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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Uma entrevista sobre o liberalismo e o mundo realmente existente - Paulo Roberto de Almeida

Transcrevo novamente minha entrevista ao IBRI-RBPI, tal como recebida recentemente por um desses envios "sorpresisticos" (como diria alguma mente privilegiada) a partir do vigilante trabalho editorial.
Está neste link: http://ibri-rbpi.org/2015/09/30/transformacoes-da-ordem-economica-mundial-do-final-do-seculo-19-a-segunda-guerra-mundial-entrevista-com-paulo-roberto-de-almeida/
Paulo Roberto de Almeida





Transformações da ordem econômica mundial, do final do século 19 à Segunda Guerra Mundial – Entrevista com Paulo R. de Almeida

Entre o final do século XIX e a metade do século XX, a economia mundial foi estruturalmente modificada. O modelo capitalista consolidou-se e, posteriormente, evoluiu, ganhando feições modernas e fundando a sociedade de consumo de massa. As inovações tecnológicas, que chegavam a literalmente assustar, e as inovações organizacionais resultaram em um aumento inédito (e inimaginável) da produtividade. O padrão ouro, pilar da estabilidade da ordem econômica mundial do século XIX, foi definitivamente abandonado, o que produziu grande volatilidade e insegurança. Em 1944, no entanto, surgiu o sistema Bretton Woods, em reação àquela instabilidade estrutural. Assim, foram estabelecidas instituições que, até hoje, ajudam a moldar a ordem financeiro-comercial: o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Acordo Geral de Tarifa e Comércio (GATT, na sigla em inglês). Por fim, nesse período, os Estado Unidos se consolidaram como a maior economia do planeta, rompendo com séculos de predomínio europeu. Paradoxalmente, no entanto, muitas características da ordem econômica mundial não se alteraram.
Essas e outras mudanças e contradições são analisadas no artigo Transformações da ordem econômica mundial, do final do século 19 à Segunda Guerra Mundial, publicado na mais recente edição da Revista Brasileira de Relações Internacionais. O diplomata Paulo Roberto de Almeira, autor do artigo, concedeu entrevista a Daniel Costa Gomes, membro da equipe editorial da RBPI e mestrando em Relações Internacionais na Universidade de Brasília – UnB.
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984), mestre em Planejamento Econômico e Economia Internacional pelo Colégio dos Países em Desenvolvimento da Universidade de Estado de Antuérpia (1976), formou-se em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1974). Defendeu tese de história diplomática no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco do Ministério das Relações Exteriores (1997). Diplomata de carreira desde 1977, exerceu diversos cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores e em embaixadas e delegações do Brasil no exterior. Desde 2004 é professor no Programa de Mestrado e Doutorado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). É autor de  mais de uma dezena de livros individuais, organizou diversas outras obras, participou de dezenas de livros coletivos e assinou centenas de artigos em revistas especializadas.

1) Como apontado no artigo, o liberalismo clássico não existe mais desde a década de 1930. O Estado ganhou papel mais ativo na sociedade, e as relações sociais passaram a ser amplamente regulamentadas. Apesar disso, movimentos políticos, como os libertários nos Estados Unidos, defendem a volta daquele modelo. O que você acha disso?
Paulo Roberto de Almeida: Sendo breve, eu diria que não existe a menor chance disso acontecer, ou seja, um volta ao “modelo” liberal, que não era modelo, e que de fato não existia. Mas cabe elaborar um pouco mais a esse respeito, recolocando esse suposto “modelo” em seu contexto histórico. Existem aqui duas questões de natureza diferente: o mundo real e o mundo das ideias. O primeiro tem a ver com processos e eventos concretos, fatos objetivos, ocorrendo no mundo das relações sociais efetivamente existentes: a produção, a comercialização, fluxos e estoques de poupança, de investimentos, moedas, etc. O segundo se refere a um conjunto de concepções sobre esse mundo, que podem ser aplicadas ex-ante “por engenheiros sociais”, ou seja, para planejar e mudar a forma como as comunidades humanas gostariam ou poderiam organizar aquelas relações, ou implementadas a posteriori, ou seja, o que e como fazer em face de eventos ou fatos objetivos que fogem ao processo normal de desenvolvimento das mesmas relações, e que exigem respostas da comunidade, tomadas com base em certas ideias, pequenas, modestas, ou grandiosas, verdadeiramente transformadoras. Quanto mais pretensiosas essas ideias, maiores os desastres que podem esperar seus propositores e suas vítimas.
O capitalismo, tal como conhecido historicamente, pertence, obviamente, bem mais ao mundo real do que ao mundo das ideias, mesmo quando ideólogos e filósofos sociais buscaram teorizar ou explicar o “sistema”, desde o Iluminismo até a atualidade. O fato é que nenhum cérebro genial “planejou” o capitalismo: ele foi sendo implantado aos poucos, como resultados de processos “naturais” de desenvolvimento econômico e social, sem qualquer central coordenadora de suas “boas” ou “más” variantes. Diferente é o status do socialismo e das concepções coletivistas e de dirigismo econômico, aplicadas tanto nos casos dos fascismos europeus do entre-guerras – como o fascismo mussoliniano ou o nazismo hitlerista – quanto na experiência mais longeva do socialismo de tipo soviético. O dirigismo também existiu na forma mais amena do planejamento indicativo de diversos países europeus na segunda metade do século 20. Aqui estamos falando de ideias que tentaram guiar o mundo real, sempre com falhas e limitações intrínsecas, ou mesmo produzindo alguns desastres incomensuráveis.
O liberalismo clássico, que na verdade nunca existiu, de fato, correspondeu, no campo do mundo real, ao chamado período do capitalismo laissez-faire, a Belle Époque, grosso modo do último terço do século 19 até a Primeira Guerra, e no campo das ideias, ao pensamento liberal de corte essencialmente britânico (escocês ou inglês), com umas poucas derivações continentais (Benjamin Constant ou Alexis de Tocqueville, na França, por exemplo, ou Wilhelm von Humboldt, na Prússia). Se ele de fato existiu, no terreno do mundo real e no das ideias, ele veio a termo bem antes de 1930, e pode ter sido “enterrado”, pelo menos temporariamente, pelos eventos momentosos da Grande Guerra e, depois, pelas crises do entre-guerras, sobretudo pela Grande Depressão. Termina aí um suposto liberalismo, muito pouco liberal, e muito menos clássico; foram apenas experimentos locais de liberalização política e de relativa liberdade econômica que correspondem ao triunfo temporário das concepções burguesas do mundo.
O neoliberalismo, que se ensaiou no terreno das ideias a partir das primeiras reuniões da Sociedade do Mont Pelérin (com Friedrich Hayek), no final dos anos 1940, só conseguiu ter um tênue ressurgimento muitos anos depois, quando da ascensão de líderes políticos conservadores, como Margaret Thatcher, no Reino Unido, em 1979, e Ronald Reagan, nos EUA, em 1980. Na periferia do sistema, nunca chegou a existir qualquer neoliberalismo consistente, embora tenham ocorrido, no México, no Chile, e alguns outros (poucos) países, tímidos processos de reformas econômicas tendentes a limitar os excessos do nacionalismo doentio e do estatismo esquizofrênico em uso e abuso nos anos da grande euforia keynesiana, do final dos anos 1940 ao final dos 70.
Mais recentemente, tomaram pequeno impulso grupos liberais ou libertários, e alguns “anarco-capitalistas”, que representam uma tentativa de “revival” de antigas ideias liberais, ou libertárias, mas que provavelmente não vão prevalecer, no momento presente, ou, provavelmente, em qualquer tempo do futuro previsível. Os fenômenos são quase inteiramente políticos, ou seja, de círculos intelectuais, e dispõem de pouco apoio dos verdadeiros capitalistas, estes sempre ocupados em obter algum tipo de entendimento com as burocracias governamentais, com a máquina estatal. Ou seja, os ideais liberais, ou libertários, se desenvolvem um pouco à margem dos processos reais de organização econômica e social.
Depois desta contextualização histórica sobre o itinerário das ideias e processos econômicos no último século, cabe responder à pergunta especificamente formulada sobre as chances que teria, historicamente ou praticamente, uma volta a um modelo liberal de capitalismo que teria existindo mais de um século atrás. Meu argumento, como já referido, é que esse liberalismo, na verdade, nunca existiu, de fato, ou seja, como expressão de tendências “naturais” do sistema capitalista nessa etapa de seu desenvolvimento histórico. Respondendo rapidamente à primeira pergunta, portanto, pode-se confirmar que o liberalismo “clássico”, se já não existia antes, não tem a mais mínima chance de retornar agora, e não tem qualquer perspectiva futura em termos de governança econômica ou de organização do Estado. Ele permanece uma ideia.
Não é que ele não tenha nenhuma chance teórica de voltar a conquistar corações e mentes de acadêmicos, ou mesmo de algumas (pequenas) frações da opinião pública, pois sempre existirão ideólogos liberais que conseguirão fazer passar a sua mensagem de liberdades econômicas a espectros mais amplos de algumas sociedades. É que a complexidade do mundo moderno, o agigantamento da burocracia, a dimensão já alcançada por um sem número de programas estatais, ou públicos, nos mais variados setores da vida social (e individual) tornam irrisórias essas chances de revival liberal no futuro previsível. Será muito difícil, senão impossível fazer o Estado recuar para as dimensões e a importância econômica que ele tinha um século atrás. Seria como se tivéssemos de colocar o gênio para dentro da garrafa outra vez, ou, como já afirmou uma mente privilegiada, de “enfiar a pasta para dentro do dentifrício novamente”.
O fato de que grupos liberais, libertários, façam campanha ou agitem bandeiras proclamando a necessidade de se reduzir o papel e o peso do Estado na vida não só econômica, mas simplesmente cotidiana, não significa que essa reversão seja factível ou sequer imaginável. Já nem se está falando dos anarco-capitalistas, dos libertários, que desejam uma ausência completa do Estado, pois eles são como os anarquistas do século 19: um punhado de sonhadores, um número muito reduzido de militantes utópicos. Os liberais verdadeiros, aqueles que desejam apenas medidas racionais para uma maior amplitude das liberdades econômicas na organização social contemporânea, não devem esperar qualquer avanço notável em favor ou no sentido de sua pregação bastante sensata e altamente razoável. O liberalismo não desapareceu, e não desaparecerá, mas suas chances de se tornar hegemônico – o que ele nunca foi – continuam e continuarão bastante reduzidas.
As razões podem ser resumidas assim: as sociedades contemporâneas dispondo de economias avançadas, com um grau razoável de prosperidade e de bem-estar para a maioria da população, ainda não enfrentaram crises fiscais verdadeiras para reverter a natureza ainda essencialmente keynesiana de suas políticas econômicas; tampouco elas conheceram rupturas severas de seus modelos previdenciários e assistencialistas, que as obrigassem a desenhar e implementar sistemas alternativos de seguridade social, que represente uma diminuição do tamanho e do custo do Estado benefactor. Os países e economias socialistas desapareceram praticamente por completo – e o que restou são apenas aberrações aguardando os taxidermistas – mas eles nunca foram modelo de nada, a não ser para mentes alucinadas das academias. Quanto aos países emergentes e nações em desenvolvimento, eles ainda estão construindo seus sistemas de assistência social e de seguridade inclusiva para desistir no meio do caminho. Nos dois casos, países desenvolvidos e em desenvolvimento, políticos demagogos, mandarins privilegiados, burocracias poderosas, excessivamente poderosas, impediriam qualquer reversão no processo de construção de um Estado babá, que aliás está em expansão contínua.
Voltando a ser breve, eu apenas apelo ao realismo ou ao bom senso: não se pode esperar a volta do liberalismo, nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar. Não há nenhum risco dessa coisa acontecer novamente, inclusive porque já não acontecia antes. O Estado sempre foi poderoso, desde os tempos do absolutismo; ele só tinha um papel econômico relativamente reduzido por razões próprias ao processo de construção das modernas sociedades urbanas e à organização do modo de produção capitalista. O gênio já tinha saído da garrafa, talvez antes mesmo da Primeira Guerra Mundial; depois, então, ele nunca mais deixou de se espalhar por cada poro da sociedade. Esse é o mundo real, mas também está nos corações e mentes, ou seja, o culto desmedido do Estado. Se olharmos o povo brasileiro, por exemplo, existe uma evidente comprovação dessa tese: por mais que ele sofra nas mãos do Estado – de um Estado semifascista como o que aqui existe – o povo brasileiro ama o Estado, quer mais Estado, suplica por políticas estatais, tanto quanto os capitalistas estão sempre pedindo “políticas setoriais” aos ministros e burocratas de Brasília. Portanto, não esperem nenhum recuo por enquanto.

2) Você menciona, no artigo, que o pós-Primeira Guerra foi caracterizado pelo forte intervencionismo estatal na economia. Após a Segunda Guerra Mundial, no entanto, o resultado foi completamente diverso, com a adoção do multilateralismo econômico. Como explicar resultados tão distintos, em tão curto espaço de tempo, em face de praticamente os mesmos países?
Paulo Roberto de Almeida: O forte intervencionismo estatal na economia começou no próprio bojo e em razão da Primeira Guerra, e não apenas na organização da produção industrial voltada para a guerra, mas também em função de todos os mecanismos financeiros e monetários que conduziram à uma quase completa subordinação da economia às razões da política até então conhecida na história da humanidade, processos que foram exacerbados nos casos dos fascismos europeus, e levados a um delírio extremo no caso do bolchevismo. Vozes liberais como as de Ludwig von Mises ou de Friedrich Hayek caíram num vazio “ensurdecedor”, ao mesmo tempo em que ascendiam as doutrinas econômicas de corte intervencionista, mesmo na versão mais moderada do keynesianismo aplicado.
O fato de que no segundo pós-guerra se tenha caminhado, no plano das relações econômicas internacionais, para a ordem multilateral simbolizada pelas instituições de Bretton Woods e pelo Gatt não quer dizer que se tenha abandonado o intervencionismo estatal na economia, que aliás não se opõe ao primeiro fenômeno, e que pode até ter sido o contrário do pretendido. Quase todos os países avançados aderiram, por certo, ao multilateralismo econômico e continuaram, ou aprofundaram, formas diversas de intervencionismo estatal, seja na forma mais light do contratualismo de inspiração rooseveltiana, seja na versão bem mais dirigista do socialismo europeu (com diversos países conduzindo processos extensivos de nacionalizações e de estatização, com experimentos de planejamento indicativo que traduziam a mesma intenção).
Os resultados, portanto, não são distintos, e não são contraditórios, pois o fato de se trabalhar num ambiente internacional mais aberto aos intercâmbios os mais diversos – comércio, investimentos, abertura econômica, de modo geral – não impediu governos de estenderem a regulação estatal a setores cada vez mais “privados” da vida social, em saúde, educação, planejamento familiar, sempre num sentido “redistributivo” – ou seja, para corrigir “desigualdades sociais” – e geralmente intrusivo na vida pessoal. Mesmo nos países que souberam proteger as liberdades individuais – afastando o temor do Big Brother orwelliano, que no entanto existia plenamente na União Soviética e na China comunista, por exemplo –, a atuação do Estado se fez mais visível e praticamente avassaladora, ainda que estando presente de uma forma não opressiva, como ocorria nos casos “clássicos” de ditaduras comunistas. Mas até mesmo esses regimes opressivos terminaram por aderir ao multilateralismo, embora nunca extirpassem os aspectos mais intrusivos do controle estatal sobre seus cidadãos. No caso ainda mais exemplar dos países em desenvolvimento, em princípio capitalistas e aderentes formais à ordem econômica de Bretton Woods, o papel do Estado foi igualmente determinante, quando não dominante, em quase todas as áreas relevantes de organização econômica. Continua a ser, de certo modo, inclusive porque vários deles, depois de breves e/ou tempestuosos ensaios com experimentos “neoliberais”, voltaram, pela via eleitoral, ao populismo estatizante e demagógico dos velhos tempos de keynesianismo improvisado.
A pequena reversão do estatismo exacerbado registrado nesses países no período recente e até os processos mais consistentes de desestatização e de maior abertura econômica – como aliás ocorre atualmente na China – não foram capazes de diminuir o peso do Estado na vida econômica, como aliás evidenciado nas estatísticas fiscais de todos os países no último meio século: basta observar a carga fiscal nos países da OCDE, para constatar o progresso constante do ogro estatal em praticamente todos os países, independentemente dos progressos do multilateralismo e da globalização desde os anos 1990. Em síntese, não cabe equacionar o multilateralismo da ordem de Bretton Woods com o fim do intervencionismo econômico – embora ele tenha eliminado os aspectos mais discriminatórios dos regimes comerciais precedentes, assim como dos sistemas de pagamentos – pois este continuou sob novas roupagens e em novas formas. O dirigismo rústico dos sistemas coletivistas do entre-guerras cedeu lugar ao Estado de bem-estar social, que logo estabeleceu outros requerimentos em termos de “extração fiscal” e de “redistribuição” pelo alto, não pela via dos mercados.

3) Antes da Grande Recessão, de 2008, muitos analistas apontavam que o fim da Guerra Fria levou à emergência de uma nova era liberal. Nesse sentido, a virada entre os séculos XX/XXI era comparada à virada entre os séculos XIX/XX. Você acredita que o paralelo é válido?
Paulo Roberto de Almeida: Analistas superficiais – como jornalistas econômicos, historiadores apressados e sociólogos mal preparados – adoram ver paralelos históricos ou analogias formais entre processos separados por décadas, ou por séculos inteiros. Daí imagens frequentemente invocadas de um “novo equilíbrio de poderes” – ao final da Guerra Fria, como se estivéssemos na belle Époque – ou as demandas por um “novo Bretton Woods”, em face da enorme desordem financeira trazida pelas crises da economia internacional, nos anos 1990 e a partir de 2008. A ideia de que houve uma “nova era liberal” no final da Guerra Fria não corresponde absolutamente aos processos históricos efetivamente havidos. A Guerra Fria não tem tanto a ver com a terceira onda de globalização – iniciada, por sinal, antes de seu término “oficial”, ainda nos anos 1980, quando a China se abre aos capitalistas estrangeiros – quanto a abertura econômica ocorrida no último quinto do século 20 tem a ver, fundamentalmente, com o esgotamento e a subsequente implosão prática do modo socialista de produção enquanto alternativa credível ao modo capitalista de organização econômica e social.
Esse “modo capitalista” – que certamente não é uno, unificado ou  uniforme, e que sequer é capitalista em toda a sua extensão, sendo mais exatamente um sistema de mercado baseado em certas regras comuns – não é necessariamente liberal (como prova o caso da China), ou tampouco menos intervencionista do que os modelos keynesianos exacerbados em vigora na maior parte da Europa continental, na América Latina e em vários outros cantos do planeta. O capitalismo é um processo “irracional”, incontrolado e incontrolável, assumindo formas diversas ao longo dos séculos, e que não depende da democracia liberal para frutificar e se consolidar; ele pode ocorrer sob os regimes políticos os mais diversos, inclusive ditaduras abertas. É certo, porém, como dizia Milton Friedman em Capitalism and Freedom (1962), que a liberdade de mercados é uma condição necessária – embora não suficiente – das democracias. O capitalismo facilita a vida das democracias, e certamente a aproxima do polo liberal de organização social e política, mas ele não pode, por suas próprias forças moldar todo um sistema, o que ultrapassa em muito a sua “missão histórica”: ele veio ao mundo para produzir mercadorias, não para distribuir bondades políticas, e menos ainda para corresponder a construções teóricas generosas e libertárias como podem ser os regimes liberais.
Não acredito em paralelos históricos ou em analogias superficiais, ainda que alguns processos possam ter similaridades formais, uma vez que os atores fundamentais – que são os Estados nacionais, que estão conosco há quatro séculos, e que prometem perdurar por vários séculos mais – permanecem os mesmos, e os mecanismos de ação – dissuasão, cooperação, intimidação, persuasão, dominação – também permanecem substancialmente os mesmos desde Westfália. O fato de existir essa grande coisa que se chama ONU – que De Gaulle chamava de “grand machin” – não muda muito nas equações de base do sistema internacional, que continua a ser interestatal e soberanista.
O que poderia haver de paralelo entre o final do século 19 e o início do 21? Pouca coisa, se alguma. Os Estados, num e noutro caso, continuam a ser decisivos na vida política e econômica do mundo, agora ainda mais do que antes, inclusive porque eles ganharam um poder absoluto de emissão irresponsável de moeda, provocando os mesmos males que já tinham provocado na Primeira Guerra Mundial e mais além, ou agravando outros: inflação, déficits orçamentários, desequilíbrios fiscais, regulação intrusiva, endividamento excessivo, movimentos cambiais erráticos e outros males que ainda estão por vir. Seria ilusão, contudo, acreditar que vamos retornar a um padrão ouro, a uma intervenção mínima dos Estados na vida econômica, ou às liberdades econômicas – livre fluxo de capitais e de pessoas, comércio relativamente desimpedido ou protecionismo moderado – que existiam antes da Primeira Guerra.
Sequer no plano político o cenário pode ser colocado em paralelo: a despeito de continuarem a existir, grosso modo, as mesmas grandes potências, a globalização atual se vê fragmentada em quase duas centenas de soberanias distintas e independentes. As guerras deixaram de ser globais, por certo, mas a mortandade continua numa escala ainda respeitável, ainda que espalhada por centenas de conflitos civis, étnicos, religiosos e no aumento da criminalidade transnacional e do terrorismo fundamentalista. O mundo é provavelmente melhor, no cômputo global, do que um século atrás – longevidade, níveis de bem estar, acesso a bens e serviços culturais, epidemias de fome que podem não ser tão mortíferas quanto no passado, etc. – mas ele continua tão excitante, ou tão perigoso, quanto antes…

4) Entre o final do século XIX e meados do século XX, houve um intenso processo de tentativa e erro. Nesses processos, várias alternativas políticas e econômicas foram testadas. Para você, quais são as principais lições desse período de grandes ensaios?
Paulo Roberto de Almeida: Excelente pergunta, mas que não pode ser respondida de modo simplista, ou de forma ideológica. Aqui também é preciso estabelecer as distinções necessárias entre, de um lado, processos reais no bojo de um itinerário “natural” da história econômica do sistema capitalista, e, de outro, as ideias e as concepções que justamente estiveram por trás dos grandes experimentos de “engenharia social”, que foram todos de natureza política. Por exemplo, a noção de uma sucessão de “grandes ensaios”, de processos de “tentativa e erro”, não pertence ao reino das possibilidades históricas previsíveis, pois ela pressupõe a conformação de uma formação social submetida à ação voluntária de atores sociais determinados a implementar esses experimentos, o que geralmente não é o caso, pelo menos não no ambiente natural das democracias de mercado, que são as experiências mais permanentes na história humana dos últimos cinco séculos. É certo que grandes revoluções sociais – a francesa do século 18, a bolchevique e a maoísta do século 20, não esquecendo as convulsões sociais que levaram aos fascismos do entre-guerras – não foram planejadas, mas as mudanças impostas à economia e à vida social e econômica na sequência de cada uma delas foram planejadas e implementadas sem que os “erros” fossem esperados: estes resultaram da “lei” das consequências involuntárias.
Regimes absolutistas, ditaduras abertas, tiranias comunistas e fascistas surgiram e desapareceram enquanto experimentos de “ensaio e erro”, uma vez que violavam certas “leis econômicas” da organização social, ou contrariavam a aspiração natural dos seres humanos a maior autonomia, à liberdade individual, à iniciativa privada e à defesa da propriedade. O fato de a democracia inglesa ter se mostrado durável desde 1688, ou de a grande nação americana ter preservado até a atualidade os traços fundamentais estabelecidos um século depois pelos “pais fundadores” deve-se provavelmente ao fato de não terem essas duas formações políticas embarcado em processos tentativos de “ensaio e erro”, e sim respeitado algumas regras simples do jogo democrático e da ordem econômica.
Todas as “grandes” experiências contemporâneas nessa vertente – os fascismos europeus do entre-guerras e suas derivações periféricas, a escravidão bolchevique e o monstruoso delírio maoísta, com seus milhões de mortos – foram todas legítimos empreendimentos de “engenharia social”, o que não ocorreu com as democracias de mercado, independentemente de suas crises econômicas e de seus problemas sociais. No pós-guerra, as inflações latino-americanas, as sucessivas trocas de moedas, no bojo de catastróficos programas de “engenharia econômica” tentativamente de estabilização, as crises intermitentes derrubando presidentes e trocando ditadores também pertencem ao mesmo universo dos ensaios de “tentativas e erros”, sobretudo no campo econômico.
O itinerário da União Soviética é exemplar nesse sentido: socialismo de guerra e seu cortejo de fome e miséria; Nova Política Econômica, e sua pequena janela de liberdade para pequenos mercados capitalistas; estatização extensiva e lançamento dos planos quinquenais; coletivização da agricultura, seguido de nova onda de fome e de uma enorme mortandade provocada; socialismo num só país e industrialização à base de trabalho “escravo”; estatização completa da economia e consolidação de uma divisão entre a produção civil e a militar; esgotamento do planejamento centralizado e ensaios parciais de mecanismos de mercado; esgotamento completo do “modo socialista de produção” e implosão final do sistema. O itinerário maoísta é ainda mais pavoroso, com milhões de mortos sacrificados nos diversos experimentos de engenharia social no espaço de uma única geração: repressão contra capitalistas e grandes agricultores, seguida de uma coletivização antinatural para os padrões sociais chineses; grande salto para a frente, com fome e canibalismo e milhões de mortos; revolução cultural, com outros milhares de mortos e a destruição completa do sistema educacional; no total, dezenas de milhões de sacrificados aos grandes ensaios maoístas, com o rebaixamento completo da economia chinesa ao longo desse processo.
Especificamente no período limitado à primeira metade do século 20, é verdade que ocorreram outros tantos “ensaios”, ou “alternativas de políticas econômicas”, mas as que corresponderam mais exatamente a “tentativas e erros” foram quase todas, se não todas elas, experimentos de engenharia social conduzidas por regimes autoritários. As democracias de mercado que atravessaram diferentes políticas econômicas ao longo do período, geralmente não o fizeram como tentativa e erro, a não ser involuntariamente. O que elas fizeram, na maior parte dos casos, foi tentar adaptar-se às novas circunstâncias criadas pelos processos econômicos, pelas dinâmicas dos ciclos de negócios, quando não pelos cataclismos políticos representados pelos enfrentamentos com as potências militarizadas e agressivas.
A maior parte dos mecanismos de intervenção estatal na vida econômica foi introduzida quando da Grande Guerra, e apenas parcialmente revertida na sequência, o que certamente criou uma primeira “cultura intervencionista” que ressurgiria em outras circunstâncias. As medidas econômicas, corretas ou equivocadas, adotadas por sua vez no entre-guerras, em especial no seguimento da crise de 1929 e da Grande Depressão iniciada em 1931 – protecionismo, manipulações cambiais, desvalorizações maciças, controles de capitais, bilateralismo comercial, intercâmbios recíprocos de compensação –, também corresponderam mais a respostas (ainda que improvisadas) do que a supostos “grandes ensaios” de economia política alternativa. Estes ficaram inteiramente no terreno das ideias, geralmente com consequências catastróficas.
O grande experimento “capitalista” que entra na categoria da história das ideias foi certamente o conjunto de prescrições de políticas econômica mais tarde enfeixadas sob o rótulo de keynesianismo, mas muitas dessas medidas estavam sendo seguidas ou implementadas de modo instintivo, antes mesmo que elas se convertessem numa espécie de corpo teórico de “receitas” de política econômica a partir da publicação da Teoria Geral (1936). Não é seguro que o mundo capitalista tenha sido “salvo” pelo keynesianismo aplicado, assim como não é seguro que ele tenha construído as bases das três décadas de prosperidade e de grande crescimento econômico do segundo pós-guerra, embora certa historiografia econômica aprecie preservar esse mito.
É certo, no entanto, que as faculdades de economia aderiram rapidamente às novas tábuas da lei, e passaram a cultivar o receituário keynesiano (inclusive de forma passavelmente acrítica), mas isso se deu, provavelmente, mais por preguiça conceitual do que por suas supostas virtudes no terreno da prática econômica efetiva. Governos, como se sabe, costumam se guiar mais pela fria realidade das contas nacionais e dos orçamentos, do emprego e das reservas monetárias, do que por doutrinas econômicas produzidas nos gabinetes universitários. Eles também são geralmente infensos (ainda bem) aos ideólogos da academia, mesmo se os líderes políticos sempre tenham presente, em suas mentes e na formulação dos discursos, as ideias de algum economista morto, como dizia o próprio Keynes.
Em todo caso, o keynesianismo foi acumulando o seu pequeno (ou grande) lote de contradições teóricas e de impasses práticos, até literalmente implodir na famosa estagflação dos anos 1970, quando suas bases foram sendo minadas tanto pelos fracassos registrados quanto pelos avanços teóricos e práticos do neoliberalismo de corte austríaco. Este, no entanto, nunca foi dominante, ou ideologicamente hegemônico, pois, a despeito de ter conquistado alguns (poucos) corações e mentes no cenário político e em algumas (poucas) academias, ele jamais conseguiu estabelecer sólidas bases no campo teórico ou conquistar grandes espaços para si nas políticas públicas, permanecendo sempre marginal e relativamente incompleto na panóplia de políticas públicas efetivamente aplicadas (que sempre estiveram inevitavelmente congeladas no universo teórico e prático do keynesianismo).
Quais as lições, finalmente, que podem ser extraídas das grandes turbulências econômicas da primeira metade do século 20, com seu cortejo de desastres políticos e militares, seu desfilar de milhões de mortos e suas enormes transformações nas políticas econômicas de quase todos os países? Elas são muitas, mas foi preciso aguardar a “saída da servidão”, que foi a implosão final da grande alternativa ao capitalismo, representada pelos experimentos coletivistas, para realmente confirmar o maior ensinamento prático que se pode extrair do espetáculo de “aprendizes de feiticeiro” que constituíram esses experimentos no espaço de três gerações. Esse ensinamento diz que mercados, em geral, costumam ser mais “inteligentes” do que burocratas governamentais para criar renda e riquezas sociais, sendo também mais efetivos na distribuição racional dessas mesmas riquezas do que governos bem intencionados. O grande erro do socialismo, como já ensinava Mises desde 1919, não foi, finalmente, ter construído um regime de opressão, de escravidão econômica, de fraudes políticas e de degenerescência moral; foi o fato de ter ignorado os mecanismos de mercado, e a sinalização da raridade relativa pela ação livre dos preços, como requerimentos básicos de um sistema sustentável, e racional, de produção e de distribuição de bens e serviços.
Esta é, sem dúvida, a maior lição do período, que aliás tinha sido consolidada no magnum opus de Friedrich Hayek, O Caminho da Servidão (1944). O ensinamento, contudo, não parece ter sido absorvido pelas duas gerações seguintes, sequer pela atual, pois a maior parte dos líderes políticos e dos responsáveis econômicos continua a seguir a trilha do dirigismo econômico, do intervencionismo estatal na vida econômica, da manipulação de moedas e orçamentos, provocando o espocar constante e regular de desequilíbrios fiscais e de crises financeiras. Aqui não estamos mais no itinerário “natural” do capitalismo, mas no desenvolvimento pouco natural das doutrinas políticas e das concepções econômicas, com certa atração distributivista dos políticos e a adesão inconsciente das massas às aparentes facilidades do Estado-babá.
De modo geral, todas as experiências coletivistas – fascistas ou socialistas – foram um fracasso completo, algumas com um custo humano inacreditável, ademais do custo mais permanente que se manifestou de modo indireto nas orientações dirigistas das políticas econômicas, estas parcialmente compatíveis com a dominação ideológica keynesianismo aplicado. O socialismo pode ter sido derrotado, mais na prática do que na teoria – que continuou seu pequeno caminho de irracionalidades nas academias, indiferentes ao mundo real – mas o capitalismo de Estado segue seu itinerário de realizações – na China, por exemplo – e de contradições – na maior parte da periferia capitalista, dentro da qual os países da América Latina. Ele não parece perto de ser aposentado, ou de ser compulsoriamente enviado ao museu dos dinossauros econômicos, e pode ainda dispor de um belo futuro pela frente.
Volto, portanto, ao meu argumento inicial: a despeito de terem sido superados os experimentos mais nefastos de dirigismo econômico e de “engenharia social”, em vigor na primeira metade do século 20, não parece haver nenhum risco de volta triunfal do liberalismo, ou sequer de um retorno parcial de suas prescrições de maior liberdade econômica e de completa liberdade individual. Por outro lado, e como constatação final, uma outra grande lição não parece ter sido aprendida ou absorvida de modo completo: a de que qualquer medida de distribuição social dos benefícios do crescimento econômico necessita começar pelo reforço dos processos de produção e de inovação tecnológica, sem os quais o distributivismo passa a incidir bem mais sobre os estoques de riqueza já criada ou acumulada do que sobre os novos fluxos de criação de renda e riqueza por meio do estímulo à atividade produtiva. Em conclusão, o liberalismo ainda tem uma longa batalha a travar contra o socialismo, mesmo nas formas amenas deste último. Como diriam alguns, a luta continua…

Contact:
Paulo Roberto de Almeida, Ministério das Relações Exteriores, Brasília, DF, Brasil (pralmeida@me.com)
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ALMEIDA, Paulo Roberto de. Transformações da ordem econômica mundial, do final do século 19 à Segunda Guerra Mundial. Rev. bras. polít. int. [online]. 2015, vol.58, n.1 [cited  2015-10-02], pp. 127-141 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292015000100127&lng=en&nrm=iso&gt;. ISSN 1983-3121.  http://dx.doi.org/10.1590/0034-7329201500107.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

O Estadao cada vez mais contudente em seus editoriais: larapio governista

Uau! O venerando jornal reacionário está perdendo a paciência com os "larápios governistas", ao chamá-los exatamente desse nome para indicar os que roubam no poder.
Mais um pouco o Estadão sobe nas tamancas...
Paulo Roberto de Almeida

Cheiro de queimado
Editorial OESP, 16 de Novembro de 2015

Ao som do tango Volver, que Gardel canta cada vez melhor, o ex-presidente Lula foi a estrela da abertura da 7.ª Conferência Latino-Americana e Caribenha de Ciências Sociais, em Medellín (Colômbia). Ovacionado por uma claque de jovens estudantes colombianos - plateia simpática a slogans terceiro-mundistas que o chefão do PT usa como ninguém e decerto desinformada a respeito da extensão do desastre lulopetista que se abateu sobre o Brasil -, Lula alertou que o projeto populista que ele tão bem encarna está sob sério risco de ser desalojado do poder na América Latina.

Em tom de advertência, ao final de uma hora de discurso em que fez um histórico das alegadas conquistas sociais das quais ainda se jactam vários governantes irresponsáveis no continente, Lula disse que está sentindo um “cheiro de retrocesso” na América Latina. “Retrocesso”, nesse caso, é o desmonte do circo que encantou os incautos nos últimos dez anos, fazendo-os crer que, pela mágica do voluntarismo estatista, as desigualdades seriam superadas, inaugurando-se um período de desenvolvimento igualitário sem precedentes.

Mas a prestidigitação populista, um embuste por natureza, não tinha lastro na realidade - como sabem hoje muito bem as classes desfavorecidas no Brasil, na Argentina, na Venezuela e em outros países que tiveram a infelicidade de ser governados por esse esquerdismo corrupto e inconsequente.

Como resultado, os eleitores - antes meros clientes de políticas assistencialistas em larga escala e, portanto, vistos apenas como referendários do modelo dito “progressista” - passaram a indicar rejeição a esses governos, pois ficou claro que as promessas que lhes foram feitas não apenas eram falsas, como também foram usadas como pretexto para um assalto ao Estado. Assim, os pobres perceberam que não havia nenhum coelho na cartola estatal - ou porque o animal nunca existiu ou porque fora surrupiado por algum larápio governista.

Na Argentina, ao fim do tresloucado governo de Cristina Kirchner, o kirchnerismo parece fadado a sair como o grande derrotado na eleição presidencial do próximo dia 25. Mesmo o candidato de Cristina, Daniel Scioli, não se esforça para ser visto como herdeiro da desgastada presidente, que passará à história como aquela que, enquanto maquiava dados para inflar conquistas sociais e econômicas, convocava redes de rádio e de TV até para falar das fraldas de seu filho.

Já na Venezuela, berço do “bolivarianismo”, são conhecidos os apuros pelos quais passa o autocrata Nicolás Maduro. A eleição parlamentar do mês que vem, se não houver uma fraude monumental, deverá decretar o fim da hegemonia chavista. Maduro já mandou avisar, sem meias-palavras, que não aceitará outro resultado que não seja a vitória de seus correligionários. Ou seja, não lhe restou alternativa senão ameaçar o país com um banho de sangue.

Finalmente, no Brasil de Lula, tem-se uma chefe de governo que nem governa mais, refém que é dos arranjos de seu padrinho para sobreviver à tormenta que açoita o Planalto. Sem dinheiro para continuar a fazer redistribuição de renda por decreto e com seu partido afogado em corrupção, a presidente Dilma Rousseff talvez seja hoje o principal símbolo do fiasco que ameaça o projeto de poder de Lula et caterva na América Latina.

Lula, que não é bobo, já percebeu o risco. Se fosse um democrata de verdade, o petista aceitaria a derrota como parte do jogo político. Mas não - ele prefere insistir na ladainha segundo a qual as agruras dos governos “progressistas” resultam da campanha dos inimigos. Lula repetiu em Medellín que “a grande oposição” quem faz é a imprensa - quando esta critica governos que, na concepção do petista, só pensam no bem do povo. Para ele, a “elite” não aceita “que a gente frequente as mesmas praças que ela frequenta, ou que a gente frequente o mesmo teatro” - logo Lula, que se aliou ao que há de pior na oligarquia nacional e que se tornou milionário como lobista de empreiteiras. Mas Lula tem razão: hoje, ele e seus companheiros não podem mesmo ir a praças e teatros - mas porque serão estrepitosamente vaiados.

Esclarecendo a "reducao" das desigualdades do IBGE - Jose Matias-Pereira

Aprofundando as desigualdades
José Matias-Pereira 
Estadão Noite – Segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Os indicadores divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), mostram um Brasil menos desigual em 2014. Esses dados, no entanto, foram recebidos com ceticismo pelos economistas e especialistas do mercado. Essa postura contraditória me leva a formular a seguinte pergunta: O Brasil revelado pela pesquisa ainda existe?  

Para responder essa questão se faz necessário, preliminarmente, analisar os indicadores mais significativos da pesquisa, com vista a melhor explicar o que eles representam em termos de avanços socioeconômicos do país. A população brasileira foi estimada pela Pnad em 203,2 milhões, sendo que desse total, 85,3 milhões estavam no Sudeste. As pessoas com mais de 60 anos eram 13,7%, outros 25% tinham de 40 a 59 anos e 23,3%, de 25 a 39 anos. Isso confirma a tendência de aumento proporcional da população de faixas etárias mais elevadas e redução entre jovens. O desemprego, por sua vez, cresceu em 2014, mas o país manteve tendência de redução da desigualdade. A taxa média de desemprego subiu de 8,5%, no ano anterior, para 8,8%. O índice de Gini do rendimento do trabalho, que mede a concentração de renda (quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade), caiu de 0,495, em 2013, para 0,490, em 2014. O índice varia, de 0,442 (região Sul) a 0,501 (Nordeste). O Sudeste registrou aumento, de 0,475 para 0,478, naquele ano.

O número de desempregados foi estimado em 7,2 milhões, crescimento de 9,3% em relação ao ano anterior. A maior alta, de 15,8%, foi na região Sudeste, onde o total foi calculado em 3,3 milhões. O desemprego cresceu pelo maior número de pessoas no mercado, já que o número de vagas também aumentou, embora em ritmo insuficiente para absorver a mão de obra. Dos 98,6 milhões de ocupados (crescimento de 2,9% no ano), 45,3% estavam no setor de serviços e 39,5% eram empregados com carteira assinada. O total de contribuintes para a Previdência aumentou para 61,7% do total. Dez anos antes, eram 47,4%. A Pnad também detectou crescimento do trabalho infantil (o que ocorre pela primeira desde 2005), que mostrou que a população ocupada de 5 a 17 anos de idade aumentou 4,5%, para 3,3 milhões, no período de 2013 e 2014.

O rendimento da parcela dos 10% mais pobres da população foi de R$ 256 na média mensal em 2014, aumento de 4,1% na comparação com o ano anterior. Este foi o maior avanço entre todas as faixas de renda. No outro extremo da pirâmide, a renda dos 10% mais ricos foi de R$ 7.154, 0,4% menor do que no ano anterior. No extrato 1% mais rico, a queda foi maior, de 3,4%, para R$ 20.364. Todas faixas intermediárias também tiveram aumento da renda no ano passado, especialmente as que estão próximas do valor do salário mínimo (de R$ 724 em 2014), o que significa que estava havendo redução da desigualdade no país.

Os dados da pesquisa se referem a setembro de 2014, comparados com o mesmo mês de 2013, ou seja, um pouco antes do primeiro turno das eleições presidenciais, quando ainda se mantinha, de forma artificial, por motivações eleitoreiras, o equivocado ciclo econômico de incentivo ao consumo das famílias e de gastos do governo. Nesse contexto, funcionava um mercado que absorvia pessoas com menos qualificação, e a inflação ainda se encontrava estacionada em 6,5%. A queda de 3% no PIB deste ano, e que deverá se repetir em 2016, indica que a desigualdade deve se manter estagnada em 2015 e vai se aprofundar em 2016, efeito do menor aumento do salário mínimo, avanço da inflação, da informalidade e do desemprego. Os resultados positivos mostrados pela Pnad de 2014, se dissiparam como fumaça, em decorrência da incompetência, populismo, demagogia e corrupção dos governos petistas Lula e Dilma, engolidos pela recessão, aumento do desemprego, queda na renda, taxas de juros altas, aumento da inflação. O cenário existente no Brasil atual mostra que o país retratado na Pnad não mais existe. Pode-se concluir, assim, que a próxima Pnad, que vai comparar os dados de 2014 e 2015, vai revelar um Brasil vivenciando uma profunda crise social. 

José Matias-Pereira. Economista e advogado. Doutor em ciência política (área de governo e administração pública) pela Universidade Complutense de Madri, Espanha, e Pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo. Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre outras obras, do Curso de economia política (2015), publicado pela Atlas.

Pode o Islam ser reformado? Livro de Ayaan Hirsi Ali - NYRBooks

How She Wants to Modify Muslims

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Jared Platt
Ayaan Hirsi Ali at the Goldwater Institute, Phoenix, Arizona, December 2007

Ayaan Hirsi Ali bluntly declares her intention in the introduction to her new book: “To make many people—not only Muslims but also Western apologists for Islam—uncomfortable.” Discomfort, alas, comes easily when the subject, as in the Somali-born author’s three previous books, happens to be the sorry state of Islam. It takes little effort to raise alarm when Muslim terrorists terrify so effectively, and when scarcely a day now passes without some horror committed in the name of their faith. Bombs and hijackings are passé; today’s jihadists prefer studio-quality, slow-motion bloodletting, or atavistic barbarities such as rape, idol-smashing, mass beheading, and the carting off of virgin sex slaves.

The opening device of Heretic underlines just how conditioned we have become to such depravities. Hirsi Ali presents a news flash describing a murderous terror attack, but strips it of such details as time and place and number of victims, leaving only the clues that the killers wore black and shouted “Allahu Akbar!” It takes little imagination to fill in the blanks. It is all too familiar, too believable: what she describes could happen in the office of a satirical magazine in Paris, or a boys’ school in Peshawar, or a village in northern Nigeria.

The device is effective, and Hirsi Ali quickly moves to score more points. For too long, she says, Muslims and Western liberals have argued that such atrocities, as well as the ideas and organizations behind them, are aberrations; that they represent a travesty of “true” Islam. Nonsense, she writes:

They are driven by a political ideology, an ideology embedded in Islam itself, in the holy book of the Qur’an as well as the life and teachings of the Prophet Muhammad…. Islam is not a religion of peace

Hirsi Ali has made similar and often stronger declarations before, receiving death threats from religious fanatics in response, as well as hostility from many secular critics:

I have been deemed to be a heretic, not just by Muslims—for whom I am already an apostate—but by some Western liberals as well, whose multicultural sensibilities are offended by such “insensitive” pronouncements. 

Despite the familiar mix of provocative rhetoric and airbrushed autobiography, Heretic differs from her previous books. It is neither a retelling of Hirsi Ali’s own hejira into Western freedom nor another lengthy blast against the religion that she was raised in and that she abandoned. Hirsi Ali’s attitudes have shifted. Before, she had assumed there was no hope of moderating Islam; it was a creed that needed to be “crushed,” as she once declared. Now, inspired as she says by the evident ferment among Muslims that gave rise to the Arab Spring, and by indications of a growing wave of dissent within the faith, she has come to believe that Islam can and indeed must be reformed.

To many Western readers, this is an attractive and seemingly obvious idea. After all, the other two Abrahamic faiths long ago undertook reformation, glossing away contrary bits of scripture, retiring inconvenient heavenly commands and punishments, and erecting a practical partition between religion and politics. Yes, the process was long and painful. But it has paid off pretty well for modern-day Christians and Jews, and indeed for the larger part of humanity that, knowingly or not, lives under the umbrella of Enlightenment.

With her newly mellowed perspective, Hirsi Ali discerns a Muslim constituency that may be coaxed in a similarly benign direction. This involves a bit of amateur exegesis. As she notes, scholars of the Koran have long distinguished between the eighty-six chapters, or suras, revealed at the Prophet Muhammad’s hometown of Mecca and the twenty-eight suras revealed later, during his exile at Medina. The Koran of the Mecca period dwells on themes such as the oneness of God, the wonders of creation, the wisdom of earlier prophets, and the perils of hellfire.

At Medina, where Muhammad took on new roles as the lawgiver, supreme judge, and military commander of a growing flock facing stronger hostile forces, the revelation takes on a more militant, legalistic, and exclusive form. Earlier verses declare that there is “no compulsion in religion” as well as the tolerant principle, “to them their religion, to me my own.” By contrast a later sura, which appears to address soldiers shirking their duty, enjoins the faithful to “fight and slay wherever you find them” those unbelievers who have broken treaties with the Prophet.

Not altogether convincingly, Hirsi Ali makes use of this contrast in tone and intent to categorize the Muslims of today. In one camp, she says, stand the “Medina Muslims.” Ignoring the more universal and inclusive message of the Koran, these fanatics focus instead on the holy book’s fighting words, and selectively pick from later Islamic tradition those parts calling for harsh punishments and unending jihad. Hirsi Ali suggests that something like 3 percent of Muslims, or around 48 million people, adhere to this form of Islam. Although she does not say so, this number is necessarily inexact since it includes not only the hyperviolent members of ISIS, al-Qaeda, the Taliban, and sister gangs but others who may hold similarly dim and blinkered views far from the front lines of jihad.

The vast majority of Muslims belong instead to Hirsi Ali’s “Mecca” category, a group she defines as devout worshipers who remain “loyal to the core creed” yet are “not inclined to practice violence.” Lastly there is a small category of what she terms “Modifying Muslims,” people who have come, like herself, “to realize that their religion must change if its followers are not to be condemned to an interminable cycle of political violence.” Hirsi Ali believes that Modifying Muslims can influence the Mecca majority and wean them from the temptations of the literalist, bigoted, and violent Medina creed. To help matters along she proposes a simple plan, picking five tenets of the faith that must be “reformed or discarded”:

• The infallible status of Muhammad and the literal understanding of the Koran 
• Giving priority to the afterlife over the present day 
• Sharia law “and the rest of Islamic jurisprudence” 
• The empowerment of individuals to enforce such laws and customs 
• Jihad. 

It will be obvious, even to a layman unfamiliar with the intricacies of Islamic doctrine and practice, that this list represents a tall order. Hirsi Ali herself admits this, as well as the fact that hers is hardly the first voice to call for reform. Her more modest hope is to stimulate debate:

The biggest obstacle to change within the Muslim world is precisely its suppression of the sort of critical thinking I am attempting here…. I will consider this book a success if it helps to spark a serious discussion of these issues among Muslims themselves. 

Perhaps it will, and that would be a good thing. The passion that Hirsi Ali brings to the argument is healthy, too. But there are several problems with her approach. These include such troubling aspects as her use of unsound terminology, a surprisingly shaky grasp of how Muslims actually practice their faith, and a questionable understanding of the history and political background not only of Islam, but of the world at large.

Take her three categories of Muslims, for instance. Hirsi Ali is probably quite correct to assert that while it is particularly noisy and violent, the jihadist “Medina” end of the Islamic spectrum is narrow and thinly populated compared to the much larger “Mecca” group. She is also right that the outspokenly critical Muslims are even less numerous. But surely the 1.5 billion “Mecca” Muslims do not all fit into a single hapless category. Like the members of any great religion, one might imagine they instead have a diversity of views, as designations that Muslims use for one another, such as, for example, Salafist, Sufi, Ismaili, Zaidi, Wahhabist, Gulenist, Jaafari, and Ibadi, would suggest.

Hirsi Ali herself seems a bit unsure of where all those middle Muslims belong. “Must all who question Islam end up either leaving the faith, as I did, or embracing violent jihad?” she asks.

I believe there is a third option. But it begins with the recognition that Islamic extremism is rooted in Islam itself. Understanding why that is so is the key to finding a third way: a way that allows for some other option between apostasy and atrocity. 

I think it is fair to assume that quite a few Muslims, not only today but throughout the history of Islam, have found some “other option” without Hirsi Ali’s guidance. Rather than by abolishing or radically modifying the particular points of doctrine she so dislikes, they have done so just as believers in other religions have, by creatively reinterpreting their founding texts, or by quietly ignoring contentious parts. Others, such as Egypt’s Nasr Hamid Abu Zayd, Abdolkarim Soroush of Iran, or Abdelmajid Charfi of Tunisia, have critiqued more rigid interpretations of Islam in work based on a thorough knowledge of traditional Islamic scholarship and arguments that, unlike Hirsi Ali’s, seek to place the problems of modern Islam in a historical setting.

Just as Hirsi Ali casually misrepresents Muslims, she misrepresents Islam. Falling into a trap that is sadly common among Western commentators, she repeatedly presents what in her own terms is the “Medina” version of the faith as somehow more authentic or valid than other interpretations. She takes, for example, the long-lapsed and historically rare practice of forced conversion—a practice jarringly revived only recently by ultra-extremist groups such as Boko Haram in Nigeria or ISIS in Iraq—to be the norm rather than the exception. Yet historians now largely accept that far from being “extremely brutal,” as Hirsi Ali asserts, the extraordinarily swift and sweeping early Muslim conquests were assisted by large numbers of willing “infidel” allies, who may have viewed Muslim rule as a relief from the warring Byzantine and Persian empires. Just seven years before the Muslim conquest of Jerusalem in 637, Byzantine rulers had slaughtered all its Jewish inhabitants. Persian invaders had massacred all its Christians in 614. By contrast the Muslims permitted freedom of worship for everyone.

If Muslims had indeed made systematic the practice of forced conversion, as Hirsi Ali seems to think, how is it that they failed to convert the majority populations of countries they ruled for hundreds of years, such as India or Greece or Bulgaria? The contrast with, say, the expulsion of Muslims and Jews during the Spanish Reconquista is striking.

Hirsi Ali’s mischaracterization extends from history to matters of belief and practice. “In its very name ‘Islam’ means submission,” she writes. “You subsume yourself to an entire set of beliefs. The rules as set down are precise and exacting.” Perhaps so, but the word “Islam,” coming from the same root as the Arabic for “peace,” also means “acceptance,” “reconciliation,” or “resignation” to the will of God. Hirsi Ali seems unaware, moreover, that the general uses of the terms “Islam” and “Islamic” are relatively modern, and indeed are to an extent adaptations of Western usages. As in the text of the Koran itself, for most of the faith’s fifteen centuries its followers have far more often referred to themselves as mu’mineen—believers—than muslimeen.

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A screen shot from a video released by ISIS in July 2015 showing young ISIS executioners parading past condemned Syrian government soldiers before killing them in front of a crowd of spectators in the amphitheater at Palmyra

Those rules that she describes, too, are neither as precise or exacting as Hirsi Ali would have us believe. She portrays Islamic law or sharia—which literally means the “way” or “path”—as “codifying” not only points of ritual but the organization of daily life, economics, and governance. In another passage we are told that sharia “states that women are considered naked if any part of their body is showing except for their face and hands.”

Sharia cannot “state” or “codify” anything. Far from being a rigid set of rules, Islamic law is an immense amalgam of texts and interpretations that has evolved along parallel paths within five major and numerous minor schools of law, all of them equally valid to their followers. Some parts of this body, such as laws regarding inheritance, vary little between rival schools. But in the absence of any universally accepted ruling authority and with political winds and exigencies constantly changing, legal opinions on most matters have tended to be fluid rather than fixed. So it is that while some clerics will agree with Hirsi Ali’s definition of nakedness, others may insist on a full face veil, or perhaps—although this is unlikely—argue instead that the bikini is a practical garment for swimming. At times clerics have banned the drinking of coffee or the wearing of long sleeves, only to relent.

Hirsi Ali is similarly misguided regarding Islamic traditions. One of these that is “unique to Islam,” she declares, “is a tradition of murderous martyrdom, in which the individual martyr simultaneously commits suicide and kills others for religious reasons.” Despite the recent ghastly record that includes September 11 and ISIS’s use of suicide fighters in its assaults on Iraqi cities, there is no such “tradition.” Hirsi Ali herself notes that the first example of a Muslim suicide attack dates not to the distant past but to 1980, when desperate Iranian leaders adopted this tactic against the Muslim army of neighboring Iraq. As that example shows, most “martyrdom operations” have been carried out for political, not religious reasons or, as was the case with Japan’s kamikazes and the Tamil Tigers in Sri Lanka’s 1983–2009 civil war, as a last-ditch weapon of the weak against the strong.

In fact the four main schools of Sunni jurisprudence—including arch-conservative Saudi clerics—all concur that suicide is a serious sin. Some individual clerics have condoned its use in war by invoking arguments of necessity, not “tradition.” More than an enactment of anything Islamic, the resort to suicide by groups such as al-Qaeda or ISIS represents a deliberate challenge to traditional, patriarchal authority. It is a statement of zeal and determination, a form of advertising or propaganda designed not only to kill and frighten enemies, but to inspire new recruits into what are, in effect, as much death cults as religious movements.

Another peculiar contention of Hirsi Ali’s is that “all over the Muslim world” women are stoned to death for adultery. In fact this hideously cruel punishment has rarely been recorded throughout Muslim history and never in most Muslim countries for at least the past several generations. In almost all cases where it has been applied in recent years, stoning has taken place in tribal or rebel areas beyond the control of central governments—the Taliban in Afghanistan, ISIS in Iraq, and Boko Haram in Nigeria being cases in point. Out of the world’s forty-nine Muslim-majority states, six retain the punishment in deference to Islamic legal tradition, despite the fact that the Koran, unlike the Bible (Deuteronomy 22:24), does not mention it. Of these countries only Iran, which officially placed a moratorium on stoning in 2002 but still gives leeway to individual judges, has actually carried it out.

Perhaps one reason for Hirsi Ali’s propensity for taking the actions and beliefs of Islam’s outliers and misfits as somehow exemplary of the religion’s true essence is her unwillingness to suggest any external motivations for their particular madness. These are not hard to find. The many forms of Islamism—a more accurate term than simply “Islam” for the often violent and angry version of the faith that is sadly fashionable today—emerged largely in response to European imperialism. This is not surprising when we consider that between 1800 and 1950 some nine out of ten Muslims happened to fall under aggressively imposed “infidel” rule. Small wonder that most modern Islamist political movements, from the Muslim Brotherhood founded in Egypt in 1928, to Lebanon’s Shia militia-cum-party Hezbollah, to the Salafi-jihadist State of the Islamic Caliphate that is now beheading people in Syria and Iraq, have portrayed themselves as “resistance” movements against dastardly Western domination.

Needless to say, the era of European colonization is long past. However much Islamists may still rail against “cultural invasion,” or against the “artificial” Middle Eastern borders imposed by France and Britain, or against American military incursions and so on, the West cannot be blamed for many of the excesses of such groups. Hirsi Ali is quite correct that the jihadists have dredged the darker parts of Islam’s own traditions to justify what are by any standard simply abominable crimes. She is also right that unthinking literalism blinds all too many Islamists to ethics, reason, and common sense.

It is a fact, too, that such strains of modern Islamism as Saudi Arabia’s rigid Wahhabism developed autonomously and not in response to the West. They are manifestations of a cycle that has repeated throughout Islamic history, whereby puritan sects have periodically erupted from the hinterlands to purge and purify Muslim cities of supposed corruption.

Lost on Hirsi Ali, however, is the irony that such eruptions—and ISIS represents a new and particularly virulent one—are themselves products of a deeply felt need among Muslims for “reform.” The fact is, as I have written in these pages, that Islam is now already, and indeed has been for some time, deep in the throes of a painful, multifaceted reformation.* The current tribulations of the faith represent not a sudden new departure but a continuation of decades of churning controversy, of debate and strife.

This anguished process shares parallels with the experience of other Abrahamic religions. But there are important distinctions. One of them is the matter of timing: whereas Christian and Jewish reform evolved over centuries, in relatively organic and self-generated—albeit often bloody—fashion, the challenge to Islam of such concepts as empirical reasoning, the nation-state, the theory of evolution, and individualism arrived all in a heap and all too often at the point of a gun. Muslims have had less time to grapple with the revolutionary ideas of the Enlightenment, and have done so from a position of weakness rather than strength.

Another central difference from the Christian experience was that Islam has had to face the crucial question of what to do with religious law. Until the nineteenth century Muslims dominated virtually every society they lived in, with sharia acting as the backbone of legal systems from the East Indies to Morocco. Add to this the difference that there is no “church” in Islam—no fixed and widely recognized religious hierarchy to explain doctrinal changes or to enforce them—and we begin to understand the difficulty of progressive reform.

All too often, “reform” movements in Islam have taken the guise of fundamentalist purges, with efforts to reimpose some ostensibly purer form of religious law tempting their propagators to violence. Yet most ordinary Muslims have found subtler paths, accommodating modern ways by diluting to one degree or another their adherence to doctrine, by creatively interpreting sharia, or by regarding the intent of the law as more important than the letter. Plenty of proud Muslims do not pray five times daily, or worry much about what “proper” Islamic dress is, or base their political opinions on what is good for the faith. They pick and choose what form of Islam to follow from across a very broad range of options.

Most Muslim countries, for their part, long ago recognized the utility of secular laws to supplement or even supersede sharia. To governments seeking to build states in a fast-paced, competitive, and increasingly complex world, traditional Islamic law came to be seen not as too rigid—as Hirsi Ali would have it—but rather as too unpredictable, too open to the vagaries of individual interpretation by judges with little knowledge of the world outside scripture.

Keen to “catch up” with Europe, the Ottoman Empire sharply restricted the role of sharia courts in the mid-nineteenth century, ending in the process most legal distinctions between Muslims and other subjects. Tossing out reams of accumulated Islamic jurisprudence in the matter, the Bey of Tunis summarily abolished slavery in 1846, two decades before the United States. In the early twentieth century Egypt adopted largely French and Turkey largely Swiss law codes. Among the few modern countries that continue to declare sharia the sole law of the land, Saudi Arabia nevertheless has since the 1960s used civil law to regulate commerce, as a matter of pragmatism.

Such evolutions remain tentative, incomplete, and contested. Turkey in recent decades has seen a backlash against the secularization imposed nearly a century ago by Kemal Atatürk. Egypt, for its part, has struggled repeatedly to arrive at a constitution that appears to give primacy to sharia while effectively confining religious law within the bounds of civil codes; its laws are today a messy tangle of sharia-based and secular rules. In an appeal to populism in Pakistan in the 1980s, the dictator Muhammad Zia-ul-Haq pursued a radical program to revive application of sharia, including severe punishments for such crimes as blasphemy; Pakistani governments in the decades since have tried to back away from some of its more controversial aspects.

Where courts are crowded and corrupt, which is all too often the case in poorer Muslim countries, sharia retains a strong pull as an imagined panacea, a fact reflected in opinion polls. And in places such as Somalia or Afghanistan where the central government has collapsed or lost legitimacy, Muslim societies have often reverted to laws based more explicitly on scripture, including extreme punishments such as cutting off the hand of a thief. Some Muslims in minority communities, meanwhile, have turned in on themselves, creating what some describe as Islamic ghettoes in places such as the suburbs of Paris, or Bradford and Birmingham in England.

The call by radicals and fundamentalists to create, geographically, a larger sacred space for Islam, where the sound application of God’s law ensures a sweeter afterlife for the faithful, remains potent. This was an important impetus for the 1947 partition of India and creation of Pakistan, an “Islamic” state that, like the Jewish state founded less than a year later, may have been conceived by secularists but carried a strong imaginative appeal for the religious. The notion of an exclusive sacred space also underlies the darker fantasies of a resurrected pan-Islamic Caliphate currently causing mayhem in the Fertile Crescent. To one degree or another the civil wars, insurrections, and bitterly polarized politics that afflict many Muslim countries today reflect the struggle between such essentially utopian Islamist visions and a contrary trend toward disenchantment and the desacralization of public space.

As Hirsi Ali points out, such utopian visions are reinforced by the traditional Muslim view of history as a prolonged fall from the brief moment of grace that prevailed in the earliest years of Islam. It is strengthened, too, by the Muslim tradition of viewing the Koran as the literal word of God, and of exalting the Prophet’s reported words and deeds as a fixed template for correct behavior. Hirsi Ali’s conclusion: “In those terms, it is only the Medina Muslims who can represent themselves as the agents of a Muslim Reformation.”

But here again she is not quite right. The argument for a purge or a return to basic principles represents, as we have seen, only one kind of reformation out of many that Muslims have proposed and continue to seek. One might argue that enlightened reform is as much a part of Islam as violent radicalism, if not more so. In the eighth and ninth centuries, the Mu’tazilite movement tried to introduce ideas of free will, reason, and a historical understanding of the Koran into Islam.

Their efforts were ultimately rejected. But later Muslim philosophers such as Avicenna and Averroës applied Aristotelian and Neoplatonic methods to Koranic exegesis, just as numerous contemporary Muslim scholars quietly apply modern forms of scholarship. Hirsi Ali presents such efforts as doomed projects, but it may be fairer to say that they have simply not yet borne full fruit.

The very shrillness of today’s zealots may reflect an underlying fear that conservative orthodoxies are under threat as never before, facing a growing backlash not so much from the outside world as from within the faith. It is noteworthy that thirty-five years of self-declared “Islamic” rule in Iran have fostered not greater religiosity but creeping secularization, with ever fewer people observing religious rites. The more recent excesses of Islamist terrorism and sectarian rivalry have accelerated a far wider wave of doubt. Muslims with such doubts will not need Hirsi Ali’s hectoring to feel “uncomfortable,” and to consider new approaches to their faith.

  1. *

    See my “ Islam Confronts Its Demons,”  The New York Review, April 29, 2004. 

Não existem falhas de mercado, 2: uma crenca nao provada, mas disseminada - Paulo Roberto de Almeida


Não existem falhas de mercado; se falhas existem, elas são de governo, 2: uma crença não provada, mas disseminada

Paulo Roberto de Almeida
Com meus agradecimentos ao José Matias-Pereira

No primeiro artigo desta série, “Adam Smith vai ao cerrado”, eu me dediquei a comprovar a existência e o funcionamento perfeito da chamada “mão invisível” de Adam Smith – que não é uma “teoria”, como muitos acreditam e afirmam, mas se trata de uma simples constatação de bom senso – por meio de um trecho do romance-macondiano de Arnaldo Barbosa Brandão, Encaixotando Brasília, (Brasília: Verbena, 2012), que descreve, em linguagem colorida e totalmente apropriada ao assunto, como os mercados são capazes de contornar qualquer restrição imposta por governos incautos, criando, a partir do tino empresarial de microempresários improvisados, as mais surpreendentes respostas a essas “falhas de governo”, por meio do oferecimento dos mais insólitos produtos, mas que respondem a uma demanda perfeitamente configurada. Quem não teve a oportunidade de ler esse primeiro artigo, pode fazê-lo aqui: Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2015/11/nao-existem-falhas-de-mercado-se-falhas.html).
Estou lendo agora o excelente manual didático de José Matias-Pereira, Finanças Públicas: A Política Orçamentária no Brasil (3a. ed.; São Paulo: Atlas, 2006), livro que me instruiu perfeitamente bem sobre os arcanos, meandros, labirintos e procedimentos góticos, alguns até kafkianos, da nossa estrutura burocrática que preside à confecção, administração e operacionalização da política orçamentária no Brasil, que recomendo à atenção de todos os interessados nesse árido capítulo de nossas políticas públicas da área econômica, ao lado de um outro manual que também me parece excelente: Fabio Giambigi e Ana Cláudia Alem, Finanças Públicas: Teoria e Prática no Brasil (4a ed.; Rio de Janeiro: Elsevier, 2011).
E o que leio, logo no prefácio à 3a. edição de Matias Pereira? Esta frase que me parece sintomática de toda uma escola de economia – aliás de várias, mas com ênfase nas keynesianas – que me parece mais a invocação de um credo do que uma verdade objetiva e cientificamente provada:
[A] preocupação da teoria das finanças públicas (...) se articula em torno da existência das falhas de mercado que tornam necessária a presença do governo, do estudo das funções do governo, da teoria da tributação e do gasto público. (p. 16)

O autor reconhece imediatamente, na sua Introdução, seu embasamento teórico, mais uma vez um questão de adesão, mais do que de fundamentação lógica:
Destacamos neste livro a importância da teoria keynesiana para o entendimento do estudo de Finanças Públicas... (p. 29)

Pergunto: por que keynesiana? Por que não miseniana, que a precede, ou a da escola austríaca, à qual Ludwig von Mises está ligado? Acredito que se trata, com todo o respeito pelo autor, de um “defeito de fabricação”: nas faculdades brasileiras de economia se estuda exclusivamente a teoria keynesiana, que não precisa disputar com nenhuma outra qualquer espaço intelectual, ou fazer qualquer esforço de fundamentação lógica ou provar sua validade por meio de algum tipo de embasamento empírico.
Esse entendimento é corroborado imediatamente após, ao enfatizar o autor as fontes de sua abordagem das finanças públicas:
O referencial teórico deste livro está apoiado, em grande parte, na teoria das finanças públicas (Musgrave, 1959; Musgrave & Musgrave, 1989), que se articula em torno da existência das falhas de mercado que torna necessária a presença do governo, do estudo das funções do governo, da teoria da tributação e do gasto público, tendo como referência o objetivo-fim do Estado, que é o bem comum. (p. 29; ênfase acrescida PRA; os livros citados são os seguintes: Richard A. Musgrave: The Theory of Public Finance. New York: McGraw-Hill, 1959; R. A. M. e Peggy B. Musgrave: Public Finance in Theory and Practice. 5th. ed.; Singapore: McGraw-Hill, 1989)

Pode-se admitir perfeitamente que as finanças públicas estejam inextricavelmente vinculadas a ações e funções de governo, e a toda uma parafernália a isso inerente, qual seja, a tributação (mais uma prática do que uma teoria, diga-se de passagem), mas não se percebe como e por que as finanças públicas teriam de estar centradas em torno de supostas “falhas de mercado”, que não são exatamente caracterizadas. Pode-se inclusive admitir como razoável que a finalidade maior do Estado é o bem comum, embora existam fundadas dúvidas de que isso seja universal, ou essencialmente inerente ao Estado, ou a todo Estado que se conhece. Mas, admitamos que possa ser verdade, o que não torna necessariamente verdade o fato de as finanças públicas estarem articuladas em torno de supostas falhas de mercado: pode tranquilamente admitir uma suposta ação benfeitora do Estado mesmo na ausência completa de falhas de mercado – teoricamente possível, pelo menos, tanto quanto sua existência, também teoricamente admissível – ou na sua existência independente de qualquer necessidade de “teoria da tributação”.
Não se pode negar, a priori, a inexistência de “falhas de mercado” – embora minha tese, provavelmente principista e preconceituosa seja de que, precisamente, elas não existem – mas por que não admitir, ao mesmo tempo a existência de “falhas de governo”, que me parecem as mais factíveis, possíveis e passíveis de acontecerem? Não existe, contudo, ao longo do livro, uma digressão ou explicação paralela para a possível existência de “falhas de governo”, como existe uma suposição que também me parece principista e preconceituosa de que existem, sim, “falhas de mercado” que necessitam ser corrigidas pelo Estado.
Este ponto não é investigado a fundo, mas simplesmente exposto como uma situação de fato existente, sem que se investiguem as origens, as formas, os tipos e as modalidades de tais “falhas”. Uma primeira suposição transparece através da citação de uma autora brasileira em um livro sobre “planejamento no Brasil”:
... posiciona-se Lafer (1987: 15-16) no sentido de que ‘o planejamento governamental se faz necessário, não para substituir o sistema de preços (...) mas para corrigir-lhe as distorções...’ (p. 69; o livro citado é o Betty Mindlin Lafer, Planejamento no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1987)

Não se sabe, porém, quais seriam essas distorções do sistema de preços, pelo menos aquelas distorções que derivam inteiramente desse “sistema” – o que já me parece uma incongruência em si, pois não existe um sistema, e sim uma relação entre oferta e demanda, que determina um determinado preço de mercado – e não de uma intervenção de governos sobre esses preços de mercado. Parece-me existir aqui uma curiosa tendência a provar a existência de certos desequilíbrios, disfunções, ou “falhas” apenas pela afirmação de sua existência, justamente, não pela comprovação empírica, factual, dessa existência. Para a autora, como para Matias-Pereira, o equilíbrio estático de renda em um nível inferior do de pleno emprego já seria um indicativo dessas “falhas de mercado”.
A fundamentação desse entendimento do jogo econômico se baseia inteiramente na introdução de Keynes à sua Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda (1936), quando este afirma que
‘...os postulados da teoria da teoria clássica se aplicam apenas a um caso especial e não ao caso geral, pois a situação que ela supõe acha-se no limite das possíveis situações de equilíbrio. Ademais, as características desse caso especial não são as da sociedade econômica em que realmente vivemos, de modo que os ensinamentos daquela teoria seria ilusórios e desastrosos se tentássemos aplicar as suas conclusões aos fatos da experiência.’ (Keynes, A teoria geral do emprego, dos juros e da moeda. São Paulo: Atlas, 1982, p. 23; cf. p. 71 de Matias-Pereira)

Registre-se que a maior parte, senão a totalidade dos keynesianos ou dos economistas que lhe eram ou são simpáticos, partem dessa simples afirmação para decretar que a teoria clássica se aplicava apenas a um caso especial e que a teoria proposta por Keynes se conforma numa teoria geral, digno de substituir a primeira. Mas com base em quais evidências práticas Keynes poderia decretar isso? Apenas com base nos desequilíbrios observados no funcionamento das economias capitalistas de mercado a partir do entre guerras, e mais particularmente a partir de 1929-1931? Como poderia o economista britânico concluir que a sua “teoria” era a que se ocuparia de casos “gerais”, ao passo que toda a teoria clássica e neoclássica anterior havia simplesmente se ocupado de um caso “especial”? Mistério dos mistérios...
Procurei no restante do livro uma explicação para a existência das tais “falhas de mercado”, mas confessado não ter encontrado nada que saciasse a minha curiosidade. Não que não existissem afirmações auto-confirmadas desses desequilíbrios que teriam sido “descobertos” por Keynes, como por exemplo esta frase emblemática do pensamento do autor do livro:
É indiscutível (eu sublinho, PRA) a importância da contribuição de Keynes em relação ao papel dos gastos públicos como suplemento ao dispêndio privado. (...) Introduzindo o conceito ex-ante, Keynes enfatizou a diferença entre poupanças e investimento. (...) Dessa forma, quando ocorresse insuficiência de demanda, o governo deveria assumir um papel ativo de complementar os gastos privados... mesmo em obras aparentemente sem lógica imediata, como abrir e fechar buracos... (p. 72)

Registre-se, mais uma vez, que a tal “insuficiência de demanda” já seria, no conceito keynesiano (e no entendimento de Matias-Pereira), uma “falha de mercado”, que o governo, sempre no conceito de que o Estado só pode produzir o bem comum, procuraria corrigir oferecendo sua própria “poupança”. Eu não sei como os keynesianos imaginam de onde o governo vai retirar essa poupança, a menos que eles estejam entendendo gastos inflacionários, derivados de emissões de puro papel, como o equivalente de “perfeições de governo”, o que me parece inteiramente plausível.

O livro de Matias-Pereira é uma preciosidade em termos de análise das finanças públicas e do seu funcionamento no Brasil, não apenas teoricamente, mas de um ponto de vista essencialmente prático. Mas o autor ficou nos devendo uma explicação cabal de por que a teoria das finanças públicas deveria se articular em torno da existência de “falhas de mercado”, se em nenhum momento ele fornece uma descrição adequada da efetividade dessas “falhas” e, mais importante, de suas formas de atuação. Permanece aliás um mistério para mim o fato de que essas falhas, parcamente referidas e nunca explicitadas à exaustão, devam necessariamente estar no centro de uma teoria e uma prática das finanças públicas.
Minha posição, tal como exposta no título desta série, é a de que não existem as tais falhas de mercado, mas isso requer uma explicação mais fundamentada que será feita no terceiro artigo desta série.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de novembro de 2015.