Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Neste primoroso ensaio biográfico, Synesio Sampaio Goes Filho apresenta ao leitor, de forma acessível e atraente, a trajetória de Alexandre de Gusmão e da mais importante negociação territorial da história do Brasil.
No século XVIII, a situação territorial do Brasil era complicada: minas de ouro foram descobertas no oeste; a Colônia do Sacramento havia sido fundada no rio da Prata, bem em frente a Buenos Aires; dezenas de missões de religiosos portugueses foram estabelecidas na Amazônia. Tudo, entretanto, além do limite traçado em Tordesilhas. A colônia ficara rica, mas não tinha fronteiras. As penetrações e ocupações dos bandeirantes em terras espanholas poderiam não dar em nada se não houvesse do lado de Portugal, no momento oportuno, como secretário particular de D. João V (na prática, quase um primeiro-ministro), uma vigorosa personalidade política, além de notável escritor. Com profundo conhecimento da geografia e da história de sua terra natal, Alexandre de Gusmão foi o principal elaborador e negociador do Tratado de Madri, de 1750, que deu ao Brasil dois terços de seu território. Foi igualmente o autor intelectual do Mapa das Cortes, sobre o qual ocorreram as tratativas finais e onde, pela primeira vez, o país se apresenta com a forma quase triangular, ampla, maciça, que nos é hoje familiar. O grande feito de Alexandre de Gusmão é ter conseguido legalizar o alargamento imenso do território do Brasil. Houve a preparação intelectual, tomaram-se as medidas práticas, a negociação se revelou difícil. Em todas as fases, é inegável o protagonismo do secretário do rei. Um acordo dessa dimensão é sem paralelo na história universal. Poucos fizeram tanto pela grandeza do Brasil.
Livro fundamental para compreender a evolução territorial do Brasil
Reviewed in Brazil on April 20, 2021
O livro é um delicioso ensaio sobre Alexandre de Gusmão e seu impacto na consolidação das fronteiras brasileiras. Ao analisar narrativas por vezes controversas, o autor é muito ponderado ao apontar aquelas que apresentam mais solidez factual e coerência narrativa. Em suma, um livro indispensável para quem se interessa pela evolução do país que ora conhecemos como Brasil, jogando luz sobre o papel primordial de um brasileiro de Santos que conseguiu proeminência na Corte portuguesa; conforme lembrado pelo autor, há três bustos na Sala de Tratados, no Itamaraty. Um deles, representando a Era colonial, é o de Gusmão.
Para entender como conquistamos o mapa do Brasil atual.
Reviewed in Brazil on November 2, 2021
Livro impressionante que revela a importância de um diplomata da corte portuguesa, que nasceu em São Vicente no Brasil. Alexandre de Gusmão, trabalhou intensamente como conselheiro do rei D João V, e foi o responsável pela negociação no Tratado de Madrid, onde se definiu o mapa atual do Brasil. A habilidade dele esta em trocar as grandes possessões de terras que os portugueses tinham colonizado no oeste brasileiro, como por exemplo Goiais e Cuiba, trocada pela província de Colonia de Sacramento que interessava aos Espanhois, principalmente por se tratar de um entreposto importante da entrada o Ria da Prata, e com isto eles conseguiam coibir o contrabando de prata que vinha dos países andinos. O mapa definitivo do Brasil, foi feito por este diplomata nesta reunião em Madrid em 1750.
Primeiro meus parabéns a Synesio por não ceder e manter o prefácio de Rubens Ricupero, e a demais o livro mostra como o Brasil tomou seus contornos mais próximos do que é hoje mostrando também como era o Brasil e Portugal na época de Gusmão.
Excelente. A figura de Alexandre de Gusmão é fundamental para compreendermos nosso território. O livro trás ainda, na argumentação, as figuras do bandeirante Raposo Tavares e do historiador Jaime Cortesão.
Muito interessante o relato da vida de Alexandre de Gusmão, desde a origem santista, a experiência diplomática na Inglaterra e França até sua consagração como secretário do rei D. João V. Dá uma ideia da importância de Portugal no século XVIII e a qualidade dos quadros do governo português.
Ao longo do tempo o termo república assumiu vários significados designando de maneira genérica uma forma de relacionamento entre governantes e governados ou servindo para designar certos Estados tais como Roma, depois da queda da monarquia, e Siena, dos fins da Idade Média. No Brasil, o entendimento mais corrente está muito próximo daquele utilizado por Maquiavel, que inicia O Príncipe afirmando que “todos os Estados ... foram e são, ou repúblicas ou principados”, ou seja, uma forma de governo como alternativa à monarquia. Assim, no dia 15 de novembro é celebrado o dia em que a forma republicana de governo foi adotada no Brasil em substituição à monarquia. Com o passar dos anos a data passou a ter um caráter comemorativo tornando-se um costume fazer dela uma ocasião para discursos e outras manifestações laudatórias das virtudes e das vantagens da forma republicana de governo. Este breve ensaio, no entanto, pensando no que poderia haver de relevante para a compreensão da política brasileira, propõe uma reflexão em outra direção.
A observação dos acontecimentos na esfera política leva a crer que o sentido mais precioso do termo República não é o de forma de governo que substitui a Monarquia, mas sim o de res publica, isto é o do entendimento das instituições do Estado como coisa pública. Com efeito, olhando-se o Brasil de hoje, conclui-se que o advento da república não significou, após cinco gerações, uma forma mais avançada ou mais eficaz de organizar as instituições políticas. Na verdade, o que se observa nas nações consideradas mais avançadas do mundo é que não há diferença entre regimes republicanos e monárquicos, ao menos no que se refere à idéia de democracia representativa e quanto à capacidade de o Estado cumprir seu papel, como eixo da ordem política e econômica voltado para a promoção da prosperidade. Nesse sentido, a presente análise sugere que seria mais apropriado, a cada dia 15 de novembro, simplesmente examinar a trajetória das instituições políticas do País e, de forma sensata e ponderada, procurar identificar aquilo que poderia ou deveria ser feito para defender e aperfeiçoar a democracia e as instituições que governam o País para que sejam, efetivamente, republicanas.
REPÚBLICA, DEMOCRACIA E PROSPERIDADE
Em primeiro lugar vale insistir no fato de que uma escolha entre a forma republicana ou monárquica de governo não corresponde, na realidade, a uma opção a respeito do que pode haver de mais essencial na relação entre governantes e governados: liberdade, respeito às leis e direito de escolha. Há muito tempo, a república deixou de ser uma alternativa à tirania de príncipes autocráticos. O sentido essencial da república como expressão da vontade dos governados pode estar perfeitamente presente tanto nas monarquias quanto nos regimes chamados de republicanos. Parafraseando Maquiavel, pode-se dizer que “as grandes e modernas democracias de hoje ou são repúblicas ou monarquias constitucionais ...”. Em outras palavras, não se pode dizer que o apreço pela democracia e o apego ao processo de legitimação do poder político pela vontade dos governados, esteja menos presente na Dinamarca, no Reino Unido ou nos Países Baixos, que permanecem monarquias, do que nos Estados Unidos ou na França, que adotaram a forma republicana de governo. Esse fato sugere também que um conceito como democracia, entendido como princípio orientador da organização do Estado, pode se projetar em instituições muito variadas, não sendo possível, por exemplo, dizer que um sistema bicameral seja superior ou mais eficaz do que um parlamento unicameral, ou que o presidencialismo americano seja melhor do que o parlamentarismo britânico. As instituições resultam de processos históricos vividos de maneira individual e particular pelas nações, refletindo a combinação de uma variada gama de aspectos peculiares aos países que, dessa forma, ao longo do tempo e à sua própria maneira, vão construindo individualmente as instituições políticas que melhor lhes convém.
Mesmo do ponto de vista econômico, onde os dados quantitativos são abundantes, chama a atenção o fato de que não é possível estabelecer correlação entre formas democráticas de governo e formas de interação, entre Estado e economia, capazes de tornar a nação mais próspera. Ao longo da história, nações prosperaram dentro de um ambiente democrático e republicano, mas também prosperaram sob regimes autoritários e, em tempos mais recentes, casos como o da China e de outros países da Ásia lembram uma espécie de versão contemporânea do conceito de “absolutismo esclarecido”, que tanto entusiasmou muitos filósofos nos primórdios do Estado moderno. São governos bastante fortes que, de maneira autoritária, estabelecem padrões e normas de comportamento para os atores econômicos, tornando-os competitivos e gerando riqueza e abundância para suas sociedades. Pode-se argumentar que, no longo prazo, regimes autoritários acabam por tornar-se incompatíveis com o dinamismo exigido pelos negócios e pela inovação tecnológica que sustentam o progresso econômico. Por ora, no entanto, não há dados para confirmar essa hipótese e o analista pode apenas procurar sinais de que regimes políticos autoritários tornam-se, gradativamente, menos centralizadores e menos propensos à interferência na economia, à medida que a sociedade prospera e que, inevitavelmente, vai se tornando mais integrada à ordem econômica internacional.
Por outro lado, nas grandes democracias ocidentais, a interferência na economia se faz menos por meio de medidas políticas de governantes, que estão sujeitos a leis, e mais por meio das ações do Estado como ator econômico capaz de influenciar e mesmo orientar o ambiente econômico. Todavia, nesse domínio, a participação do Estado na economia varia muito, havendo países, como os Estados Unidos, onde o Estado representa aproximadamente 1/3 do PIB e nações como a maioria dos países mais prósperos na Europa onde o Estado ultrapassa a metade do PIB, sem que se possa dizer que tenham deixado de proteger e valorizar a livre iniciativa e a liberdade econômica, de uma forma mais ampla e que as economias desses países tenham deixado de ser competitivas nos mercados internacionais. Do mesmo modo, não é possível identificar qualquer correlação entre os níveis de participação e interferência do Estado na economia, com a forma republicana ou monárquica de suas instituições políticas. No Japão, que é uma monarquia, o Estado representa uma parcela da economia semelhante à dos Estados Unidos, enquanto na França republicana o Estado é, proporcionalmente, tão grande quanto em outros países europeus, que são monarquias e igualmente prósperas. Nenhum analista e nenhum grande partido político na Europa ou nos Estados Unidos associa eventuais dificuldades econômicas, enfrentadas por qualquer uma dessas economias, às respectivas formas de governo, mas tão somente a ocasionais equívocos na política econômica ou simplesmente às variações cíclicas da economia.
O ADVENTO DA REPÚBLICA NO BRASIL
Possivelmente, esses fatos ajudam a explicar porque o advento da forma republicana de governo no Brasil não ocorreu dentro de um ambiente político de intensos debates sobre idéias e de disputas dramáticas de poder entre monarquistas e republicanos. A abolição da escravidão, a questão militar, a ascensão de uma classe média e outros eventos considerados pelos historiadores como importantes para o advento da república, eram questões que poderiam ter sido manejadas dentro do regime vigente, uma vez que não há como afirmar que tivessem por origem qualquer incompatibilidade substantiva com o regime e, além disso, nações como o Reino Unido, os Países Baixos ou a Noruega, ao longo do tempo, realizaram seguidas mudanças nas suas instituições políticas, adequando-as às seguidas transformações, por vezes dramáticas, vividas pelas respectivas sociedades no decurso do último século e meio. Em 1889, a monarquia brasileira já era um governo do tipo representativo perfeitamente compatível com os padrões vigentes no mundo, em matéria de instituições que procuravam acomodar as principais forças políticas da nação. Além disso, D. Pedro II estava longe de ser um governante autoritário e centralizador. Alguns historiadores mencionam as disputas entre a Coroa e a Igreja Católica como um desses eventos importantes que teriam desencadeado a queda da monarquia, por ter contribuído para solapar a base política do Imperador. Entre as novidades advindas com a proclamação da república, uma delas foi a separação entre o Estado e a Igreja, mas esse processo ocorreu, de uma maneira ou de outra, em todas as monarquias que se modernizaram. A questão federativa, que aparece em destaque no Manifesto Republicano de 1870, a abolição da escravidão, as dificuldades econômicas ou ainda as inquietações no exército, na realidade constituíam parte de um processo de transformação mais ampla e profunda da sociedade brasileira, diante de um mundo que também se transformava. Na realidade, em toda parte, as instituições políticas sofriam mudanças e se acomodavam às novas circunstâncias sem, contudo, associar esse processo a escolhas entre republicanismo e monarquia. Em resumo, o regime monárquico não constituía empecilho real para as demandas sociais ou para uma eventual revisão nos padrões de participação política das forças econômicas emergentes da nação.
Talvez o melhor retrato do ambiente em que foi implantada a forma republicana de governo tenha sido dada por Raul Pompéia que, em crônica publicada anonimamente, relata a melancólica partida do Rio de Janeiro de D. Pedro II e da família imperial, logo após o decreto de expulsão promulgado pelo Governo Provisório. No meio da madrugada – diz a crônica – sem manifestações de qualquer tipo, a família imperial partiu para o exílio sem deixar no Brasil nem sentimentos de ódio e nem partidários dispostos a iniciar uma luta política para promover seu retorno. Aliomar Baleeiro, logo na introdução de seu ensaio sobre a Constituição de 1891, também faz uma apreciação na mesma direção: “o povo brasileiro cansara-se da monarquia, cuja modéstia espartana não incutia nos espíritos a mística e o esplendor dos tronos europeus. O Imperador vestia trajes civis, pretos, como qualquer sujeito respeitável da época, sem fardas de dourados ... Conta-se que a Princesa Imperial trazia consigo, no decote, fósforos para acender, ela mesma, as velas à boca da noite.”
A res publica NO BRASIL DE HOJE
Em nossos dias, de tempos em tempos, a República tem sido abalada por escândalos e a ineficiência crônica do Estado aparece nos mais diferentes domínios das instituições encarregadas do provimento de bens como justiça, segurança dos cidadãos e os inúmeros serviços públicos essenciais, que os Estados modernos prestam hoje às suas populações. Convém refletir sobre o fato de que esses escândalos, assim como a crônica ineficiência do Estado brasileiro, não são produtos da forma de governo, mas da incapacidade de construir e de manter instituições que tornem o Estado brasileiro tão eficaz quanto tem sido em muitos outros países republicanos ou monárquicos. Por exemplo, em países onde a justiça – talvez a componente mais essencial do Estado no que diz respeito à proteção dos direitos individuais e coletivos – se mostra razoavelmente operante, uma lei como a da chamada “ficha limpa” seria completamente inócua e desnecessária, uma vez que, se a justiça funcionasse razoavelmente no Brasil, os políticos indiciados como passíveis de serem enquadrados nessa lei já teriam sido, há muito tempo, devidamente condenados ou absolvidos. Há políticos que tomam posse de cargos executivos ou legislativos apesar de condenados e de procurados pela justiça por terem cometido crimes comuns, e cujo processo judicial tivera seu início bem antes da formalização até mesmo de sua candidatura. Há os tribunais eleitorais ou trabalhistas cuja existência é totalmente dispensável, uma vez que qualquer ação julgada por essas instâncias pode ser levada ou contestada em outras instâncias judiciárias. A menos que o poder dessas instâncias seja efetivamente reconhecido nas matérias de que tratam, a manutenção dessas cortes representa apenas um ônus para o Estado e, principalmente, um custo às vezes impagável para os cidadãos que buscam a justiça para proteger seus direitos.
A distância entre a noção de res publica e as instituições do Estado brasileiro, que parece aumentar continuamente, assume a feição de um patrimonialismo político, cuja capacidade de adaptação se revela ilimitado. Falava-se de uma política “café com leite” referindo-se à República Velha, quando o poder se alternava entre os produtores de café de São Paulo e os proprietários de terras e criadores de gado de Minas Gerais. Hoje, após a eleição presidencial, Ministérios e agências da administração do Estado são disputados como se fossem espólios ou butins a serem conquistados. As manifestações a respeito de “direitos” a cargos e postos na administração pública ocorrem de forma aberta e sem qualquer pejo ou referência a qualquer propósito de servir à coletividade, que justificaria a existência de um Ministério ou agência governamental. Nos fins da Idade Média, após a tomada de uma cidadela sitiada, os vencedores disputavam entre si os espólios dos vencidos. Essa disputa se afigurava tão natural quanto o é hoje a disputa por cargos e indicações após uma vitória eleitoral. D. Quixote, personagem criado por Cervantes, com toda a sua ingênua pureza, prometia ao seu amigo e escudeiro Sancho Pança uma ilha que seria conquistada com o valor de seu braço. No caso do Brasil, trata-se de um espólio de proporções imensas. Conforme dados de 2009, disponíveis na página do Fundo Monetário Internacional, o Brasil era a oitava economia do mundo e o orçamento do Estado brasileiro, de quase US$ 600 bilhões, seria maior do que o PIB de países como Suíça (US$ 491 bilhões), Suécia (US$ 406 bilhões), Dinamarca ou Argentina (ambos com um PIB de cerca de US$ 310 bilhões). Na verdade, o Estado brasileiro equivalia, em 2009, à posição de 18ª. economia do mundo. Nesse quadro, a pergunta essencial é: para onde vai essa enorme soma de recursos? Além do sistema de arrecadação de taxas e impostos, existe alguma instituição do Estado que efetivamente funcione satisfatoriamente? Existe alguma instituição do Estado que possa ser qualificada como verdadeira res publica, isto é, serve unicamente ao interesse público? Por que as pessoas que possuem meios não procuram a saúde pública, não se utilizam dos transportes públicos, não confiam suas crianças à educação pública? Por que se permite que milhares de pessoas vivam em favelas degradantes à condição humana? Por que todas as organizações e indivíduos que possuem meios precisam contratar serviços privados de segurança? Enfim, a lista de perguntas é interminável.
Esses fatos, mencionados a título de exemplo, apontam para o risco sempre presente de repetir o que se fez, em certa medida, nos fins do século XIX quando, ao invés de aperfeiçoar e adequar as instituições acompanhando as inevitáveis mudanças dos tempos, preferiu-se atacar as instituições da monarquia constitucional. O ambiente que tem cercado as últimas eleições e seus desdobramentos na forma de partilha do espólio conquistado, revelam que a ineficiência do Estado em prover bens públicos essenciais deve continuar, independente de quem seja eleito. Os recursos do orçamento público brasileiro são enormes, mas não são ilimitados. Pode haver focos de insatisfação na divisão do butim que podem evoluir para defecções e crises. Corre-se o risco de comprometer até mesmo a democracia sem, contudo, atingir efetivamente os procedimentos e costumes viciados existentes nas várias instâncias do Estado que, assim, continuarão servindo de guarida à ganância dos políticos desonestos. Ernest Hambloch, em 1934, escreveu uma interpretação bastante crítica a respeito dos primeiros anos da república – a República Velha (1889-1930) – na qual lembra um curioso episódio: quando Rojas Paul, presidente da Venezuela, soube da queda da monarquia brasileira, teria exclamado triste e profeticamente: “Este é o fim da única república que jamais existiu na América.” Obviamente, o presidente Rojas Paul empregava o termo república na sua acepção mais desejável: o do governo entendido como res-publica.
BIBLIOGRAFIA
A. BALEEIRO, Constituições Brasileiras, volume II. 1891. Senado Federal, CEE/MCT, ESAF/MF. Brasília, 1999 (p. 13)
E. HAMBLOCH, Sua Majestade o Presidente do Brasil. Senado Federal, Brasília, 2000 (p. 34)
F. M. DA COSTA, Os Melhores Contos que a História Escreveu. Editora Nova Fronteira, R. De Janeiro, 2006 (pp. 461-7)
Mini-reflexão sobre o primeiro encontro dos dois grandes (do momento)
Paulo Roberto de Almeida
EUA e China têm o DEVER e a OBRIGAÇÃO MORAL de se entenderem e de cooperarem EM FAVOR da Humanidade, em especial dos países mais pobres.
Isso não implica, contudo, proselitismo ou atitudes tutelares, como, por exemplo, corrigir “defeitos” recíprocos ou ensinar democracia e DH um ao outro.
Mesmo os EUA se considerando o “farol do mundo” em matéria de democracia, liberdades ou direitos humanos, melhor eles desistirem de tentar “ensinar” tudo isso aos chineses: seria não apenas ridículo, mas, sobretudo, inútil.
Não se pode implantar certas coisas de fora para dentro.
Os EUA, que já tentaram fazer isso no Afeganistão e no Iraque, que torraram trilhões de dólares do povo americano em terras distantes, sem compreender muita coisa de onde estavam operando, que mataram e corromperam muita gente nesses países e que deixaram uma bagunça ainda pior por onde andaram, aliás em toda aquela faixa que vai do Mediterrâneo oriental até a Ásia do sul, os EUA deveriam saber perfeitamente disso.
Por que não fazem como a China e criam o seu próprio Belt and Road em cooperação com os chineses e em perfeita coordenação com eles: nem precisam fazer infraestrutura— que isso os chineses fazem melhor e mais barato—, mas podem cuidar de vacinas (como faz privadamente o Bill Gates, por exemplo), de educação para os mais pobres, segurança civil e uma série de outra coisas em total coordenação e complementariedade com os chineses?
Se fizerem isso, sem proselitismo, os povos se encarregarão de construir seus próprios sistemas políticos, de acordo com suas tradições e cultura.
Pode não ficar perfeito, mas se chineses ou americanos tentarem se imiscuir nos assuntos internos desses outros povos, aí sim é que não dará certo.
A única coisa que EUA e China precisam fazer, nesta etapa de suas relações respectivas, boas ou más como são atualmente, seria parar de se atacarem mutuamente, cooperarem em terceiros paises, limitar seus gastos (inúteis) em armamentos defensivos e ofensivos, e tentar construir conjuntamente um mundo de paz e segurança, que é, aliás, o que prometeram fazer os quatro grandes (a França veio na rabeira) ao cabo da Segunda Guerra Mundial, lembram-se?
Fizeram? NÃO!
Vão fazer? NÃO SEI!
Mas é o que deveriam fazer EUA, China, UE e Rússia, com o resto do G20 atrás, mais as agências da ONU e os bancos multilaterais, regionais e de infraestrutura.
É possível? Possível é, mas é pouco provável que o façam agora, pois faltam estadistas para isso.
Todos os líderes nacionais são naturalmente pressionados pelos lobbies tacanhos em seus respectivos países, e ficam torrando dinheiro com populismo ordinário em cada lugar.
O mundo ainda não evoluiu o bastante para construir o verdadeiro globalismo.
Não o globalismo idiota dos paranoicos da conspiração mundial por uma governança supranacional antidemocrática, mas o globalismo racional da cooperação para a prosperidade conjunta da Humanidade.
Ainda é muito cedo para isso: só saímos da Guerra de Troia há pouco, parece que foi ontem, e ainda estão muito fortes as paixões e os interesses.
Mas, daria para fazer se os quatro grandes se reunissem, discutissem essa plataforma mínima de entente e cooperação, e depois a apresentassem ao resto do G20.
Vai acontecer? Difícil!
Biden e Xi até poderiam se entender num segundo ou terceiro encontro, este, de preferência, presencial.
Mas o Putin não está com cara que toparia uma coisa dessas: ele não aprendeu nada com sua amiga Merkel, e não está disposto a abandonar seu neoczarismo autocrático em favor de um programa de cooperação com os chineses na Ásia central, por exemplo; a única coisa que ele quer fazer é perturbar e espicaçar o G7.
A UE poderia fazê-lo? Certamente, mas ela ainda tem muita confusão interna, trata mal a Turquia e não sabe o que fazer com aquela massa de refugiados econômicos, da fome e das guerras civis que chegam continuamente da África e do Oriente Médio. Vai demorar um pouco.
Não esperem muito da Índia, da Austrália ou da América Latina, centrados em seus próprios problemas nacionais e regionais.
O Brasil vai demorar mais um pouco para se recuperar de anos (séculos?) de corrupção sistêmica e, agora mais recentemente, de uma excepcional desgovernança perversa, que praticamente destruiu qualquer possibilidade de cooperação entre as suas próprias elites para sanar graves problemas de administração pública num sentido ético ou simplesmente moral. Acho que ainda não estamos prontos para reconstruir tão somente o próprio país, reunificar a nação, para pensarmos num ambicioso programa de regeneração da Humanidade. Nossas elites são tão medíocres que sequer conseguem se entender para a restauração interna, quanto mais para a cooperação multilateral, verdadeiramente globalista, no sentido aqui esboçado.
Ainda estamos muito pertos de nossas próprias “guerras de Troia”, com traições ordinárias e de baixa extração, no sentido mais vulgar do maquiavelismo político, para podermos pensar em colocar a casa em ordem e construir, não a prosperidade global, mas um mero espaço econômico integrado na América do Sul: ainda somos mesquinhamente muito protecionistas para decretar unilateralmente o livre comércio no âmbito regional, e nossas lideranças econômicas muito tacanhas para tomar tal tipo de iniciativa.
Eu estou bem mais otimista com a relação Biden-Xi do que com nossa próxima (improvável) recuperação econômica e, sobretudo, política.
Falta um Homero, para discorrer sobre as intervenções dos deuses em nossos assuntos terrenos, e o Olimpo está muito longe.
Na verdade, carecemos de estadistas para sequer começar a equacionar os problemas principais e depois formular um diagnóstico realista, antes dos duros prognósticos que teríamos de enfrentar decididamente.
Não existe Homero à vista, mas as elites precisariam pelo menos começar a dialogar entre si. Elas seriam ao menos capazes de fazê-lo?
Como é mesmo aquela previsão sombria, segundo a qual os deuses primeiro enlouquecem aqueles que querem perder?
Acho que estamos no meio disso!
Essas elites medíocres vão finalmente se decidir a fazer alguma coisa antes de algum novo desastre em outubro de 2022?
Não tenho certeza quanto a isso. Acho que vamos tatear pelo pântano por mais algum tempo. Sorry pelo realismo.
Celso Rocha de Barros - Moro, a esta altura do campeonato?
Folha de S. Paulo
O 'punitivismo' de que precisamos agora, depois dos crimes da pandemia, é outro
Se Sergio Moro tivesse se candidatado a presidente em 2018, teria sido eleito com a maior votação da história. Parece um grande feito até você lembrar quem foi o sujeito que ganhou. O ano de 2018 não foi um pico glorioso na história da inteligência brasileira.
Agora Moro tenta o que Luciano Huck desistiu de fazer: concorrer em 2022 como se fosse 2018. Não é fácil.
O candidato Moro é um time que tem chances de vencer o campeonato, mas não depende dos próprios resultados. Com alguma sorte e habilidade, talvez cruze a linha dos 10% de intenção de voto com o que sobrou de eleitorado lava-jatista e uma parte do ex-bolsonarismo.
Daí em diante, torceria para que ninguém mais decolasse, Bolsonaro despencasse e o voto útil começasse a chegar. Chegando no segundo turno, ainda precisaria que Lula estivesse tão isolado quanto o PT estava em 2018. Nada disso é impossível, mas, para dar certo, os adversários de Moro precisam tropeçar.
Não estou entre os que acham que, como pessoa, Moro seja tão ruim quanto Bolsonaro. Ninguém é. Bolsonaro é um adorador de Ustra que mente que vacinas causam Aids. Ninguém é tão ruim.
Entendo que haja um segmento do eleitorado que gostaria de tentar de novo a renovação que Bolsonaro matou na origem. Essas pessoas talvez votem em Moro. Mas acho que seria uma má ideia, por dois motivos.
Em primeiro lugar, porque não está claro que Moro tenha se afastado dos riscos autoritários que Bolsonaro trouxe. Setores das Forças Armadas pensam em apoiar Moro.
Eu não quero que as Forças Armadas apoiem ninguém. Eu as quero patrulhando fronteira e pesquisando tecnologia. Eu quero que os caras armados saiam da sala para que possamos punir os assassinos da pandemia sem medo de golpe.
Se a candidatura Moro der sobrevida à intromissão dos militares na política brasileira que começou no governo Temer, será muito ruim.
Em segundo lugar, mesmo admitindo, como eu admito, que a Lava Jato também tenha legados positivos, não acho que nada disso será bem resgatado por uma candidatura presidencial messiânica.
Temo que a candidatura Moro nos condene a mais uma campanha eleitoral baseada na premissa falsa de que o que falta ao Brasil é um líder incorruptível.
Na verdade, a Presidência não é um bom lugar de onde se combater corrupção: não é o presidente que elege os outros políticos com quem vai ter que lidar ou os empresários que concorrem nas licitações.
O presidente precisa escolher se fiscaliza obras nos seus mínimos detalhes ou se as termina. Por esses e por outros motivos, sua margem de ação nessa área é muito menor do que se pensa.
Por isso, há outras instituições cuja função é fiscalizar isso tudo. Teria sido bom se Moro não tivesse ajudado a eleger o presidente que as está desmontando.
Vale a pena discutirmos Sergio Moro presidente, a esta altura do campeonato? Eu acho que não. O risco autoritário tem que ser cortado pela raiz. Não podemos ter outra campanha em que o eleitorado acredite que o dinheiro acabou porque os políticos roubaram.
E o "punitivismo" de que precisamos agora, depois dos crimes da pandemia, é outro. Duvido que ele seja bem representado na campanha presidencial de 2022, duvido ainda mais que o seja pelo ex-ministro da Justiça do culpado.
[Ensaio destinado a aula magna em universidade federal]
Sumário:
1. Introdução: a diplomacia e a política externa na independência do Brasil
2. O primeiro registro oficial da autonomia: o Arquivo Diplomático da Independência
3. Uma outra independência: uma história alternativa da construção do Estado
4. A Bacia do Prata e a Cisplatina: a primeira guerra do Brasil (herdada de Portugal)
5. A lamentável diplomacia do tráfico escravo: defendendo o indefensável
6. Conclusão: a diplomacia brasileira na construção do Estado
1. Introdução: a diplomacia e a política externa na independência do Brasil
Este ensaio, de caráter histórico e analítico, trata das questões internacionais afetando o Brasil desde quando suas relações exteriores estavam inseridas no contexto da diplomacia portuguesa do final do século XVIII e início do XIX, período caracterizado pelas guerras napoleônicas e suas consequências para os dois reinos ibéricos e suas colônias americanas. Ele se ocupa apenas dos temas mais importantes, como as relações regionais e o problema do tráfico e da escravidão, à exclusão, no entanto, das questões estritamente comerciais, bastante conhecidas e trabalhadas pela historiografia do período, com ampla bibliografia sobre a questão – desde Hipólito da Costa, passando por Oliveira Lima e chegando a Roberto Simonsen e Celso Furtado –, a partir dos tratados entre Portugal e Grã-Bretanha de 1810, cujos dispositivos foram prolongados na Independência até o início do Segundo Reinado. Essa primeira fase, está marcada pela abertura dos portos em 1808 e pelo tratado de comércio de 1810, que dá 15% de tarifas para Grã-Bretanha, alíquota inferior à do próprio Portugal. Os grandes temas da diplomacia econômica do Brasil no século XIX foram amplamente tratados pelo autor na obra Formação da Diplomacia Econômica no Brasil (2017).
A questão da historiografia brasileira sobre a independência sofre, desde muito tempo, praticamente desde o início do regime republicano, de alguns dos mesmos vieses interpretativos que Bolívar Lamounier acusou, recentemente, na segunda edição de seu livro sobre dois séculos de política brasileira, a propósito da historiografia política, no sentido de preservar certo “economicismo dogmático” que a tinha caracterizado desde os anos 1950:
A partir da Segunda Guerra Mundial, numerosos autores e praticamente todo o meio universitário puseram em relevo os efeitos da colonização portuguesa e nossas relações de dependência econômica em relação à Inglaterra e aos Estados Unidos, mas poucos deram a devida atenção à construção institucional da democracia representativa, cujo início remonta à Independência e à Constituição de 1824. (Lamounier, 2021, p. 12)
(...)
[Texto integral será liberado oportunamente...]
6. Conclusão: a diplomacia brasileira na construção do Estado
A despeito das frustrações e desacertos enfrentados nos dois grandes temas da primeira agenda externa do Brasil no momento da independência e nos anos seguintes – os conflitos com as Províncias Unidas na questão da Cisplatina e os com a Grã-Bretanha, na vergonhosa defesa do tráfico e da escravidão –, a diplomacia profissional brasileira representou, desde o período inicial da construção do Estado, um dos setores mais bem preparados e um dos mais eficientes e constantes na burocracia pública, cujos traços e características essenciais, nessa fase inicial do século XIX, eram, bem mais “patrimoniais” do que propriamente “racionais-legais”. Ao assegurar, nessa etapa formadora da nação, a representatividade internacional do Estado brasileiro, a classe diplomática brasileira contribuiu para a sua construção e fortalecimento. De fato, ao trabalhar, basicamente, no Estado, pelo Estado e para o Estado, ela ajudou a construir, com sua parcela de esforços, a própria identidade brasileira, embora bem mais voltada para a construção da Ordem política do que, propriamente, para a consolidação do progresso social. Mas, a diplomacia, em si, não poderia evitar os traços patrimonialistas e oligárquicos do novo Estado: ela também era uma de suas expressões mais acabadas, como eram, aliás, todas as demais diplomacias do mundo de Estados organizados então existentes.
A despeito de não existir, formalmente, antes da conquista da autonomia nacional, ela começa a aprender de certa forma por osmose, uma vez que as relações internacionais do Brasil passaram a estar inseridas no quadro do primeiro grande arranjo “multilateral” do início do século XIX. No Congresso de Viena, em 1815, estiveram representadas apenas oito nações “cristãs”, o Brasil no contexto do “Reino Unido” ao de Portugal, em virtude da relação privilegiada da Coroa lusitana com a Grã-Bretanha e basicamente no contexto de seu envolvimento, embora involuntário, com o grande “drama napoleônico” que agitou a Europa na sequência da Revolução francesa. As relações de força e de poder desenhadas naquela primeira grande conferência diplomática da era contemporânea continuaram a dominar os desenvolvimentos diplomáticos (e militares) durante a maior parte do século XIX, tendo o Brasil se inserido desde o início no contexto regional, o que compreendeu igualmente a “doutrina Monroe”. Nessa primeira fase, caracterizada pelo “realismo cru” do início do século XIX, navios de guerra das nações “civilizadas” se achavam no direito de violar impunemente, em nome de um conceito peculiar de “justiça”, as águas territoriais de países periféricos e, como ocorreu em algumas ocasiões, até mesmo os portos brasileiros.
Pelas características que exibia o serviço diplomático brasileiro naquela primeira fase – com um corpo diplomático vivendo no exterior, mas separado do corpo consular, e dispondo apenas de poucos servidores na Secretaria de Estado no Rio de Janeiro –, a diplomacia profissional contribuiu bem mais para a consolidação do Estado do que propriamente para a construção da nação, como afirma, não sem certa razão, o embaixador Rubens Ricupero, em sua obra já clássica de história diplomática (2017). Pode-se, no entanto, concordar com sua avaliação geral dos serviços prestados à nação pela diplomacia profissional, julgamento que também pode servir de conclusão a este ensaio:
A diplomacia em geral fez sua parte e até não se saiu mal em comparação a alguns outros setores. Chegou-se, porém, ao ponto extremo em que não mais é possível que um setor possa continuar a construir, se outros elementos mais poderosos, como o sistema político, comprazem-se em demolir. A partir de agora, mais ainda que no passado, a construção do Brasil terá de ser integral, e a contribuição da diplomacia na edificação dependerá da regeneração do todo. (Ricupero, 2017, p. 739)
A diplomacia brasileira da independência pagou um alto preço na sua imagem externa em virtude das heranças recebidas do período português. A continuidade do tráfico e a da escravidão, no período brasileiro, a partir das Regências, não ajudou muito na construção de uma imagem melhor. Sua reconstrução viria aos poucos, de maneira muito lenta, talvez, para padrões civilizatórios mais aceitáveis no plano global. Esta é uma das características estruturais do Brasil, que não pode ser superada unicamente pela sua diplomacia.