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segunda-feira, 18 de março de 2024

A boquinha e a fome: as estatais e seus conselhos - Bruno Carazza (Valor)

A boquinha e a fome: as estatais e seus conselhos 

Bruno Carazza*

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Valor Econômico, segunda-feira, 18 de março de 2024

Conselhos de administração de empresas atendem a diversos interesses no governo

A semana passada foi repleta de episódios envolvendo a governança corporativa de estatais e de empresas privadas nas quais a União ainda detém algum tipo de ingerência, mesmo que indiretamente.

O retorno de Lula ao poder representou a retomada da visão de que as estatais têm um papel estratégico na promoção do desenvolvimento nacional. Nesse sentido, a nova administração da Petrobras tem sinalizado com a ampliação de seu plano de investimentos e novas diretrizes a respeito de refino, distribuição de combustíveis e transição energética. O episódio mais recente dessa história se deu na atual crise sobre os dividendos.

Se uma mudança de rumos em relação à administração anterior é válida e legítima, ela não deve ser feita à revelia dos demais sócios privados da empresa. Assim, todas as decisões da Petrobras que possam afetar a distribuição de dividendos aos acionistas precisam ser comunicadas com muita transparência, para se evitar as turbulências que vimos no preço das suas ações na última semana.

Em resposta à crise do Petrolão, o governo aprovou a Lei nº 13.303/2016, para reforçar a estrutura corporativa das estatais e torná-las mais resistentes à interferência política. No entanto, num de seus últimos atos no Supremo Tribunal Federal, o atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, suspendeu muitas das suas determinações numa canetada. Quem semeia vento colhe tempestade, como estamos vendo agora.

Situações ainda mais graves, porém, são as insinuações de interferência política do processo sucessório na Vale, apresentadas na carta de renúncia do conselheiro independente José Luciano Penido, e as pressões de Lula para emplacar Guido Mantega primeiro na própria Vale e, mais recentemente, na Braskem.

Por se tratar de empresas privadas, nas quais a União não detém o controle direto, a intromissão do governo nas suas decisões extrapola os limites da opção estratégica desenvolvimentista.

Em 2011, o pesquisador Sérgio Lazzarini publicou um livro demonstrando, com fartura de dados, as relações umbilicais entre as grandes empresas brasileiras e o Estado. “Capitalismo de Laços” explicita como o BNDES e outros bancos oficiais, as maiores estatais e os fundos de pensão de seus empregados constituem uma teia de participações societárias cruzadas que se espalha pelo tecido dos maiores símbolos do setor privado nacional.

A se pautar pelas manchetes da última semana, o governo Lula está mais do que disposto a estender seus laços sobre o mercado brasileiro.

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Embora pouco se comente a respeito, a distribuição de vagas nos conselhos de estatais também está no centro da crise envolvendo a diretoria e o sindicato dos servidores do Banco Central e o governo Lula.

Os pagamentos feitos pelas estatais aos membros de seus conselhos (os famosos jetons) sempre foram uma forma de complemento salarial bastante generosa que atende a diversos fins: atração de profissionais do mercado para colaborarem por um tempo no governo, premiação à dedicação de alguns servidores públicos e remuneração extra para quadros partidários do governo de plantão.

Segundo dados do Portal da Transparência, durante o exercício financeiro de 2023, 76 empresas estatais distribuíram R$ 16.572.796,30 para 590 servidores públicos e ocupantes de cargos comissionados a título de jetons.

Para ficar apenas nas indicações técnicas, diversos integrantes da cúpula do Ministério da Fazenda fizeram jus ao recebimento de jetons de estatais no ano passado: o chefe de gabinete, Laio Morais (R$ 65.075,34), o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello (R$ 47.390,78), o secretário do Tesouro, Rogério Ceron (R$ 47.295,88), e o secretário-executivo adjunto, Rafael Dubeux (R$ 42.404,88).

Os pagamentos de jetons também agraciaram dezenas de servidores de carreiras dos ministérios da Fazenda e do Planejamento - alguns deles chegaram a engordar seus contracheques em até R$ 106.842,97 em 2023.

Não há nada de errado e muito menos de ilegal nesses pagamentos. O problema é que, no contexto de tratamentos diferenciados dispensados pelo governo federal na política salarial, essa questão dos jetons gera ainda mais distorções entre as carreiras.

No caso específico do Banco Central, em função da legislação sobre conflitos de interesses, diretores e servidores da instituição não podem integrar o conselho de instituições públicas ou privadas. A regra faz todo o sentido, pois decisões sobre crédito ou taxas de juros afetam as estratégias de empresas que atuam no mercado, e por isso não seria salutar que um integrante do Bacen fizesse parte de seu corpo de aconselhamento.

A norma, contudo, gera um efeito colateral. Os diretores e técnicos do Banco Central não deixam nada a desejar em preparo técnico a um alto dirigente do Ministério da Fazenda ou um servidor qualificado do Tesouro Nacional ou da Receita Federal. No entanto, por não poderem ser contemplados com os jetons das estatais, os integrantes do Bacen acabam se sentindo preteridos em relação a seus pares.

Na elite do funcionalismo, quanto mais o governo procura agraciar uma carreira com penduricalhos como honorários, bônus e jetons, mais desagrada às demais.

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 


terça-feira, 25 de maio de 2021

Bolsonaro, porcos e sardinhas - Bruno Carazza (Valor)

 segunda-feira, 24 de maio de 2021

Bolsonaro, porcos e sardinhas


Bruno Carazza

- Valor Econômico

Orçamento secreto inova para continuar tudo igual

Rogério Marinho, atual ministro do Desenvolvimento Regional, faz parte de uma linhagem da qual pertenceram Fernando Bezerra, Ramez Tebet, Ney Suassuna, Ciro Gomes, Geddel Vieira Lima, Mário Negromonte, Gilberto Kassab, Fernando Coelho e Helder Barbalho, entre outros. Em comum, são políticos com forte base local e que tiveram sob suas mãos a distribuição de verbas para a realização de obras Brasil afora. Trata-se da árvore genealógica do novo escândalo que ronda o governo Bolsonaro: o orçamento secreto - ou “tratoraço”, como preferem alguns.

Em qualquer lugar do mundo, político adora uma obra pública. Seja no lançamento da pedra fundamental ou no descerramento da placa de inauguração, não podem faltar o discurso das autoridades, a banda de música, a entrevista para a rádio local, as fotos para as redes sociais e aquele “banho de povo” que pode render muitos votos nas próximas eleições.

Enquanto educação, saúde e segurança são políticas públicas difíceis de serem atribuídas a um político em particular - pois resultam da cooperação entre União, Estados e municípios e apresentam resultados apenas no médio e longo prazos -, obras são entregas concretas que levam a marca de quem conseguiu os recursos em Brasília e viabilizou a construção da ponte ou do açude, o asfaltamento da estrada ou o embelezamento da praça da Matriz.

Houve uma época, nos Estados Unidos, em que ter uma despensa cheia de carne de porco era sinal de fartura e boa situação financeira. Daí vem a expressão “pork barrel”, usada na ciência política para designar a prática em que políticos tentam garantir recursos para agradar suas bases eleitorais. Assim, na discussão do Orçamento cada parlamentar tenta “puxar a brasa para a sua sardinha” - outra expressão alimentícia que talvez faça mais sentido em português do que o “pork barrel” dos americanos.

No Brasil, graças ao desenho da Constituição de 1988, esse jogo se dá em três etapas: 1) o Poder Executivo elabora a proposta de orçamento anual; 2) o Congresso Nacional a analisa, podendo modificá-la por meio de emendas e 3) a bola retorna ao Executivo, que executa o que foi aprovado, de acordo com a disponibilidade de dinheiro.

Dadas as características de nosso processo orçamentário, a pesquisa sobre o presidencialismo de coalizão brasileiro sempre atribuiu papel central a essa dimensão. Como é o presidente da República quem, em última instância, tem a chave do cofre, decidindo como vai aplicar os escassos recursos arrecadados, isso vira uma moeda de troca valiosa nas negociações com deputados e senadores. Atire a primeira pedra o presidente que nunca liberou dinheiro para a execução de emendas parlamentares nas vésperas de votações importantes no Congresso.

A prática do “é dando que se recebe” tem origem em tempos imemoriais - e vale aqui a indicação do clássico “Coronelismo, Enxada e Voto”, de Victor Nunes Leal (1948). A ditadura militar ressuscitou o Ministério do Interior, ao qual ficavam vinculadas todas as autarquias e estatais criadas para atuar em âmbito local, como a superintendências de desenvolvimento (Sudene, Sudam, Sudeco), o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), os bancos da Amazônia (Basa) e do Nordeste (BNB) e o Banco Nacional da Habitação (BNH), entre outros.

Já na Nova República, o balcão foi rebatizado como Ministério da Integração Regional por Itamar Franco, que o entregou ao então senador maranhense Alexandre Costa, do antigo PFL (atual DEM). Nos governos seguintes, os nomes mudaram - Integração Nacional, Desenvolvimento Regional - e houve desmembramento e depois reincorporação no Ministério das Cidades. Mas a lógica permaneceu a mesma: o governo concede a pasta a algum partido ou cacique regional, que decide onde alocar o orçamento para obras de infraestrutura, geralmente com fins eleitoreiros ou de barganha legislativa. E dá resultado.

O cientista político Fernando Meireles defendeu em 2019 uma tese de doutorado intitulada “A Política Distributiva da Coalizão”, da qual recebeu, com justiça, menção honrosa no Prêmio Capes. Utilizando técnicas econométricas modernas, Meireles demonstra relações de causalidade que comprovam que: 1) prefeitos de mesmo partido dos ministros recebem mais dinheiro público, especialmente em anos de eleição; 2) ministros tendem a favorecer municípios de seus Estados; e, fechando o ciclo, 3) localidades contempladas pelas políticas distributivas tendem a entregar mais votos para seu partido nas eleições seguintes para a Câmara dos Deputados.

Como Meireles alerta em sua tese, ao distribuir recursos orçamentários de forma estratégica, buscando conquistar votos ou apoio no Congresso, o governo acaba criando distorções. Sem dados ou evidências, aplica o dinheiro público nos lugares que dão maior retorno político aos políticos que patrocinam as emendas, e não onde é realmente necessário. E abrem as portas para a corrupção - tema que não é objeto da pesquisa do pesquisador.

Nos tempos de vacas gordas, quando o país crescia após o Real ou pelo “boom” das commodities, FHC e Lula construíram um arranjo político e econômico que gerava um superávit primário de 3% do PIB ao ano e ainda sobrava recursos para os partidos de sua base aplicarem nos seus redutos eleitorais. Com a crise a partir de 2015, a fonte secou e os parlamentares trataram de garantir sardinha para a sua brasa colocando na Constituição a execução obrigatória de parte de suas emendas individuais ou coletivas.

Com Bolsonaro, inaugura-se uma nova etapa do “pork barrel” brasileiro. Da boca pra fora, o presidente se gaba de não ter incluído seus ministérios no toma-lá-dá-cá com o Centrão. Entre quatro paredes, porém, Rogério Marinho e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil) criaram o orçamento secreto das emendas de relator (RP9), distribuindo bilhões a quem se dispõe a apoiá-lo, sem transparência ou controle, facilitando a corrupção.

Tudo muda, para continuar igual.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.