O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 16 de março de 2020

Apelo da Chatham House para um tratamento GLOBALISTA da questão do Covid-19

Chatam House, 15 March 2020

There have been warnings for several years that world leaders would find it hard to manage a new global crisis in today’s more confrontational, protectionist and nativist political environment.
Jim O'Neill - Chair, Chatham House
Robin Niblett - Director; Chief Executive, Chatham House
@RobinNiblett  Creon Butler, Research Director, Trade, Investment & New Governance Models: Director, Global Economy and Finance Programme

An infectious disease outbreak has long been a top national security risk in several countries, but the speed and extent of Covid-19’s spread and the scale of its social and economic impact has come as an enormous and deeply worrying shock.
This pandemic is not just a global medical and economic emergency. It could also prove a decisive make-or-break point for today’s system of global political and economic cooperation.
This system was built up painstakingly after 1945 as a response to the beggar-thy-neighbour economic policies of the 1930s which led to the Second World War. But it has been seriously weakened recently as the US and China have entered a more overt phase of strategic competition, and as they and a number of the other most important global and regional players have pursued their narrowly defined self-interest.
Now, the disjointed global economic response to Covid-19, with its enormous ramifications for global prosperity and economic stability, has blown into the open the urgent need for an immediate reaffirmation of international political and economic cooperation.
What is needed is a clear, coordinated and public statement from the leaders of the world’s major countries affirming the many things on which they do already agree, and some on which they should be able to agree.

In particular that:
they will give the strongest possible support for the WHO in leading the medical response internationally;
they will be transparent and tell the truth to their peoples about the progress of the disease and the threat that it represents;
they will work together and with the international financial institutions to provide businesses, particularly SMEs, and individuals whatever support they need to get through the immediate crisis and avoid long-term damage to the global economy; 
they will ensure the financial facilities for crisis support to countries - whether at global or regional level - have whatever resources they need to support countries in difficulty;
they will avoid new protectionist policies - whether in trade or finance;
they commit not to forget the poor and vulnerable in society and those least able to look after themselves.

Such a statement could be made by G20 leaders, reflecting the group’s role since 2010 as the premier forum for international economic cooperation.
But it could be even more appropriate coming from the UN Security Council, recognising that Covid-19 is much more than an economic challenge; and also reflecting the practical fact, in a time when international travel is restricted, the UNSC has an existing mechanism in New York to negotiate and quickly agree such a statement.
A public statement by leading countries could do a great deal to help arrest a growing sense of powerlessness among citizens and loss of confidence among businesses worldwide as the virus spreads.
It could also set a new course for international political and economic cooperation, not just in relation to the virus, but also other global threats with potentially devastating consequences for economic growth and political stability in the coming years.

Manifesto Globalista (2020) - Paulo Roberto de Almeida

Nova divulgação deste "manifesto", redigido em março, mas corrigindo uma distração relevante que estava inscrita na versão anterior: a troca de bolchevique por menchevique, o que faz toda a diferença. Outra razão desta nova divulgação é o fato de que a pandemia GLOBAL, que se acelerou nas duas últimas semanas, está sendo encarada por meio de medidas nacionalistas, exclusivas e excludentes, afastando a necessária coordenação e cooperação GLOBAIS, como deveria ser.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de março de 2020

Manifesto Globalista


Paulo Roberto de Almeida


Introdução: um manifesto em defesa do globalismo?
Um “manifesto globalista”? Na linha do Manifesto Comunista (1848), de Marx e Engels? Sim, exatamente, mas com algumas diferenças de espírito e de conteúdo. 
Como o globalismo vem sendo atacado de maneira superficial e simplista por alguns espíritos neogóticos, com argumentos totalmente equivocados, vou divulgar o meu manifesto globalista, especialmente voltado para o mundo diplomático brasileiro, onde o besteirol antiglobalista que está sendo disseminado desde algum tempo é bem maior. A estrutura do presente ensaio provocador pode parecer semelhante, ou similar, à do texto gótico de 1848, mas os argumentos são bastante diferentes.
Mas antes uma precisão: o título original do pequeno panfleto de 1848 – feito muito rapidamente, inclusive com alguns “empréstimos” deliberados – preparado por dois jovens hegelianos radicais, era Manifesto do Partido Comunista. Só que não ainda não existia nenhum “partido comunista”: o texto havia sido encomendado pela Liga dos Justos, uma associação de trabalhadores alemães sediada na Inglaterra. Os partidos comunistas surgiram bem mais tarde, no seguimento da primeira grande divisão dos socialistas, seja na Primeira Internacional, em face do embate entre anarquistas-bakuninistas e marxistas-marxianos, seja depois, com o surgimento dos socialistas-reformistas – Lassale, Liebknecht, Kautsky, Bernstein –, agrupados na Segunda Internacional, que logo foram combatidos pelos bolcheviques-leninistas da Terceira Internacional. A partir de 1919, quem quisesse apoiar o primeiro “Estado trabalhador” da História tinha de mudar o nome do seu partido para comunista, e acrescentar o subtítulo: “seção [nacional] da Internacional Comunista”, como foi o primeiro nome do Partido Comunista do Brasil: seção brasileira da Internacional Comunista (1922, nome recuperado depois, sem o subtítulo, pelo PCdoB). 
Marx e Engels aprovariam, quase certamente, a distinção entre comunistas e socialistas, para logo em seguida criticar os discípulos pouco instruídos nas coisas econômicas (pois que conduziram o comunismo a uma situação insustentável). Para os propósitos do presente ensaio, como nem o globalismo, nem o bizarro antiglobalismo constituem partidos, no sentido etimológico e funcional da palavra, este novo manifesto não é do “Partido Globalista” e sim apenas um “Manifesto Globalista”; se quiserem acrescentar algo, eu não me oporia a este subtítulo: “contra o antiglobalismo”. Feitos os esclarecimentos históricos, vamos a um novo “clássico revisitado” de minha série, que já comporta uma paródia do velho Manifesto, adaptado aos vibrantes novos tempos da globalização capitalista (o novo Manifesto, e o livro completo, estão disponíveis aqui: https://www.academia.edu/41037349/Velhos_e_Novos_Manifestos_o_socialismo_na_era_da_globalizacao_1999_).

1. O grande temor dos reacionários: o espectro do globalismo
Um espectro percorre a comunidade adepta das teorias conspiratórias: o espectro do globalismo. Todos os poderes de velhas correntes ultraconservadoras, da extrema direita e dos reacionários sem qualquer doutrina, mas também da esquerda antiglobalizadora, se aliaram em uma campanha contra o fantasma do globalismo. Este seria, no precário entendimento dos que estão coligados ou convergentes no combate a esse novo monstro metafísico, um alegado complô de ricaços de esquerda e de burocratas da ONU — sem esquecer alguns ideólogos, como este que aqui escreve — devotado a retirar soberania aos Estados nacionais e a construir um governo mundial dirigido por burocratas não eleitos de organismos internacionais. 
Qual entidade de burocratas dedicados à interdependência global não foi vilipendiada pelos seus adversários no poder como globalista? Quantos diplomatas sinceramente devotados ao seu trabalho internacionalista já não foram acusados de globalistas pelos novos cruzados reacionários da causa antiglobalista?
Desse fato concluem-se duas coisas.
O globalismo passou a ser identificado por esses adeptos de teorias conspiratórias como um novo poder.
Já é tempo dos globalistas engajados – como este que aqui escreve – exporem perante o mundo inteiro – ou pelo menos aos true believers e outros ingênuos seduzidos pela causa antiglobalista – a sua visão do mundo, seus objetivos e tendências, e de contraporem à lenda do espectro do globalismo um manifesto do próprio punho. Um manifesto que examine cada uma das alegações dos antiglobalistas e confirme que eles estão indo na direção contrária ao sentido tomado pela grande trajetória da interdependência global, ao pretenderem fazer girar para trás a roda da História.

2. Globalistas e antiglobalistas (ou internacionalistas conscientes e nacionalistas tacanhos)
Adeptos de teorias conspiratórias sempre existiram ao longo dos séculos: são geralmente mentes simples, almas cândidas, pessoas ingênuas que, induzidas por profetas de algum desastre iminente – gurus alucinados pelas dificuldades naturais, estruturais ou conjunturais, sistêmicas ou acidentais, contingentes, das economias sociedades – tentam ver, nesses soluços de uma longa e lenta evolução para estágios diferentes de organização econômica, política e social, a ação de sociedades secretas, entidades poderosas que manobrariam em surdina justamente contra o Estado ao qual pertencem. 
Para eles, se algo estranho – ou seja, coisas que eles não conseguem explicar – está acontecendo no mundo, ou no cantinho em que eles vivem, é porque um pequeno grupo de espertalhões, geralmente ricos e poderosos, mas sempre mal intencionados, está tentando (e conseguindo) tomar o controle do mundo e de suas vidas, para impor não se sabe bem que tipo de novo regime ou sistema de vida. Dizer que os “conspiradores” são paranoicos já é uma redundância em si, pois parece haver uma correspondência íntima entre esses dois tipos de alucinados, embora nem todos os paranoicos sejam adeptos de teorias conspiratórias: vários se refugiam em seu mundinho conhecidos, temendo que o céu lhes caia sobre a cabeça, apenas dizendo que “estão vindo atrás de mim”. Paranoicos podem ser recatados e, portanto, não prejudiciais, mas conspiratórios tendem geralmente a perturbar a paz geral e a felicidade da nação anunciando as piores catástrofes que estão para se abater sobre o país e cada um de nós. Os antiglobalistas pertencem a esse gênero perfeitamente alucinado: “Os globalistas vão tirar nossas liberdades, vão retirar a soberania da nação, vão nos converter todos em escravos da poderosa máquina perversa” (que pode ser a do capital ou a do marxismo, à sua escolha), “eles vão destruir as bases das nossas sociedades, já estão fazendo isso, alerta minha gente!”.
Pois é, esses são os antiglobalistas, que seriam apenas ridículos, se não fossem também inutilmente ridículos, pois engajam a sociedade, quando estão no poder, em uma retirada em regra de fluxos, circuitos, correntes, movimentos e outras interações que seriam naturais e benéficas, se deixadas ao sabor das mudanças progressivas e regulares em quaisquer sociedades “normais”, ou seja, aquelas que respondem à dinâmica constante das atividades econômicas ou que reagem positivamente às novas ideias que cérebros educados estão sempre propondo para melhorar a vida de cada um dos cidadãos (ou súditos).
E quem são os globalistas, supostamente pecadores, indivíduos perigosos, propensos, pelo menos potencialmente, a roubar nossas liberdades e a soberania dos países, supostamente em benefício de algum grupúsculo organizado de conspiradores profissionais (que podem ser grandes capitalistas, judeus, marxistas, o que vier à cabeça)? Os globalistas somos todos nós, pessoas normais, que tendem a receber positivamente quaisquer novos influxos que representem agregação de valor, seja material, seja espiritual: produtos (ou seja, bens e serviços, de todas as partes do mundo), ideias novas, hipóteses, pesquisas, desafios, enfim, quaisquer propostas de mais conforto, harmonia, bem-estar, novidades em geral. Globalistas são pessoas abertas ao que o mundo produz de melhor – e, presumivelmente, a soma de novidades do mundo sempre será maior do que as novidades do seu próprio país –, ideias interessantes, até propostas desafiadoras, do ponto de vista das velhas tradições e costumes arraigados nas dobras do tempo. 
Globalistas são receptivos a tudo isso, e não temem perder a liberdade se aceitam provar um novo pudim (salvo se for inglês, pois aí é perigoso), um novo aparelho (mesmo se for chinês, com aquelas coisas embutidas que vão passar a controlar a sua vida), uma nova forma de responsabilização de políticos (esse estamento autocentrado em todos os países), e propensos a se abrirem às migrações de todos os tipos, inclusive as suas próprias. Numa palavra, globalistas são internacionalistas, e antiglobalistas tendem a ser nacionalistas tacanhos (muitos deles obtusos, ou seja, infensos a quaisquer novidades).
Estou sendo maniqueísta? Provavelmente sim, mas cabe recordar que antes de aparecerem os nacionalistas tacanhos, que proclamam abertamente serem não só antiglobalistas, como também nacionalistas de um novo tipo (não carnívoros, se supõe), todos vivíamos felizes, sem sequer ter a consciência de sermos globalistas, ou seja, de estarmos abertos às novidades do mundo. O Brasil é um exemplo disso: acolheu imigrantes de todo o mundo, como uma coisa benéfica à construção do seu próprio Estado-nação – permitindo, por exemplo, no Império, que esses estrangeiros se estabelecessem nas faixas de fronteiras –, como algo natural e positivo; mas, a partir de certo momento, virou um país nacionalista tacanho, agora tudo mais reforçado, depois que essa horda de soberanistas ingênuos e de antiglobalistas que se abateu sobre nós. 

3. Globalistas naturais e globalistas profissionais
A distinção pode parecer desprovida de maior significado, ou simplesmente inútil, na medida em que poucas diferenças existem, em princípio, entre aqueles que se adaptam naturalmente ao ritmo das mudanças no mundo contemporâneo – francamente globalista, na letra dos tratados e no espírito dos tempos – e os que se exercem profissionalmente no campo ativo do globalismo assumido e promovido. Vamos explicar.
Globalistas naturais são todos os cidadãos, indivíduos normais, consumidores abertos ao que possa existir de novidade no mundo da oferta dos mercados, sem preconceitos contra itens úteis na sua labuta diária ou no seu lazer cotidiano: são aqueles que não acham que a Coca-Cola é a “água negra do imperialismo” – como alguns anti-imperialistas ainda proclamavam algum tempo atrás –, que o rock não é uma “dança satânica”, que o iPhone é uma das grandes invenções da humanidade, que a China não quer exportar o seu modelo político – apenas inundar nossos mercados de produtos baratos, eventualmente também de uma qualidade aceitável –, que a ONU não vai instalar um governo mundial e que o George Soros não vai destruir o valor da nossa moeda e sugar nossas reservas internacionais. Enfim, são cidadãos como quaisquer outros, sem prevenções contra o que nos vem de fora, e com uma imensa curiosidade de saber o que existe lá fora, sem dividir o mundo entre “nós e o resto do mundo”. 
Globalistas profissionais são justamente aqueles que trabalham nessa interface, entre o nacional e o internacional, entre o doméstico e o externo, entre as nossas vantagens competitivas nacionais e as vantagens comparativas internacionais (sempre relativas, como poderia lembrar Ricardo contra aquele pioneiro, Adam Smith, que acreditava nas vantagens absolutas e na errônea teoria do valor trabalho, e que daí passou para o Marx). Em princípio, todo empresário deveria ser globalista, pois é do grande mundo externo que ele retira ideias, insumos e meios de produção para fazer sua oferta interna, eventualmente externa também. Todo economista sensato também deveria ser globalista, ou seja, a favor do livre comércio, o que não significa sair por aí negociando acordos de livre comércio com países like-minded; não precisa: basta orientar o seu ministro do comércio exterior a adotar a liberalização erga omnes, ou seja, unilateral, sem qualquer necessidade de estabelecer acordos mercantilistas com quaisquer outros países.
Isso seria o normal, e esses seriam os primeiros globalistas profissionais, ou seja, empresários competitivos e economistas simplesmente sensatos empenhados em colocar o país na interdependência global, a melhor situação que qualquer estadista digno desse nome poderia aspirar para o seu país. Mas, hélas, isso não vale para os empresários brasileiros e para os “economistas” do governo Trump, empenhados ferozmente em defender sua reserva de mercado e em “equilibrar”, por quaisquer meios, a balança comercial, tanto a global quanto a bilateral, uma situação impossível, teórica e praticamente (inclusive porque balança comercial não é uma preocupação microeconômica de empresários, nem deveria ser a maior questão macroeconômica a preocupar os economistas governamentais, pois existem outros componentes no balanço de pagamentos).
E quanto aos diplomatas? Ora, não seria preciso nem argumentar como, ou porque, os diplomatas são, necessariamente globalistas profissionais, até compulsórios. Não se trata apenas de conformação “genética”, se cabe alusão a qualquer “fatalidade natural”, ou de alguma “deformação de ofício”, se também cabe a expressão depreciativa; antes de qualquer outro critério, trata-se de um ambiente natural para o exercício de suas funções executivas, sobretudo no caso desses burocratas obrigatoriamente imersos no mundo da globalização. E isso não existe apenas depois da construção da ordem multilateral no pós-Segunda Guerra, ou antes, na criação da Liga das Nações, depois da Grande Guerra e com os acordos de Paris, em 1919: diplomatas integram uma das mais antigas profissões do mundo, mobilizados cada vez que soberanos mais sensatos procuravam evitar guerras ofensivas ou defensivas, em caso de tensões com soberanias vizinhas ou impérios conquistadores. Junto com os soldados, que são seus irmãos naturais e que também precisam ser naturalmente, profissionalmente globalistas, os diplomatas só existem na globalidade, na globalização, no globalismo, sendo inconcebível um diplomata “antiglobalista”.
Aliás, um diplomata antiglobalista não é apenas uma contradição nos termos, é antes de mais nada um ser ridículo, pois não se entende um profissional das relações exteriores que queira se refugiar no nacionalismo tacanho, no provincianismo rastaquera, na recusa da abertura do país a todos os tipos de interações benéficas ao povo, à economia, à cultura nacional. O que é especificamente moderno, ou contemporâneo, no globalismo diplomático, é o multilateralismo, disputando espaços preliminares com o bilateralismo triunfante até o século XIX e explodindo com vigor depois da Segunda Guerra Mundial, com a fundação da ONU e de todas as suas agências especializadas (aliás, até antes, desde Bretton Woods, que iniciou a conformação da ordem econômica multilateral do pós-guerra, que ainda é a base das relações internacionais). Um diplomata que se proclame antiglobalista é mais do que um estranho no ninho, ou um cisne negro, é sobretudo uma aberração teórica e prática, uma vez que mesmo esse ser bizarro terá de se haver com as estruturas multilaterais, portanto globais, que foram sendo estabelecidas progressivamente ao longo das últimas sete ou oito décadas.

4. Literatura globalista e antiglobalista
Literatura antiglobalista não existia até certo tempo atrás, ou então se restringia aos poucos panfletos conspiratórios, daquele mesmo nacionalismo tacanho, que provocaram tantas guerras ao longo da era moderna, até os conflitos globais da primeira metade do século XX. O nacionalismo, segundo estudiosos do tema – Hans Kohn foi o maior de todos – é um fenômeno relativamente moderno, que se desenvolve paralelamente ao crescimento da doutrina liberal, mas que assume feições exclusivistas e excludentes no curso do gradual desenvolvimento paralelo do coletivismo, em suas diversas formas econômicas e políticas, entre elas o pangermanismo, um nacionalismo proto-globalista (se assim cabe a expressão), que provocou, junto com o expansionismo imperialista, a maior guerra de todos os tempos. 
O nacionalismo, assim como o racismo – especificamente antissemita – e o culto do líder e da pátria emergiram no século XIX, tendo sido anteriormente especialmente francês, da era napoleônica – como defesa da pátria atacada pelas monarquias europeias que estavam sendo desmanteladas pelas novas ideias de soberania popular da revolução de 1789 –, tornou-se, na imediata sequência, um produto do romantismo alemão, que teve suas derivações nos círculos wagnerianos até chegar a Rosenberg e Hitler. No decorrer do século XIX, ele se confunde com um dos tipos de darwinismo social, a partir do qual a ideia de raça se torna a base fundamental da nacionalidade e do patriotismo. Em sua obra magna, A Ideia do Nacionalismo (publicada originalmente em 1944), Hans Kohn assim define o nacionalismo: 
Nationalism is a state of mind permeating the large majority of the people and claiming to permeate all its members; it recognizes the nation-State as the ideal form of political organization and the nationality as the source of all creative cultural energy and economic well-being. The supreme loyalty of man is therefore due to his nationality, as his own life is supposedly rooted in and made possible by its welfare. (Hans Kohn, The Idea of Nationalism: A Study in Its Origins and BackgroundNew York: Macmillan, 1961, p.16).

Mas antes mesmo de publicar essa sua obra magna, Hans Kohn, um promotor precoce do sionismo – depois abandonado em favor do estabelecimento de um Estado binacional na Palestina –, havia publicado, antes da guerra, uma obra, Force or Reason: issues of the Twentieth Century (Harvard University Press, 1937), na qual dizia o seguinte: 
On a shrinking earth man should concentrate all his rational forces upon the adjustment of his social and political life to the new conditions. Instead, we hear reason and reasonableness decried and the old battle cries of fierce imperialism and conflict of races raised again. (p. 96)

A despeito de discutir, em seu livro, “The Cult of Force”, “The Dethronement of Reason”, ou “The Crisis of Imperialism”, Kohn proclamava, ao lado do reconhecimento das dificuldades de se alcançar a equalização concreta das oportunidades entre os homens, sua crença nos valores civilizatórios alcançados pela sociedade contemporânea e sua esperança no prevalecimento da justiça democrática. O que se teve, infelizmente, a partir dali, foi a brutal reafirmação da força, não da razão, trazidos tanto pelo fascismo quanto pelo comunismo, dois movimentos aparentemente guiados por motivações globalistas, mas o primeiro nacionalista ao extremo, o segundo supostamente internacionalista (à sua maneira). Daí se pode perceber certa confusão teórica e conceitual entre os defensores do velho nacionalismo e os do novo antiglobalismo, tendentes a fazer crer que o nacionalismo não foi, como se acredita, o verdadeiro responsável pelas terríveis guerras que ensanguentaram o século XX, e sim forças ainda positivas, que nos poupariam de um suposto flagelo a ser provocado, não pela globalização – o que seria de toda forma inútil –, mas pelo globalismo, que pretenderia, segundo os novos arautos do antiglobalismo, da “ditadura das organizações internacionais”. 
Incapazes de sustentar suas ideias bizarras por meio de trabalhos consistentes, os defensores brasileiros do nacionalismo antiglobalista recorrem a obras de autores estrangeiros (geralmente americanos, europeus e israelenses), como se os novos manifestos nacionalistas trouxessem qualquer contribuição intelectual aos problemas de um país como o Brasil, uma nação que não enfrenta, como muitos desses países, problemas decorrentes de uma grande inserção mundial, de uma imensa atratividade imigratória, terrorismo, um multiculturalismo supostamente nocivo e outras questões próprias vinculadas às suas peculiaridades políticas e ideológicas propriamente nacionais. Assim como o afro-brasileiro é uma importação espúria de tendências peculiares ao ambiente racial dos Estados Unidos, o antiglobalismo atual constitui uma outra importação bizarra de “ideias fora do lugar”, sem qualquer sustentação ou correspondência numa elaboração intelectual própria. 
Num plano puramente “literário”, portanto, antiglobalistas tupiniquins representam bonecos de ventríloquo repetindo ideias alheias que não possuem qualquer embasamento na realidade nacional, muito menos no contexto da atividade diplomática de um país que está praticamente excluído das grandes cadeias de valor da grande interdependência econômica global, e que precisa ainda lugar para superar fortes tendências à introversão e ao espírito mercantilista que ainda permeia sua política comercial e sustenta sua política industrial. O antiglobalismo jabuticabal é, desse ponto de vista “literário”, uma aberração total no quadro de um universo conceitual que deveria apoiar sua ação diplomática e a atividade dos seus profissionais da diplomacia, que são, como já dito, “geneticamente” globalistas.
Em face de tamanha aberração, um “Manifesto Globalista” como o presente texto nem precisaria se apresentar como uma “crítica da razão pura” do globalismo, nem como uma “crítica da razão prática” do antiglobalismo, pois este é inconsistente, irrealista, ou simplesmente absurdo, em seus próprios termos. Como um país insuficientemente inserido nas grandes correntes da modernidade e da economia mundial, como é o Brasil, poderia ser antiglobalista? Como poderia suas elites dirigentes – quaisquer que sejam elas, as políticas, os donos do capital, os intelectuais formadores da opinião pública – poderiam pretender unir os destinos do país à pequena tribo de nacionalistas de extrema-direita que atuam no sentido de desmantelar a ordem mundial criada no pós-guerra e refluir as políticas nacionais para o ambiente estreito das fronteiras domésticas? A recusa do multilateralismo, como princípio fundador da diplomacia contemporânea, não é apenas ridícula, ela é sobretudo inoperante e, mais que tudo, inútil, em vista de todos os compromissos já existentes no plano prático.

5. Posição dos globalistas universalistas em face dos antiglobalistas nacionalistas 
À diferença dos antiglobalistas, os globalistas – como este que aqui escreve – não lutam para alcançar os fins egoístas e os interesses exclusivos de uma concepção territorialista de nação, ou para realizar os objetivos estreitos de uma ideia excludente de pátria. Eles se atêm a um conceito mais amplo de interesse coletivo, que não elude noções básicas do pensamento liberal em economia e em política, ou seja, individualismo e ampla defesa das liberdades democráticas, e focam não apenas em metas do momento presente, para um determinado país ou Estado-nacional, mas proclamam um visão vinculada a aspirações mais amplas, que representam, simultaneamente, o futuro da humanidade. À diferença, porém, do nascente liberalismo político do século XIX, os liberais globalistas da atualidade se pautam em muito do que proclamou o grande intelectual da diplomacia brasileira, José Guilherme Merquior, notadamente em sua última grande obra: Liberalism, Old and New (1991). Merquior sabia reconhecer a tensão já detectada desde o século XIX entre os impulsos libertários e os ímpetos igualitaristas, expressas nas correntes políticas contemporâneas. Como ele resumiu ao final desse livro: 
Como foi observado por alguns distintos sociólogos como [Raymond] Aron ou [Ralph] Dahrendorf, a nossa sociedade permanece caracterizada por uma dialética contínua, embora cambiante, entre o crescimento da liberdade e o ímpeto em direção a uma maior igualdade – e disso a liberdade parece emergir mais forte do que enfraquecida. (O Liberalismo, antigo e moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991; tradução do original em inglês por Henrique de Araújo Mesquita; p. 223)

Tal postura não tem praticamente nada de nacionalista, e muito menos de antiglobalista, mas representa o espírito do pensamento liberal, como expressão do mais puro universalismo filosófico, ou seja, tudo o que se contrapõe ao nacionalismo estreito defendido pelos antiglobalistas contemporâneos, que nada mais são do que os atuais herdeiros dos antigos nacionalistas, que produziram as grandes catástrofes do século XX. Mas não só do século XX, antes mesmo isso ocorria, como refletido nas obras de pensadores, romancistas, ativistas políticos de todos os matizes e de várias épocas.
Não é preciso remontar à famosa frase de Samuel Johnson, que ainda no século XVIII, rejeitava o patriotismo – a forma mais extrema de nacionalismo – como sendo “o último refúgio dos canalhas”, para rejeitar as formas mais extremas de exclusivismo nacional. O grande romancista russo Leon Tolstoi, assim como sua compatriota Emma Goldman, ativista da causa feminista e anarquista como ele, eram, nos albores do século XX, declaradamente antinacionalistas. Ao final da Grande Guerra, já distinguido como o grande cientista da relatividade, Albert Einstein, ao ser interrogado sobre sua nacionalidade respondeu: “Pela herança eu sou um judeu, pela cidadania um suíço, e por formação um ser humano e apenas um ser humano, sem qualquer vínculo especial a qualquer estado ou entidade nacional de qualquer tipo.” Dez anos depois, novamente questionado sobre se sentia mais como alemão ou judeu, proclamou ser contrário a qualquer tipo de nacionalismo, mesmo sob o disfarce de patriotismo: “Eu me considero um homem. O nacionalismo é uma doença infantil, o sarampo da humanidade”. 
George Orwell, um socialista antiautoritário, se expressava ao final da Segunda Guerra Mundial em termos contundentes contra o nacionalismo em suas “Notas sobre o nacionalismo” (1945). Mais perto da nossa época, o velho semanário liberal The Economist se perguntava, em seu editorial de 19 de novembro de 2016, quando da eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, a propósito do seu grito de guerra de America First, se ele não era o “último recruta de um perigoso nacionalismo”. Estabelecendo uma comparação entre Trump e Ronald Reagan, que também tinha prometido recuperar os EUA, depois da patética presidência de Jimmy Carter, o editorial da Economist dizia: 
But there is a difference. On the eve of the vote, Reagan described America as a shining “city on a hill”. Listing all that America could contribute to keep the world safe, he dreamed of a country that “is not turned inward, but outward—toward others”. Mr Trump, by contrast, has sworn to put America First. Demanding respect from a freeloading world that takes leaders in Washington for fools, he says he will “no longer surrender this country or its people to the false song of globalism”. Reagan’s America was optimistic: Mr Trump’s is angry. (…) Civic nationalism appeals to universal values, such as freedom and equality. It contrasts with “ethnic nationalism”, which is zero-sum, aggressive and nostalgic and which draws on race or history to set the nation apart. In its darkest hour in the first half of the 20th century ethnic nationalism led to war. (“The new nationalism”, The Economist, November 19th 2016, ênfase agregada; link: https://www.economist.com/leaders/2016/11/19/the-new-nationalism)

Sintomaticamente, os antiglobalistas brasileiros, em sua adesão doentia, não aos Estados Unidos apenas, mas ao governo e à personalidade de Trump em particular, também subscrevem às mesmas ideias retrogradas e agressivas desse nacionalismo rastaquera e a um antiglobalismo tão bizarro quanto surrealista, pois que construindo um monstro metafísico a partir do multilateralismo contemporâneo, que eles se propõem combater com a sanha doentia de novos cruzados, na verdade com as armas enferrujadas e os slogans ridículos de um novo “exército de Brancaleone”. Como diria Marx, em seu famoso Manifesto, eles se prendem a velhos grilhões reacionários, não têm nenhum mundo a ganhar e pretendem fazer girar para trás a roda da História.
De minha parte, termino meu pequeno manifesto dando entusiasticamente três vivas ao globalismo! 

Paulo Roberto de Almeida



Brasília, 15 de fevereiro de 2020

Política brasileira: carta de Bebbiano ao capitão (fevereiro 2019)

CartaBebbianoBolsonaroDemissao

Um documento histórico, reproduzido no Antagonista:

Exclusivo: “Meu amado Capitão, só há uma forma de isso tudo acabar bem. O senhor precisa romper esse ciclo de ódio”, diz Bebianno em carta a Bolsonaro
Por Claudio Dantas
Brasil, 15/03/2020

Gustavo Bebianno escreveu uma carta para Jair Bolsonaro logo depois de ser demitido do governo. Ele enviou o texto a alguns amigos, para que o divulgassem caso lhe acontecesse algo.
Na mensagem, Bebianno não faz ‘revelações comprometedoras’ sobre o presidente. Trata-se de um desabafo contra as acusações de traição e uma leitura, como espírita que era, do que ele chama de relação de ódio construída por Bolsonaro com todos a sua volta – relação alimentada por Carlos.
“O senhor está obsediado. Obsediado pelo próprio filho. Carlos precisa de ajuda e só o senhor tem esse poder. Não estou falando com rancor. Meu sentimento não é de raiva, acredite. Não tenho uma só gota de raiva do Carlos (a que tive, já passou, graças a Deus), porque ele precisa de ajuda. Isso é visível aos olhos de TODOS.”
Na opinião de Bebianno, “por melhores que possam ser as circunstâncias, Carlos continua odiando e sofrendo”.
“Mesmo o senhor tendo alcançado o objetivo de ser eleito, ele permanece odiando. Ele aprendeu a ser assim e não sabe fazer de outra forma.”
“E o senhor tem alimentado essa situação. E isso só vai mudar quando o senhor RECONHECER A VERDADE.”
O ex-ministro, que morreu de um infarto fulminante na madrugada de sábado, encerra a missiva com palavras de “amor hétero”. Pede a Bolsonaro que “reconheça seus erros (para si próprio). Faça um profundo exame de consciência. Limpe o seu coração”.
“Recupere o Carlos pelo seu exemplo. Ele vai aprender. Ele é um bom garoto. Só precisa da sua ajuda. Fique com Deus e um beijo no seu coração (hétero). O senhor continuará a ser o meu Mito.”

Leia abaixo a íntegra da carta:

“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará“
João 8:32

Meu Capitão,
Ao longo de dois anos, ouvi essa frase sair da sua boca quase todos os dias, como que de forma automática.
Isso, além de outras coisas, fazia-me acreditar que o senhor era um homem justo, bom, leal e amigo. Acima de tudo, corajoso!
Dediquei dois anos da minha vida para defender uma causa apelidada de Mito. E eu acreditei nesse Mito com todas as minhas forças, com todo o meu coração.
O senhor SABE disso. Por mais que, agora, o senhor tente banalizar tudo o que fiz, para alívio da própria consciência, o senhor SABE que não chegaria até aqui sem o trabalho que fiz (trabalho que só deu certo porque fiz, acima de tudo, com AMOR — amor que intensamente desenvolvi por você. Amor hétero, como costumávamos brincar).
O senhor mesmo costumava verbalizar essa verdade para algumas pessoas do nosso convívio. Essas pessoas também sabem, também conhecem essa verdade. Mas o que importa, de fato, é que o senhor, homem Jair Bolsonaro, SABE: sempre estive ao seu lado, e do seu lado, durante toda essa jornada, sem importar o preço a ser pago.
Ainda que o senhor bata a cabeça, tome remédios, se encha de raivas criadas por fantasias exóticas e curiosas, o FATO, a VERDADE, continuará lá no fundo da SUA consciência, impressa na SUA alma.
Por isso, não vou tomar o seu tempo dissertando sobre as coisas que fiz, acreditando estar, principalmente, trabalhando para o bem do meu país.
Mas, Meu Capitão, o senhor precisa acordar e cair em si.
O senhor está obsediado. Obsediado pelo próprio filho. Carlos precisa de ajuda e só o senhor tem esse poder. Não estou falando com rancor. Meu sentimento não é de raiva, acredite. Não tenho uma só gota de raiva do Carlos (a que tive, já passou, graças a Deus), porque ele precisa de ajuda. Isso é visível aos olhos de TODOS.
Falando dessa forma direta, o senhor talvez não entenda. Por isso, tentarei lhe explicar um pouco mais esse meu sentimento.
Carlos vive em uma prisão mental e emocional. Ele sofre intensamente em função do próprio ódio. Ele cultiva esse ódio contra tudo e contra todos, principalmente contra as pessoas por quem o senhor demonstra AFETO. E o senhor também sabe dessa VERDADE. Ele é consumido pelo ódio 24 h por dia, independentemente do que esteja acontecendo no mundo real.
A despeito do que, de fato, esteja acontecendo no mundo real, por melhores que possam ser as circunstâncias, Carlos continua odiando e sofrendo. Mesmo o senhor tendo alcançado o objetivo de ser eleito, ele permanece odiando. Ele aprendeu a ser assim e não sabe fazer de outra forma. Não é por mal, ele não tem culpa, simplesmente não sabe fazer diferente.
E o senhor tem alimentado essa situação. E isso só vai mudar quando o senhor RECONHECER A VERDADE.
Para manter o vínculo afetivo com ele, para manter a conexão física e emocional, o senhor embarca nessas fantasias, nessas paranoias, nas eternas teorias de conspiração.
Carlos aprendeu a ser assim com o senhor. Foi o senhor que o ensinou, desde pequeno, a viver em confronto. Vide o que assumiu contra a própria mãe, ainda quando jovem. Essas experiências deixam marcas, Capitão. A mente humana é muito profunda e complicada. É bom estar preparado para confrontos. Viver em permanente estado de beligerância nubla a mente e a existência.
O seu erro tem sido fazer exatamente o contrário daquilo que prega. O seu pecado é, nesse caso, não RECONHECER A VERDADE. E, portanto, não se libertar (nem libertar o próprio filho, que é o que mais sofre).
Ao agir assim, o senhor se mantém preso, mantém o seu filho preso, e gera um rastro terrível de destruição à sua volta. O senhor destrói os seus principais amigos e aliados. O senhor se torna uma pessoa injusta com os outros. Além disso, alimenta e incentiva o comportamento viciado do filho, impedindo-o de se libertar do ódio.
Tenha certeza de que, daqui a pouco tempo, o problema envolverá outra pessoa, e depois outra, e depois mais outra, num rastro interminável de ódio e destruição. Leia a Bíblia e veja as consequências invariáveis decorrentes do ódio. O ódio é uma energia terrível e incontrolável que tudo destrói. O ódio abre o canal de sintonia com o que há de pior no mundo espiritual.
Acredite: sem saber, sem querer e sem perceber, Carlos se tornou um canal aberto para influências espirituais negativas. Ele se tornou obsediado. E, por consequência, obsedia o senhor. Isso é um círculo vicioso terrível! O mal opera por aí. Ao contrário do que muita gente pensa, o mal nem sempre age pelas mãos de Adelios. Na maioria das vezes, age de forma ardil e sub-reptícia, pela mente de pessoas próximas a nós, que nos amam e a quem também amamos. Acredite nisso, Capitão.
O mal opera utilizando as fraquezas de cada um (ou, como se diz no jargão religioso, pelo pecado). Se a pessoa tem a tendência de beber, será influenciada a beber. Se a pessoa tem a tendência a sentir ciúmes, será colocada em circunstâncias propícias a sentir ciúmes. Se a pessoa tem a tendência de odiar, essa será a ferramenta usada).
No seu caso, essa é a chave por meio da qual o mal opera. É por meio do seu próprio pecado. O senhor cultiva e alimenta teorias de conspiração, intrigas e ódio, e ensinou seus filhos a fazerem o mesmo. O melhor discípulo foi o Carlos, pois é o que tem maior conexão espiritual com você. O problema é que ele é muito forte, muito intenso, e o senhor perdeu o controle sobre o “pitbull”. Hoje, ele morde aleatoriamente as pessoas, sem que o senhor consiga segurá-lo. Pior do que isso, quando o senhor tenta segura-lo, ele se vira e morde o senhor mesmo.
E, com esse canal aberto, o mal segue operando. Os obsessores instigam vocês dois a desconfiarem das pessoas e sentirem o ódio. Vocês ficam cegos e sentem o ódio contra alguém injustamente — como no meu caso — e atacam. A vítima do ataque também passa a sentir ódio, pois foi atacada (no meu caso, fui atacado injustamente em público). Ao sentir ódio, eu também tenho vontade de atacar, de retribuir a agressão. E, assim, o círculo vicioso se amplia, num rastro sem fim de destruição, cumprindo a missão dos obsessores que pretendem manter o BRASIL no mesmo padrão moral inferior.
Portanto, meu amado Capitão, só há uma forma de isso tudo acabar bem, em benefício do nosso BRASIL.
O senhor precisa romper esse ciclo de ódio. Do fundo do seu coração, do fundo da sua alma, com toda a sua força. O senhor é um homem bom, justo, permita que isso venha à tona. Quebre os padrões negativos. Só o AMOR pode fazer isso. Só o amor tem o poder de salvar o Brasil e livra-lo das influências negativas que o prejudicam.
Peço perdão ao senhor pelos maus sentimentos que tive nos últimos dias.
O senhor pode ficar tranquilo. Vou embora em paz. Quero apenas que dê certo. Não posso crer que tudo o que foi feito tenha sido em vão.
Tenha a certeza que nunca o traí. Nunca fiz nada pelas costas. Nunca plantei nota desfavorável ao senhor ou a seus filhos, nunca vazei áudio. Não há complô algum. Talvez o senhor nunca enxergue isso. Mas minha consciência sabe. Isso é o que basta.
Minha missão chegou ao fim aqui. A sua, não. Reconheça seus erros (para si próprio). Faça um profundo exame de consciência. Limpe o seu coração. Recupere o Carlos pelo seu exemplo. Ele vai aprender. Ele é um bom garoto. Só precisa da sua ajuda.
Fique com Deus e um beijo no seu coração (hétero).
O senhor continuará a ser o meu Mito.”

domingo, 15 de março de 2020

Morre aos 89 o diplomata Affonso Arinos de Mello Franco, membro da ABL

Morre aos 89 o diplomata Affonso Arinos de Mello Franco, membro da ABL
RIO DE JANEIRO
FOLHA DE S. PAULO, 15/03/2020


Affonso Arinos de Mello Franco Filho, diplomata, escritor e político brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras - ABL

Morreu na manhã deste domingo (15) o escritor, diplomata e político Affonso Arinos de Mello Franco, 89, que ocupava a cadeira número 17 da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Segundo parentes, o acadêmico faleceu por volta das 10h em sua casa, no Rio de Janeiro, em razão de problemas respiratórios.
O enterro ocorrerá na segunda-feira (16) às 13h30 no mausoléu da Academia Brasileira de Letras. Não será realizado velório em razão da recomendação das autoridades de saúde de se evitar reuniões e aglomerações durante a pandemia do coronavírus.
O único representante da Academia que deve comparecer é o presidente Marco Lucchesi, já que os membros são idosos e portanto fazem parte do grupo de pessoas com maior risco de prejuízos à saúde em razão da ação do vírus.
Nascido em Belo Horizonte em 1930, Affonso Arinos foi eleito para a ABL em julho de 1999, sucedendo Antonio Houaiss. Tomou posse em novembro do mesmo ano e foi recebido pelo acadêmico e ex-presidente da República José Sarney.

Ele é filho do também imortal Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990), importante jurista, político, historiador, professor, ensaísta e crítico. É avô dos jornalistas Bernardo Mello Franco, colunista do jornal O Globo, e Luiza Mello Franco.
O ex-presidente Sarney lamentou a morte. “Affonso Arinos prosseguiu a linha dos Arinos nas vertentes da literatura, da diplomacia e da política. Ele honrava a casa [ABL] e teve carreira brilhante no Itamaraty. É uma grande perda para o país”, disse Sarney.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também manifestou pesar.
“Fui colega de Affonso Arinos Filho na ABL e de seu pai, de quem levava o nome, na Assembleia Nacional Constituinte e no PSDB. Seu avô, creio, foi colega de meu avô no seminário religioso de Paracatu, onde estudaram", afirmou.
"Affonsinho, como era chamado, foi escritor e memorialista. Homem culto e educado, teve amigos em vários setores do país, notadamente entre poetas e músicos. Vinicius do Moraes (que também foi diplomata) foi seu amigo próximo. Combativo, como foram os seus, nunca, entretanto, perdeu a elegância. Deixa muitas obras (uma inclusive sobre o Brasil holandês) e mais ainda, saudades”, disse o ex-presidente.
Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda (governo Itamar Franco), e ex-embaixador em Genebra, Washington e Roma e atual diretor da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), lembrou da atuação de Affonso Arinos no Congresso.
“Affonso Arinos foi um misto de diplomata e de político. Nos anos 1960, exerceu vários mandatos de deputado. Na época do governo Castelo Branco [1964-1967], o governo americano do presidente Johnson estava pressionando muito o Brasil a participar da guerra do Vietnã, chegou até a enviar ao Brasil um emissário de alto nível. O Affonso Arinos, que era deputado na época, alertou Bilac Pinto, que era o presidente da Câmara dos Deputados, e o Bilac Pinto se mobilizou junto ao governo para não aceitar o pedido”.
Segundo Ricupero, naquele período o Brasil tinha uma política externa em relação aos EUA semelhante à do atual governo. “Foi um outro momento em que o governo brasileiro tinha escolhido o alinhamento incondicional com o governo americano, e em nome disso participamos da intervenção americana em São Domingos”.
“O Affonso Arinos, fiel ao espírito do pai e da política externa independente, era um crítico desse alinhamento e teve um papel bastante decisivo em mobilizar a oposição a que o Brasil participasse da Guerra do Vietnã, o que teria sido um desastre”, afirma o ex-ministro.
Segundo o advogado e ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Velloso, Arinos “é de estirpe nobre, no que diz respeito à cultura. Filho do ex-senador Affonso Arinos, que foi dos maiores intelectuais e políticos brasileiros, vai fazer falta”.
Amigos da Academia lamentaram o falecimento, lembraram momentos alegres e disseram que já fazia alguns anos que ele não se reunia com os demais, após a morte de sua esposa e uma piora em seu estado de saúde. "Sentimos muito a falta dele, porque ele era muito atuante, trazia boas ideias e tinha muita história para contar", afirmou Merval Pereira, secretário-geral da ABL.

Merval escreveu o prefácio do último de seus livros, "Tramonto" (Editora Objetiva, 2013), que significa pôr do sol em italiano. "É um dos livros mais bonitos que li nos últimos tempos. É de uma tremenda sensibilidade e inteligência, mistura política com memórias, é fantástico", elogiou.
A socióloga, psicóloga e filósofa Barbara Freitag-Rouanet lembra que ele era um ótimo cantor. "Perdemos um grande amigo e um grande diplomata. Os momentos fora do trabalho e da atividade literária foram sempre muito alegres.​ Nós cantávamos e jantávamos juntos", disse ela, também em nome do marido e membro da ABL Sérgio Paulo Rouanet.

A escritora e imortal Nélida Piñon lamentou o fato de não poder comparecer ao velório por causa do coronavírus: "Vamos homenageá-lo tão logo sejamos liberados dessa quarentena. Vamos abrir as portas da sessão plenária em homenagem a ele". A ABL decidiu fechar as portas na quinta (12).
​Assim como seu pai, Affonso Arinos construiu a vida profissional e acadêmica em múltiplas áreas. Na década de 1950, formou-se em ciências jurídicas e sociais e fez doutorado na faculdade de direito da Universidade do Brasil (hoje UFRJ). Também fez cursos de diplomacia do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores.
Fora do Brasil, estudou política, direito e comércio internacional nas Nações Unidas em Nova York e mais tarde em Roma e Genebra. Continuou em salas de aula até 1980, passando por uma pós-graduação em economia na Fundação Getulio Vargas e por cursos na Escola Superior de Guerra, do Ministério da Defesa.
Atuou como diplomata a partir de 1952, começando como cônsul de terceira classe. Também trabalhou nas áreas jornalística, cultural, legislativa e docente --em 1964 e 1965 ​, foi professor de civilização contemporânea no departamento de jornalismo da Universidade de Brasília.
Foi correspondente do Jornal do Brasil em Roma​ e colaborou com diversos veículos, como a revista Manchete, a revista Fatos e Fotos/Gente, a TV Educativa, a TV Manchete e o Jornal do Commercio.
Nos anos 1960, foi deputado da Assembleia Constituinte e Legislativa do Estado da Guanabara (hoje RJ) e se destacou como membro da Comissão de Constituição e Justiça e como presidente da Comissão de Educação. De 1964 a 1966, foi deputado federal.
Affonso Arinos teve seis filhos, onze netos e um bisneto.​
Colaborou Flávio Ferreira

Emily Hahn e Charles Boxer, uma história fascinante (New York Times, 1997)

From The New York Times (1997): o Charles Boxer referido nesta matéria sobre Emily Hahn é simplesmente o maior historiador do império marítimo português, falecido em 2000, objeto de uma monumental biografia do historiador Dauril Alden: Charles R. Boxer: an Uncommon Life, Soldier, Historian, Teacher, Collector, Traveller (Lisboa: Fundação Oriente, 2001, 616 páginas em grande formato; ISBN: 972-785-023-05).
Recomendo igualmente a leitura deste longo artigo sobre Charles Boxer pelo historiador brasilianista Kenneth Maxwell: 
The C.R. Boxer Affaire: Heroes, Traitors, and the Manchester Guardian
Author: Kenneth R. Maxwell, Nelson and David Rockefeller Senior Fellow, Council on Foreign Relations, March 16, 2001

Paulo Roberto de Almeida


Emily Hahn, Chronicler of Her Own Exploits, Dies at 92
The New Yor Times, February 19, 1997, Section B, Page 7

Emily Hahn, early feminist and prolific author who wrote 54 books and more than 200 articles for New Yorker, dies at age 92
https://www.nytimes.com/1997/02/19/arts/emily-hahn-chronicler-of-her-own-exploits-dies-at-92.html


Emily Hahn, an early feminist and a prolific author who wrote 54 books and more than 200 articles for The New Yorker, died yesterday at St. Vincent's Hospital and Medical Center in Manhattan. She was 92, said her daughter, Carola Boxer Vecchio.
Ms. Hahn was known for her writings about her adventurous life in the Far East before World War II and for her books on such diverse subjects as Africa, D. H. Lawrence and apes. (Ms. Hahn kept gibbons.) She also worked as a Hollywood screenwriter during the 1920's.
Over the course of her career, Ms. Hahn wrote about Chinese cooking, about feminism (''Once Upon a Pedestal: An Informal History of Women's Lib,'' 1974) and about diamonds (''Diamond: The Spectacular Story of Earth's Rarest Treasure and Man's Greatest Greed,'' 1956). Another work was ''The Islands: America's Imperial Adventures in the Philippines'' (1981). In her later years, Ms. Hahn wrote several books about animals, including ''Eve and the Apes'' (1988), about women who owned apes. In ''Look Who's Talking'' (1988), she examined communication between beasts, and between beasts and humans.
Emily Hahn was born in St. Louis, where her father, Isaac Newton Hahn, was a salesman. At a time when few middle-class women had careers, she was determined to be a mining engineer. But her adviser at the University of Wisconsin told her, she once said, that the female mind was ''incapable of grasping mechanics or higher mathematics.'' That remark only hardened her resolve, and she stayed on, graduating in 1926. She is believed to be the first woman to earn a degree in mining engineering at the university. She worked for a year for the Deko Oil Company of St. Louis but grew bored with the work.
Her career as an author began in 1924, when she took a trip across the country in a Model T Ford, and her letters home so captivated her brother-in-law that he sent them to The New Yorker, which bought some of them. In 1930, her first book, ''Seductio ad Absurdum: The Principles and Practices of Seduction -- A Beginner's Handbook,'' was published.
Inspired by Charles A. Lindbergh's solo flight across the Atlantic, Ms. Hahn decided she wanted to be ''free,'' she said, and in 1930 she embarked on a journey to Africa, where she worked in a hospital and lived with a tribe of Pygmies.
In 1935, The New Yorker hired her to be its China correspondent. China was the place, Ms. Hahn once said, that had the greatest impact on her life. She arrived during the period of the Communist revolution and the war against the Japanese, and made the acquaintance of Mao Zedong and Chou En-lai. She also became a confidante of the Soong sisters, one of whom married Sun Yat-sen, another Chiang Kai-shek, and in 1941 published ''The Soong Sisters,'' a biography.
While in China, Ms. Hahn had an affair with Sinmay Zau, an aristocratic intellectual whom she described as her ''cultural and political guide to China.'' She also spent time in opium dens, eventually becoming addicted to the drug, she said.
''I was young and I thought it was romantic to smoke opium,'' she told The Washington Post. ''I was quite determined. It took me a year or so to become addicted, but I kept at it.'' Later, she said, ''I went to a man who hypnotized me and sure enough, I didn't want it any more.''
In Hong Kong, Ms. Hahn met Maj. Charles Boxer, a British intelligence officer in the Far East. He was already married, but they began an affair. In 1940 she became pregnant. At a time when such pregnancies were often kept secret, she chose not only to keep her baby daughter, Carola, but to proclaim her birth proudly.
Soon after their daughter's birth, Major Boxer was captured by the Japanese and put in a prison camp. For some months, Ms. Hahn brought food to him there, avoiding repatriation by claiming to be Eurasian. But fearing for the safety of her daughter, she fled Hong Kong in 1943. Major Boxer survived his captivity. Ms. Hahn married him in 1945, and they had a second child, Amanda. Ms. Hahn described her wartime romance in her 1944 book, ''China to Me: A Partial Autobiography.''
At The New Yorker, Ms. Hahn became one of the few writers to work for all four of its editors, Harold Ross, William Shawn, Robert Gottlieb and Tina Brown. She and her husband often lived an ocean apart, with Ms. Hahn, because of British tax laws, spending no more than 91 days a year in England while Major Boxer remained at their home in Little Gaddesden, Hertfordshire.
Ms. Hahn continued writing until the end of her life, including an article about Amanda's dog published this month in a British magazine. In December, Ms. Hahn had her first poem published in The New Yorker, ''Wind Blowing.''
Ms. Hahn is survived by her husband; her daughters, Carola, of Jackson Heights, Queens, and Amanda, of London; two grandchildren, and two great-grandchildren.
''My younger daughter once rebuked me for not being the kind of mother one reads about,'' Ms. Hahn once told an interviewer. ''I asked her what kind that was, and she said, the kind who sits home and bakes cakes. I told her to go and find anybody who sits at home and bakes cakes.''

A version of this article appears in print on Feb. 19, 1997, Section B, Page 7 of the National edition with the headline: Emily Hahn, Chronicler of Her Own Exploits, Dies at 92.