sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

664) Uma premiacao preventiva...

Alguem já ouviu falar de mérito prévio?

Pois é, eu não sabia que alguém devesse ser premiado antes mesmo de qualquer avaliação. É, em todo o caso, o que me ocorreu a partir de uma iniciativa do grupo que tive a insana idéia de coordenar, que se chama Diplomatizando (este mesmo), e que se dedica, tão simplesmente a intercambiar informacoes e comentários sobre temas variados, com especial atenção aos de relações internacionais e de economia.
Abaixo figura a “sentença”, proclamada por um “juiz” do grupo -- o colega jornalista João Luiz Neves, de Curitiba --, e que me “condena” a receber um prêmio, no caso um livro, a ser oferecido pelos colegas voluntariamente participantes no empreendimento, que originariamente tinha sido proposto como concurso, ou maratona, de escrita.
Os colegas reconheceram, preventivamente, e eu diria também indevidamente, que eu merecia o prêmio mesmo antes de conquistá-lo por meu próprio mérito ou esforço especial. Seria, digamos assim, uma premiação pela obra acumulada, o que certamente muito me lisonjeia.
Estou em desconformidade com a solução encontrada, pois sou contrário a toda e qualquer distinção que não tenha sido aferida de forma independente, mas parece que não posso lutar contra a iniciativa dos colegas, que se declararam de acordo.
O que me resta a fazer, portanto, é acatar o resultado e declarar, de pronto, meu sentimento de imensa satisfação, dizer que fiquei muito sensibilizado pelo gesto e que recebo esta manifestação com muito carinho e reconhecimento.
Ao registrar a “sentença”, quero deixar claro que não concordo com tudo o que está escrito na “sentença”. Eu me considero um indivíduo não excepcional, mas esforçado, que vê na leitura e na escrita – ambos intimamente correlacionados – e na sua transmissão didática aos mais jovens os motivos centrais de sua existência e atividade. Sempre tive gosto pelo papel (hoje tela de computador, em grande medida) e pala palavra escrita, e acho que continuarei assim pelo futuro indefinido. Faço do conhecimento e de sua disseminação motivos centrais de minha vida e acho que deveria ser assim com todo mundo.
Por isso, fico extremamente sensibilizado pelo gesto dos colegas e amigos, o que muito contribui para que eu persista na via adaotada.
A todos e a todas, o meu carinho e reconhecimento pelo gesto efetuado. Minha gratidão, de verdade, e a promessa de fazer mais e melhor em 2007.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22 de dezembro de 2006

SENTENÇA
>
> Em termos de volume de leitura e escrita, talvez PRA só perdesse para o lendário colega José Guilherme Merquior. Ou para o autor da Comédia Humana. Este Juízo considera JGM superior a Roberto Campos na comparação entre as respectivas eleições estéticas de ambos.
> Então, dada a dedicação absoluta de PRA aos sabores dos saberes, o prêmio vai, por juízo apriorístico sintético, para o criador do Grupo Diplomatizando.
> Caberá à Regina, na qualidade de agente fiduciário, a escolha, compra e envio do título do livro a ser outorgado ao ganhador.
> A cotização simbólica e de caráter puramente afetivo realizada em época natalina do valor da obra será feita entre a Regina, Enge, Uzi, RAS, JL e o primeiro voluntário que se manifestar e não poderá exceder R$ 15,00 (quinze reais) cada. Em email dirigido individualmente a cada um dos cotistas, informar-se-á a conta para depósito. Banco de donos e capital brasileiros, exclusivamente. Caso um ou mais cotista decline da contribuição, ou não haja apresentação de voluntário, o rateio será feito pelo valor máximo (6x R$15,00 = R$ 90,00) entre os cotistas restantes.
> Cinco títulos de obras serão dispostos e votados entre todos os participantes do Grupo. PRA não terá direito à escolha e sofrerá em silêncio com o resultado da votação. Tampouco poderá declinar da premiação e suspeitar dos critérios apriorísticos do julgamento, obviamente. Uma vez colocada a lista ao Grupo, ele terá 24 horas para solicitar a mudança de algum título que conste na lista e que eventualmente já possua. As obras serão de autores nacionais e editadas no Brasil por editoras brasileiras.
> O livro deverá chegar às mãos do agraciado até o Dia de Reis. A votação encerra-se às 24h do dia 31 de dezembro de 2006.
> Cumpra-se.
>
> JL

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

663) O dom: uma alegoria economico-natalina...

Acton Commentary "bringing moral reflection to bear upon current issues"
December 20, 2006

The Gift
by Rev. Robert A. Sirico, Acton President

What is a gift? It is something provided to another without expecting or demanding anything in return. It is not an exchange, at least not intentionally. It is a pure provision from you to someone else. In that sense, it is always a sacrifice. We might gain from giving -- winning affection, appreciation, good favor -- but we must not expect this. It is a byproduct, an after-effect, and unintended result.

We give gifts at Christmas to continue a tradition followed by the Magi from the East who followed the star to find the Christ who was born King of the Jews. They presented him with gold, frankincense, and myrrh, but these are only the gifts mentioned in the Bible. There may have been more.

Why did they do this? To honor and adore the Christ. It was pure sacrifice and especially meritorious for being so. Their sacrifice, their gift, foreshadows the sacrifice on the Cross and the gift of salvation.

The idea of the gift is that it is something special, identifiable, and unique. It is different from what we do in daily life on a regular basis. Most of what we do in life consists of exchanges based on mutual advantage. When we shop, we know the terms of trade, a specified amount of money in exchange for a good or service. When we work, we received wages. When we study in school, we hope to obtain a degree.

There is nothing inherently selfish or greedy about exchanges. They reflect our desire to cooperate with others in a way that causes everyone to be made better off. Exchange is the basis of prosperity. It permits everyone to gain wealth together, and not at each other's expense.

To celebrate the gift as an institution, then, is not to disparage the moral status of exchanges. Human relations are not debased merely because money is involved. Money is simply a proxy for goods and services. It is a tool that permits us to come to terms in a more efficient way. The problem arises only when the tool (the means) is seen as the end.

Indeed, in one sense we might say that exchange is a necessary precondition to the gift. How did the wise men obtain their gifts? They probably purchased them from a merchant. And how did the merchant obtain them? Probably from a small manufacturer who produced them from raw materials. And where did the raw materials come from? They were obtained via the use of other resources.

An exchange nexus exists before the gift, then as now. And that exchange nexus, by enhancing the wealth available to us, makes more gift-giving possible.

My lesson: While it is possible to distinguish giving from exchanging, it is a mistake to set these two types of human engagement against each other. Exchanging makes giving possible and more bountiful. Without exchange, without private property and a moral sense of its foundation, giving would be limited, impossible or morally dubious.

But neither can we say that the gift is dispensable, a pure luxury that we can either embrace or accept. Life would be cold and inhumane without the gift, simply because exchange relationships do not encompass the whole of civilized life. We must give to our children, spouses, parents, neighbors, religious congregations, and to those in need. We give to our benefactors out of appreciation. We give not only money and physical items but also time, talents, and hearts.

Another way to put this is that economics and charity (love) go hand in hand. They are distinct but not incompatible. Society can always use more of both. And how might we bring that about? By enhancing the sphere of freedom that permits us to act on each other’s behalf, for only freedom allows for the exercise of human volition that is behind both exchange and gifts.

The holiday season provides us lovely illustrations of how this happens. We look around and see an astounding hustle and bustle of buying and selling, advertising and promotion, commerce and activity -- and we are tempted to regard it as degrading in some way. Sometimes it is.

But it need not be so. To see the spark of Divinity in the midst of our humanity is, after all, what the Incarnation of God’s Son at Christmas is all about. To uncover that divine reality we need to recall that the driving inspiration behind the hustle is -- or should be -- the desire to give to others because we want to sacrifice for and honor others.

With so great a freedom entrusted to us by God comes the obligation to use it well.

Rev. Robert A. Sirico is president of the Acton Institute.
Original neste link.

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

662) Recomendacoes importantes aos viajantes...

A todos os meus amigos, conhecidos, curiosos, nômades em geral...
Aos que se preparam para viajar de avião neste final de ano, eu recomendaria este "kit-aeroporto", para as longas horas que eventualmente serão gastas esperando embarque:

1) Travesseiro
2) Garrafa d'água
3) Algum romance policial desses que não se consegue largar, mas daqueles pocket-books, dobrável, de preferência com mais de 500 páginas
4) Óculos escuros (para dormir)
5) Tampões de ouvido
6) iPod carregado
7) Carregador de celular
8) Sapato leve, calça larga
9) Chiclete (pode ser caramelo, mas recomenda-se não abusar)
10) Paciência, muita paciência...

Opcional: um terço, já que o ministro da área mandou rezar...

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

661) Revendo as propostas de laureados Nobel vinte anos depois

A conferência dos Prêmios Nobel de 1988:
Uma agenda ainda válida para o século XXI?
Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)

Em janeiro de 1988, reunidos em Paris, sob a iniciativa do humanista polonês Elie Wiesel, 75 cientistas e personalidades do mundo literário, de 31 diferentes países, mas todos agraciados com o Prêmio Nobel, elaboraram dezesseis propostas para tornar o mundo do século XXI melhor do que ele tinha sido no “breve século XX” de mortes, genocídios e destruições maciças. O objetivo deste ensaio é o de verificar se a agenda proposta na conferência dos laureados Nobel naquela oportunidade seria ainda válida em pleno século XXI.
Passados quase dezenove anos daquele encontro de “sábios”, o que poderia ser retido daquele conjunto de princípios – na verdade, um enunciado de nobres propósitos – destinados a aperfeiçoar um mundo então claramente insatisfatório? Caberia, antes de mais nada, colocar em seu contexto histórico a conferência convocada para para discutir as “ameaças e promessas no alvorecer do Século XXI”. Num segundo momento, seria útil verificar se aquelas propostas elaboradas dezoito anos atrás ainda guardam validade para os nossos tempos.
A iniciativa do Prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel, escritor judeu de naturalidade polonesa, foi, sem dúvida alguma, meritória em seus próprios termos, mesmo se se pode questionar a representatividade intrínseca de cientistas e homens de letras de origens as mais diversas (com maciça presença dos EUA, como é de regra nas premiações Nobel), bem como sua competência específica para debater problemas complexos que afetam a toda a humanidade, ainda que de maneira variada. Uma vez que se reconhece, porém, a um biólogo o direito de apresentar propostas, enquanto cidadão, sobre problemas do desarmamento ou da educação, ou a um homem de letras o de argumentar sobre a melhor maneira de resolver o problema da dívida do Terceiro Mundo ou de acelerar a transferência de tecnologia em favor dos países em desenvolvimento, pode-se concordar em que o impacto mediático de uma conferência de laureados representa uma boa maneira de chamar a atenção da opinião pública ou dos homens de Estado para algumas das questões mais cruciais da agenda mundial.
O problema essencial, contudo, poderia ser colocado da seguinte forma: as propostas formuladas pelos Nobel eram condizentes com a natureza das “ameaças” percebidas e suas recomendações caminhavam realmente em direção das “promessas” do século XXI? Se a principal qualidade de um bom cientista é a de ser um pouco “visionário”, isto é, de saber antecipar-se aos desafios futuros, as “conclusões” dos Prêmio Nobel devem ser julgadas à luz de sua adequação aos cenários desenhados para o novo milênio, ou seja, segundo sua capacidade de realizar, nos termos do filósofo alemão Reinhart Koselleck, uma “projeção utópica do futuro”.
Formulando a questão em outros termos: a agenda que os Nobel estabeleceram para os homens do final do século XX correspondia efetivamente às necessidades de desenvolvimento das sociedades do futuro, tais como as percebemos hoje, e as recomendações propostas representaram algo mais do que a simples manifestação de boa-vontade de homens desvinculados de tarefas executivas ou responsabilidades governamentais? Subsidiariamente, se poderia também indagar se os “remédios” propostos levaram em consideração os meios disponíveis ou a organização social e política do sistema inter-estatal contemporâneo, bem como a relação de forças nele predominante.
Pretendo neste ensaio fazer a uma “releitura do passado”, adotando o seguinte procedimento: transcreverei o teor completo das 16 propostas originais (traduzidas por mim a partir do documento final da conferência), aduzindo depois comentários onde pertinentes. Creio que a maior parte das propostas se sustenta, ainda hoje, muito embora seu caráter “otimista” já fosse passível de algumas críticas naquele mesmo momento. As três primeiras apresentam, em minha opinião, caráter universalmente válido e não são passíveis de qualquer restrição ou comentário, mas a partir daí tenho qualificações ou condicionantes a agregar, como explicito no seguimento das propostas comentadas.

AS 16 PROPOSTAS DA CONFERÊNCIA DOS NOBEL DE 1988
Comentários de Paulo Roberto de Almeida em 2006: (PRA)

1. Todas as formas de vida devem ser consideradas como um patrimônio essencial da Humanidade. Causar dano ao equilíbrio ecológico constitui, portanto, um crime contra o futuro.

PRA: Propósito ainda plenamente válido.

2. A espécie humana é única e cada indivíduo que a compõe tem os mesmos direitos à liberdade, à igualdade e à fraternidade.

PRA: Propósito ainda plenamente válido.

3. A riqueza da Humanidade está também na sua diversidade. Ela deve ser protegida em todos os seus aspectos: cultural, biológico, filosófico e espiritual. Para isso, a tolerância, a atenção a outrém, a recusa das verdades definitivas devem ser incessantemente lembradas.

PRA: Propósito ainda plenamente válido.

4. Os problemas mais importantes que a humanidade enfrenta atualmente são ao mesmo tempo universais e interdependentes.

PRA: Os problemas mais importantes não estão expressamente referidos – embora alguns deles figurem nos tópicos seguintes –, mas creio que eles podem ser resumidos da seguinte forma: segurança, paz, bem estar e igualdade de chances. A segurança e a paz fizeram enormes progressos no mundo, depois que os cientistas e literatos se reuniram em Paris, no início de 1988. O comunismo acabou e com ele a ameaça de um enfrentamento praticamente suicidário entre as duas grandes potências atômicas. As guerras que subsistem são residuais – com uma ou outra exceção – ou reduzidas ao contexto regional e civil interno. O desenvolvimento social também conheceu enormes avanços, muito embora subsistam zonas de fome endêmica, geralmente naqueles contextos de conflitos civis e político, e alguns casos de privação epidêmica, dados os desequilíbrios ambientais criados pelo homens, também em grande medida coincidentes com as zonas de conflito.
A igualdade de chances não é, infelizmente, muito bem disseminada no mundo, mas isso não quer dizer que se trata de um problema “ao mesmo tempo universal e interdependente”, uma vez que a responsabilidade pela educação dos cidadãos – fator primordial da igualdade de oportunidades – permanece indefectivelmente com os Estados nacionais. Não se concebe, neste momento, processos universais de educação e capacitação técnica, pois isso poderia ser assimilado à “desculturação” ou mesmo ao “etnocídio”. Sim, infelizmente, a ditadura do “politicamente correto” e outras inovações típicas dos anti-globalizadores inviabiliza uma diminuição do grau de soberania estatal associada aos processos de educação e socialização para o trabalho.

5. A ciência é um poder. O acesso à ela deve ser igualmente repartido entre os indivíduos e os povos.

PRA: Interessante como proposta, mas algo ingênua. Se a ciência é um poder, então ela nunca será repartida igualmente entre os povos, uma vez que a humanidade não se encontra suficientemente homogeneizada, ou livre de perigos residuais, para que o poder seja repartido de forma equânime. Isso não vai ocorrer antes de muito tempo.
Mas, mesmo que a ciência não fosse um poder, e sim um simples instrumento de poder – o que redunda quase no mesmo –, ainda assim não haveria condições de “dispensá-la” de forma igualitária entre todos os povos e indivíduos. As condições de sua produção implicam custos e ônus para os que investem nessa atividade, o que deve ser de alguma forma compensado. Por isso que à essa produção estão associados mecanismos de monopolização – patentes e outros títulos proprietários – que são a contrapartida indispensável ao investimento inicial.
De forma geral, entretanto, os avanços propriamente científicos já se encontram à disposição de todos, de forma livre e irrestrita, apenas a tecnologia sendo objeto de apropriação monopólica.

6. O fosso existente em muitos países entre a comunidade intelectual e os poderes públicos deve ser reduzido. Cada um deve reconhecer o papel do outro.

PRA: Propósito ainda plenamente válido.

7. A educação deve tornar-se prioridade absoluta de todos os orçamentos e deve contribuir para valorizar todos os aspectos da criatividade humana.

PRA: Propósito ainda plenamente válido.

8. As ciências e tecnologias devem estar à disposição de todos, especialmente dos países em desenvolvimento, de forma a permitir-lhes o controle de seu próprio destino e a definição dos conhecimentos que julguem necessários a seu futuro.

PRA: Os mesmos comentários do item 5 valem para esta proposta também. Cientistas e literatos, em especial os agraciados com o Prêmio Nobel, deveriam saber o que custa chegar a uma resultado “premiável”: anos e anos de pesquisas, despesas imensas para resultados por vezes frustrantes, sem contar os falsos caminhos e os ensaios fracassados. Os literatos devem gostar de viver de direitos autorais, do contrário teriam de procurar outro meio de vida. Colocar algo que custou muito à livre disposição de terceiros significaria que existe, sim, “almoço grátis”, o que parece contradizer um dos princípios econômicos mais elementares.

9. Se a televisão e os novos meios de comunicação constituem um instrumento essencial de educação para o futuro, a educação deve ajudar a desenvolver o espírito crítico em relação ao que é divulgado nesses meios.

PRA: Propósito ainda plenamente válido.

10. A educação, a alimentação e a prevenção são os instrumentos essenciais de uma política demográfica e de redução da mortalidade infantil. A generalização do uso das vacinas existentes e o desenvolvimento de novas vacinas devem constituir a tarefa comum dos cientistas e dos homens políticos.

PRA: Propósito ainda plenamente válido.

11. Todas as pesquisas relativas à prevenção e ao tratamento da AIDS devem ser partilhadas e estimuladas, sem bloqueios ou barreiras, especialmente através da cooperação da indústria farmacêutica. Uma vez disponível, a vacina contra a AIDS deve ser assegurada pelos poderes públicos.

PRA: Propósito ainda plenamente válido.

12. A biologia molecular, que por seus recentes avanços permite prever progressos na medicina e no isolamento da dimensão genética de certas doenças, deve ser estimulada, o que permitirá prever e talvez curar essas doenças.

PRA: Esses progressos científicos, como o das pesquisas com células-tronco, que alcançaram igualmente, no plano tecnológico, a melhoria genética dos alimentos (plantas e animais), vêm sendo infelizmente obstaculizados por fundamentalistas religiosos e outros fundamentalistas ecológicos, que brandem argumentos não científicos para impedir esses avanços. Os cientistas deveriam esforçar-se mais para vulgarizar o conhecimento técnico, afastando os aspectos religiosos e ideológicos que dificultam sua disseminação.

13. O desarmamento dará um estímulo significativo ao desenvolvimento econômico e social, tendo em vista os recursos limitados do mundo, atualmente drenados pela indústria armamentista.

PRA: Propósito ainda plenamente válido, embora realisticamente pouco efetivo.

14. Nós pedimos a organização de uma conferência internacional para tratar em seu conjunto do problema da dívida do Terceiro Mundo, obstáculo ao seu desenvolvimento econômico e político.

PRA: Esse problema já foi praticamente encaminhado, ao longo das duas últimas décadas, com a renegociação das dívidas dos países emergentes – o que implicou algum desconto do valor face – e o cancelamento unilateral ou negociado das dívidas dos países mais pobres. Caberia registrar, contudo, que o problema da dívida não é uma perversão do sistema financeiro internacional, e sim o resultado de fatores contingentes e outros imponderáveis, numa relação quase simétrica, de disponibilidade de liquidez do lado dos credores – que atuam de forma irresponsável, pelo desejo de lucro – e de demanda excessiva por parte dos tomadores, que também atuam de forma irresponsável ao contratarem encargos acima de suas possibilidades. Trata-se de velho e recorrente problema, que não deixará de conhecer novos episódios no futuro.

15. Os governos devem comprometer-se sem ambiguidades e de maneira legalmente vinculatória com o respeito aos direitos do homem, assim como aos tratados por eles ratificados.

PRA: Propósito ainda plenamente válido, mas o obstáculo mais importante à implementação prática dessa idéia é a validade absoluta do princípio westfaliano, consagrado no sistema onusiano, de que a soberania estatal prima sobre o direito “das gentes” no plano internacional. A Carta da ONU começa invocando os “povos das Nações Unidas”, mas seu teor é inteiramente consagrado às prerrogativas e deveres dos Estados, considerados entes exclusivos da formação do direito internacional e de sua observância prática. A próxima fronteira do progresso da humanidade talvez tenha de ser a derrogação do respeito absoluto a essa norma westfaliana e a adoção da cláusula democrática e dos direitos humanos preventivos como princípios organizadores da nova comunidade internacional. Não vislumbro, contudo, tal evolução no futuro previsível.

16. A conferência dos laureados do Nobel se reunirá novamente dentro de dois anos para estudar estes problemas. No intervalo, se uma urgência se manifestar, vários Nobel poderão reunir-se localmente, ou em todos os lugares onde os direitos do homem estiverem ameaçados.”

PRA: Não se tem notícia de outra reunião dos prêmios Nobel desde então. Se eles se reuniram, não mais voltaram a produzir, em todo caso, um documento abrangente como este. Não seria de todo inútil que os Nobel pudessem continuar oferecendo seus argumentos em prol do aperfeiçoamento da humanidade, embora se possa colocar em dúvida a eficácia desse tipo de exortação para a mudança real das condições de vida de milhões de seres do planeta. O otimismo intrínseco dos cientistas e sua inegável fé no futuro são, de toda forma, incuráveis. Que eles continuem a militar, junto com os homens de letras, pelo aperfeiçoamento da humanidade.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de dezembro de 2006
Publicado no Via Política (17.12.2006; neste link)

660) Brasil: encalhado no meio do caminho

Encalhado no meio do caminho
Eduardo Gianetti da Fonseca
Portal Exame, 15 dezembro 2006

Há no mundo um grupo de países que conseguiram, ao longo da história, acumular capital e educar a população. E há um conjunto de nações pobres que vêm encurtando a distância em relação aos ricos. O Brasil encontra-se estagnado entre esses dois blocos

Primeiro a foto: onde estamos? Do ponto de vista da produção média por habitante ou PIB per capita, os países do mundo podem ser classificados em três grandes grupos -- ricos, remediados e pobres. O Brasil representa um caso intermediário entre os pólos extremos representados pela Índia e pelo Canadá.

Com uma população 5,9 vezes maior que a brasileira, a Índia tem um PIB per capita (ajustado pelo poder de compra do rupee na própria Índia) de apenas 3 320 dólares anuais. Quer dizer: mesmo que a distribuição de renda na Índia fosse perfeitamente igualitária, isso só teria como resultado condenar toda a população do país à pobreza. A produção média por habitante na Índia é tão reduzida que não há cenário distributivo concebível que permita à massa da população sair de uma condição precária de vida.

No outro extremo está o Canadá. Com menos de um quinto da população brasileira, os canadenses têm um PIB per capita (ajustado) de 34 273 dólares anuais. Mesmo que a distribuição de renda no Canadá fosse tão desigual quanto ela é no Brasil, isso não condenaria a parte mais pobre de sua população a viver na miséria. Se os 50% mais pobres do Canadá recebessem a mesma fatia da renda nacional destinada à metade de baixo da pirâmide social brasileira (ou seja, cerca de 16% da renda do país), ainda assim esse grupo menos favorecido de canadenses teria uma renda média de 10 566 dólares ao ano -- número 23% superior à média dos brasileiros. O valor gerado a cada ano por um canadense é, em média, cerca de dez vezes maior que o gerado por um indiano e quatro vezes maior que o gerado por um brasileiro.

Até aqui a foto: o simples registro de uma situação de fato. O que mais importa, no entanto, é o filme -- o enredo que produziu esse instantâneo e que determinará a trajetória futura. Como explicar as enormes diferenças de PIB per capita observadas na economia mundial? Quais são os principais determinantes do crescimento, ou seja, das taxas de variação do PIB per capita em diferentes países? E o que as respostas a essas perguntas podem nos dizer sobre o fraco desempenho recente e as perspectivas de nossa economia nos próximos anos?

AS CAUSAS DOS ENORMES DIFERENCIAIS de produção média por habitante no mundo são fundamentalmente duas. A primeira é o estoque de capital físico e capital humano por trabalhador. A diferença de produtividade entre canadenses, brasileiros e indianos, para ficarmos nos termos do exemplo citado, decorre do fato de que os primeiros investiram na formação de um estoque de capital que permitiu trocar enxadas por tratores e o mundo do roçado pelo mundo da informática. Esse capital potencializa a produtividade da hora trabalhada. É a existência de uma enorme massa de trabalhadores sem qualificação, ocupando empregos de ínfima produtividade ou subempregados, que deprime o PIB per capita dos países de menor renda, como Índia e Brasil. A importância crescente do capital humano no mundo contemporâneo transparece na estimativa feita pelos economistas Robert Fogel e Gary Becker, da Universidade de Chicago, de que ele hoje representa cerca de dois terços do estoque total de capital na economia americana.

O segundo fator responsável pelas diferenças de PIB per capita é a eficiência alocativa do sistema. Não basta uma dotação adequada de capital. É igualmente fundamental que esses recursos estejam de fato empregados nos setores e ramos de atividade em que são mais rentáveis. Para isso, é necessário que o ambiente institucional e as regras do jogo econômico (direitos de propriedade, grau de abertura comercial, segurança jurídica etc.) promovam a eficiência alocativa, estimulando os indivíduos e as empresas a direcionar seus recursos e talentos para as atividades em que o seu potencial de geração de valor é maior. A diferença de PIB per capita entre as duas Alemanhas antes da queda do muro de Berlim torna patente o impacto da eficiência alocativa num contexto em que o capital humano per capita era basicamente uniforme nos dois países.

O estoque de capital físico e humano e a eficiência alocativa determinam o nível do PIB per capita: a disparidade entre um Canadá, um Brasil e uma Índia. Mas eles nada nos dizem sobre as variações do PIB per capita ao longo do tempo. Para isso é preciso avançar da radiografia para o enredo da trama do crescimento.

O PRIMEIRO PASSO É DISTINGUIR com clareza duas realidades distintas que se escondem -- e muitas vezes se confundem -- sob o termo crescimento: uma simples recuperação cíclica, de um lado, e o crescimento sustentado propriamente dito, fruto da formação de capital e de ganhos de eficiência alocativa, de outro. Aí reside o ponto crucial, creio eu, para uma correta compreensão das causas do baixo crescimento do PIB per capita brasileiro no período recente.

A recuperação cíclica é um movimento de curto prazo e tem fôlego curto. Ela consiste numa expansão da oferta agregada, mas dentro dos limites definidos pela capacidade de produção já instalada. Trata-se, portanto, de não mais que uma volta à normalidade após um período em que a economia vinha operando, por algum motivo, abaixo de seu pleno potencial. É o que ocorre após alguma melhoria das condições de demanda, que leva os empresários a expandir a oferta via redução da capacidade ociosa. A recuperação cíclica se desenrola num ritmo desigual entre os setores, alguns reagindo mais rapidamente que outros, mas tende a se difundir com o tempo pelo conjunto do sistema.

Coisa muito distinta, entretanto, é o crescimento sustentado -- um enredo de crescimento baseado não na maior utilização dos recursos existentes, mas na criação de capital físico e humano por meio da transferência de recursos do presente para o futuro. Trata-se, no fundo, de uma troca intertemporal, por meio da qual a sociedade gera um excedente transferível e decide não consumir no desfrute imediato o equivalente pleno de seus esforços, ou seja, poupar e investir parte de sua renda em um futuro melhor.

O fato inescapável é que há um momento a partir do qual a recuperação cíclica se esgota, pois já não há mais capacidade ociosa disponível para acomodar no curto prazo o aumento da demanda. A expansão da oferta passa a depender do crescimento sustentado: a ampliação da capacidade de produção por meio de investimentos em formação de capital (infra-estrutura, máquinas, edificações, educação, treinamento, P&D etc.). Esse investimento, por sua vez, depende de duas coisas: a) financiamento adequado, ou seja, poupança a custos compatíveis com o retorno esperado dos projetos; e b) um ambiente institucional que promova a eficiência alocativa e estimule o investidor privado a empatar recursos em formação de capital específico.

POR QUE O BRASIL CRESCE TÃO POUCO? O cerne da resposta, creio, está na distinção entre recuperação cíclica e crescimento sustentado. Entre 1995 e 2005, o PIB real per capita brasileiro cresceu em média irrisório 0,9% ao ano. Em apenas três dos 11 anos transcorridos desde o Plano Real, a variação anual do PIB per capita ficou acima de 2,8%. Foram os anos em que a economia ensaiou uma retomada do crescimento, mas o movimento -- contrariando as expectativas de muitos dentro e fora do governo -- teve fôlego curto: 1995, 2000 e 2004. Esses três episódios de flerte com o crescimento foram movimentos clássicos de recuperação cíclica. A retração do crescimento em 2005, sem que houvesse qualquer tipo de choque externo ou doméstico, é sem dúvida aquela que melhor ilustra o padrão descrito. Bastaram quatro trimestres de expansão um pouco mais vigorosa do PIB para o surgimento de pressões inflacionárias que levaram o Banco Central a se ver compelido a apertar outra vez a política monetária e "retirar o barril de chope quando a festa começava a ficar animada".

A grande questão, portanto, é entender por que a economia brasileira tem flertado com o crescimento, mas não consegue firmar um casamento duradouro com ele. Os ciclos de redução do juro primário são perfeitamente capazes de promover uma recuperação cíclica, mas eles não têm condições de conduzir a economia ao crescimento sustentado. Não é porque os juros são altos que a recuperação cíclica não leva ao crescimento sustentado, mas é porque a recuperação cíclica não leva a uma retomada dos investimentos e ao crescimento sustentado que os juros precisam ser novamente elevados. Há boas razões para crer que o crescimento factível no Brasil esteja atualmente em patamar bastante modesto, ou seja, algo em torno de 3,5% ao ano ou 2% ao ano para o PIB per capita.

DOIS FATORES LIMITAM HOJE NOSSO CRESCIMENTO sustentado: 1) uma gigantesca drenagem de recursos do setor privado para financiar gastos correntes do setor público; e 2) as deficiências do arcabouço jurídico-institucional que definem as regras do jogo econômico e terminam distorcendo o funcionamento normal dos mercados, tolhendo o empreendedorismo e inibindo o investimento privado.

Qual a magnitude da drenagem fiscal para o setor público? A carga tributária bruta atinge hoje cerca de 38% do PIB (o padrão para países de renda média é 20% a 25% do PIB). Apesar disso, nosso setor público apresenta, em condições normais, um déficit nominal consolidado da ordem de 3% do PIB. Quer dizer: algo em torno de 41% da renda nacional brasileira é intermediado pelo Estado. O fato espantoso é que, não obstante essa extraordinária cifra, a capacidade de investimento do setor público seja irrisória: a infra-estrutura se deteriora a olhos vistos, a ameaça de "apagões" é constante e os alunos brasileiros ficam nas piores colocações sempre que enfrentam testes internacionais de aprendizado.

O mecanismo de drenagem fiscal se dá por três canais principais. O primeiro é a via da tributação: em 2004, por exemplo, embora o PIB nominal brasileiro tenha crescido 213 bilhões de reais, o governo se apropriou de 47% (cerca de 100 bilhões de reais) desse total graças ao aumento da carga tributária. O segundo canal é o mecanismo de preço: os juros primários extremamente elevados pagos pelo governo para garantir a rolagem da dívida pública, o que desloca parcela expressiva da poupança nacional para o financiamento dos gastos correntes do Estado em detrimento do crédito e de investimentos privados. E, por fim, a pletora de artifícios regulatórios visando criar "poupança compulsória" (como FGTS, FAT etc.) e a canaliza ção de recursos subsidiados (como no caso do BNDES) para usos e destinações que não refletem critérios alocativos de mercado, mas os interesses, os parceiros e a "visão estratégica" dos governantes.

Isso significa que uma parcela expressiva da poupança do setor privado -- recursos que poderiam estar financiando os gastos das famílias e das empresas em formação de capital físico e humano -- está sendo deslocada para cobrir os gastos correntes do "Leviatã anêmico" em que se tornou a federação brasileira (União, 27 estados e 5 563 municípios). Exemplo: os 3 milhões de aposentados do setor público geram um déficit previdenciário maior que o gasto total do governo com 37 milhões de crianças na rede pública de Ensino Fundamental. Não é apenas que "o Estado brasileiro não cabe no PIB brasileiro", como diz o economista Delfim Netto. É que ele está matando por asfixia o crescimento do PIB brasileiro.

As falhas do arcabouço jurídico-institucional se somam a esse quadro. O investimento privado e a eficiência alocativa dependem de incen tivos adequados (mercado competitivo regido pelo sistema de preços) e de regras claras e confiáveis para as decisões econômicas. Embora dotado de vigorosa vocação empreendedora, o Brasil é hoje um dos países mais complicados do mundo para se abrir, gerir e fechar empresas. O tempo para iniciar um novo negócio (formal) no Brasil, segundo estudo recente do Banco Mundial, anda em torno de 152 dias; no Canadá, são necessários três dias. Uma vez criadas, contudo, nossas empresas ganham o dom da imortalidade -- as pendências tributárias e trabalhistas tornam praticamente impossível fechá-las legalmente.

As distorções do sistema tributário e do mercado de trabalho estão empurrando parcelas crescentes da força de trabalho e do setor empresarial para a selva da informalidade: cada um por si e todos (ou quase) na lona. Isso condena milhões de brasileiros a uma existência precária, faz cair a produtividade e mina a motivação de investidores nacionais e estrangeiros para criar novos negócios ou expandir os existentes. A "classe média" das empresas é uma categoria em extinção: o equivalente brasileiro de uma Microsoft dificilmente teria conseguido sair da garagem onde nasceu. Paralelamente, a ausência de um marco regulatório confiável e de agências reguladoras livres da intromissão dos governos inibe os investimentos privados em infra-estrutura e nos setores que dela dependem para crescer. Embora as instituições não tenham o dom de garantir sozinhas a prosperidade de todos, elas seguramente têm o poder de condenar uma nação à frustração de seu potencial empreendedor.

O PIB PER CAPITA É DETERMINADO pelo estoque de capital e pela eficiência alocativa. O aumento continuado do PIB per capita resulta de um fluxo adequado de formação de capital (poupança e investimento) e da melhoria do ambiente de negócios (reformas microeconômicas). O Canadá dispõe de um elevado estoque de capital e de instituições que garantem alta eficiência alocativa: é um país rico. A Índia, por seu turno, parte de um baixo PIB per capita, mas vem fazendo espetacular avanço graças a um enorme esforço de formação de capital (físico e humano) e de reformas pró-mercado: o PIB per capita indiano tem crescido 4,3% ao ano desde 1995.

Uns têm estoque (Canadá), outros têm fluxo (Índia). O Brasil encalhou a meio caminho entre os dois: estoque medíocre, fluxo anêmico. Em 2006, o crescimento do PIB deve ficar abaixo de 3%, ante uma taxa projetada de 7,3% para os países emergentes e de 5,1% para o mundo. Medido pela paridade do poder de compra, o PIB brasileiro encolheu de 3,9% para 2,7% do PIB mundial nos últimos 25 anos. Até quando?

domingo, 17 de dezembro de 2006

659) Um tratado inedito para os padroes internacionais

Brasil e EUA selam acordo pró-etanol
Agnaldo Brito
O Estado de S. Paulo, 17 de dezembro de 2006

Brasil e Estados Unidos vão assinar amanhã, em Miami, Flórida, o primeiro acordo bilateral pró-etanol. O negócio, que terá gestão privada, é patrocinado pelo governador da Flórida, John Ellis 'Jeb' Bush (irmão de George W. Bush), pelo ex-ministro da Agricultura e atual presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp, Roberto Rodrigues, e pelo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno. Os três criarão a Comissão Interamericana do Etanol, que tem a pretensão de dar um novo status ao tema da agroenergia em âmbito continental.

O tratado é o primeiro a contemplar a construção de estratégias de médio longo prazos para o desenvolvimento do mercado, da pesquisa e das relações comerciais no campo da agroenergia. Brasil e EUA são hoje os maiores produtores mundiais de etanol, o combustível líquido renovável de maior sucesso no mundo. Juntos, os dois países produzem cerca de 34 bilhões de litros por ano e se preparam para mais que dobrar a produção em uma década.

Combustível líquido de fonte renovável é, apontam especialistas em energia, a alternativa mais efetiva para substituição do petróleo. 'Caminhamos para o fim da era do petróleo e outra civilização começou a emergir, mais justa, mais democrática, ambientalmente mais correta. E isso será construído com o suporte da agroenergia', disse Rodrigues, em entrevista exclusiva ao Estado.

Além de Rodrigues, mais 14 representantes de setores ligados à pesquisa e produção agrícola e industrial do País embarcam hoje para Miami para o evento que cria a Comissão Interamericana do Etanol. A seguir, Roberto Rodrigues, agora fora do governo, explica como a idéia surgiu e como esse passo inédito no agronegócio brasileiro pode mudar o perfil do setor no continente.

Quando surgiu a idéia de criar um acordo binacional Brasil-Estados Unidos de gestão privada para desenvolvimento do etanol?
Em novembro de 2005, mas a idéia inicial não era privada, era pública. Quando o presidente Bush esteve no Brasil, tive a oportunidade de dizer a ele que era preciso buscar uma alternativa de combustível baseada na agroenergia. Depois, ele fez um discurso que repercutiu muito na abertura dos trabalhos do parlamento dos EUA em que dizia ser necessário os Estados Unidos deixarem a dependência do petróleo e buscar alternativas de energia renovável. O plano, lá, é ambicioso. A meta é produzir quase 50 bilhões de litros até 2015. Hoje, eles produzem o que nós produzimos, 16 bilhões de litros.

Quem arquitetou essa Comissão Interamericana do Etanol?
Jeb Bush, governador da Flórida, teve a idéia de montarmos uma instituição para promoção do etanol em todo o hemisfério. Depois que saí do governo, fui procurado pela equipe dele com a idéia. Como o governador da Flórida vai deixar o governo em janeiro, o plano foi o de criar uma comissão binacional, de abrangência continental, na esfera privada, fora do governo. Concordei com o plano, mas sugeri que o BID fosse informado sobre a nova proposição. O BID concordou e aceitou integrar a comissão.

O que irá fazer essa comissão?
O trabalho da Comissão, em primeiro lugar, será o de conhecer a demanda potencial de etanol no mercado mundial, a capacidade de produção dos países, quais políticas podem contribuir com a pesquisa de novas fontes de matéria-prima, como transformar o etanol em commodity para negociação internacional e como deve ser a relação comercial para exportação desse produto.

A discussão da agroenergia tem força para envolver a discussão comercial sobre agricultura?
Esse é um ponto importante. Essa comissão que será criada amanhã em Miami tem uma importância histórica, já que não existe nada semelhante no mundo. É o primeiro tratado internacional com envolvimento do setor privado de ambos os países e de um organismo multilateral, como o Banco Mundial, com objetivo de desenvolver a bioenergia. Vou dizer algo perigoso. Mas veja: quando esse tema ganhar a dimensão que acho que ganhará, isso pode ser, na verdade, a alavanca para mudança dos acordos agrícolas na Organização Mundial do Comércio (OMC). É tamanha a envergadura desse projeto que a OMC pode se mover contra os subsídios agrícolas tendo como base a discussão da agroenergia.

Mas a discussão na OMC hoje está travada exatamente por causa da agricultura.
Se eu fosse Pascal Lamy (diretor-geral da OMC), travaria por mais tempo a discussão agrícola, como aliás já está travada para ver o seguinte: para onde caminha a discussão sobre agroenergia. Vamos ver como vai caminhar esse negócio, depois a gente vê como fica na OMC. Isso porque a agroenergia é o novo paradigma agrícola do mundo e ela está fora das discussões da organização. Acho que lá na frente, o governo vai ampliar essa discussão na OMC e retomar a visão agrícola sob o conceito da agroenergia.

A Comissão binacional para agroenergia hemisférica tem potencial de destravar a Alca?
Esse era o projeto de Jeb Bush. Na cabeça da assessoria dele, essa comissão poderia destravar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) . Eu disse, olha não acho que seja o caso de usar isso para fazer a Alca voltar a andar. Tirei esse tema da agenda da comissão, mas estava na idéia deles. Nas primeiras conversas que tive com Jeb, ele dizia que esse é um mecanismo para retomar a Alca. Insisti: não é.

Do ponto de vista comercial, esse tratado privado orientado para a discussão da agroenergia pode beneficiar de que forma o setor no Brasil?
Temos de assumir a liderança desse novo negócio. Acho que não precisamos exportar só etanol, podemos exportar inteligência, uma usina completa, a gestão da usina de açúcar e de álcool. Quero exportar a gestão de logística. Quero exportar carro flex-fuel. É uma ação que pretende agregar valor às exportações brasileiras. Vou levar muita gente do setor para assinarmos esse acordo que cria essa comissão. O grupo que vai a Miami tem gente de todos os setores, exatamente para envolvê-los num plano mais amplo.

Essa iniciativa pode derrubar a sobretaxa que o álcool brasileiro é obrigado a pagar para entrar nos Estados Unidos?
Pode, mas não no curto prazo. O governador Jeb Bush já tinha pedido ao Congresso americano que reconsiderasse e retirasse a taxa de US$ 0,54 por galão. Hoje, essa taxa representa um custo de 35% acima do preço cobrado na usina, o que inviabiliza a exportação direta. O Congresso ratificou a tarifa por mais dois anos. Sinceramente, não acho que essa tarifa seja um problema sério. Pior do que isso é a indicação. É um sinal, mais um, de que os Estados Unidos dão na OMC. Esse é o ponto negativo, não acho que tenha grandes efeitos comerciais.

Qual será o papel do governo brasileiro?
Hoje, acho que temos um problema de ordem governamental. Existem oito ministérios no Brasil trabalhando no tema da agroenergia. Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Minas e Energia, Ciência e Tecnologia, Indústria e Comércio Exterior, Itamaraty, Meio Ambiente e Casa Civil, que coordena uma comissão interministerial, uma tentativa de criar uma política que fale uma coisa só. Ainda não está pronto, mas há uma comissão criada para isso. A primeira missão é harmonizar as políticas públicas. A segunda é harmonizar o tema no setor privado e, por fim, harmonizar o tema no ponto de ligação entre os setores público e privado, como por exemplo estocagem.

O sr. fala em iniciativa histórica. Por quê?
Precisamos perceber o momento que vivemos. A civilização está mudando. Caminhamos para o fim da era do petróleo e outra civilização começou a emergir, mais justa, mais democrática, ambientalmente mais correta. E isso será construído com o suporte da agroenergia. A minha ambição, e tratei isso no governo, enquanto estava lá, é a de que o Brasil pode ser líder nessa mudança mundial.

O Brasil parece ter apetite. Esse avanço da cana não compromete outras culturas?
De forma nenhuma. Hoje, no País, existem 62 milhões de hectares agricultados. Desses, apenas 6 milhões tem cana, 3 milhões para produção de açúcar e 3 milhões para produção de etanol. Temos 220 milhões de hectares de pastagens, 90 milhões são aptos para a agricultura, dos quais 22 milhões são bons para a cana. Só em pastagem, não é Mata Atlântica, Floresta Amazônica, ou qualquer outro bioma. Os 3 milhões de hectares produzem 16 bilhões de litros de álcool. O crescimento de 12 bilhões de litros nos próximos anos pode ser obtido com apenas mais 1,8 milhão de hectares. Isso para os padrões tecnológicos atuais. Não há, portanto, nenhum risco de a cana atrapalhar a produção de alimentos. Aliás, a cana poderá aumentar a produção de grãos, com a rotação de cultura.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

658) Movimentos sociais contra a integracao fisica da America do Sul

AMÉRICA DEL SUR: Dos Cumbres, dos rumbos de integración
Por Carlos Tautz

COCHABAMBA, Bolivia, 9 dic 2006 (IPS) - Las dos Cumbres sudamericanas que concluyeron este sábado en esta central ciudad boliviana plantearon rumbos distintos de integración. Mientras el encuentro social puso por delante los derechos de los pueblos, los presidentes se concentraron en impulsar obras de infraestructura.

Al encuentro oficial, la II Cumbre de la Comunidad Sudamericana de Naciones (CSN) asistieron ocho presidentes. Al tope de la agenda en esta reunión estuvo la interconexión física entre los 12 países del bloque.

Los mandatarios aprobaron la idea de instalar una secretaría general temporal de la CSN por un año en Río de Janeiro, destinada a elaborar estudios sobre la formalización y consolidación de la comunidad. Se trata de un plan de profundización de las relaciones, según dijo el presidente boliviano Evo Morales

Pero el trabajo de la secretaría no será fácil.

Según representantes de varios gobiernos e instituciones financieras presentes en Cochabamba, ese plan de profundización incluye la integración de los gasoductos, las plantas hidroeléctricas y las carreteras, a pesar de la franca oposición de la mayoría de las organizaciones que participaron de la Cumbre Social por la Integración de los Pueblos, que también se celebró en esta ciudad.

"Estamos dispuestos a escuchar a los movimientos sociales como los que están aquí para superar eventuales desconfianzas en la relación a este u otro proyecto", dijo el vicepresidente de infraestructura de la Corporación Andina de Fomento (CAF), Antonio Juan Sosa, en un debate durante la Cumbre Social.

Las organizaciones sociales que participaron de este encuentro, y que elaboraron una declaración con sugerencias que entregaron a los jefes de Estado sudamericanos, consideran equivocada la prioridad que le dan los gobiernos a las obras públicas y subrayan la importancia del desarrollo social.

Para ellos, las grandes centrales hidroeléctricas, los gasoductos y las autopistas entrañan impactos sociales y ambientales que no contribuyen a la integración de los pueblos.

La CSN "no debe ser una prolongación del modelo de libre mercado, basado en la exportación de productos básicos y bienes naturales, fundamentada en el endeudamiento y en la distribución desigual de la riqueza", señala el texto final de la Cumbre Social, que congregó a casi 4.500 personas, en su gran mayoría indígenas.

Pero, carentes de recursos fiscales, los presidentes prefieren ser pragmáticos y aprovechar la buena oferta de créditos en el mercado internacional. En su declaración final, los mandatarios no incluyeron ninguna de las sugerencias hechas en la Cumbre Social.

La CAF, el Banco Interamericano de Desarrollo (BID) y el Banco Nacional de Desarrollo Económico y Social de Brasil disponen juntos de 30.000 millones de dólares en 2006 para préstamos en proyectos.

Esas instituciones están particularmente interesadas en colocar esos recursos en las obras de la Iniciativa de Integración de Infraestructura de la Región de América del Sur (IIRSA), coordinada por el BID.

Casi todos los gobiernos expresaron en la Cumbre de la CSN su respaldo a la IIRSA, y tres de ellos pasaron de la crítica abierta a un apoyo condicionado.

El presidente venezolano Hugo Chávez calificó de "economicista" a la iniciativa, y leyó ante los demás mandatarios un documento en el que los movimientos populares acusan a la IIRSA de ser un instrumento de las empresas multinacionales para exportar recursos naturales sudamericanos a los países ricos.

Chávez también criticó la sucesión de reuniones presidenciales y sugirió la institucionalización de la CSN. "Vamos de cumbre en cumbre, y el pueblo va de abismo en abismo", afirmó.

"Necesitamos (crear) el Banco del Sur, un sistema de salud, universidades y otras instituciones que ayuden a nuestros pueblos a salir de la condición en que se encuentran", añadió.

Mientras, el presidente brasileño Luiz Inácio Lula da Silva, principal defensor de la IIRSA, propuso que un futuro parlamento de la CSN tenga como sede esta ciudad boliviana.

"No tenemos derecho a fallarle al pueblo de este continente. No nos llevará 50 años integrarnos, como le llevó a Europa. El siglo XXI, que no será un siglo perdido como el XX, será el siglo de América del Sur", dijo Lula.

El presidente electo de Ecuador, Rafael Correa, que asistió a la Cumbre de la CSN como invitado, sostuvo que la mayoría de los 31 proyectos de la IIRSA deben ser revisados.

No obstante, dio su respaldo a algunos planes, como la construcción de autopistas y puertos para la exportación de bienes brasileños al Pacífico a través de Ecuador.

En una carta abierta a los movimientos de la Cumbre Social, Morales también mostró cierta reticencia sobre la IIRSA.

Sin embargo, su viceministro de Electricidad, Jerjes Mercado, dijo a IPS que Bolivia quiere participar del primero y hasta ahora más polémico proyecto de la iniciativa: la construcción de dos usinas eléctricas en el río Madeira, en Brasil.

Ambientalistas alertan que esto podría provocar inundaciones que afecten parte del territorio boliviano.

En el campo político, los encuentros en Cochabamba dejaron en claro que, para que la CSN pueda seguir adelante, es necesario unificar los dos bloques de integración: la Comunidad Andina de Naciones (CAN) y el Mercado Común del Sur (Mercosur)

Analistas consideran posible que la elección del izquierdista Rafael Correa en Ecuador ayude a la región a caminar en ese sentido.

"Si él confirma la adhesión al Mercosur, romperá con el eje neoliberal andino de Perú y Colombia, que firmaron tratados de libre comercio con Estados Unidos", señaló el sociólogo Edgardo Lander, de la Universidad Central de Venezuela y uno de los principales teóricos de la Alianza Social Continental, red de organizaciones sociales que participó de la Cumbre paralela.

Lander abandonó Cochabamba con cierto optimismo, a pesar de alertar en varias oportunidades que la CSN necesita tomar decisiones concretas y salir de los "bellos discursos diplomáticos".

A este respecto, Lander puede quedarse tranquilo. Correa confirmó a IPS que este miércoles viajará a Argentina para discutir con el presidente Néstor Kirchner la promoción de Ecuador como nuevo miembro asociado del Mercosur.

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Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...