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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Ideologia da política externa: sete teses idealistas - Paulo Roberto de Almeida

No momento em que se pensa elaborar uma nova etapa dessa construção algo artificial chamada "pensamento diplomático brasileiro" – que não sei se existe efetivamente – lembrei-me de um texto concebido originalmente em 1996 -- mais de 20 anos atrás, portanto -- que se situava um pouco nesse universo do questionamento sobre nossos fundamentos conceituais:

813. “Ideologia da política externa: sete teses idealistas”, Washington, 2 outubro 2001, 10 p.; série “Cousas Diplomáticas” (n. 2); Ensaio reelaborado a partir de trabalho n. 508, de 1996, publicado em versão original no livro Relações internacionais e política externa do Brasil: dos descobrimentos à globalização (Porto Alegre: UFRGS, 1998). Publicado na revista eletrônica Espaço Acadêmico (Maringá: UEM, a. 1, n. 5, outubro de 2001; link para o artigo: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/35899; pdf: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/35899/20924).
 

Ideologia da política externa: sete teses idealistas

Paulo Roberto de Almeida
[Publicado na revista eletrônica Espaço Acadêmico
 (Maringá: UEM, Ano I, nº 5, Outubro de 2001 - ISSN: 1519.6186).
Relação de Trabalhos nº 813; Publicados nº 280.

Le canon a tué le féodalisme.
L’encre à écrire va tuer la société moderne. *
Napoleão

A reflexão irônica de Napoleão – já imperador, solidamente instalado no comando de seu império europeu e exercendo plenamente o poder – era dirigida, não sem ironia e desdém, contra aqueles que começavam a ser designados, segundo a expressão então cunhada por Destutt de Tracy, pelo conceito de ideólogos. Para Napoleão, esses litterati nouvelle manière – que de maneira otimista ou ingênua, acreditavam que poderiam influenciar a política dos príncipes – viviam concebendo grandes projetos de reforma da sociedade sem qualquer embasamento na realidade ou sem atender um mínimo compromisso com a coerência.
A situação não modificou-se substancialmente desde aqueles dias e a classe dos ideólogos – uma subespécie da categoria mais ampla dos trabalhadores intelectuais – proliferou de maneira extraordinária na era contemporânea. Alguns ideólogos consideram-se a si mesmos “intelectuais independentes”, muito embora vários deles sejam propensos a trocar voluntariamente essa condição pela carreira mais emocionante de “conselheiro de príncipes” (desde, é claro, que estes últimos estejam dispostos a ouvi-los e a acatar seus conselhos aparentemente sensatos e descompromissados).
De certa forma, os diplomatas constituem, no plano da política externa, os ideólogos dos estados modernos. Eles estão sempre procurando soluções inovadoras a velhos e novos problemas das relações internacionais, combinando propostas singelas de melhoria da situação mundial com a expressão mais imediata dos interesses concretos de seus países respectivos. Ao fazê-lo, ele operam um mélange de Idealpolitik com Realeconomik, o que não deixa de representar uma aplicação ponderada da tradicional receita de equilíbrio entre os requerimentos de mudança e as pressões do status quo.
Se os fundamentos da ação diplomática não estiverem contaminados pela ambigüidade ou pela incoerência, tal tipo de atuação representaria nada mais do que uma demonstração do mais puro bom senso. Mas, se é verdade também que a política externa nada mais é do que a continuidade da política interna por outros meios, é mais fácil ser ideólogo no plano nacional ou doméstico do que no das relações internacionais, inclusive porque, pelo menos desde a ruptura renascentista do monopólio papal sobre a legitimidade dos estados, não existem mais príncipes com estatura internacional. Daí porque, mesmo ideólogos da política externa como os diplomatas devem desviar muito de sua atenção para os fatores domésticos da política internacional de seus estados, o que no caso deste texto é assumido de forma explícita.
As reflexões que se seguem buscam, precisamente, discutir as raízes internas das posições internacionais assumidas pelo Brasil ou, de outra forma, recolocar no plano nacional alguns dos fundamentos da atuação externa do Brasil, que muitos julgam poder apreender apenas na interação com outros estados e no contexto exclusivamente externo. Não é esta a posição do autor, que apenas considera compreensível a política externa de um estado quando os diplomatas que a aplicam são capazes de situá-la no contexto dos interesses domésticos e da “ideologia nacional” que a sustenta.
A diplomacia brasileira, por exemplo, sempre ostentou em suas bandeiras ideológicas os princípios da independência e da soberania nacionais, o que nos parece muito sensato e compreensível. Nada nos deveria impedir, contudo, enquanto “ideólogos” da diplomacia, de contestar alguns dos fundamentos dessas idéias e de discuti-las abertamente. Ao fazê-lo confessamos candidamente que pretendemos colocar em causa algumas dessas idées reçues sobre a inserção internacional do Brasil e os requerimentos para uma eventual mudança de status. Assim, as sete teses “idealistas” relacionadas abaixo pretendem comentar, se não discutir, velhos princípios da política externa brasileira que costumam ser reafirmadas de tempos em tempos. O objetivo é confessadamente provocador.

1. Os objetivos nacionais permanentes
Nunca é demais lembrar: esses objetivos precisam ser permanentemente reafirmados, sobretudo para diplomatas, que vivem num mundo em estado de mutação permanente. Entretanto, alguém, na Casa de Rio Branco, ainda sabe quantos ou quais são eles? Tinham certamente uma presença mais vigorosa na época em que os militares ocupavam o poder político, quando a Escola Superior de Guerra, uma espécie de “Sorbonne” do pensamento estratégico nacional, convidava anualmente o ministro das relações exteriores a pronunciar conferência magistral sobre o assunto: invariavelmente, o discurso começava por retomar os fundamentos desses objetivos nacionais permanentes, como recomendavam aliás os próprios manuais da ESG, o bastião conceitual mais visível da ideologia do poder nacional.
Mas, o fato é que, hoje, o tema está visivelmente em baixa, e ninguém mais se lembra de retomar a lista para verificar se estamos ou não indo pelo bom caminho. Esses objetivos pareciam ter algo a ver com a preservação da segurança da pátria frente às ameaças externas, com a afirmação e a defesa do interesse do país, a preservação da integridade do território nacional, a projeção internacional do estado brasileiro, a consolidação de seu potencial econômico e militar e o desenvolvimento integral da nação, fazendo do Brasil uma sociedade mais justa e mais humana. Em outros termos, nada de muito démodé, ao contrário, uma agenda perfeitamente atual, compatível com programas eleitorais de centro, esquerda ou direita.
Em função desses objetivos ainda válidos, como situar o papel e a função da política externa brasileira? Ela poderia ser definida, parafraseando Clausewitz, como a continuação da política interna por outros meios. Adotando, em conseqüência, uma visão mais idealista (mas não menos “utilitarista”) da diplomacia brasileira, o objetivo precípuo da política externa não deveria ser, unicamente, o de representar o país no exterior e menos ainda o de contribuir para uma pretendida grandeza nacional, a exemplo do slogan “Brasil grande potência” típico daquele passado militar.
Se examinarmos a lista, a constatação que se poderia fazer é a de que, atualmente, nada parece afetar a integridade do território nacional, nem parece existir qualquer ameaça externa à segurança da pátria ou à consolidação de seu potencial econômico e militar, a não ser, talvez, nossa própria capacidade, domesticamente fabricada, de provocar danos ao meio ambiente nacional ou de colocar em risco a saúde e o bem estar da população. Bem mais difícil, contudo, seria apontar precisamente o que poderia constituir o chamado “interesse nacional”, pois cada grupo social ou movimento político parece ter sua própria definição do que seja um “projeto nacional” estabelecido em função dos “interesses do país”.
Se conseguirmos, entretanto, reduzir a um denominador comum as aspirações dos mais diversos setores ou partidos no que se refere ao interesse público nacional, a expressão mais frequente a ser ouvida seria, muito provavelmente, a noção de “desenvolvimento”. Este é o leit-motiv e o verdadeiro fulcro da ideologia nacional, como aliás já tinham constatado, meio século atrás, filósofos como Álvaro Vieira Pinto e sociólogos como Alberto Guerreiro Ramos. Nesse contexto, a função mais importante e fundamental da política externa deveria ser, tão simplesmente, a de coadjuvar o processo de desenvolvimento econômico e social da nação. Assim, o critério essencial pelo qual deveria pautar-se a atuação de cada diplomata brasileiro é a promoção do progresso material e cultural da sociedade brasileira, objetivo de alguma forma intangível e certamente mais fácil de ser pregado do que efetivado, ou ainda de ser opercaionalizado na prática. Em outros termos, não existe um critério unívoco de transposição de “oportunidades externas” em “possibilidades internas”, para utilizar conceitos caros a Celso Lafer. O que remete o diplomata à esfera do bom senso, ou então, à situação de ele ter capacidade de perceber e identificar, na trama por vezes complexa da agenda internacional, o que exatamente correponde ao interesse nacional e que tipo de inserção externa seria mais suscetível, preferencialmente a outras alternativas, de conduzir o Brasil no caminho do desenvolvimento sustentável. Ainda incerto quanto ao roteiro a ser seguido? Isto é compreensível, mas a solução consiste, tão simplesmente, em conhecer profundamente o Brasil e ter uma visão clara da economia política de nosso desenvolvimento social.

2. A independência nacional
No passado, esse conceito já foi equalizado ao exercício pleno da soberania, o que tanto tinha a ver com a capacidade de o estado manter abertas todas as opções possíveis para a demonstração de seu poder, como com a não dependência de qualquer fonte de abastecimento externa. Historicamente, nem o primeiro objetivo foi jamais alcançado, nem o segundo, que é não apenas ilusório como economicamente irracional, apresenta qualquer viabilidade prática ou finalidade instrumental, do ponto de vista do sistema produtivo. Em termos estritamente econômicos, o conceito pode ser traduzido pelo coeficiente de abertura externa, que representa a parte do comércio exterior na formação do produto. No Brasil, a noção assume ares de imperativo categórico, a ponto de figurar, na Carta de 1988, como um dos princípios constitucionais que guiam as relações internacionais do país, como se os líderes do país – ou, vá lá, os diplomatas – fossem capazes de colocá-la em risco.
Durante os períodos de fechamento da economia internacional, como a partir da crise de 1929 e durante a depressão dos anos 1930 e os anos de guerra, não havia mesmo outra opção senão a chamada self-reliance, ou seja, o recurso a fontes alternativas internas de suprimento e a ênfase no mercado interno. No atual contexto internacional, contudo, esse objetivo permanente deveria ser procurado não necessariamente na direção da independência econômica stricto sensu, mas sim mediante uma ativa interdependência com os grandes centros da economia mundial, quando não através de uma internacionalização cada vez mais intensa da economia brasileira. A globalização torna irrelevante qualquer diferenciação entre o mercado interno e o externo e, se alguma distinção pode haver, ela sempre resultaria em destacar a superioridade do mercado externo, tanto em termos de renda agregada como em função da demanda ampliada e do upgrade tecnológico.
A antiga concepção da independência nacional – entendida em determinadas épocas como a realização da plena autonomia decisória em matéria econômica, quase como a conformação de uma espécie de autarquia produtiva –, nunca contribuiu, de fato, para a verdadeira independência nacional, mas sim a fragilizou, a ponto de tornar o País menos propenso a responder aos desafios da competição externa. Apenas uma espécie de substrato inconsciente da antiga “prevenção contra o estrangeiro” ou a manifestação delongada de um complexo de inferioridade hoje aparentemente superado – e aos quais não são alheios certos equívocos de nossas elites políticas – têm impedido a necessária (e inevitável) internacionalização mais intensa do sistema produtivo brasileiro ou a afirmação desinibida da presença cultural no exterior.
Da mesma forma, é carente de sentido a noção de que o país necessita primeiro afirmar-se economicamente ou de que suas empresas devem capacitar-se tecnologicamente ou fortalecer-se financeiramente antes de que possam ser colocadas em prática políticas de abertura econômica e de liberalização comercial. Em outros termos: globalização sim, mas ainda não, esperemos mais um pouco para resolver problemas imediatos. Ao contrário: a multinacionalização das empresas brasileiras ocorrerá no bojo e pari-passu ao processo de internacionalização da economia brasileira. A globalização pode não ser o objetivo final, mas representar tão simplesmente um meio de alcançar determinados objetivos, que não são os da internacionalização em si, mas os do aumento da eficiência e da capacidade de competição dos agentes econômicos nacionais.

3. O interesse nacional e a cooperação internacional
A cooperação internacional costuma ser identificada com a disponibilidade de “excedentes nacionais”, isto é, o fato de um determinado país, após sua fase de “acumulação primitiva”, ter deixado de ser recipiendário de assistência financeira ou técnica externa para tornar-se, ele mesmo, provedor de ajuda ao desenvolvimento, a exemplo dos membros do Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na verdade, o processo é mais difuso, como indica o fato de o Brasil ter aderido, em 1960, à Associação Internacional de Desenvolvimento (do Banco Mundial) na condição de contribuinte líquido, ao mesmo tempo em que recebia, para o Nordeste por exemplo, ajuda assistencial sob a forma de alimentos ou outros tipos de doações. Os dois lados da equação “cooperação internacional” se confundem por vezes, não havendo uma função de substituição que corresponde exatamente ao processo histórico mediante o qual o sistema econômico de um país passa, numa determinada etapa, de recipiedário líquido de recursos externos à condição de exportador de capitais.
O interesse nacional não deve ser concebido como uma busca egoísta de vantagens exclusivas para o país, no contexto regional ou internacional, mas como um processo de seleção de benefícios crescentes para a nação no quadro da cooperação externa, bilateral ou multilateral. A cooperação internacional, em ambos os sentidos, corresponde ao interesse nacional, tanto mais quanto ela se desdobrar em projetos de maior intensidade, que a transcendam, rumo a processos de associação política ou de integração econômica. Assim, é do interesse do Brasil o desenvolvimento harmônico do maior número possível de estados-nações, muito embora não esteja ao alcance dos representantes brasileiros, em foros internacionais ou em países estrangeiros, a realização de mudanças estruturais ou o atingimento de transformações econômicas e políticas internas nessas nações, ainda que para fins de desenvolvimento. Em todo caso, o interesse nacional confunde-se, em grande medida, com o interesse da comunidade internacional.
A cooperação externa, tanto a recebida quanto aquela generosamente prestada aos países de menor desenvolvimento relativo, é, contudo, acessória ao projeto nacional de desenvolvimento econômico e social, que passa pela auto-capacitação tecnológica e a formação interna de capital humano. Em qualquer hipótese, quanto mais ajuda o Brasil prestar a países de menor desenvolvimento relativo, maiores condições ele terá de lograr avanços para si mesmo nos campos tecnológico, financeiro e comercial.

4. A “graduação” e o status de país em desenvolvimento
O sistema de comércio internacional do pós-Segunda Guerra foi construído com base em regras de reciprocidade, ou seja, no pressuposto de um tratamento igualitário para todos os países, ricos ou pobres, agrários ou industrializados, avançados ou atrasados. Uma das lutas mais consistentes empreendidas pela diplomacia econômica brasileira nos anos 50 e 60 foi levada justamente no sentido de buscar um tratamento diferencial, ou seja, preferencial e mais favorável, para os países em desenvolvimento, o que foi obtido a partir das reformas do sistema multilateral a partir de 1964, com as reformas do GATT e a atuação inovadora da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, a UNCTAD. Desde então a não-reciprocidade assegura um certo acesso de produtos desses países aos mercados desenvolvidos – embora segundo uma relação unilateral, condicionada e assistencialista – bem como a derrogação ou redução de certas obrigações normativas. O sistema vem sendo preservado tal qual, praticamente desde essa época, com algumas modificações menores introduzidas no curso de rodadas de negociações comerciais, geralmente no sentido de ser efetuada a graduação dos mais industrializados, como o Brasil, mantendo preferências para os de menor desenvolvimento relativo.
O tratamento preferencial pode trazer algumas vantagens setoriais, mas não constitui, por si só, elemento impulsor do desenvolvimento econômico. Nessas condições, a afirmação, sempre reiterada pela diplomacia brasileira, de nosso status de “país em desenvolvimento” e a conseqüente busca, ou preservação, das vantagens inerentes a tal condição constituem, paradoxalmente, os meios mais seguros de perpetuar o Brasil nesse estado desconfortável – e, em grande medida, falso – de “país em desenvolvimento”. Em determinadas conjunturas históricas, como a que atravessou o Brasil na passagem para o século XXI, de transformação estrutural ou de transição para uma nova etapa de desenvolvimento econômico, uma mudança auto-assumida de paradigma oferece uma chance única para uma melhor inserção internacional.
A liberalização comercial unilateral dos anos 90, por exemplo – como aliás, na mesma linha, a assunção irrestrita do princípio do free trade na Inglaterra vitoriana de um século e meio atrás –, fez mais para aumentar a competitividade externa do Brasil no mercados internacionais do que o suposto tratamento favorável concedido a um certo número de produtos manufaturados por parte de alguns países desenvolvidos. Da mesma forma, o ajuste fiscal e as reformas econômicas internas fazem parte da nova inserção internacional do Brasil. A melhor forma de graduação é aquela auto-assumida, não a imposta pelos parceiros mais desenvolvidos.

5. A integração regional e o ingresso em foros restritos
A economia mundial do final do século XX e início do XXI tem sido caracterizada pelos processos de globalização e de regionalização, que não são contraditórios entre si ou apresentando-se como alternativas excludentes. De fato, o que caracteriza a economia mundial da atualidade é o extraordinário aumento da interdependência entre os países, sejam eles membros ou não de algum bloco de comércio ou sistema de aliança política. O Brasil participa de ambos os processos, tendo logrado superar pruridos nacionalistas para engajar-se resolutamente na globalização e dirigido, de forma relativamente exitosa em seus primeiros dez anos, a consolidação do Mercosul em direção de uma união aduaneira.
Os processos de integração regional, possuidores de uma racionalidade econômica stricto sensu, devem ser perseguidos como objetivos funcionais ou correlativos ao processo de desenvolvimento nacional, mas não necessariamente como um fim em si, na medida em que sua vertente política e institucional deve ser confrontada aos custos sociais (inclusive financeiros e diplomáticos) de sua realização efetiva. Da mesma forma, a busca seletiva de adesão a (ou de aceitação em) determinados clubes seletos – como podem ser o MTCR, o CSNU, a OCDE – devem ser vistos antes como o resultado do que como a causa de determinados processos estruturalmente vinculados aos objetivos nacionais permanentes.
A busca do prestígio pelo prestígio introduz custos adicionais ao esforço interno de ajuste, custos que devem ser confrontados aos benefícios esperados ou à capacidade do país em produzir excedentes líquidos para sua projeção internacional. Em princípio, é o desenvolvimento interno, econômico e social, da nação que trará o reconhecimento externo, e com ele determinados convites à assunção de responsabilidades maiores na comunidade internacional, e não o contrário. O discurso democrático e universalista da diplomacia brasileira, basicamente orientado para a ação multilateral, deve guardar coerência com sua forma de atuação nos mais diferentes foros abertos à nossa presença. O objetivo último de uma política externa “globalizada” e “integracionista” é o aumento do bem-estar da população brasileira, não o internacionalismo abstrato, a integração pela integração ou a incorporação em foros restritos apenas pelo prestígio parente que isso comporta.

6. A imagem internacional do Brasil
Ela é certamente falha, injusta, incorreta, por vezes difamatória: o Brasil geralmente aparece na imprensa internacional mais pelo lado de suas mazelas sociais e ambientais do que pelos aspectos exitosos de seu desenvolvimento ou pelas realizações materiais e artisticas de seu povo. Muitas vezes isso se dá por perversidades próprias à nossa estrutura econômica e social, outras vezes por incompetência dos agentes públicos brasileiros na apresentação de nossas realidades. O aperfeiçoamento dessa imagem não deveria contudo ser buscado pelo mero investimento nos meios, isto é, pela promoção de um retrato “mais fiel” do Brasil, mas por uma ativa política corretiva nas fontes do problema. Do incômodo de conviver com certas realidades, possivelmente vexatórias do ponto de vista internacional, nascem determinadas posições principistas que apenas eludem alguns problemas cruciais de ordem política ou social; nessa ordem de idéias pode ser colocada a visão jurisdicista que ainda anima nossa política de direitos humanos.
Um certo investimento em “imagem” vem sendo feito junto a interlocutores externos, sem que se possa medir muito bem o retorno efetivo dos recursos engajados nessas formas sutis de propaganda. Alguma satisfação, pelo menos no plano individual, pode resultar dessas ações, mas tais recursos estariam certamente melhor empregados se fossem canalizados para as tarefas de educação e de promoção da cidadania ou da preservação ambiental no próprio Brasil, em lugar de serem direcionados para o exterior.

7. Avaliação do instrumento diplomático brasileiro
Depois do “mito do Barão”, a afirmação da “excelência do Itamaraty” é certamente uma das crenças mais arraigadas em nosso estamento profissional, tendo obtido um grau razoável de aceitação pública, interna e externamente. A autocomplacência com nossas supostas boas qualidades pessoais, ótima formação acadêmica e alto desempenho profissional parece constituir uma espécie de “pecado original virtuoso”, tendo sido constantemente estimulada por uma dessas frases grandiloqüentes cuja origem é creditada ao imediato entorno regional: “El Itamaraty no improvisa” (talvez devesse fazê-lo em determinadas ocasiões, para não dar a errônea impressão de lentidão ou passividade).
De fato, a preservação das linhas básicas da política externa brasileira ao longo das décadas deve-se a seu caráter intelectualmente reflexivo, politicamente cauteloso, operacionalmente coordenado e essencialmente discreto em termos de mídia. Sem querer desmerecer a qualidade e a dedicação da burocracia diplomática, sobretudo em confronto com outras categorias profissionais servindo o Estado, caberia no entanto introduzir uma nota de caução e de advertência, no sentido de que a autosatisfação e a glorificação generosa dos atributos de qualquer tipo de casta social são, de um ponto de vista puramente antropológico, os caminhos mais seguros para uma crescente endogamia, a degenerescência precoce e o esclerosamento. Os processos de osmose, em contrapartida, costumam ser regeneradores e vivificadores para todas as células do organismo, da mesma forma como a mistura racial e a abertura à alteridade reforçam a capacidade de resposta e de adaptação de todo e qualquer corpo social.
Todos sabemos, por exemplo, que grande parte do nosso tempo é mais dedicado à busca de meios para (tentar) trabalhar – como suporte logístico, pessoal, material, comunicações, enfim, recursos e insumos de diversas categorias – do que propriamente voltado para os fins precípuos para os quais somos pagos pela comunidade: pensar e praticar a política externa brasileira. Caberia indagar, assim, se alguns procedimentos de trabalho conseguiriam passar num controle de qualidade um pouco mais severo de um auditor externo especializado em organização e métodos. Ou, então, se a continuidade da suposta excelência dos quadros do Itamaraty está vinculada à estabilidade estatutária da classe diplomática, aparentemente considerada (por “direito divino”?) um dos corpos permanentes e inamovíveis do Estado.

Eventuais respostas alternativas às perguntas acima, talvez politicamente incorretas, poderiam introduzir um pouco mais de modéstia em nossa autoavaliação e promover uma busca constante de aperfeiçoamento no modo como funciona esta instituição repleta de jovens idealistas. Como “ideólogos” da diplomacia, nos cabe uma certa dose de responsabilidade na permanente remise en cause da velha ordem em que somos chamados a atuar.

Paulo Roberto de Almeida (http://pralmeida.tripod.com)
é doutor em ciências sociais, mestre em planejamento econômico e autor de
Formação da Diplomacia Econômica no Brasil (São Paulo: Senac, 2001)
As opiniões expressas no presente texto são exclusivamente as de seu autor e não correspondem a posições ou políticas do Ministério das Relações Exteriores ou do Governo brasileiro.
[Washington, 813: 2 outubro 2001]



* O canhão matou o feudalismo. A tinta de escrever vai matar a sociedade moderna.

Macron acabou com o populismo na Franca? - Palestra no IPRI (31/10)


A Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG e o seu Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais – IPRI – têm o prazer de convidar para a palestra-debate “Does Emmanuel Macron’s Election mean the end of populists in France?”, a ser proferida pelos professores da Science Pos, Marc Lazar e Dominique Reynié. A palestra será realizada no Auditório Embaixador Paulo Nogueira Batista, no anexo II do MRE, no dia 31 de outubro de 2017, às 09h.

Confira a programação. Será disponibilizado certificado de participação. 
Palestra: “Does Emmanuel Macron’s Election Mean The End of Populists in France?”.

China: os conselheiros do principe neo-autoritario - Le Monde

Le Monde
26 octobre 2017

Wang Huning, a cabeça pensante do regime, sai das sombras
Cet ancien professeur en sciences politiques, francophone, est un partisan du néo-autoritarisme à la chinoise

En accédant au comité permanent, où il va superviser le département de propagande du parti, Wang Huning accède à une place prééminente dans la hiérarchie du pouvoir communiste. Une consécration pour celui qu'on a surnommé le " Kissinger chinois " ou " conseiller en chef de Zhongnanhai ", le lieu du pouvoir communiste à Pékin, non loin de la Cité interdite. Wang Huning est l'un des théoriciens du pouvoir chinois depuis Jiang Zemin, qui l'a fait monter à Pékin en  1995, alors qu'il était doyen de la faculté de droit de l'université de Fudan à Shanghaï. Il rejoint alors le Centre de recherche de la politique centrale, le think tank du pouvoir central, dont il dirigera le département d'études politiques. Entré en  2002 au Comité central, il sera ensuite l'auteur du concept de développement scientifique de Hu Jintao et sert, selon sa biographie par la Brookings Institution, de lien entre l'équipe de Hu Jintao et l'ancien président Jiang Zemin et son éminence grise, Zeng Qinghong, tous deux très influents.
M.  Wang a fait des études de français – langue qu'il parle couramment – puis de politique internationale et de droit. Devenu professeur, il effectuera plusieurs séjours comme chercheur invité aux Etats-Unis à la fin des années 1980, notamment à Berkeley, en Californie. C'est durant ces voyages qu'il dresse le constat que Washington est le grand rival auquel Pékin ne cesse de se mesurer. En  1991, il publie un livre, Les Etats-Unis contre les Etats-Unis, où il détaille ses six mois passés sur le sol américain à tenter de comprendre la première puissance mondiale, ses forces et ses failles.
La responsabilité d'un intellectuel chinois, juge-t-il à ce moment, est à la fois de comprendre pourquoi la Chine, une civilisation vieille de plus de 2 000 ans, a pu sombrer dans le déclin et pourquoi les Etats-Unis, jeune pays de 200 ans, a pu devenir la première puissance mondiale. " Je considère, écrit-il, qu'un intellectuel vivant au XXe  siècle a le devoir d'étudier ces deux phénomènes. Tout intellectuel chinois doit le faire, c'est un moyen de mieux connaître le monde et soi-même et d'explorer le chemin de la Chine vers la puissance et la prospérité. " Voilà posé les bases de cette renaissance chinoise tant vantée par le sécrétaire général du PCC, Xi Jinping.
Dans les années 1980, il s'intéresse au système juridique. Dans un texte de 1986, il attribue ainsi les abus de la Révolution culturelle à l'absence de séparation entre la police, le parquet et la justice – un avis très partagé dans cette période d'ouverture politique. Mais il se fait vite remarquer ensuite pour sa défense d'un pouvoir centralisateur fort, capable d'" être efficace dans la redistribution des ressources " et de " promouvoir une croissance économique rapide ", comme il l'écrit en mars  1988 dans un article pour le Journal de l'universitéFudan (" Analyse sur les formes de gouvernement pendant le processus de modernisation "). M.  Wang devient à ce titre un représentant de l'école de pensée néo-autoritaire. C'est cette théorie qu'il faut comprendre, écrit le sinologue Jude Blanchette dans un article récent intitulé " Le rêve néo-autoritaire de Wang Huning " pour " comprendre la phase ultra-conservatrice dans laquelle se trouve aujourd'hui la Chine ". Devenu proche conseiller et " plume " de Xi Jinping, il l'accompagne lors de nombreux voyages à l'étranger.
François Bougon, et B. Pe (à Pékin)
© Le Monde

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26 octobre 2017
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Xi s'entoure de fidèles pour un pouvoir absolu
Le secrétaire général du PCC n'a nommé aucun successeur au nouveau comité permanent du bureau politique
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Xi Jinping a franchi une nouvelle étape dans le renforcement de son pouvoir. Après avoir fait inscrire, mardi 24  octobre, son nom dans la charte du Parti communiste chinois (PCC) – se plaçant à l'égal de Mao Zedong et de Deng –, il a rompu, en partie, avec les usages en ne nommant pas des successeurs possibles au sein du comité permanent du bureau politique, le cœur du pouvoir en Chine, dévoilé mercredi.
Le secrétaire général du PCC, reconduit dans ses fonctions par le comité central pour un nouveau mandat de cinq ans, a présenté ce comité permanent à la presse, chinoise et internationale, au Palais du peuple, à Pékin, à la mi-journée. En plus de l'actuel numéro deux, Li Keqiang, reconduit dans ses fonctions, il est composé de cinq nouvelles figures, tous des hommes et des cadres confirmés venus du bureau politique. Agés de 60 à 67 ans, donc tous nés dans les années 1950, ils appartiennent à sa génération, ou sont à peine plus jeunes, et seront sans doute appelés à davantage suivre les décisions du numéro un chinois que ne l'ont jamais été leurs prédécesseurs.
Déjà désigné comme " noyau dirigeant du parti " en  2016, un titre hautement symbolique, Xi Jinping a vu mardi sa " philosophie ", " la pensée de Xi Jinping du socialisme aux caractéristiques chinoises pour une nouvelle ère ", inscrite dans la charte du parti au côté de son nom, un honneur qui lui donne un pouvoir sans précédent depuis le début de l'ère des réformes à la fin des années 1970.
" Trouvaille marketing "
Pour former sa nouvelle équipe, M.  Xi, qui a certes dû composer avec d'autres forces politiques au sein du parti et avec les vœux des anciens, n'a pas fait entrer de représentants de la sixième génération de dirigeants, ceux nés dans les années 1960. " Nous ne sommes plus dans l'ère où des successeurs sont nommés, le système du roulement a vécu ", explique au Monde le politologue chinois Zhang Ming. Xi Jinping semble installer un nouveau paradigme de gouvernance, avec une personnalisation du pouvoir, mais entièrement au service d'un parti qu'il a voulu renforcer dans son rôle dirigeant et ses prérogatives, quitte à ce qu'il soit moins collectif dans ses prises de décision. Un " système de noyau dirigeant ", selon M. Zhang, au détriment du " système de direction collective ", et qui rend, selon lui, bien moins pertinent le rôle même d'un comité permanent.
Xi Jinping, un fils de révolutionnaire qui se pose en sauveur du parti et du régime, n'a cependant sans doute pas l'intention d'en être le fossoyeur : " On n'est pas dans une poutinisation du pouvoir, réagit une diplomate occidentale à Pékin. Ce qui se passe actuellement est l'expression de la volonté de ceux qui veulent au sein du régime un pouvoir fort, incarné par le parti. Xi et son rêve chinois sont dans cette optique, une trouvaille marketing qui fonctionne. "
Outre Li Keqiang, qui reste numéro deux du PCC, mais dont le poste de premier ministre ne sera reconduit qu'en mars  2018, le nouveau comité permanent à sept membres, comme le précédent, comporte, par ordre protocolaire, Li Zhanshu, l'ex-bras droit de Xi Jinping, puisqu'il fut durant les cinq dernières années chef de l'Office général du comité central. Puis vient Wang Yang, un politicien qui s'était illustré par ses politiques libérales à Canton avant 2012. M.  Wang avait été appelé à rejoindre la direction centrale du gouvernement comme vice-premier ministre et a piloté les efforts d'allégement de la pauvreté.
Ensuite apparaît Wang Huning, le théoricien du régime depuis Jiang Zemin, devenu un proche de Xi Jinping. Zhao Leji, le plus jeune du comité permanent et un allié de Xi Jinping, remplace Wang Qishan à la tête de la Commission disciplinaire centrale du parti, la toute-puissante organisation chargée de lutter contre la corruption. Enfin, Han Zheng, ex-secrétaire du parti de Shanghaï qui a secondé Xi Jinping lorsque celui-ci fut nommé à la tête de la célèbre municipalité avant de rejoindre le comité permanent du parti en  2007.
Ce " casting " respecte la plupart des règles établies, comme celle de l'ancienneté : l'ex-chef de la lutte a anticorruption, Wang Qishan, dont certains spéculaient qu'il serait maintenu au comité permanent malgré ses 69 ans (l'âge limite pour y entrer est de 67), a bien lâché son poste. Les autres " élus " l'ont été selon peu ou prou leur rang d'ancienneté au bureau politique – l'une des règles informelles servant à stabiliser les transitions du pouvoir qui, selon la sinologue américaine Alice Miller, a systématiquement été appliquée dans la Chine post-maoïste.
Wang Huning a sans doute un grand rôle dans la formulation du rêve chinois de Xi Jinping, mais il fut aussi actif sous ses prédécesseurs. Enfin, le premier ministre Li Keqiang ainsi que Wang Yang restent bien placés dans l'ordre protocolaire en tant que représentants de la filière politique de la Ligue de la jeunesse, plus libérale, ce qui perpétue la tradition de composer, pour le secrétaire général, avec la principale faction rivale. Le peu d'espace politique laissé au premier ministre lors des cinq années écoulées laisse toutefois présager qu'il en sera de même dans la " nouvelle ère ".
En revanche, Xi Jinping a dynamité les règles de succession. Aucun responsable politique de la sixième génération ne figure au comité permanent. Le modèle de succession en œuvre jusqu'ici aurait imposé qu'un duo de politicien de cette génération émerge et soit coopté au comité permanent. Le duo autrefois pressenti, formé par deux des plus jeunes membres du bureau politique, Sun Zhengcai (ex-premier secrétaire de Chongqing) et Hu Chunhua (premier secrétaire de Canton) est devenu caduc quand le premier a été arrêté pour corruption juste avant le 19e congrès.
" Coup de force "
M.  Xi semble avoir préféré donner à son remplaçant putatif et protégé, Chen Min'er, tout juste admis au bureau politique, plus de temps. Certains observateurs estiment que le numéro un chinois souhaite éviter qu'un dauphin potentiel soit soumis à trop de pression avant d'avoir fait ses preuves et soit éventuellement remis en cause dans sa légitimité à accéder au poste suprême, comme lui-même l'a indirectement été par Bo Xilai avant 2012. M.  Bo et toute une clique de hauts dirigeants purgés, dont tout dernièrement Sun Zhengcai, sont aujourd'hui ouvertement accusés d'avoir fomenté " un coup de force " avant l'accession au pouvoir de Xi Jinping en  2012.
Parmi les nouveaux entrants au comité permanent, seuls trois, Wang Yang, Wang Huning et Zhao Leji, peuvent éventuellement être reconduits lors du 20e congrès de 2022, mais pour un seul quinquennat. La question de l'après-2022 est donc désormais entièrement ouverte. Un scénario pourrait être que Xi Jinping reste secrétaire général du parti pour un troisième mandat au-delà de la limite d'âge, mais que la présidence du pays (limitée à deux mandats), incombe à un autre dirigeant. Ou alors qu'un nouveau poste de président du parti soit taillé à sa mesure, le temps qu'un successeur fasse ses premières armes.
Brice Pedroletti
© Le Monde
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26 octobre 2017
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Le modèle Xi
C'était en  2009, à l'Académie des sciences, à Pékin, dans un bureau de l'Institut de physique. Hong Ding venait de rentrer des Etats-Unis, où il était resté après ses études. Dix-neuf ans de bonheur, nous disait-il. Il y avait décroché la nationalité américaine et une chaire à vie au dépar-tement de physique de Boston College. Pourtant, à 39 ans, il avait fait le pari du retour, attiré par la mère patrie et séduit par l'abondant financement de la recherche en Chine, au moment où les -universités américaines subissaient, elles, le contrecoup de la crise financière.
Hong Ding avait fait partie de cette première génération d'étudiants chinois partis en Occident sous l'impulsion de Deng Xiaoping qui, quitte à en perdre quelques-uns, voulait surtout faire émerger des élites intellectuelles susceptibles, un jour, de rivaliser avec l'Ouest. Près de vingt ans avaient passé lorsque Hong Ding est rentré : le moment était venu du retour des cerveaux. Par précaution, il n'avait pas renoncé à son passeport américain. Mais, huit ans plus tard, il est toujours là. Ses travaux sur la supraconductivité, il les mène désormais avec des chercheurs chinois.
Et pourquoi serait-il reparti ? Son cher Boston College est sans doute plongé, comme la plupart des universités de la Côte est, dans le désespoir des élites anti-Trump, stupéfaites par l'humeur d'un pays qui se replie sur lui-même. Alors que là, à quelques encablures de son bureau de l'Académie des sciences, son président, Xi Jinping, celui que certains ont baptisé " l'anti-Trump ", vient de se faire couronner une deuxième fois par le parti à l'aube d'une " nouvelle ère ".
Avec Xi, dit le discours officiel, le rêve a changé de camp : il n'est plus américain, il est chinois. Triomphant, Xi Jinping ne se reconnaît que deux prédécesseurs à son échelle, Mao et Deng. Il ne récuse pas le terme de " timonier ", réservé à Deng et à Mao. Son " socialisme aux caractéris-tiques chinoises pour une nouvelle ère " est désormais élevé au rang de " pensée ".
Enfin, seul maître à bord, Xi -promet à son 1,4  milliard de -compatriotes un " développement en deux étapes " : d'ici à 2035, la Chine aura achevé sa moderni-sation, notamment en termes d'innovation et, en  2049, année du centenaire de la fondation de la République populaire, elle aura atteint le statut de leader planétaire, défendue par une armée " de premier rang mondial ".
On est loin de la prudence de Deng, qui préconisait de " tra-verser la rivière en tâtonnant les -pierres ". La Chine de Xi enjambe la rivière avec des bottes de sept lieues. La question n'est plus de rattraper le modèle occidental et son soft power : le modèle chinois est installé. Contrairement à ses prédécesseurs, note le sinologue François Godement, de l'European Council on Foreign Relations (ECFR), Xi Jinping ne s'embarrasse plus d'allusions aux réformes démocratiques ni au libéralisme du marché : " Il ne laisse aucun espace pour cela. " Grâce à Internet et au big data, outils dont la planification aurait rêvé, " son ambition dépasse Orwell ".
Hong Ding a réintégré son pays au moment où la Chine, auréolée de la gloire de l'après-Jeux olympiques, laissait discrètement deviner ses rêves de puissance, parallèlement à sa réussite économique. A l'étranger, les experts soupçonnaient le dessein des -dirigeants chinois, celui de produire un modèle alternatif au modèle occidental. Ils entrevoyaient deux obstacles : la montée des classes moyennes, dont l'amélioration du niveau de vie s'accompagnerait nécessairement d'une revendication de liberté, selon un schéma classique ; et l'indispensable innovation technologique qui, malgré le retour des cerveaux, se heurterait à un système fermé à la libre compétition des idées.
Concentration des pouvoirs
Moins de dix ans plus tard, Xi semble balayer ces obstacles. Le dogme selon lequel la libéralisation économique conduit inévitablement à l'ouverture politique est sérieusement mis à mal. Les fameuses classes moyennes chinoises, souligne François Godement, ont vu cette année leurs revenus augmenter comme jamais. Les Chinois peuvent aller et venir, voyager à l'étranger – et ils rentrent chez eux. Ils jouissent de médias sociaux parmi les plus avancés du monde, à condition de ne pas en faire un usage politique. En revanche, ajoute le -sinologue, " parmi les experts et les intellectuels, le désespoir est total : ils redoutent un retour au maoïsme ". Mais ce ne sont pas eux qui fourniront les bataillons d'une rébellion de masse.
Quant aux limites apportées à l'innovation et à la créativité par un système politique trop rigide, le verdict n'est pas tombé. Mais on n'en est plus au stade où, devant l'explosion du nombre de brevets déposés par la Chine, les experts occidentaux se rassuraient en constatant qu'il s'agissait plus de multiplications d'inventions existantes que d'innovations originales.
Entre les transferts de technologie, les copies, l'espionnage industriel et sa propre matière grise, la Chine, atelier du monde, est aussi devenue une puissance dans le domaine de l'innovation. Il lui manque toujours la reconnaissance d'un prix Nobel, les scandales de fraude sont encore trop nombreux et l'argent ne peut pas tout. Mais la taille compte. Avec 730  millions de personnes connectées, un usage du téléphone mobile plus avancé que celui des pays occidentaux et infiniment moins de barrières éthiques, la Chine aborde la bataille de l'intelligence artificielle avec de gros atouts.
C'est officiel. Le " socialisme aux caractéristiques chinoises " de Xi Jinping se veut un modèle alternatif, et un modèle exportable. Si " l'ère " est nouvelle, cependant, le modèle de la concentration des pouvoirs dans les mains d'un seul homme et de son parti, lui, est familier. Cela s'appelle une dictature. Son succès serait, pour le coup, une authentique -innovation.
par Sylvie Kauffmann
© Le Monde

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Prata da Casa: seis livros de diplomatas - Paulo Roberto de Almeida

Revista da ADB 96
Prata da Casa
 Paulo Roberto de Almeida


Jaime Pinsky (org.): O Brasil no contexto, 1987-2017; São Paulo: Contexto, 2017, 224 p.; ISBN: 978-85-7244-992-2.

A Contexto é uma editora tipicamente acadêmica, cujo editor comemora, a cada 10 anos, sua continuada existência, publicando coletâneas nas quais analisa o “Brasil no contexto”. Assim foi nos primeiros 10 anos, depois nos 20, e agora nos 30 anos, recém-comemorados.
O embaixador Sérgio Florêncio, já autor de um livro sobre os mexicanos, na série sobre povos e culturas da Contexto, assina na obra um capítulo sobre a política externa brasileira entre a redemocratização e o governo atual, realizando a extraordinária performance de resumir todas as presidências em menos de 13 páginas.
Lula, por exemplo, é abordado como indo “do prestígio internacional à queda na credibilidade externa”, e Dilma merece um adequado “declínio da política externa e desprestígio da diplomacia”. Parabéns pela capacidade de síntese. Vale ler...


Gustavo Westmann (org.): Novos olhares sobre a política externa brasileira; São Paulo: Contexto, 2017, 272 p.; ISBN: 978-85-7244-986-1

Nove jovens diplomatas e quatro outros “paisanos” (acadêmicos ou jornalistas) assinam 14 capítulos abordando aspectos diversos da política externa, com críticas aos métodos ou até mesmo à substância da diplomacia nas últimas décadas. Na introdução, o organizador já coloca as questões mais relevantes que balizaram as contribuições: quais as prioridades do Brasil externamente?; que papel o país pretende assumir na nova ordem global?; quais são os desafios a superar?
Em capítulo próprio, ele formula suas opiniões sobre os “avanços e retrocessos da política externa e sobre a crise do Itamaraty, sugerindo novos caminhos” para o Brasil na cena internacional. Felipe Antunes trata de uma nova estratégia de desenvolvimento, Tiago Santos da formação do conhecimento e Hayle Gadelha do soft power brasileiro. Os demais capítulos são setoriais. Corajosos...



Rogério de Souza Farias: Edmundo P. Barbosa da Silva e a construção da diplomacia econômica brasileira; Brasília: Funag, 2017, 589 p.; ISBN: 978-85-7631-682-4.

Assim como as memórias de Roberto Campos Lanterna na popa constituem, bem mais que mera autobiografia, uma verdadeira história econômica do Brasil, essa densa biografia de um dos grandes construtores da diplomacia econômica no Itamaraty representa, igualmente, uma verdadeira reconstrução historiográfica de toda a história econômica do Brasil na segunda metade do século XX.
Assim como a obra de Campos, é leitura obrigatória por todos aqueles que pretendem abordar, doravante, as relações econômicas internacionais do Brasil, e as políticas econômicas, em especial a comercial e a industrial no período. Enriquecida por um belo e substantivo prefácio do colega de Edmundo, embaixador Marcílio Marques Moreira, a biografia se estende do século XIX ao XXI, e representa um monumento à inteligência econômica, como feita no Itamaraty.





Sergio de Queiroz Duarte: Desarmamento e temas correlatos; Brasília: Funag, 2014, 244 p.; ISBN: 978-85-7631-507-0; Coleção Em poucas palavras.

A coleção costuma ter 120 páginas: o tema tratado por Sérgio Duarte exigiu, porém, o dobro da extensão. Ele descreve todo o complexo compreendido no vasto universo das armas de destruição em massa, desde os primeiros esforços de desarmamento, como o programa dos Átomos para a paz, os tratados pertinentes às diversas categorias de armas (químicas, bacteriológicas e biológicas, nucleares).
A obra também trata das zonas livres destas últimas, ademais dos vetores (mísseis e foguetes), dos regimes de controle e dos organismos vinculados a esse interminável e, talvez insuperável, esforço. Tudo isso dentro das 120 páginas tradicionais da coleção: as restantes são ocupadas pela listagem dos principais acordos no campo do desarmamento e pela transcrição dos relevantes Tlatelolco, TNP e Proibição completa de testes nucleares.






Sérgio Eduardo Moreira Lima (org.): A importância da Espanha para o Brasil: história e perspectivas; Brasília: Funag, 2017, 217 p.; ISBN: 978-85-7631-670-1.

A Espanha está presente na história do Brasil muito antes da União Ibérica (1580-1640), pois portugueses e castelhanos disputaram de longa data porções do continente meridional do Novo Mundo e o reino espanhol foi um dos últimos a reconhecer a independência do Brasil, entre outros motivos por disputas monárquicas.
Luiz Felipe de Seixas Corrêa assina, nesta obra resultante de um seminário organizado pela Funag e pela Embaixada da Espanha, um interessante ensaio histórico O governo dos reis espanhóis em Portugal (1580-1640): um período singular na formação do Brasil –, que demonstra como essa União Ibérica constituiu um momento decisivo na organização da colônia até então relativamente descurada. O efeito mais importante foi a expansão do território, consolidado um século depois por Alexandre de Gusmão!




Martin Normann Kämpf: Ilha da Trindade: a ocupação britânica e o reconhecimento da soberania brasileira (1895-1896); Brasília: Funag, 2016, 221 p.; ISBN: 978-85-7631-584-1.

Depois dos clássicos livros de história diplomática de Hélio Vianna e Delgado de Carvalho, raramente a literatura em torno da política exterior do Brasil nas questões de limites tocou na questão da ilha da Trindade, limitando-se em geral aos casos mais conhecidos de limites territoriais tratados pelo Barão do Rio Branco.
Esse estudo que resulta de dissertação de mestrado no Instituto Rio Branco sob a direção do professor Francisco Doratioto inova, inclusive, sobre os estudos diplomáticos tradicionais (Araújo Jorge, Delgado de Carvalho), ao consultar arquivos primários que ainda não tinham sido explorados pelos pesquisadores. Numa era de predomínio quase absoluto e prepotente do imperialismo britânico, o Brasil conseguiu, unicamente pela força do direito, ou seja, da diplomacia, vencer o direito da força. A diplomacia construiu o Brasil moderno!



Paulo Roberto de Almeida,
diretor do Ipri/Funag do MRE.

Preparando o acompanhamento das eleicoes de 2018 - Paulo Roberto de Almeida


Preparando o acompanhamento das eleições de 2018

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: Seguimento das eleições presidenciais de 2018; Finalidade: informar, refletir, esclarecer, participar, contribuir]


1. Introdução: de um Brasil sem eleições à redemocratização
2. A sociologia política da representação dos interesses na Constituinte de 1987-88
3. As relações internacionais na ordem constitucional e os partidos políticos
4. Seguindo sistematicamente os programas partidários nas eleições presidenciais
5. A concentração do foco analítico na grande mudança do PT, com Lula
6. A política companheira, para o bem e para o mal
7. As eleições presidenciais de 2006, desta vez seguidas por um blog especial
8. As eleições presidenciais de 2010, novamente seguidas por blog dedicado
9. Campanha de 2014, sem blog dedicado, mas intensamente no Facebook

10. Perspectivas para 2018: sem grandes ilusões quanto aos resultados


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de outubro de 2017.


Texto integral (27 páginas), disponível neste link de Academia.edu
http://www.academia.edu/34952110/Preparando_o_acompanhamento_das_elei%C3%A7%C3%B5es_de_2018