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quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Morte de Vamireh Chacon - Crônica de Marcos Vasconcelos Filho (Tribuna Independente, Alagoas)

Morte de Vamireh Chacon 

Crônica de Marcos Vasconcelos Filho 

Tribuna Independente, 5/10/2023

Crônica-ensaio estampada hoje na »Tribuna independente« (Maceió, ano [17], n. 4.475, quinta-feira, 5 out. 2023, Opinião, p. 6) sob o fim de assinalar o desaparecimento material do meu amigo e colega de Academia Pernambucana de Letras (APE) e de Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP) Vamireh Chacon [1934-2023].


Eis alguns recortes do texto:

»Morto Vamireh Chacon [...], perde o Brasil um cientista. E dos incomuns. Perco eu um raro amigo, pois companheiro do intelecto.

Na tarde chuvosa de inverno, passo a recordá-lo. [...] Para muitos, a carranca não permitia de logo entrever-lhe o coração. [...] Preservo com carinho a nossa correspondência: roteiro confessional ao jeito do “Contributo alla critica di me stesso” (1918), de Benedetto Croce. Num futuro próximo auxiliarão tais cartas o campo da epistolografia? [...]

Torno aos seus livros: um arco teórico que muito justamente mereceu, perto dum decênio atrás, o Prêmio Machado de Assis, cume dos lauréis da Academia Brasileira de Letras. “História das idéias sociológicas no Brasil” (1977), “História das idéias socialistas no Brasil” (1981), “Abreu e Lima: general de Bolívar” (1983), “Gilberto Freyre: uma biografia intelectual” (1993) e “Formação das ciências sociais no Brasil: da Escola do Recife ao Código Civil” (2008) são-me a pentalogia dos títulos chaconianos de predileção, nos quais alia o autor ao treino da síntese (tão germanófila) a veia crítica do ensaísmo (remontante à tradição historicista e herdeira de Kant, Hegel, das escolas de Baden e Freiburg, bem assim dos frankfurtianos).

“Prezado Marcos: [...] não sou nem nunca fui marxista e sim culturalista na linha não só de Max Weber, também de Werner Sombart e de Theodor W. Adorno, mais do que de Max Horkheimer e Jürgen Habermas, os quais também traduzi ao português no Brasil”, autodefiniu-se a mim, via e-mail, em julho de 2020«.

#mvf #marcosvasconcelosfilho #ensaismo #vamirehchacon

Perdeu Mané? As esquerdas e sua derrota nas comunicações - Uirá Machado (FSP)

 LULINHA , LULINHA   REQUISITA AS RUAS 

Direita domina redes sociais e deixa esquerda para trás na batalha digital

Uirá Machado

Folha de S. Paulo, 4/10/2023

Com um celular na mão e uma notícia (por vezes falsa) na cabeça, a direita dominou o universo digital nas últimas eleições e tem tudo para repetir a dose nas próximas.

Há diversas razões para explicar esse fenômeno. Entre elas estão o pioneirismo da direita nesse ambiente, a arquitetura das redes sociais, o acesso a financiamento, o tipo de conteúdo disseminado e o incentivo à monetização.

Segundo especialistas, se a esquerda –não só no Brasil— quiser virar esse jogo, precisará fugir das armadilhas lançadas pela direita e mudar sua forma de se relacionar com a tecnologia.

"A esquerda brasileira sempre teve dificuldades para lidar e compreender a comunicação. Isso continuou no cenário digital", diz o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Como reflexo disso, existem, de acordo com o sociólogo, menos canais de esquerda na internet (veículos, youtubers, podcasters etc), com alcance menor que os de vários grupos da extrema direita.

"Boa parte da esquerda ainda pensa com a cabeça do mundo da comunicação de massas, mas vivemos o cenário da comunicação distribuída. Não existe bala mágica. É preciso pensar diversas estratégias para diversos segmentos da sociedade", afirma Silveira.

E, embora o custo tenha caído para a disseminação de conteúdos pela internet, dinheiro ainda faz diferença, seja para criar estruturas profissionais de disparos em massa no WhatsApp, seja para impulsionar postagens e vídeos nas diversas plataformas.

A direita gasta muito para dominar as redes sociais e cultuar seus valores, espalhar sua visão de mundo, afirma Silveira. "A esquerda rebaixou sua pauta e se limita a divulgar sua pauta política. Não há um grande empenho na disputa ideológica."

Não se trata só de um gasto centralizado. Para a cientista política Camila Rocha, um dos aspectos que complicam a equação é a capacidade da direita de monetizar suas próprias atividades.

"A direita ganhou produtores de conteúdos que se portam como ativistas, mas eles estão nessa para ganhar dinheiro", diz Rocha, que é pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e colunista da Folha.

Ou seja, além dos robôs e das centrais de difusão de fake news, o ecossistema da direita ainda conta com influencers que se passam por agentes espontâneos e ideológicos, mas que na verdade descobriram uma forma de explorar economicamente a inclinação política de parte da população.

Esse tipo de iniciativa tem muito mais dificuldade de prosperar na esquerda, tanto por uma questão de perfil social –falta de afinidade com o capitalismo, com o empreendedorismo— quanto por aspectos técnicos ou culturais, por assim dizer.

É que o campo da direita, segundo Rocha, foi vanguardista na ocupação das redes sociais e outros fóruns do mundo digital. Com isso, dominou várias técnicas muito antes da esquerda.

A linguagem dos memes, os cursos voltados ao aprimoramento pessoal e as explicações didáticas sobre temas da política são alguns dos formatos que a direita usa melhor que a esquerda, diz a pesquisadora.

Mas não se diga que o problema está apenas na forma. Para Rocha, é preciso olhar também para o conteúdo: enquanto a direita se aproxima de quem já alimenta um sentimento de revolta contra o sistema, a esquerda não consegue apresentar um tom acolhedor.

"A esquerda, nos últimos anos, passou a ter um discurso muito abstrato, muito acadêmico, por vezes muito arrogante. Isso também acaba distanciando as pessoas, que às vezes não conseguem entender metade dos termos que estão sendo mencionados", afirma Rocha.

Se servir de consolação para a esquerda, trata-se de dificuldade que ultrapassa fronteiras. Para a socióloga Carla Montuori Fernandes, existe uma crise da democracia liberal em escala global, que se associa à falta de confiança de parte da população nas instituições políticas.

Diversos países assistiram à ascensão de líderes populistas que baseiam suas campanhas nas redes sociais, onde disseminam desinformação, negacionismo e discurso de ódio.

Ela cita como exemplos os Estados Unidos (Donald Trump), El Salvador (Nayib Bukele), Argentina (onde o candidato Javier Milei surpreendeu nas primárias) e Itália (Matteo Salvini, Giorgia Meloni), entre outros.

"No Brasil, especificamente, a emergência da extrema direita ocorre em um contexto de crise democrática, marcada pelo desgaste da imagem dos partidos tradicionais e lideranças políticas", diz Fernandes, que é professora da Unip (Universidade Paulista).

Ela afirma que, sobretudo em 2018, a campanha de Jair Bolsonaro (PL) soube explorar uma suposta ameaça relacionada ao imaginário comunista e ao bolivarianismo venezuelano, bem como os escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato.

Em 2022, diz Fernandes, a campanha de Lula (PT) buscou uma reação com uma estratégia capitaneada pelo deputado federal André Janones (Avante-MG), conhecida como guerrilha digital ou janonismo cultural.

"Janones pregou o mesmo comportamento da direita na internet, com divulgação de montagens, vídeos descontextualizados, uso de fake news, enfim, tudo pra conquistar o engajamento na rede", afirma a socióloga.

Para ela, contudo, a esquerda não deveria cair na armadilha de repetir a extrema direita nas redes. Embora Fernandes considere difícil disputar com quem recorre a narrativas agressivas, despolitizadas e mentirosas, ela acredita ser possível para a esquerda avançar de outras formas.

"A esquerda brasileira parece ter ficado para trás do domínio da lógica comunicacional digital. Lula é um homem analógico. É preciso aproximar o presidente do público com uma comunicação mais direta, menos formal, mais humanizada e menos formatada."

A cientista política Sabrina Almeida, professora da FGV ECMI (Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas), também aponta uma mudança de atitude entre as eleições de 2018 e 2022.

"Nós identificamos uma assimilação dessas técnicas de otimizar a visibilidade, de em alguma medida manipular a lógica algorítmica. Isso passa a ser uma estratégia de campanha, uma ferramenta de disputar a atenção e engajar as bases de apoio", afirma.

"Mas o que a gente também identifica é que não necessariamente isso diz respeito a uma maior democratização ou melhores práticas para o debate público", diz Almeida.

Daí por que o pesquisador João Cezar de Castro Rocha sugere um caminho que ele chama de contraintuitivo: "O campo da esquerda democrática não deve procurar empatar esse jogo. Na verdade, do que se trata é de não jogá-lo".

Professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), ele diz que a extrema direita tem uma afinidade maior com a própria dinâmica das redes sociais, que tende a privilegiar conteúdos radicalizados ou que gerem reações como pânico ou medo.

"De um lado, uma visão binária e excludente do mundo. De outro, a utilização consciente de uma linguagem de grande violência simbólica como uma forma de obter visibilidade. Por fim, uma capacidade de monetização de todas as esferas do cotidiano, incluindo a política."

Além disso, diz o professor da Uerj, "a extrema direita consegue visibilidade no limite do cometimento de crimes, como calúnia, difamação, injúria".

Assim, para ele, é crucial usar instrumentos legais existentes para punir esses crimes e desmonetizar as redes de ódio.

"Jogar o jogo no modelo que a extrema direita criou será sempre uma derrota, mesmo em caso de vitórias ocasionais", afirma.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/10/direita-domina-redes-sociais-e-deixa-esquerda-para-tras-na-batalha-digital.shtml 

terça-feira, 3 de outubro de 2023

As primeiras relações diplomáticas entre a Rússia e o Brasil - Alexei Labetski, Embaixador da Rússia no Brasil (Folha de S. Paulo)

Pioneiros marcam relação Brasil-Rússia, que hoje faz 195 anos Esforços de Franz Borel e Georg Langsdorff continuam vivos para novos diplomatas  

Alexei Labetski, Embaixador da Rússia no Brasil 
Folha de S. Paulo, 3/10/2023

Neste 3 de outubro, celebramos o 195º aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas russo-brasileiras. Ao longo desses anos, nossos povos e Estados percorreram um grande caminho: épocas e formas de governo mudaram, grandes turbulências foram seguidas por períodos de prosperidade econômica e cultural, mas a aproximação foi praticamente ininterrupta e, no fim, levou à criação de aliança estratégica russo-brasileira, em 2000.  

Enquanto no mar as mudanças de tempo dependem de causas naturais, nas relações entre as potências o quadro é claro, luminoso e calmo somente quando os esforços dos diplomatas, que visam a estabelecer o diálogo e buscar pontos de contato mútuo, são coroados de êxito. Sabemos muito sobre diplomatas famosos e figuras políticas do presente e do passado recente, mas os nomes dos pioneiros que estiveram nas origens das relações russo-brasileiras não são ouvidos com frequência. Portanto, gostaria de lembrar o trabalho de Franz Borel, o primeiro enviado russo ao Brasil. 

 No início dos anos 2000, historiadores russos da Universidade Estatal de São Petersburgo realizaram um grande estudo sobre a vida dele. Como Franz Borel não deixou memórias, os historiadores se basearam em documentos de arquivo e em reminiscências escritas de seus contemporâneos. Franz Borel, de família francesa, nasceu em Turim em 1775. Sua juventude passou na Itália: Borel teve a oportunidade de viajar bastante pela Europa e receber uma educação decente no auge do Iluminismo, um período de rápido desenvolvimento do pensamento científico, filosófico e sociopolítico.

 Em 1799, em Nápoles, Franz Borel tornou-se assistente do representante comercial russo e, em 1804, visitou pela primeira vez São Petersburgo, onde conheceu um talentoso diplomata russo, o futuro ministro dos Negócios Estrangeiros do Império Russo, conde Nikolai Rumiantsev. A visão ampla e as qualidades de um negociador de Borel chamaram a atenção do conde Rumiantsev, que, em 1804, convidou o jovem para integrar o serviço diplomático russo. 

Borel prestou considerável assistência ao conde Rumiantsev na criação da expedição de assuntos consulares, escrevendo várias obras importantes sobre a organização e as peculiaridades do funcionamento das instituições consulares, nas quais apresentou propostas avançadas sobre a inseparabilidade dos lados político, diplomático e comercial de suas atividades. Em 1809 Franz Borel foi nomeado chefe do serviço consular russo. 

 Os sucessos de Napoleão na Península Ibérica forçaram a corte real portuguesa a deixar a metrópole rumo ao Brasil em novembro de 1807, estabelecendo assim um precedente único de governar o império a partir do Novo Mundo. Em janeiro de 1808, todos os portos brasileiros foram abertos para navios estrangeiros, e São Petersburgo viu isso como uma oportunidade única para intensificar e expandir o comércio bilateral. No limiar de novos confrontos com Napoleão (a paz de Tilsit de 1807 com a França era muito frágil, mesmo no momento de sua assinatura), o Tesouro russo precisava de reabastecimento regular e volumoso, assim a tarefa de estabelecer comércio com Portugal e explorar o Brasil, confiada a Franz Borel, tornou-se uma questão estratégica. 

 O diplomata visitou pessoalmente Portugal, a ilha da Madeira (onde trabalhou por três anos) e o Brasil, estudando cuidadosamente as peculiaridades do funcionamento das rotas comerciais e das cadeias logísticas. Como resultado de sua pesquisa, Franz Borel preparou várias notas sobre o país e um projeto de uma convenção adicional ao tratado comercial russo-português, que enfatizava o papel especial do Brasil e propunha o estabelecimento de casas comerciais russas no Rio de Janeiro e em Salvador. A preparação para a implementação das ideias propostas por Borel levou muito tempo, de modo que ele pôde chegar ao Brasil como enviado russo somente em 1828, após a vitória da Rússia sobre a França napoleônica (1814) e a proclamação da independência do Brasil em 7 de setembro de 1822. Borel expressou repetidamente a necessidade de reconhecer o novo Estado –o ato correspondente foi entregue de São Petersburgo à corte no Rio de Janeiro em dezembro de 1827. 

No mesmo mês, o diplomata recebeu uma nomeação oficial, tornando-se o primeiro enviado do Império Russo ao Brasil. De julho a outubro de 1828, Franz Borel elaborou a minuta do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre a Rússia e o Brasil. Um procedimento burocrático complicado atrasou a análise do projeto em São Petersburgo, mas o diplomata, continuando sua missão no Brasil, não perdeu tempo. Trabalhando sozinho na missão, Borel não apenas lidou com tarefas políticas, representativas e administrativas, mas também, sem se poupar, trabalhou na criação de estudos exclusivos sobre administração pública, política externa e interna, geografia, comércio e agricultura. Durante o mesmo período, o diplomata ajudou a concluir a primeira expedição científica russa ao Brasil, realizada em 1821-1829 sob a liderança do famoso etnógrafo e naturalista russo Georg Langsdorff. 

As descrições geográficas e etnológicas exclusivas, juntamente com a coleção botânica reunida durante a expedição, foram transportadas para São Petersburgo graças ao trabalho meticuloso de Borel. Franz Borel tinha um amor genuíno pelo Brasil e levava a sério as reviravoltas políticas. Como monarquista convicto, criticava as recém-criadas repúblicas da América Latina e não queria que o Brasil sofresse o "destino" delas. A crise política de março-abril de 1831, em decorrência da qual o imperador Pedro 1º do Brasil, sob pressão de oposição, foi forçado a assinar uma abdicação em favor de seu filho e ir para Portugal, causou um golpe irreparável em Borel, piorando a saúde já fragilizada do diplomata. Em 23 de dezembro de 1831, o diplomata teve um derrame e, em 1º de janeiro de 1832, Franz Borel faleceu. 

 Muitos anos se passaram, e os esforços de Borel e Langsdorff –pioneiros dedicados à ideia da cooperação russo-brasileira– continuam vivos, apoiados pelo trabalho de novas gerações de diplomatas. A vida e o trabalho de Franz Borel são um exemplo importante para nós, pois ele provou, por meio de sua própria experiência, que nem a distância geográfica nem o fato de pertencer a tradições culturais diferentes podem se tornar obstáculos para a aproximação de duas grandes nações –o colosso do norte e o gigante tropical. 


O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

 O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a reunião de cúpula no G20 da Índia.

Brasília, 4465, 31 agosto 2023, 3 p.

revista Crusoé (1/09/2023; link: https://oantagonista.com.br/mundo/crusoe-o-brasil-de-lula-3-no-g20-da-india/).

 

 

A 18ª reunião de cúpula do G20, a ser realizada em New Delhi, capital da Índia, não será propriamente uma novidade para Lula, que já participou dos primeiros encontros desse grupo desde que ele foi originalmente convocado para tratar da crise financeira de 2008, pelo próprio presidente George Bush, em Washington. O grupo deriva diretamente, embora em nível hierárquico inferior, do Financial Stability Forum, que por sua vez tinha nascido na crise financeira anterior, na segunda metade dos anos 1990. A diferença entre a natureza de um e outro grupo das economias mais relevantes do planeta está em que o antigo Forum tinha no seu certificado de nascimento uma crise, mais uma, de países em desenvolvimento, ao passo que o G20 deu seu primeiro passo, em nível de chefes de Estado, após a implosão da bolha imobiliária no mercado americano, seguida de seu impacto no sistema bancário e de seguros, se espalhando logo depois para os demais países desenvolvidos, devido aos efeitos sistêmicos dos derivativos financeiros criados a partir das hipotecas avalizadas por agências financeiras oficiais do governo americano e alegremente adquiridos por investidores da Europa e do Japão, certos de que o Triplo A atribuído a esses derivativos eram para valer.

Independentemente, porém, das diferenças de hierarquia, de representação e de agenda dos dois grupos, similares na composição, mas não semelhantes em propósitos – o primeiro mais burocrático, o segundo mais político –, ambos grupos precisam tratar das crises recorrentes das economias de mercado, pois que praticamente todas o são atualmente, com a exceção de duas pequenas sobrevivências do stalinismo senil situadas nas antípodas do mundo. O contexto mundial no qual vivemos atualmente é sensivelmente diferente daquele que vigorava no final dos anos 2000, já que o prevalecente ao início desta terceira década do século e de uma perda relativa da preeminência econômica do G7, com respeito, por exemplo, à da crescente importância comercial, tecnológica e financeira do bloco do BRICS – recentemente ampliado, mas sempre contando com o peso desproporcional da China –, e acima disso, no tocante ao clima político e diplomático que se deteriorou significativamente na relação entre as potências econômicas das democracias avançadas de mercado e as duas grandes autocracias que no passado eram oficialmente comunistas.

O Brasil, como uma das dez maiores economias do mundo, esteve presente em todas essas ocasiões, assim como Lula esteve presente, desde o primeiro mandato, como convidado especial, em reuniões exclusivas do G7 (ou G8, enquanto este existiu, até 2014), ainda que apenas para um encontro informal entre os dirigentes do G7 e um pequeno número de dirigentes de países  selecionados esporadicamente entre pequenas e grandes nações, algumas desenvolvidas, outras em desenvolvimento, mas que eram “apenas reuniões de sobremesa”, não decisórias, como disse algumas vezes Lula, um pouco depreciativamente. Desde 2003, Lula esteve presente no G7 de Evian, a convite do presidente Jacques Chirac, de quem aliás ganhou de presente um relógio de pulso Piaget, avaliado em algumas dezenas de milhares de euros, mas não no quadro dos encontros do G7, e sim por ocasião do ano do Brasil na França, em 2005. Ao início de seu primeiro mandato, Lula tentou estender o seu programa “Fome Zero” – aliás, um fracasso no Brasil, descontinuado em favor da aglomeração de diversos programas sociais criados sob Sarney e FHC no Bolsa Família – numa espécie de “Fome Zero Universal”, tampouco bem-sucedido, mas depois transformado, com a ajuda do mesmo Chirac, num programa de ajuda a países africanos no combate à Aids. 

O G20 não trouxe exatamente uma “solução” para os problemas criados pela crise dos derivativos de 2008 – que arrastou diversos grandes bancos e até países desenvolvidos à inadimplência, socorridos pelos meios tradicionais do FMI e do Banco Central Europeu, notadamente no caso da Grécia –, mas permitiu um começo de intercâmbio de ideias e propostas entre os dirigentes das principais economias do planeta, que mais adiante se refletiu em alguns avanços em outras matérias que não exatamente crises financeiras, como na área ambiental ou no combate à lavagem de dinheiro e outros crimes transnacionais. A despeito da oposição do PT, essas reuniões do G20 abriram caminho para que mais adiante, nos governos de Dilma Rousseff e de Michel Temer, Joaquim Levy e Henrique Meirelles reforçassem a política de aproximação com a OCDE, e até ao pedido de adesão por este último.

O G20 de Nova Delhi ocorre em outras condições, bem mais difíceis do que os exercícios anteriores, sob o impacto do segundo ano da guerra de agressão da Rússia à Ucrânia, de certo modo uma extensão da mudança de humor já iniciada quando da invasão e anexação ilegal da península da Criméia em 2014, quando a Rússia foi expelida do então “puxadinho” do G8, uma das várias sanções econômicas introduzidas contra o agressor pelos países ocidentais. Naquela ocasião, rompendo com a tradição do Itamaraty de estrito respeito às normas do Direito Internacional e de absoluto respeito à Carta da ONU, a presidente Dilma Rousseff não tomou qualquer posição a respeito da grave violação da soberania ucraniana, a pretexto de que tal invasão era um “problema interno da Ucrânia”. Foi um primeiro exemplo do baixo acatamento, pela diplomacia presidencial, dos padrões habituais do Itamaraty de adesão a princípios consagrados da legalidade internacional, práticas mais adiante continuadas, sob diferentes pretextos, pela diplomacia de Bolsonaro e de Lula 3.

Putin não comparecerá ao G20 da Índia, assim como não compareceu ao Brics de Joanesburgo, provavelmente por causa do pedido de prisão por crimes de guerra na Ucrânia a pedido do TPI, a despeito do fato de a Índia não ser aderente ao Estatuto de Roma, o que era o caso da África do Sul, mas também sob a ameaça de ser acusado de ser o que é, pelos dirigentes dos países que apoiam a Ucrânia e o respeito devido à Carta da ONU. A Índia, aliás, teoricamente neutra nessa guerra de agressão, é uma das nações mais oportunistas, ao adquirir petróleo com desconto da Rússia, e possivelmente revendê-lo a preços mais elevados para outros países importadores de combustível. O Brasil, no mesmo sentido, expandiu num significativo percentual, suas importações de combustíveis da Rússia, contribuindo assim para o esforço de guerra de Putin, mesmo aderindo, teoricamente, a esse neutralismo mal disfarçado dos países do assim chamado “Sul Global”, que acaba beneficiando ao agressor.

Não se espera qualquer resultado relevante desse G20 “indiano”, para o mundo e para o próprio Brasil, a não ser o fato de que a presidência rotativa do grupo passa pelo prazo de um ano para o governo Lula, que terá assim a obrigação de organizar reuniões preliminares e outros grupos técnicos de sua preferência, como forma de preparar o encontro de cúpula do segundo semestre de 2024. Espera-se que o Brasil dê ênfase aos temas privilegiados pelo governo Lula na agenda internacional, como o combate às desigualdades e à fome, a cooperação nas iniciativas já tomadas em torno da sustentabilidade e outras questões habituais nesse tipo de encontro, com algum toque diferente que o Itamaraty ou o próprio governo possam sugerir. 

Num contexto no qual o encantamento inicial com a terceira presidência Lula já deu mostras de arrefecimento junto aos principais governantes dos países ocidentais – em princípio, exatamente por causa da violação ao Direito Internacional causada pela Rússia e pouco enfatizada pelo governo Lula –, essa presidência do G20 pode ajudar a corrigir um pouco essa má percepção de suas atuais “alianças” internacionais, ou continuar a empanar a sua imagem  junto ao Ocidente e até a liderança na própria região, onde outros líderes progressistas – como Boric do Chile, ou Petro da Colômbia – já deram mostras de maior comprometimento com uma diplomacia fundada no respeito à Carta da ONU. Esperava-se mais de um governo declaradamente a favor, assim como o próprio Itamaraty, da estrita solução pacífica das controvérsias entre Estados. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4465, 31 agosto 2023, 3 p.

O Brasil aos olhos do mundo: como era antes, como ficou agora? - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

O Brasil aos olhos do mundo: como era antes, como ficou agora? 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo para a revista Crusoé.

Publicado em 4/08/2023 (link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/275/o-brasil-aos-olhos-do-mundo-como-era-antes-como-ficou-agora/).

  

Todo país, toda nação, exibe uma imagem aos olhos do mundo, por vezes com base em estereótipos simplistas, mas ainda assim identificados com alguma característica da nação em questão. Marco Polo deixou um testemunho direto da China sob a dominação mongol, com alguns exageros involuntários, o que alimentou a curiosidade dos europeus pelo fabuloso Celeste Império. A riqueza em ouro e prata dos impérios pré-colombianos no México e no Peru atuais atiçou a cobiça dos conquistadores ibéricos, prontamente seguidos por piratas e corsários de outros reinos europeus, saqueando galeões carregados dos preciosos metais. 

O Brasil da era do café e seus barões apreciadores dos cabarés de Paris suscitaram a criação de uma figura cenográfica, o “Brésilien d’operette”, o pródigo ricaço do interior, que acendia charutos com notas de 100 francos e bebia champagne nos sapatos das dançarinas de can-can. A prática era tão comum que deu origem ao termo, momentaneamente inscrito nos dicionários franceses, de paulistade, significando gastar à tripa forra nos cabarés. Mais tarde, na fase da aliança com os Estados Unidos da era Vargas, o típico carioca de Carnaval se transmutou no Zé Carioca do Walt Disney, junto com a cantora Carmen Miranda, acolhida por Hollywood, encantando a todos com seus balangandãs e a coroa de frutas na cabeça.

A imagem do Brasil esteve associada, durante muitas décadas, ao Carnaval e às selvas luxuriantes, mais adiante a Pelé, seguramente o brasileiro mais famoso do mundo, no tempo em que a Bossa Nova se juntou ao jazz para brindar ao mundo inteiro os encantos da praia de Ipanema ao ritmo das músicas de Tom Jobim e na voz suave de Astrud Gilberto. A ditadura militar ofuscou muito desse brilho, com a repressão truculenta na política e na cultura, mais as notícias pouco edificantes de extermínio dos indígenas, de destruição ambiental, de pobres dormindo nas ruas. A inflação astronômica, as crises financeiras e da dívida externa também grudaram na imagem do país durante as décadas seguintes, até praticamente o período recente, quando a corrupção política colocou o país, junto a várias ditaduras, nos primeiros lugares do ranking da Transparência Internacional. 

A despeito de tudo isso, nos governos Lula 1 e 2, o prestígio do Brasil aumentou enormemente, em função das viagens do presidente, de sua agenda social e pelo aparente dinamismo econômico, o que fez a Economist ilustrar uma capa de 2010 com a imagem do Cristo Redentor decolando como um foguete. Entretanto, pouco tempo depois, a revista inglesa ilustrou nosso novo declínio, com o mesmo Cristo despencando das alturas. A revista persistiu no ano seguinte, representando a corrupção do PT nos anos Dilma, com uma capa na qual uma passista fantasiada para o Carnaval afundava num pântano tropical. 

A imagem se deteriorou ainda mais a partir do governo Bolsonaro, primeiro pela destruição do meio ambiente e a devastação da Amazônia, pelas queimadas humanamente induzidas, assim como pela negação dos direitos humanos, das minorias em especial, depois pelo negacionismo durante a pandemia, e, de forma mais condenatória ainda, pelas seguidas tentativas golpistas. O capital de simpatia que poderia ter restado em duas ou três décadas de tribulações econômicas e de persistência da corrupção, veio abaixo com o afundamento da credibilidade diplomática do país, não só arranhada, mas praticamente demolida, por um presidente e um chanceler adepto de teorias conspiratórias antiglobalistas e que não se importavam ao ver o país transformado em “pária internacional”. 

Pode-se dizer que o mundo saudou a vitória de Lula, em outubro de 2022, como sendo a “volta do Brasil” ao cenário mundial, em especial na temática ambiental e nas questões sociais, ao mesmo tempo em que se faziam alertas contra as manobras continuístas do presidente derrotado. Raras vezes uma inauguração presidencial recebeu tanta atenção da mídia internacional e com a presença de dirigentes estrangeiros quanto a assunção ao poder de Lula 3 em janeiro de 2023, a despeito de declarações controversas já feitas sobre a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, equiparando ambos os contendores. Mesmo assim, o presidente foi objeto de considerações elogiosas nos meios de comunicação e em declarações de líderes dos principais parceiros do país, todos incluídos numa lista de viagens e visitas que “inflacionou” a agenda diplomática bilateral e a de grupos de países no início de 2023. 

As primeiras reações a um “neutralismo” mal disfarçado em favor do agressor foram cautelosamente moderadas, e Lula foi confirmado como um dos participantes convidados ao encontro deste ano do G7, em Hiroshima, no Japão. Antes dessa reunião, contudo, Lula recebeu em Brasília o ditador venezuelano Nicolas Maduro, com honras de visita de Estado, o que causou estranheza até entre os demais convidados da América do Sul, que ele acolheu no dia seguinte para discutir um improvável retorno da Unasul (que foi, como se sabe, dominada pelos chavistas, até se desacreditar por completo). O presidente brasileiro teve de ouvir de seus colegas chileno (de esquerda) e uruguaio (de direita) um desmentido aberto e cabal em face da “narrativa” que ele tentou apregoar, segundo a qual a Venezuela seria apenas uma democracia como as outras, rechaço que ele também teve de encaixar dos dirigentes de várias democracias ocidentais. Em Hiroshima, Lula fez de tudo para não se encontrar com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, ele sim recebido como um grande estadista de estatura mundial, o que certamente ofuscou o brilho que Lula esperava obter como um potencial líder de um fantasmagórico “Sul Global”. 

Um editorial do Globo, do dia 23 de maio de 2023, resumiu o revés que representou a reunião do G7 para os planos de Lula: “As potências ocidentais que saudaram sua chegada ao poder como um vento benfazejo depois do furacão Jair Bolsonaro já não parecem encará-lo com a mesma deferência. (...) Lula volta de Hiroshima menor do que chegou.” Esta parece ser a imagem que agora passa a marcar o Brasil de Lula no contexto mundial: uma promessa de inclusão no campo das democracias que ficou perdido no pequeno clube dos revisionistas da ordem global liberal. O Brasil já não é o que poderia ter sido...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4415, 13 junho 2023, 3 p.

 

G7 versus the BRICS: taking stock in 12 figures - Thorvaldur Gulfason (Social Europe)

G7 versus the BRICS: taking stock in 12 figures
Can China and Russia offer an alternative social model to the universal norms they reject? The evidence says no.
THORVALDUR GYLFASON
Social Europe, 3/10/2023

 Since 2013, when China´s gross domestic product (GDP) surpassed that of the United States, its economy has been the world´s largest by this measure. Since 1960, on a basic social benchmark, China has added fully 45 years to average life expectancy at birth, compared with 6½ years for the US, and now enjoys a two-year lead at 78 years.

Widening the panorama, how does the G7 group, led by the US, compare with the ‘BRICS’, led by China, on a range of indicators?

Incomes and growth

With a population of 3.2 billion—and shortly to be expanded—the BRICS (Brazil, China, India, Russia and South Africa) outnumber the G7 (Canada, France, Germany, Italy, Japan, the United Kingdom and the US) by a factor of four. Even so, the BRICS’ aggregate gross national income (GNI), adjusted for comparative purchasing power, is only marginally greater than that of the G7—$42.4 trillion compared with $42.1 trillion. Per capita it therefore amounts to about a quarter of the G7 equivalent. The lowest per capita GNI figure among the G7 (Japan) is more than a third larger than the highest among the BRICS (Russia).

The average annual growth of per capita GDP during 1990 to 2022 (constant 2017 international US dollars) was 1.5 per cent in the G7 (blue columns), compared with 4.5 per cent in the BRICS (red). China and India stood out, with extraordinarily high average growth rates of 12.3 and 6.4 per cent respectively (Figure 1). The average annual growth rate of Brazil, Russia and South Africa was 1.3 per cent—a bit below the G7 average.

Figure 1: annual growth of real per capita GDP at purchasing-power parities (%)

G7,BRICS,Russia,China
Source: World Development Indicators, World Bank

There are, though, limitations to national-income statistics, which fail to capture non-market and hidden incomes—never mind the tendency of autocratic rulers to cook the books. Anyway, income is not everything and a broader perspective is called for, including political and social aspects.

Health and education

Let us begin with public health. Figure 2 shows that, except for the China-US comparison, average life expectancy at birth remains higher in each of the G7 countries than in the BRICS. The G7 has an average expectancy of 81 years, compared with 70 in the BRICS. This gap seems however likely to shrink further in the years ahead, as public-health outcomes converge.

Figure 2: life expectancy at birth, 2022

G7,BRICS,China,Russia
Source: World Development Indicators, World Bank

In education, the Programme for International Student Assessment of the Organisation for Economic Co-operation and Development periodically tests 15 year-olds in reading, mathematics and science. China towers over all the others (Figure 3) but Russia, like Italy, lags slightly behind the rest of the G7 while Brazil is further adrift and India and South Africa no longer participate in the PISA tests—having received low scores before.

Figure 3: PISA scores, 2018

Figures 2 and 3 explain why the Human Development Index, which reflects health and education alongside income, registers a much smaller gap between the two groups than the comparison of per capita incomes alone. On a scale from 0 to 1, the average HDI is 0.9 for the G7 and 0.7 for the BRICS.

Democracy and freedom

Figure 4 compares the state of democracy in the two groups as assessed by the Institute for Democracy at the University of Gothenburg, which applies several indicators in 180 countries to produce a composite index from 0 to 1. Unsurprisingly, Nordics—Denmark, Norway and Sweden—occupy the top three places on the 2022 list, with Finland in 10th, although Iceland is 29th, behind Estonia, Latvia and Lithuania; the US is in 23rd place. Again, none of the BRICS democracy scores come close to those of the G7. India´s has collapsed under Narendra Modi’s Hindutva nationalism, from 0.5 in 2016 to 0.3 in 2022. Russia and China scrape the bottom of the ranking. The average score for the G7 is 0.77, compared with 0.31 for the BRICS.

Figure 4: Liberal Democracy Index, 2022

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Source: Institute for Democracy, Gothenburg University

Freedom House provides a similar assessment (Figure 5). On a scale from 0 to 100, its average score for the G7 is 92, compared with 49 for the BRICS.

Figure 5: Civil Liberties and Political Rights Index, 2022

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Source: Freedom House

This matters because democracy, freedom and respect for human rights are universal values, according to international covenants such as the United Nations Universal Declaration of Human Rights of 1948. Also empirical evidence indicates that democracy and economic growth tend to go together.

Corruption, inequality, rule of law

Figure 6 shows the corruption scores assigned by Transparency International (more transparency indicates less corruption). TI defines corruption as the abuse of entrusted power for private gain. Again, each G7 country scores higher—so is perceived to be less corrupt—than all the BRICS. Other sources, such as Gallup, have reported the same conclusion. Majorities in 108 of 129 countries surveyed in 2012 said corruption was widespread in their government. Specifically, 61 per cent of G7 respondents considered corruption widespread, compared with 76 per cent in the BRICS (not including China).


Figure 6: Corruption Perceptions Index, 2022

Figure 7 shows the concentration of wealth by the share of the richest 1 per cent. According to the 2022 World Inequality Report, the average is 26 per cent in the G7 and fully 43 per cent in the BRICS. Moreover, wealth and income inequalities tend to go hand in hand: the Gini index (0 to 100) of income inequality is higher on average in the BRICS (39) than in the G7 (33.5).

Figure 7: share of wealth held by top percentile (%)

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Source: World Inequality Report

The World Justice Project compiles a Rule of Law Index (0 to 1) using 44 indicators across eight categories: constraints on government powers, absence of corruption, open government, fundamental rights, order and security, regulatory enforcement, civil justice and criminal justice. It covers 140 countries, not including China and Russia. The average score for the G7 is 0.76, compared with 0.5 for the three other BRICS (Figure 8).

Figure 8: Rule of Law Index, 2022

In sum, G7 governments not only provide their citizens with higher per capita incomes but also longer lives, better education, more democracy and freedom, less corruption, more equality and more robust rule of law.

Exports and climate protection

Successful export of a broad array of manufactures demonstrates a country´s ability to produce goods other countries want to buy. Figure 9 shows that, despite China and India—both major producers of manufactured goods—exports of manufactures constitute a smaller share of total exports in the BRICS (48 per cent on average) than in the G7 (66 per cent).

Figure 9: share of manufactures in exports (%), 2022

G7,BRICS,China,Russia
Source: World Development Indicators, World Bank

Figure 10 describes the diversification of exports by commodity. It shows the Finger-Kreinin Index, a relative index from 0 (full diversification) to 1 (no diversification), which compares the structure of exports across countries by showing the extent to which it differs from the world average. Exports from G7 countries, with an average index of 0.33, are more diversified than those from the BRICS (0.53). Economic diversification from excessive dependence on the export of natural resources can be intrinsically advantageous, in the same way as political diversification from the dominance of entrenched elites can be beneficial in terms of democracy.

Figure 10: Finger-Kreinin index of export diversification, 2022

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Source: United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD)

If selling several different products to the same customer spreads risk, so does selling the same product to several different customers. Figure 11 describes the economic-cum-geographic diversification of exports by trading partner. The International Monetary Fund’s export-diversification index runs from 0 (full diversification) to 10 (no diversification). With an average of 1.87, the G7 countries have more diversified exports, including more diverse trading partners, than the BRICS, whose average is 2.63. (The most recent values available refer to 2014.)

Figure 11: Theil index of export diversification, 2014

Finally, Figure 12 compares climate-change mitigation across the two groups, based on the Climate Change Performance Index compiled by the non-governmental organisation Germanwatch. The index ranges from 0 (poor performance) to 100 (good performance) and covers 59 countries as well as the European Union, using four groups of indicators: greenhouse-gas emissions (positively weighted), renewable energy, energy use and climate policy. The scores for the G7 and the BRICS are the same on average, at 45, but with considerable individual variation. India has the highest score of the 12 countries shown, surpassed only globally by Denmark, Sweden, Chile and Morocco; China and the US are about equally below average.

Figure 12: Climate Change Performance Index, 2022

Bipolar to multipolar

During the cold war, when national income statistics indicated—wrongly as it turned out—that the US and the Soviet Union were about to become roughly equal in economic terms, the world could be described as bipolar. The two hegemons were clearly not equal in political terms, however, one being a democracy and the other a dictatorship.

Since the Soviet collapse of 1991, the world has been widely seen as unipolar. China, India, Russia and others understandably reject this, in favour of a multipolar world view.

China and India have made impressive progress in many ways, especially in terms of longer lives under better conditions than before. But they still have some distance to go—especially China, which has never embraced democracy. Russia, whose per capita GNI was 40 per cent below the G7 average in 2022, is now adrift on numerous indicators.

Firm commitment

In the years ahead, the G7 and the BRICS will likely engage in brisk competition to win hearts and minds around the globe. The G7 are however the more cohesive group (even before the BRICS adds the six recent invitees)—and not just because the average distance between their capitals is 5,504 kilometres, compared with 9,291km for the BRICS.

More importantly, the G7 countries enjoy close relations among themselves, whereas China and India are old adversaries with unsettled territorial conflicts on their border. Furthermore, mindful of Russia´s long history of relentless expansion, eastwards as well as south and west, Chinese officials have seen reason to remind the Russians that Vladivostok was a Chinese city as recently as 1860.

With no similar issues on its hands, the G7 would like to be able to convince the BRICS of the benefits of embracing democracy and freedom. For that to be possible, however, they must not stray from firm commitment to democracy, freedom and respect for human rights themselves.

Thorvaldur Gylfason

Thorvaldur Gylfason is professor emeritus of economics at the University of Iceland and a former member of Iceland´s Constitutional Council.

Argentina numa fase terminal: que venha o dilúvio (OESP)

 Escândalo no Kirchnerismo ameaça campanha de Sérgio Massa na reta final

O Estado de S. Paulo, 3/10/2023

Na reta final das campanhas para o primeiro turno das eleições na Argentina, fotos de um membro do governo aproveitando férias luxuosas na Espanha enquanto os números de pobreza do país saltam respingaram no candidato peronista Sergio Massa, que pediu publicamente sua cabeça. As imagens, publicadas se espalharam na redes sociais e fez do ministro-candidato um alvo no debate presidencial do último domingo, 1º enquanto ele luta para conseguir uma vaga no segundo turno.

 No último sábado, 30, a modelo Sofía Clerici publicou em seu Instagram fotos junto com Martín Insaurralde, kirchnerista que até então era chefe de Gabinete da província de Buenos Aires e disputava um cargo de vereador em Lomas de Zamora, uma cidade-chave da grande Buenos Aires. Nas imagens, o político aparece não apenas em um iate de luxo em Marbella, na Espanha, mas rodeado de champanhe, bolsas Louis Vuitton e relógios Rolex. Clerici chegou a apagar as imagens minutos depois, mas rapidamente elas viralizaram na rede social X (antigo Twitter). 

Poucas horas depois, Insaurralde renunciou de seu cargo e nesta segunda-feira, 2, desistiu da corrida eleitoral, a pedido de Sergio Massa, segundo os jornais argentinos. O escândalo ameaça não apenas a corrida presidencial peronista, mas coloca em xeque a vitória de Axel Kicillof na província de Buenos Aires, até então dada como certa. Os opositores de Massa logo se pronunciaram nas redes. 

“Quando os políticos dizem que a despesa pública é sagrada e que nada pode ser cortado, é porque estão se preocupando com os negócios que lhes permitem viver como monarcas”, escreveu o libertário Javier Milei. Logo em seu discurso de apresentação no debate, a candidata Myriam Bregman, do Frente de Esquerda e da Unidade dos Trabalhadores, disparou “Enquanto o povo passa fome, eles vão nos seus luxuosos iates passear pela Europa”. “Massa, explique aos argentinos como sendo o pior ministro da Economia, você pode ser presidente”, lançou Patricia Bullrich, candidata pela oposição do Juntos pela Mudança. “Como você pode se dividir em duas pessoas com tanto cinismo. 

Você aumentou 40 impostos e agora quer fazer uma lei criminal, já tem o primeiro, implique Insaurralde”. Mas analistas admitem que esperavam que o escândalo fosse mais explorado do que realmente foi no debate de ontem. Ao fim do debate presidencial, ocorrido na empobrecida província de Santiago del Estero, Massa pediu abertamente a renúncia do chefe de Gabinete de Buenos Aires: “Insaurralde cometeu um erro grave, renunciou (ao cargo no gabinete) e tem que renunciar à candidatura”. 

De acordo com o jornal argentino Clarín, nos bastidores Massa pressionou para a queda do político. “Como não quero ser utilizado para afetar o espaço político no processo eleitoral, hoje apresentei a minha demissão do cargo de Chefe de Gabinete da Província”, disse Insaurralde ao renunciar no mesmo sábado. A província em risco Com a improbabilidade de Massa vencer as eleições presidenciais, já que em um cenário de segundo turno ele perderia para Milei e para Bullrich, o peronismo aposta todas as fichas nas eleições para a província de Buenos Aires. 

E é justamente nesta eleição que o peronismo pode sofrer a sua derrota mais dramática. A chapa peronista do União pela Pátria venceu as primárias para o governo de Buenos Aires, com Axel Kicillof recebendo mais de 36% dos votos contra o Juntos pela Mudança (32,92%) pela sua reeleição. A diferença, porém, foi pequena e não seria impossível uma virada da oposição. O União pela Pátria também disputa a prefeitura da cidade de Buenos Aires, mas com menores probabilidades de vitória, já que Jorge Macri, primo de Mauricio Macri, lidera a corrida.

 A província de Buenos Aires, que tem o maior eleitorado do país, foi uma das poucas onde ganhou Sergio Massa na primárias. Para saber como este escândalo afetará o peronismo nas próximas semanas será necessário esperar a reação das próprias lideranças peronistas, defende Facundo Cruz, cientista político e coordenador geral do Instituto Pulsar da Universidade de Buenos Aires. “Sergio Massa reagiu rapidamente [ao escândalo]”, aponta Cruz. “Ontem deu declarações à imprensa sobre o que aconteceu com Insaurralde e não só aplaudiu sua renúncia à liderança de gabinete, mas foi mais longe e pediu-lhe que desistisse da lista de vereadores em Lomas de Zamora. Então já estamos vendo mais um Sergio Massa que de alguma forma busca se consolidar como o líder do peronismo e aquele que dita as diretrizes para os demais dirigentes”. Kicillof, que é próximo de Insaurralde, foi rápido em aceitar sua renúncia de sua equipe. 

Mas nas redes sociais as críticas giravam em torno da renúncia ter partido do próprio chefe de Gabinete e não uma demissão direta por Kicillof. De acordo com jornais argentinos, logo após o debate eleitoral, toda a cúpula peronista, incluindo Massa e Cristina Kirchner, se reuniram para decidir o que fazer no caso. Logo em seguida, Massa buscou se distanciar do candidato a vereador que aparece no fim de sua cédula eleitoral. Hoje, um vídeo viralizou nas redes mostrando um cartaz de Insaurralde junto o candidato peronista para a prefeitura de Lomas e Zamora sendo retirado às pressas na cidade. 

A tragédia dos refugiados afegãos e a incapacidade das estruturas brasileiras de acolhimento - Mayara Paixão Bruno Santos (FSP)

Afegãos ofertam até propina a ONGs após nova política no Brasil gerar confusão 

Mudança determina concessão de vistos apenas caso seja comprovada disponibilidade de vagas em abrigos 

Mayara Paixão Bruno Santos 

FOLHA DE SÃO PAULO, 3/10/2023

 "Olá, sou Mahsa [nome fictício], de Cabul, e estou no Irã atualmente. Trabalhava para o governo afegão e já estou há dois anos esperando um visto de acolhida humanitária. Por favor, me ajudem a conseguir o visto para o Brasil, tenho dinheiro, caso seja necessário." Mensagens como essa passaram a lotar canais de comunicação de ONGs que atuam com acolhida de migrantes no Brasil desde que o governo alterou, na última semana, a política de vistos humanitários para afegãos. A portaria entrou em vigor nesta segunda-feira (2). Ainda não há, porém, detalhamento de como as mudanças serão colocadas em prática. E é neste limbo informacional que uma confusão se instaurou entre a diáspora afegã que já está no Brasil e a que deseja emigrar fugindo do Talibã. 

A desinformação está em todo lugar. A Organização de Resgate de Refugiados Afegãos (Arro, na sigla em inglês), uma das ONGs que atuam com afegãos, viu saltar o número de mensagens recebidas, algumas delas com oferta de propina, desde o anúncio da nova portaria. Em nota, a Arro diz que o pouco que se sabe até aqui mostra "brechas regulatórias que, se não observadas, poderão gerar tentativas de fraudes e corrupção de todo o terceiro setor envolvido na causa". 

Também critica o fato de nem as próprias ONGs terem sido procuradas para que entendam o papel a cumprir daqui para a frente. O principal ponto de dúvida está no trecho que diz que a concessão de vistos estará sujeita à existência de vagas para abrigo por organizações que tenham firmado acordos com o Estado. A informação deu margem para a interpretação de que, para vir, o migrante deve ser "convidado" por alguma ONG ou receber algum tipo de "carta de patrocínio". 

 À Folha o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, corresponsável pelo tema junto com o Itamaraty, afirmou que as ONGs não terão nenhuma interferência no processo de aprovação dos vistos e que nenhuma carta ou documento do tipo é necessário. Segundo a pasta, as organizações firmarão acordos com o Estado para que se tenha conhecimento de quantas vagas há para acolher afegãos e qual o plano de acolhimento —o objetivo é facilitar oportunidades econômicas e aulas de português para os imigrantes, por exemplo.

 A seleção de quem receberá o visto seguirá sendo feita pelo governo com apoio da duas agências da ONU, a OIM (Organização Internacional para as Migrações) e o Acnur (Agência da ONU para Refugiados). Um edital com os detalhes, ainda segundo o ministério chefiado por Flávio Dino, deve sair em breve. Enquanto isso, afegãos no Brasil relatam preocupação e incerteza. 

Não apenas com essa alteração como também com o fim da concessão de vistos em algumas embaixadas, como a da Turquia, onde há vasta comunidade afegã que, ao ver seu visto temporário expirar, busca o Brasil como opção. Wahidullah Seerat, 27, formado em administração de empresas na Índia, é um dos tantos afegãos que se dizem confusos e temerosos sobre os efeitos das mudanças. Há uma semana ele mora do Terminal 2 do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, onde espera vaga em um abrigo ao lado de dezenas de famílias que têm acesso limitado a chuveiros e reclamam das condições de higiene. Ele compartilhou com a reportagem vídeos que circulam em redes sociais com as informações que, segundo o governo afirmou, estão incorretas. 

No TikTok, o vídeo de um repórter independente diz que, agora, "qualquer cidadão afegão que planeje obter um visto no Brasil precisará de apoio prévio da sociedade civil". O conteúdo teve mais de 145 mil visualizações em apenas quatro dias. Seerat viu-se forçado a se exilar do Afeganistão após organizar um evento sobre marketing em uma universidade de sua província, Badakhshan, com homens e mulheres —o regime repele eventos mistos e tem retirado os direitos das mulheres. 

Funcionários talibãs o procuraram e o ameaçaram. Até que ele fugiu para a Turquia. No país do Oriente Médio Seerat ainda tem amigos afegãos cujos vistos temporários vencerão em breve. O sonho deles, assim, era vir para o Brasil. Mas o fim da possibilidade de solicitar o visto na embaixada de Ancara frustrou essa possibilidade e, relata Seerat, os deixou em desespero. "Agora vão migrar para algum país da Europa em rotas ilegais, com risco de morrerem no trajeto." Para a Conectas Direitos Humanos, as novas medidas geram uma restrição do acesso ao território brasileiro para afegãos e terceiriza um dever do Estado. "As ONGs têm capacidade limitada e não deveriam ter responsabilidade primordial por esse serviço. 

A acolhida humanitária deveria ser uma tarefa principalmente do Estado", diz Marina Rongo, assessora da organização. "Tudo isso aumenta o tempo de espera para essas pessoas que estão numa situação extremamente grave, tentando salvar as próprias vidas. E também aumenta os riscos de tráfico de pessoas e contrabando." Já o governo afirma que um dos objetivos da mudança é justamente "evitar a exposição de migrantes ao aliciamento por criminosos". Como a Folha mostrou, um argumento-chave da decisão foi tentar conter a rota perigosa que muitos afegãos empreendem depois de chegar ao Brasil rumo aos EUA. No Terminal 2 do aeroporto de Guarulhos, não é difícil encontrar relatos de afegãos que começam a cruzar as Américas em trechos por vezes mortais, como a selva de Darién, no Panamá. Desde que iniciou a política de vistos humanitários para afegãos em 2021, pouco após o retorno do regime fundamentalista do Talibã ao poder, o Brasil emitiu ao menos 9.392 documentos. 

No país da Ásia Central, o perigo é não apenas a repressão política, mas também o colapso econômico. Dados da ONU mostram que pelo menos 15,3 milhões de afegãos vivem em insegurança alimentar aguda. Ou seja: passam fome. Das 34 províncias afegãs, 25 convivem com desnutrição. Metade das crianças de menos de 5 anos de idade e 25% das mulheres grávidas e puérperas precisam de apoio nutricional para sobreviver. O Brasil, enquanto isso, segue sendo descrito como um destino "amigável", de portas abertas. Para a veterinária Razia Rastgar, 26, foi a única oportunidade vista para buscar trabalho. 

Na província de Herat, ela atuava com organizações humanitárias que prestavam apoio a fazendeiros. Chegou a prestar serviço à FAO, organização da ONU para alimentação e agricultura. Mas há um ano o Talibã a proibiu de trabalhar quando cerceou a participação de mulheres em ONGs. Rastgar está com o marido, com quem é casada há um ano, no aeroporto, enquanto aguarda uma vaga em um abrigo —e uma oportunidade de voltar a trabalhar.