além de ser uma catástrofe. O influxo de auxílio humanitário causou um desafio logístico incrível. Afeta a moral de todos.
- Foi quando chegaram os americanos. 
- Sim, mas é bom lembrar que nos primeiros dias depois do terremoto quem mandava era Floriano. Ele manejou de maneira exímia a cooperação militar americana, a ponto de que os soldados dos EUA não andavam armados. Os brasileiros responderam rapidamente com a instalação de um segundo batalhão, com muitos voluntários que já conheciam a realidade local. A resposta imediata foi muito boa, mas a missão teve de ser reconfigurada, o que causou a falta de orientação a seguir. Ela ficou sem direção.
- Essa é uma visão que isenta o comando militar, não? 
- Ele precisa ter claras orientações. Ele não pode fazer como bem entender. Assim, não dá para responsabilizar os comandantes militares pelo que aconteceu depois. Eu acho que deveriam ter aumentado o componente policial após o terremoto, que pudesse fazer a Polícia Nacional Haitiana ser efetiva.
Isso era um dos objetivos, e ficou muito abaixo do que deveria ter sido.
- O sr. vê correlação entre a ascensão da chamada “turma do Haiti” no governo Jair Bolsonaro com sua experiência formativa na ilha? 
- A proporção de oficiais superiores e generais que serviram no Haiti é muito grande. Isso os forjou com capacidade de trabalho internacional e de compreensão de contexto políticos. Para ficar em dois ministros egressos de lá, Carlos Alberto dos Santos Cruz implementou a brigada de intervenção da ONU depois no Congo. Floriano Peixoto participou do painel de operações de paz. Obviamente isso os coloca em destaque dentro do Brasil, até porque a decisão política que recai sobre o comandante de força numa missão é relevante. É interessante essa experiência, e espero que sigam úteis. O mesmo vale para o envio de um general brasileiro para o Comando Sul dos Estados Unidos.
- Qual o futuro das próximas missões para o Brasil? 
- Tem de ser uma decisão ativa, não reativa. Que a gente tenha a capacidade de fazer proposições. A escolha não pode ser conveniente. Tem de haver mais civis nas operações de paz também.
- Com tudo isso, 2004 é o principal marco do pós-1985 para os militares? 
- Acho que não. Isso começa em 1988, quando a Constituição reajusta o papel que o Exército vai ocupar. Nas Forças Armadas em geral, e no Exército em particular, surgem programas de modernização tanto tecnológicos quanto doutrinários. Com isso, há um Exército mais moderno, grande atividade de circulação de militares em escolas no exterior, há um intercâmbio muito maior. Isso marcou toda uma geração, que sabe ser necessário entender sobre geopolítica, falar línguas. O Haiti é uma consequência disso, não a causa. Isso se aplica à Marinha, que desde 2011 comanda a força naval da Unifil (Líbano), a única do tipo da ONU hoje.
- Esse protagonismo político levou ao episódio em que os militares intervieram nas ações do chanceler sobre a Venezuela. Há o risco de isso sair de controle? 
- Temos três meses de governo, e surgiram situações que demandaram diplomacia de defesa muito grande, como é o caso da Venezuela. O que me parece é que as Forças Armadas e o próprio vice-presidente [general Hamilton Mourão, que assumiu negociações na reunião do Grupo de Lima sobre a crise venezuelana na semana retrasada] têm deixado clara a implicação de decisões diplomáticas na área de defesa. Espero que as tomadas de decisões de uma grande estratégia nacional não sejam apenas dos ministros ou do vice, mas por parte de uma confluência de atores. Não pode ser decisão de um ou outro, para não haver equívocos.