Eis os registros sobre Sun Tzu em meu blog Diplomatizzando; ao final transcrevo meu texto:
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
quarta-feira, 26 de maio de 2021
Sun Tzu para diplomatas - Paulo Roberto de Almeida
terça-feira, 25 de maio de 2021
140 Anos de Lima Barreto - Lilia Moritz Schwartz (Companhia das Letras)
Preciso incluir um dos livros de Lima Barreto em minha série de "clássicos revisitados", ou Policarpo Quaresma, ou o Homem que Sabia Javanês, que tem a ver bem mais com a diplomacia...
Paulo Roberto de Almeida
Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1881, filho do tipógrafo João Henriques e da professora Amália Augusta, ambos negros. Seu padrinho era o Visconde de Ouro Preto, senador do Império. A mãe, escrava liberta, morreu precocemente, quando o filho tinha seis anos. A abolição da escravatura ocorreu em 1888, no dia de seu aniversário de sete anos, mas as marcas desse período, o preconceito racial e a difícil inserção das pessoas negras na sociedade brasileira nunca deixaram de ocupar o centro de sua obra literária. Em 1900, o escritor deu início aos registros do “Diário íntimo”, com impressões sobre a cidade e a vida urbana do Rio de Janeiro. Lima Barreto começa sua colaboração mais regular na imprensa em 1905, quando escreve reportagens, publicadas no Correio da Manhã, sobre a demolição do Morro do Castelo, no centro do Rio, consideradas um dos marcos inaugurais do jornalismo literário brasileiro. Na mesma época, começa a escrever a primeira versão de “Clara dos Anjos”, livro que seria publicado apenas postumamente, e elabora os prefácios de dois romances: “Recordações do escrivão Isaías Caminha” e “Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá”, livros que terminaria de redigir quase que simultaneamente, ainda que este último tenha sido publicado apenas em 1919. “Recordações do escrivão Isaías Caminha” sai em folhetim na revista Floreal, em 1907, e em livro em 1909. No romance, o jornal Correio da Manhã e seu diretor de redação são retratados de maneira impiedosa, e Lima Barreto tem então seu nome proscrito na grande imprensa carioca. O escritor passa a trabalhar e publicar crônicas, contos e peças satíricas em veículos como o Diabo, Revista da Época, Fon-Fon, Careta, Brás Cubas, O Malho e Correio da Noite. Colaborou também com o ABC, periódico de orientação marxista e revolucionária. Em 1911, escreve e publica Triste fim de Policarpo Quaresma em folhetim do Jornal do Comércio. Publicou ainda Numa e a ninfa (1915), Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá(1919), Histórias e sonhos (1920). Postumamente saem Os Bruzundangas e as crônicas de Bagatelas e Feiras e mafuás. Morreu no Rio de Janeiro, no dia 1 de novembro de 1922, aos 41 anos. |
Conheça a biografia escrita pela historiadora e antropóloga Lilia M. Schwarcz: |
O País do deboche - Ana Carla Abrão (OESP)
O País do deboche
ANA CARLA ABRÃO
O Estado de S. Paulo, 25/05/2021
O Brasil se aproxima da triste marca de meio milhão de mortos por covid-19. Meio milhão! Milhares dessas mortes teriam sido evitadas se a ciência tivesse sido colocada à frente do negacionismo e de teorias persecutórias doentias. Mas não foi e ainda não é assim. É a ignorância de alguns que ainda nos guia por esses dias cada vez mais sombrios.
Nessa mesma triste esteira, mais de 14 milhões de brasileiros desempregados e 14,5 milhões em pobreza extrema engrossam os números de uma tragédia que levará décadas para ser revertida. Poderia ser pior não fossem os programas de apoio à manutenção do emprego e ainda mais profundos seus efeitos não fosse o auxílio emergencial. Muito mais eficaz e certamente bem mais barato teria sido priorizar a vacinação em massa. Mas as mesmas amadoras e doentias ideias que nos levaram a tantas mortes também nos condenaram a uma lenta e sofrida recuperação econômica, compondo o saldo final do negacionismo: mortes, desemprego e fome.
Mas a nossa tragédia vai muito além dos números. Ela também se traduz na corrosão dos nossos valores como sociedade. E essa sim deverá ser a pior das heranças que esse triste momento nos legará. Ao apostar no grotesco, no obscuro, no deseducado, na omissão e na mentira, estamos comprometendo nossa capacidade de avanço, de recuperação e de reversão. Não há sociedade que avance na ignorância. Não há desenvolvimento econômico ou justiça social que resistam aos erros repetidos, ao ódio, ao preconceito e à intolerância.
Os exemplos dos nossos desvios de curso são muitos. O mais recente deles, o loteamento do orçamento público, equivale a abrir mão da competência de governar. Delega-se e distribui-se essa função como se delegável fosse. Abandonam-se os conceitos de planejamento e gestão. A distribuição sorrateira, dissimulada e opaca dos recursos é feita por mecanismos amplamente conhecidos, sempre marcados por desvios, baixo retorno e desperdícios.
Anestesiados, vemos validadas e repetidas as práticas que têm como motivação um pouco de quase tudo, menos o interesse público. O furo no teto de gastos é outro exemplo. Sob o nobre pretexto de enfrentamento da pandemia e o falso argumento da proteção social, protegem-se os privilégios dos mais ricos em detrimento dos pobres de sempre. Como resultado, amplia-se a desigualdade social e o País como um todo empobrece.
Na educação, o desastre se aprofunda. Prioriza-se a discussão sobre homeschooling para atender aos interesses de uma das bases eleitorais do presidente da República, enquanto uma geração inteira de crianças e jovens brasileiros tem perdas irreversíveis de aprendizagem. O governo federal não orienta, não apoia e nem mitiga os impactos que irão comprometer a empregabilidade e a produtividade futura de tantos.
Enquanto isso, ganha corpo um discurso delirante que ignora o conceito de Federação e acredita que repassar recursos exime o governo das tantas outras funções de gestão numa crise dessa magnitude. Na educação, assim como na pandemia, a desculpa padrão da transferência de responsabilidades a governadores e prefeitos e o confronto aberto nada mais são do que o enfraquecimento do pacto federativo e, portanto, do Brasil. Mas são os exemplos de corrosão de valores os que mais pesam. E o desfile de mentiras e de provas de omissão em que se transformou a CPI da Covid talvez seja uma das grandes representações dessa degradação. O País assiste, paralisado, ex-ministros e ex-assessores do governo, cuja função deveria ser a de atuar em prol da população, abusando de uma falsa retórica e desconstruindo os valores que deveriam nortear a vida pública: a ética, a moral, o respeito, a honestidade e a responsabilidade com o coletivo. A covardia, que deveria passar ao largo dos homens e mulheres públicos, escancara-se ora travestida de falsa humildade, ora de arrogância, lá ou nas manifestações públicas cheias de deboche.
Pioramos muito. Perdemos muito. Falhamos vergonhosamente. Meio milhão de mortos é parte irrecuperável dos custos de escolhas erradas. A degradação das nossas instituições é outra parte. Mas estas, ao contrário das vidas perdidas, podem se recuperar desde que emerjam uma nova liderança política e uma agenda de País que resgate os valores que hoje se perdem em meio a tanta ignorância e a tanto deboche.
ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA
Revisitando a negociação nuclear Brasil-Turquia com o Irã - Rubens Barbosa (OESP)
REVISITANDO A NEGOCIAÇÃO BRASIL-TURQUIA COM O IRÃ.
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 25/05/2021
Espera-se para esta semana, a conclusão dos entendimentos entre os Estados Unidos e o Irã a fim de definir as condições para a volta do governo Biden ao acordo nuclear, abandonado por Trump e, por isso, desconsiderado por Teerã.
Por seu interesse e oportunidade, transcrevo a descrição que o ex-embaixador da França nos EUA, Gerard Araud, fez dos entendimentos sobre esse importante acordo. No livro Passeport Diplomatique (Grasset,2019), Araud, na época diretor político do Quai D’Orsay e negociador francês nas tratativas com o Irã, comenta as negociações encetadas pelo Brasil e Turquia com o Irã, segundo a visão dos países que negociaram com o governo iraniano.
A iniciativa brasileira e turca de levar adiante a negociação, na interpretação de Lula e de seu ministro do exterior, resultou de pedido formulado por carta do presidente Obama, na qual ressaltava que os EUA apoiavam a proposta do ex-diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica no sentido de que o Irã transferisse 1.200 quilos de seu urânio de baixo enriquecimento para fora do país (Turquia). O presidente dos EUA lembra que havia pedido cautela a Lula nas negociações com o Irã, por não acreditar na boa fé do governo de Teerã, e instara o Brasil a insistir junto ao Irã a aceitar o oferecimento do governo de Washington de o país manter seu urânio na Turquia como caução, enquanto o combustível nuclear estava sendo produzido. Esse foi o encorajamento contido na carta de Obama. O acordo negociado pelo Brasil e Turquia com o Irã previa o envio por parte do Irã à Turquia de 1.200 quilos de seu urânio levemente enriquecido (a 3,5%) para uma troca, em um prazo máximo de um ano, por 120 quilos de combustível altamente enriquecido (20%), necessário para o reator experimental de Teerã. O acordo, que reconhecia ainda o direito do Irã de utilizar para fins pacíficos a tecnologia nuclear e o enriquecimento de urânio, segundo Celso Amorim, foi rejeitado pela secretaria de Estado Hillary Clinton, menos de 24 horas depois da sua assinatura.
Segundo Araud, no meio de uma difícil negociação que se estendia por mais de seis anos, “o Brasil e a Turquia, sem conhecer todos os detalhes desses entendimentos, decidiram interferir no processo, com base em uma interpretação da carta de Obama que reafirmava o objetivo que o grupo 5+1 (EUA, França, Reino Unido, Rússia e China) estava perseguindo (transferência do uranio para fora do país), sem entrar nos detalhes, como era de se esperar nesse tipo de correspondência”. “Os negociadores brasileiros e turcos, que desconheciam o histórico das longas negociações com o Irã, decidiram começar uma negociação paralela com base na carta de Obama a Lula e assinaram com os iranianos – que sabiam precisamente o que estava por detrás das palavras – um texto desequilibrado, que todos, inclusive a Rússia e a China, tiveram de rejeitar”. “No primeiro parágrafo do acordo, ficava reconhecido o direito do Irã de enriquecimento do urânio, que não estava em negociação com os EUA. Isso representava, de um lado, o descumprimento de cinco resoluções do Conselho de Segurança da ONU que solicitavam que o Irã suspendesse as atividades nessa área, e de outro, uma relevante inovação em termos de não proliferação, pois nunca o enriquecimento do urânio para programa nuclear foi considerado um direito, contrariamente ao direito no tocante ao uso pacífico da energia nuclear”. “O Brasil e a Turquia caíram em uma armadilha”. A bem da verdade, comenta Araud, “a carta de Obama era ao mesmo tempomuito pouco precisa e contribuiu para deixá-los perdidos em um labirinto, no qual os próprios negociadores do grupo estavam sem saída há seis anos”. “Brasil e Turquia se abstiveram na votação da Resolução do conselho de segurança que impôs sanções contra o Irã”. Araud conclui que, “além de desequilibrado, o acordo incorporou reivindicações do Irã que não haviam sido aceitas pelo grupo 5+1, como o direito ao enriquecimento do urânio para o programa nuclear, o que contrariava cinco resoluções da ONU, prevendo apenas sua utilização para fins pacíficos”.
Os comentários do ex-embaixador francês em Washington qualificam as reiteradas manifestações de Lula e de Amorim de que o Brasil se engajou na negociação com o Irã em decorrência de um pedido formal de Obama. Uma leitura atenta da carta do presidente dos EUA mostra que o governo americano apenas instou o Brasil e a Turquia a convencer Teerã a transferir o urânio de baixo teor para fora do país, nos termos da proposta a AEIA.
Depois desse episódio que envolveu o Brasil diretamente, as negociações prosseguiram por quase uma década e foram concluídas em 2019. O Irã assumiu a obrigação de suspender por 15 anos seu programa nuclear com a redução do total de centrífugas e de seu estoque de urânio. Com a saída dos EUA, Washington voltou a impor sanções políticas e econômicas. A plena reativação do acordo sobre o programa nuclear de Teerã passa pelo cumprimento pelo Irã das restrições ao processamento do urânio e pela suspensão das sanções americanas.
Rubens Barbosa, presidente do IRICE e membro da Academia Paulista de Letras.
Bolsonaro, porcos e sardinhas - Bruno Carazza (Valor)
segunda-feira, 24 de maio de 2021
Bolsonaro, porcos e sardinhas
Bruno Carazza
- Valor Econômico
Orçamento secreto inova para continuar tudo igual
Rogério Marinho, atual ministro do Desenvolvimento Regional, faz parte de uma linhagem da qual pertenceram Fernando Bezerra, Ramez Tebet, Ney Suassuna, Ciro Gomes, Geddel Vieira Lima, Mário Negromonte, Gilberto Kassab, Fernando Coelho e Helder Barbalho, entre outros. Em comum, são políticos com forte base local e que tiveram sob suas mãos a distribuição de verbas para a realização de obras Brasil afora. Trata-se da árvore genealógica do novo escândalo que ronda o governo Bolsonaro: o orçamento secreto - ou “tratoraço”, como preferem alguns.
Em qualquer lugar do mundo, político adora uma obra pública. Seja no lançamento da pedra fundamental ou no descerramento da placa de inauguração, não podem faltar o discurso das autoridades, a banda de música, a entrevista para a rádio local, as fotos para as redes sociais e aquele “banho de povo” que pode render muitos votos nas próximas eleições.
Enquanto educação, saúde e segurança são políticas públicas difíceis de serem atribuídas a um político em particular - pois resultam da cooperação entre União, Estados e municípios e apresentam resultados apenas no médio e longo prazos -, obras são entregas concretas que levam a marca de quem conseguiu os recursos em Brasília e viabilizou a construção da ponte ou do açude, o asfaltamento da estrada ou o embelezamento da praça da Matriz.
Houve uma época, nos Estados Unidos, em que ter uma despensa cheia de carne de porco era sinal de fartura e boa situação financeira. Daí vem a expressão “pork barrel”, usada na ciência política para designar a prática em que políticos tentam garantir recursos para agradar suas bases eleitorais. Assim, na discussão do Orçamento cada parlamentar tenta “puxar a brasa para a sua sardinha” - outra expressão alimentícia que talvez faça mais sentido em português do que o “pork barrel” dos americanos.
No Brasil, graças ao desenho da Constituição de 1988, esse jogo se dá em três etapas: 1) o Poder Executivo elabora a proposta de orçamento anual; 2) o Congresso Nacional a analisa, podendo modificá-la por meio de emendas e 3) a bola retorna ao Executivo, que executa o que foi aprovado, de acordo com a disponibilidade de dinheiro.
Dadas as características de nosso processo orçamentário, a pesquisa sobre o presidencialismo de coalizão brasileiro sempre atribuiu papel central a essa dimensão. Como é o presidente da República quem, em última instância, tem a chave do cofre, decidindo como vai aplicar os escassos recursos arrecadados, isso vira uma moeda de troca valiosa nas negociações com deputados e senadores. Atire a primeira pedra o presidente que nunca liberou dinheiro para a execução de emendas parlamentares nas vésperas de votações importantes no Congresso.
A prática do “é dando que se recebe” tem origem em tempos imemoriais - e vale aqui a indicação do clássico “Coronelismo, Enxada e Voto”, de Victor Nunes Leal (1948). A ditadura militar ressuscitou o Ministério do Interior, ao qual ficavam vinculadas todas as autarquias e estatais criadas para atuar em âmbito local, como a superintendências de desenvolvimento (Sudene, Sudam, Sudeco), o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), os bancos da Amazônia (Basa) e do Nordeste (BNB) e o Banco Nacional da Habitação (BNH), entre outros.
Já na Nova República, o balcão foi rebatizado como Ministério da Integração Regional por Itamar Franco, que o entregou ao então senador maranhense Alexandre Costa, do antigo PFL (atual DEM). Nos governos seguintes, os nomes mudaram - Integração Nacional, Desenvolvimento Regional - e houve desmembramento e depois reincorporação no Ministério das Cidades. Mas a lógica permaneceu a mesma: o governo concede a pasta a algum partido ou cacique regional, que decide onde alocar o orçamento para obras de infraestrutura, geralmente com fins eleitoreiros ou de barganha legislativa. E dá resultado.
O cientista político Fernando Meireles defendeu em 2019 uma tese de doutorado intitulada “A Política Distributiva da Coalizão”, da qual recebeu, com justiça, menção honrosa no Prêmio Capes. Utilizando técnicas econométricas modernas, Meireles demonstra relações de causalidade que comprovam que: 1) prefeitos de mesmo partido dos ministros recebem mais dinheiro público, especialmente em anos de eleição; 2) ministros tendem a favorecer municípios de seus Estados; e, fechando o ciclo, 3) localidades contempladas pelas políticas distributivas tendem a entregar mais votos para seu partido nas eleições seguintes para a Câmara dos Deputados.
Como Meireles alerta em sua tese, ao distribuir recursos orçamentários de forma estratégica, buscando conquistar votos ou apoio no Congresso, o governo acaba criando distorções. Sem dados ou evidências, aplica o dinheiro público nos lugares que dão maior retorno político aos políticos que patrocinam as emendas, e não onde é realmente necessário. E abrem as portas para a corrupção - tema que não é objeto da pesquisa do pesquisador.
Nos tempos de vacas gordas, quando o país crescia após o Real ou pelo “boom” das commodities, FHC e Lula construíram um arranjo político e econômico que gerava um superávit primário de 3% do PIB ao ano e ainda sobrava recursos para os partidos de sua base aplicarem nos seus redutos eleitorais. Com a crise a partir de 2015, a fonte secou e os parlamentares trataram de garantir sardinha para a sua brasa colocando na Constituição a execução obrigatória de parte de suas emendas individuais ou coletivas.
Com Bolsonaro, inaugura-se uma nova etapa do “pork barrel” brasileiro. Da boca pra fora, o presidente se gaba de não ter incluído seus ministérios no toma-lá-dá-cá com o Centrão. Entre quatro paredes, porém, Rogério Marinho e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil) criaram o orçamento secreto das emendas de relator (RP9), distribuindo bilhões a quem se dispõe a apoiá-lo, sem transparência ou controle, facilitando a corrupção.
Tudo muda, para continuar igual.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
Bolsonaro e o Orçamento rabilongo - Marcus André Melo (FSP)
segunda-feira, 24 de maio de 2021
Marcus André Melo* - Bolsonaro e o Orçamento rabilongo
- Folha de S. Paulo
O 'Orçamento secreto' é mecanismo opaco para premiar o apoio legislativo para além dos controles institucionais
Rui Barbosa foi a um só tempo espirituoso e preciso quando chamou o Orçamento federal de rabilongo: as leis orçamentárias continham adendos sem relação com o Orçamento. O rabo era longo —as chamadas “caudas” e a Constituição de 1891 só previam o veto total que funcionava como uma camisa de força, pois o presidente era forçado a acolher os adendos à sua própria proposta orçamentária. Era pegar ou largar.
Era comum a inclusão na “cauda” de dispositivos prevendo novas despesas (sem previsão de receita) pela criação de órgãos ou cargos, e matérias alheias ao assunto, incorporadas na 25ª hora diretamente no plenário do Congresso.
Paradoxalmente o Orçamento rabilongo não expressava o poder do Executivo, mas sua impotência. O veto parcial introduzido na reforma constitucional de 1926 foi acompanhado de dispositivos para fortalecer o poder presidencial (na área da intervenção federal nos estados etc).
Com o veto parcial, a assimetria funciona a favor do Executivo, e é reforçada pela prerrogativa de contingenciamento do Orçamento (que é apenas autorizativo). O Executivo detém o poder negativo de não gastar o aprovado, o que possibilita a barganha em torno de emendas individuais. Uma emenda expressa “preferência revelada” do deputado, informação estratégica para o Executivo.
O poder de contingenciar permaneceu integralmente com o presidente até a aprovação das EC 86/2015 e 100/2019, pelas quais as emendas individuais e coletivas passaram a ser impositivas.
O Orçamento impositivo reduz a assimetria pró-Executivo, mas exacerba problemas de racionalidade fiscal e administrativa. Onde o Legislativo detém poder sobre o Orçamento, os partidos políticos facilitam o alinhamento entre interesses individuais dos parlamentares (local/setorial) e do presidente (nacional), mitigando a chamada tragédia dos comuns. Ao contrário do parlamentares individuais, partidos fortes e disciplinados têm horizonte político longo e escopo nacional.
Sob o parlamentarismo, na OCDE, o poder Executivo é exercido pelo gabinete que não é outra coisa senão uma supercomissão partidária com funções executivas. Nos EUA, a assimetria pró-Legislativo é expressa no Orçamento mandatório (reafirmado pelo Impoundment Act de 1974 após escândalo de contingenciamento no governo Nixon).
O “Orçamento secreto” de Bolsonaro não é rabilongo: ao contrário, é mecanismo opaco para premiar o apoio legislativo para além de controles institucionais. Nesse sentido, não tem a ver com a dinâmica do Orçamento crescentemente impositivo. Ele reduz a assimetria pró-executivo, mas representa forma predatória em contexto de hiperfragmentação partidária.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
A volta da carestia - Felipe Salto (OESP)
A volta da carestia
Felipe Salto
O Estado de S.Paulo, 25 de maio de 2021
“O Estado não pode assistir a isso calado. A população pobre é a que sofre mais”
A inflação de alimentos, o aumento do número de pessoas sem emprego ou fora da força de trabalho e a evolução da renda preocupam. A população pobre sofre mais. O Estado tem o dever de dirimir essas mazelas por meio de políticas adequadas. Não pode assistir calado à volta da carestia.
A inflação foi impulsionada pela alta do dólar, que afetou os preços dos insumos e dos bens finais importados. O repasse para a inflação geral acabou ocorrendo à medida que essa pressão da taxa de câmbio resistia. Em paralelo, a alta das commodities tem afetado os preços internos. A Instituição Fiscal Independente (IFI) aponta que o IPCA totalizará alta de 7,4% no acumulado em 12 meses até junho.
O IPCA indicou inflação de 6,8% no acumulado em 12 meses até abril. Cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) mostram que o fardo é maior sobre as classes mais baixas. Na classificação do instituto, as pessoas com renda muito baixa enfrentaram alta de preços de 7,7% até abril, enquanto as de renda alta perceberam 5,2% de inflação.
A abertura do IPCA, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que os preços do grupo alimentação no domicílio cresceram 16%. Os preços de dois itens básicos, arroz e feijão, subiram 57% e 51%, respectivamente. O grupo das carnes no IPCA aumentou 35%. O patinho ficou 37% mais caro, o preço do músculo bovino aumentou 41% e os do acém e do peito cresceram 38% e 46%. Mesmo o frango em pedaços teve alta de 14%.
A renda média do brasileiro subiu apenas 1,3% acima da inflação entre o trimestre encerrado em fevereiro de 2020 e o encerrado em fevereiro de 2021. A renda dos trabalhadores do setor privado com carteira assinada caiu quase 1% em termos reais. O trabalhador doméstico amarga uma queda de 4,5% nos seus rendimentos. Já a remuneração do trabalhador formal por conta própria caiu 4,6%.
O número total de brasileiros e brasileiras ocupados passou de 93,7 milhões para 85,9 milhões. O total de pessoas desocupadas ou fora da força de trabalho saltou de 78,3 milhões para 90,9 milhões. No mercado informal, quase 2 milhões de trabalhadores sem carteira perderam seu trabalho. Já entre os informais que trabalham por conta própria, 1,3 milhão perdeu o ganha-pão.
Então, quem está empregado vê sua renda corroída pela inflação de alimentos. Por sua vez, os que perderam emprego dependem dos programas sociais e do auxílio emergencial. A esse respeito, é preciso ter claro que o programa em vigência é insuficiente. E não é por falta de orçamento, mas pela escolha equivocada de prioridades e pela insensibilidade social de um governo fraco. Governar é escolher.
No ano passado, a primeira versão do auxílio emergencial pagou, durante cinco meses, um benefício em torno de R$ 697 para mais de 66 milhões de pessoas. Agora são R$ 230 reais para 39 milhões de pessoas. Serão quatro parcelas mensais, insuficientes para garantir a subsistência de milhões de brasileiros.
Para ter claro, se o beneficiário utilizasse os R$ 230 mensais apenas para comprar arroz, feijão e carne, ele conseguiria sustentar sua família por quatro dias. A conta considera um consumo de 200 gramas de cada item, no almoço e no jantar, tomando como base uma família de quatro pessoas.
Um cálculo alternativo: o valor médio da cesta básica está em torno de R$ 550, ou seja, o auxílio deste ano representa pouco mais de 40% da cesta, o equivalente a 12 dias de alimentação em um mês. E os outros 18 dias?
Muitas famílias só estão sobrevivendo graças à boa vontade de ONGs, associações e pessoas que se mobilizaram para arrecadar alimentos e distribuí-los em comunidades pobres. Se o Estado não é capaz de cuidar disso, está falhando no essencial.
Antes da crise da covid-19, o País já estava em situação de elevada desigualdade e pobreza. Mas em fevereiro deste ano, segundo levantamento recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 27 milhões de pessoas viviam em situação de pobreza. O número é quase três vezes superior ao observado em agosto de 2020, quando o auxílio emergencial (em valor mais alto) cumpriu o seu papel. As mudanças no benefício têm efeitos drásticos sobre as famílias pobres.
Estudo elaborado pelos pesquisadores do Ipea Rodrigo Orair, Letícia Bartholo, Luiz Paiva e Pedro Souza mostra que é possível cuidar mais adequadamente da questão social. Eles também apresentam alternativas para financiar os gastos adicionais necessários. Não é por falta de diagnóstico e de proposta que o governo está paralisado. É por inépcia.
É preciso, nesta quadra de trevas da vida nacional, lembrar dom Hélder Câmara: é inaceitável assimilar a pobreza como uma condição imutável. A culpa é nossa, de todos, mas, sobretudo, de quem tem poder para formular e executar políticas públicas. Temos de nos organizar para mudar essa situação. A volta da carestia e o aprofundamento das desigualdades são consequências da crise. Aceitá-las é apenas uma entre muitas escolhas possíveis.
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Primeiro Diretor-Executivo da IFI. As opiniões são pessoais e não vinculam a instituição.
Sun Tzu e Tucídides: da arte da guerra aos erros da diplomacia - Paulo Roberto de Almeida
Um possível ensaio reflexivo sobre uma das grandes paranoias contemporâneas, não muito diferente, talvez, da ridícula teoria conspiratória sobre a dominação do mundo e a subtração das soberanias nacionais pelo monstro metafísico do globalismo. A primeira lição da História, inventada pelos gregos, é que os homens não aprendem nada com as lições da História...
Sun Tzu e Tucídides: da arte da guerra aos erros da diplomacia
Paulo Roberto de Almeida
Uma releitura da obra do mestre chinês em estratégia, que é bem mais uma profunda reflexão sobre as virtudes da diplomacia como meio de evitar um tipo de guerra que foi apenas relatado, com os dotes de verdadeiro estadista pelo genial historiador grego da Antiguidade, não teorizado, e transformado em suposta “armadilha”, por cientistas políticos contaminados pela arrogância míope de um império pretensamente hegemônico.
Analogias históricas são atraentes, mas geralmente, ou inevitavelmente, falsas. A História não se repete, nem como tragédia, nem como farsa.
Sun Tzu ainda tem muito a ensinar aos contemporâneos, sobretudo aos que equivocadamente imaginam que o mundo gira em torno de seus interesses nacionais. Esse novo tipo de “geocentrismo” está destinado a falhar, como falharam os infelizes equívocos diplomáticos dos atenienses, no trato com seus aliados, tomados que foram pela conhecida “hubris” sobre a qual alertavam os mesmos gregos da Antiguidade.
A História pode fornecer lições, mas uma das principais é a de que os homens enfrentam algumas dificuldades para aprender com as lições da História.
Será que a diplomacia não fez grandes progressos desde a guerra de Troia? As paixões e os interesses continuam a prevalecer sobre a modesta racionalidade da ciência histórica, criada pelos mesmos gregos, da poesia de Homero às cruéis realidades descritas por Heródoto e, finalmente, refletidas de forma ponderada por Tucídides?
Cabe, portanto, destacar, as virtudes do mestre chinês da Grande Estratégia diplomática, em face das deformações militaristas de aprendizes de pequenas estratégias equivocadas, e portanto condenadas ao fracasso. Os paranoicos da “armadilha” inventada fariam bem em aprender com Sun Tzu, em primeiro lugar sua lição principal: a grande sabedoria está em ganhar a “guerra” sem precisar combater.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25/05/2021