quarta-feira, 25 de novembro de 2009

1542) Resultados economicos do Governo Lula - Ricardo Bergamini

Um number cruncher exemplar...

Governo Lula –Setembro de 2009

Ricardo Bergamini

De janeiro de 2003 até setembro de 2009, o governo Lula obteve uma receita total de 28,13% do PIB (correntes e de capitais), tendo aplicado 31,23% do PIB (correntes e de capitais) como segue: 7,95% (Serviço da Dívida); 5,38% (Transferências para Estados e Municípios); 6,73% (Previdência Social - INSS); 4,82% (Gastos com Pessoal da União); 1,77% (Saúde); 1,53% (Defesa); 1,30% (Educação); e 1,75% com as demais atividades da União, gerando déficit fiscal nominal de 3,10% do PIB.

De janeiro de 2003 até setembro de 2009, apenas com Serviço da Dívida (R$ 1.265,4 bilhões); Transferências Constitucionais e Voluntárias para Estados e Municípios (R$ 856,6 bilhões); Previdência INSS (R$ 1.071,1 bilhões - com 23,1 milhões de beneficiários) e Custo Total com Pessoal da União - Civis e Militares - Ativos, Inativos e Pensionistas (R$ 766,9 bilhões - com 2.280.054 beneficiários) totalizando R$ 3.960,0 bilhões, comprometeram-se 88,41% das Receitas Totais (Correntes e de Capitais) no período, no valor de R$ 4.479,0 bilhões.

De janeiro de 2003 até setembro de 2009 houve aumento das despesas totais (correntes e de capitais) de 1,52% do PIB em relação ao ano de 2002. Aumento real em relação ao PIB de 5,12%. Apesar do aumento global das despesas, devido ao aumento do número de Ministérios, houve redução real de algumas despesas importantes, tais como: Saúde (–4,32%); Defesa (-14,52%); Educação (–1,51%).

De janeiro de 2003 até setembro de 2009 houve redução das receitas totais (correntes e de capitais) de 1,39% do PIB em relação ao ano de 2002. Redução real em relação ao PIB de 4,71%.

De janeiro de 2003 até setembro de 2009 a União gerou um déficit fiscal nominal de R$ 494,0 bilhões (3,10% do PIB).

A dotação orçamentária das despesas da União do exercício de 2009 é de R$ 1.237,2 bilhões. Até setembro de 2009 foi empenhado o montante de R$ 966,3 bilhões e liquidado R$ 692,0 bilhões, não considerando renegociação de dívidas de R$ 229,1 bilhões até setembro de 2009.

Em dezembro de 1994 o estoque da dívida externa líquida da União era de US$ 34,8 bilhões (6,41% do PIB) aumentando para US$ 72,5 bilhões (14,33% do PIB) em dezembro de 2002. Crescimento real em relação ao PIB de 123,56% comparado com o ano de 1994. Em setembro de 2009 diminui para US$ 48,6 bilhões (3,49% do PIB). Redução real em relação ao PIB de 75,64% comparado com dezembro de 2002, e redução real em relação ao PIB de 45,55% comparado com dezembro de 1994.

Em dezembro de 1994 o estoque total da dívida externa líquida (pública e privada) era de US$ 107,4 bilhões (19,78% do PIB) aumentando para US$ 195,7 bilhões (38,68% do PIB) em dezembro de 2002. Crescimento real de 95,55% em relação ao PIB comparado com o ano de 1994. Em setembro de 2009 diminui para US$ 54,5 bilhões (3,91% do PIB). Redução real em relação ao PIB de 89,89% comparado com dezembro de 2002, e redução real em relação ao PIB de 80,23% comparado com dezembro ano de 1994.

No conceito de caixa as reservas em dezembro de 2002 eram de US$ 37,8 bilhões (com US$ 21,5 bilhões de dívida com o FMI), sendo as reservas ajustadas de US$ 16,3 bilhões. Em setembro de 2009 estavam em US$ 221,6 bilhões (sem divida com o FMI), sendo as reservas ajustadas de US$ 221,6 bilhões.

A dívida total líquida da União (interna e externa) aumentou de R$ 87,8 bilhões (25,13% do PIB) em dezembro de 94 para R$ 1.103,9 bilhões (74,70% do PIB) em dezembro de 2002. Crescimento real em relação ao PIB de 197,25% comparado com dezembro de 1994.

Em setembro de 2009 aumentou para R$ 2.020,8 bilhões (68,46% do PIB). Redução real em relação ao PIB de 8,35% comparando com dezembro de 2002, e crescimento real em relação ao PIB de 172,42% comparado com dezembro de 1994.

Com base em setembro de 2009, cabe destacar ter o Tesouro Nacional haveres de R$ 437,7 bilhões junto aos Estados e Municípios, sendo que os 5 estados ditos mais ricos da federação devem 73,90% da referida dívida, como segue: SP (41,34%) - MG (11,41%) - RJ (10,37%) - RS (7,64%) - PR (3,14%), além de R$ 215,3 bilhões em haveres da administração indireta e outros haveres no montante de R$ 620,3 bilhões. Totalizando haveres de R$ 1.273,3 bilhões.

Com base em setembro de 2009 a dívida total líquida da União (Interna e Externa) era de R$ 2.020,8 bilhões (68,46% do PIB), sendo R$ 1.385,9 bilhões (46,95% do PIB) em poder do mercado; R$ 531,9 bilhões (18,02% do PIB) em poder do Banco Central e R$ 103,0 bilhões (3,49% do PIB) relativos à dívida externa.

O custo médio de carregamento da dívida interna da União até setembro de 2009 foi de 0,8697% ao mês (10,95% ao ano), com ganho real para os investidores de 1,0466% ao mês (13,31% ao ano), depois de incluída a deflação média/mês do IGPM de 0,1769% (2,1436% ao ano).

Sendo o multiplicador de base médio até setembro de 2009 de 1, 4700, ou seja: 68,03% dos recursos disponíveis foram esterilizados pelo Banco Central, através dos depósitos compulsórios, o juro mínimo de mercado médio até setembro de 2009 foi de 10,95% ao ano x 3,1279 = 34,25% ao ano (2,4848% ao mês), não considerando outros custos, tais como: impostos, taxas e lucros dos bancos.

Até setembro de 2009 a dívida total da União teve PMP (Prazo Médio de Pagamento) de 3,55 anos. Considerando apenas a dívida interna da União em poder do mercado teve um PMP de 3,40 anos.

Série história de nossa balança comercial com base na média/ano foi como segue: 85/89 (superávit de US$ 13,5 bilhões = 4,57% do PIB); 90/94 (superávit de US$ 12,1 bilhões = 2,70% do PIB); 95/02 (déficit de US$ 1,1 bilhão = -0,15% do PIB). De janeiro de 2003 até setembro de 2009 (superávit de US$ 34,9 bilhões = 3,30% do PIB).

Série histórica de nossa necessidade de financiamento de balanço de pagamentos com base na média/ano foi como segue: 85/89 (US$ 13,4 bilhões = 4,56% do PIB); 90/94 (US$ 17,4 bilhões = 3,89% do PIB); 95/02 (US$ 50,9 bilhões = 7,26% do PIB). De janeiro de 2003 até setembro de 2009 (US$ 31,1 bilhões = 2,94% do PIB).

Série histórica dos investimentos externos líquidos (diretos e indiretos) com base na média/ano foi como segue: 85/89 (negativo de US$ 6,3 bilhões = -2,14% do PIB); 90/94 (positivo de US$ 7,0 bilhões = 1,57% do PIB); 95/02 (positivo de US$ 24,3 bilhões = 3,46% do PIB). De janeiro de 2003 até setembro de 2009 (positivo de US$ 24,9 bilhões = 2,36% do PIB).

O custo total de pessoal da União aumentou de R$ 35,8 bilhões em 1994 para R$ 75,0 bilhões em 2002. Incremento nominal de 109,50% em relação ao ano de 1994. Em 2009 está previsto um custo total com pessoal da União de R$ 169,0 bilhões. Incremento nominal de 125,33% em relação ao ano de 2002.

Em 2009 a previsão do rendimento médio/mês per capita com pessoal ativo - 1.216.437 servidores (787.712 civis e 428.725 militares) é de R$ 6.830,42 enquanto a média/mês per capita nacional para os trabalhadores formais nas atividades privadas é de R$ 1.346,70 (80,28% menor).

Em 2009 a previsão do rendimento medo/mês per capita com pessoal inativo e pensionista – 1.063.617 servidores (733.001 civis e 330.616 militares) é de R$ 5.376,63 enquanto a média/mês per capita dos inativos e pensionistas das atividades privadas (INSS - 23,1 milhões de beneficiários) foi de R$ 695,50 (87,06% menor).

Com base nos números conhecidos no mês de Setembro de 2009, comparando com dezembro de 2002, houve aumento do efetivo da ordem 316.177 servidores: Legislativo - 4.739; Judiciário -13.775; Executivo Militar - 176.264 recrutas; Executivo Civil - 104.809 e Ex-territórios e DF de 16.590.

Em 2009 a previsão do déficit do setor privado (INSS) é de R$ 36,6 bilhões (1,24% do PIB) e déficit do setor público federal de R$ 58,6 bilhões (1,98% do PIB), totalizando no ano 2009 déficit previsto de R$ 95,2 bilhões (3,22% do PIB).

Em 2009 a arrecadação prevista do sistema de previdência geral (INSS) é de R$ 188,2 bilhões em contribuições de empresas (5,7 milhões) e empregados e autônomos ativos da iniciativa privada (48,1 milhões), pagando benefícios da ordem de R$ 224,8 bilhões para um contingente em torno de 23,1 milhões de aposentados e pensionistas, com salário médio mensal de R$ 695,50 gerando déficit de R$ 36,6 bilhões (1,24% do PIB).

Em 2009 a arrecadação prevista do governo federal junto aos servidores é de R$ 9,7 bilhões (Militares - R$ 1,9 bilhão; Parte Patronal da União dos funcionários civis Ativos e Inativos - R$ 1,5 bilhão e Parte dos Funcionários Civis Ativos e Inativos - R$ 6,3 bilhões) de um contingente de pessoal ativo da ordem de 1.216.437 servidores (787.712 civis e 428.725 militares), com salário médio/mês de R$ 6.830,42 pagando benefícios de R$ 68,3 bilhões para um contingente de 1.063.617 servidores aposentados e pensionistas (733.001 civis e 330.616 militares), com salário médio/mês de R$ 5.376,63 gerando déficit de R$ 58,6 bilhões (1,98% do PIB).

O PIB per capita apurado no ano de 1994 foi de US$ 3.472,00. Em 2002 fechou em US$ 2.859,00, ou seja: 17,65% menor do que o apurado em 1994. Com base nos números conhecidos até setembro de 2009 podemos projetar um PIB per capita de US$ 7.265,00, ou seja: 154,11% maior do que o apurado no ano de 2002, e 109,24% maior do que o apurado em 1994.

O PIB apurado no ano de 1994 foi de US$ 543,1 bilhões. Em 2002 fechou em US$ 505,9 bilhões, ou seja: 6,85% menor do que o apurado no ano de 1994. Com base nos números conhecidos até setembro de 2009 podemos projetar um PIB de US$ 1.394,2 bilhões, ou seja: 175,59% maior do que o apurado em 2002, e 156,71% maior do que o apurado em 1994.

Em 2002 foi apurada uma taxa média de desemprego aberto, medida pelo IBGE, de 11,7%. Até setembro de 2009 foi apurada uma taxa média de 8,4%, ou seja: 28,20% menor do que a média apurada em 2002.

Nota: Estudo completo está disponível no sítio abaixo mencionado
O autor é Professor de Economia.
rbfln@terra.com.br
ricoberga@terra.com.br
http://ricardobergamini.orgfree.com/

terça-feira, 24 de novembro de 2009

1541) A marolinha na pratica...

Da coluna do jornalista Polibio Braga (15.11.2009):

Eis os bastidores do pânico do governo Lula durante a crise financeira global

Sobre a marolinha que só Lula enxergou na crise financeira global desencadeada em setembro de 2010:

1) Entre setembro de 2008 e janeiro de 2009, enquanto Lula vacilava na decisão de dar carta branca ao seu czar da economia, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, o Banco do Brasil assumiu o papel de garantidor da liquidez do sistema financeiro (salvador dos bancos) e injetou, logo de cara, em outubro de 2008, R$ 5,9 bilhões nos bancos Votorantim (R$ 3 bi), Safra (R$ 1,7 bi) e Alfa (R$ 400 mi), porque eles não conseguiam resistir às corridas bancárias que sofreram.

- O Banco do Brasil também injetou R$ 900 milhões na Sadia, empresa da família do ministro de Lula, Luiz Furlan. Metida numa especulação com derivativos, a Sadia ia quebrar.

2) Dilma foi contra a compra da Nossa Caixa pelo BB. Ela não queria que o governo Lula desse o dinheiro para seu adversário, José Serra. Lula contrariou todo mundo, mas mandou pagar a conta em 18 meses.

. As revelações acima são do jornal Valor desta terça-feira.

. O jornal paulista já tinha produzido revelações igualmente relevantes na sexta-feira retrasada, quando publicou informações detalhadas sobre o pânico que se instalou no governo Lula durante a crise. A divulgação resultou na demissão do diretor do Banco Central que fez as inconfidências. Na crise, informou o diário

. Enquanto Lula fazia bravatas, dizendo que a crise era uma marolinha para o Brasil, o BB, o Banco Central e o ministério da Fazenda desesperavam-se para conter as hemorragias que levaram Meirelles a procurar Lula para pedir demissão (Meirelles entregou a carta) caso ele não o autorizasse a agir. Lula cedeu e o Banco Central fez o seguinte, dando seqüência ao que iniciou o BB em outubro, um mês de deflagrada a crise financeira global:

1) queimou reservas até conter a alta do dólar, que foi a R$ 2,62, inclusive em função de ataques especulativos de grandes proporções.

2) botou dinheiro a rodo (só numa tacada foram liberados R$ 12 bi de depósitos compulsórios) para impedir uma quebradeira generalizada de pequenos bancos.

. Por alto, o governo enfiou R$ 48 bilhões para ajudar os bancos. Tanto no caso do apagão como neste caso da crise financeira global, Lula não tem por que contar vantagem sobre seu antecessor, FHC.

CLIQUE AQUI para ler a análise sobre as condições dos enfrentamentos das crises globais nos governos FHC e Lula, elaborada neste domingo pelo editor, depois de consultas a suas fontes em Brasília, São Paulo, Nova Iorque e Washington (via Web).

CLIQUE AQUI para acompanhar o inteiro teor do clipping.

Análise - A verdade que o governo escondeu sobre a "marolinha" global
Análise do editor

domingo, 15 de novembro de 2009

O governo Lula, do PT, socorreu histericamente os bancos e os exportadores, abrindo completamente os cofres do Banco Central para suprir as ações de resolução dos desastres monetário e cambial, decorrentes da crise financeira global. Este vai ser o grande assunto político da semana. Ela mostrou que o rei estava nú há muito tempo, mas ninguém via. A marolinha pintada por Lula foi uma crise financeira de enormes proporções.

. Lula, diante da iminência da demissão do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e da atuação desastrada do seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, mandou abrir os cofres. Os bancos pequenos foram socorridos com R$ 40 bilhões de um dia para o outro e o governo do PT mandou "queimar tantas reservas quanto fossem necessárias para conter a alta do dólar".

. Foi rendição total à política ortodoxa do Banco Central. Lula nada ficou a dever a FHC, que viu seu ex-presidente do Banco Central ser preso por ter ajudado os bancos Marka e Cindam em plena crise financeira global, e foi caluniado por ter feito o Proes.

. Na época do auxílio aos bancos, principalmente através do Proer, houve uma crise internacional que ainda pegava o Brasil com maior fragilidade, principalmente nas suas contas fiscais. Foi principalment a partir de 98 que o Brasil passou a melhorar as suas contas fiscais. Isto junto com a estabilida de preços obtida com o real, foi o que passou a dar mais credibilidade e resiliência à economia brasileira. E isto que com toda a dificuldade de saques do sistema bancário na época, o governo só emprestou dinheiro aos banco depois de muita negociação com o Congresso e com o Proer embalado junto com um grande programa de maior responsabilidade fiscal.

. Agora, no atual governo do PT, o que houve foi simplesmente despejar um monte de dinheiro, não só pelo BC, mas também pelo Ministério da Fazenda. E praticamente sem nenhuma conversa com o Congresso.

. Ninguém conhecia as proporções da ajuda aos bancos e o socorro aos exportadores até a reportagem desta sexta-feira no jornal Valor.

. Qual o grande problema hoje entre BC e ministério da Fazenda? O ministério da Fazenda ( que tinha um time muito bom na equipe do Palocci - Joaquim Levy, Marcos Lisboa, entre outros) foi todo transformado, aparelhado e partidarizado desde a chegada do ministro Guido Mantega. Ha pelo menos 12 anos era um minstério preservado do aparelhamento e agora desandou.

. Acontece que muita gente no Banco Central revoltam-se porque enquanto o Banco Central luta a muito custo para tentar preservar a estabilidade e a confiança obtida a muito custo pela economia brasileria, o ministério da Fazenda, como ressaltou corretamente o ex-ministro Mailson da Nóbrega, virou uma usina de más ideias. Pior do que isso: estão destruindo progressivamente a estabilidade fiscal, constituída a duras penas, durante muito tempo. E o pior: aumenta assutadoramente o gasto com pessoal e o custeio da máquina (partidariamente) que fará o País prisioneiro irremediável de uma alta carga tributária. Enquanto isso o pessoal do Banco Central se revolta, porque sabe que se houvesse uma maior responsabilidade fiscal por parte do ministério da Fazenda (não se trata de investimentos necessários, mas do crescimento irresponsável do gasto com pessoal e custeio), a taxa de juros poderia cair mais rapidamente, sem ameça à estabilidade da inflação. Esta tensão está há muito represada.

. A entrevista do diretor Toró (leia mais abaixo, em clipping completo) foi consciente. Foi uma espécie de recado para o ministério da Fazenda. Num momento onde muitos no Banco Central têm medo de que com a saída do Meirelles aquilo lá vá para o mesmo caminho do ministério da Fazenda após a saída do Palocci.

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Na crise, BB colocou R$ 6,7 bi para socorrer bancos e Sadia
Alex Ribeiro, de Brasília
Valor Econômico, 24/11/2009

O BB desempenhou o papel de emprestador de última instância para evitar uma crise de grandes proporções

O Banco do Brasil desempenhou o papel de emprestador de última instância para evitar uma crise bancária de grandes proporções entre setembro de 2008 e janeiro de 2009, enquanto o Banco Central relutava em assumir essa função, temendo riscos judiciais em operações de empréstimos aos bancos. O BB injetou R$ 5,8 bilhões nos bancos Votorantim, Safra e Alfa durante a crise, para ajudá-los a reforçar o caixa em meio a uma corrida bancária no mundo. Ele também socorreu a Sadia, que havia sofrido perdas em operações com derivativos, com um empréstimo de R$ 900 milhões.

Ao mesmo tempo em que ajudou a estancar a crise, o BB executou uma bem-sucedida estratégia que lhe permitiu recuperar a liderança em ativos no setor bancário, perdida com a compra do Unibanco pelo Itaú em 3 novembro de 2008. O acesso a informações sobre a carteira de crédito de bancos concorrentes abriu o caminho para a aquisição de 49,99% do controle acionário do Banco Votorantim, instituição que o BB ambicionava há muito tempo.

O Banco do Brasil também influiu diretamente em algumas decisões tomadas pelo governo para combater a crise. A medida provisória 443, que deu poderes aos bancos públicos para comprar instituições financeiras, foi sugerida pelo BB especialmente para viabilizar a compra da Nossa Caixa. O primeiro esboço da MP foi escrito pelo departamento jurídico do banco.

O Valor apurou que entre as exigências do governador José Serra para vender a Nossa Caixa o governo federal teria de conter a oposição de sindicalistas e do PT paulista ao negócio e pagar em dinheiro. Diante da oposição dos ministros da Fazenda e da Casa Civil, o presidente Lula arbitrou em favor da aquisição, mas determinou que o pagamento fosse feito em 18 parcelas.

1540) O que preocupa os exportadores: a valorizacao do Real


The graph shows historical exchange rates between the Brazilian Real (BRL) and the US Dollar (USD) between 5/28/2009 and 11/23/2009

Já foi pior, e de toda forma, isso significa que os empresários vão ter de buscar ganhos de produtividade para garantir a sua competitividade externa.
Quem sabe está na hora de pressionar o governo em favor da redução do custo Brasil, sobretudo a inacreditável carga tributária?

1539) Bhagwati contra os acordos regionais

Concordo inteiramente com o julgamento negativo feito pelo economista indiano da Columbia sobre os acordos regionais, e isto se aplica ao Mercosul, também.
A propósito, permito-me remeter ao meu texto sobre o minilateralismo no comércio internacional, neste link.

Book review:
Bhagwati, J.
Termites in the Trading System: How Preferential Trade Agreements Undermine Free Trade.
New York: Oxford University Press, 2008. 139 págs.
INTAL Carta Mensual, No. 159 - Octubre 2009

El libro examina el origen y la expansión de los Acuerdos Comerciales Regionales (ACR), haciendo hincapié en el impacto negativo de su proliferación sobre el sistema de comercio mundial, en línea con otras publicaciones del autor.

El Acuerdo General de Aranceles y Comercio (GATT, por sus siglas en inglés) estableció las bases del sistema multilateral de comercio en la segunda posguerra, reduciendo significativamente las barreras al intercambio de manufacturas en los países desarrollados (PD). Bhagwati destaca que el GATT, cuyo objetivo era favorecer la liberalización del comercio sobre la base del principio de no discriminación, permitió el crecimiento acelerado del regionalismo, sobre la base de excepciones a la cláusula de Nación Más Favorecida (NMF) a través de la creación de zonas de libre comercio (ZLC) y uniones aduaneras (UA).

Bhagwati argumenta que la expansión del regionalismo durante la segunda mitad del siglo XX se explica por la falta de comprensión de los potenciales costos y beneficios de los ACR y los incentivos políticos para firmar tales acuerdos. Ésta fue posible por la dilución de los requerimientos del Artículo 24 del GATT para la creación de ZLC y UA, la experiencia de integración europea y el mayor involucramiento de Estados Unidos en acuerdos regionales durante las últimas dos décadas.

El autor distingue las diferentes motivaciones de los PD y países en desarrollo (PED) para la concreción de ACR. Desde el punto de vista de los PD, el interés se centra en la posibilidad de incluir cláusulas sobre temas OMC plus –es decir, que en la OMC no se negocian o se discuten con menor alcance-, tales como estándares laborales y ambientales, liberalización del movimiento de capitales, derechos de propiedad intelectual, entre otros. Los PED, por su parte, basan su participación en los ACR en la necesidad de incrementar su poder de negociación y de buscar alternativas para mejorar el acceso a mercados frente a un eventual fracaso de la Ronda de Doha.

La obra analiza la creación y el desvío de comercio y los efectos estáticos de la integración comercial que la teoría económica sugiere considerar al evaluar las ventajas y desventajas de los ACR. En tal sentido, el autor sostiene que los efectos negativos de la desviación del comercio probablemente superen los beneficios derivados de la creación, dado que en la actualidad un pequeño margen preferencial puede inclinar significativamente el balance de la competitividad y desviar los flujos de intercambio.

La multiplicación de ACR, sin coordinación entre sí, ha dado lugar a un sistema complejo de estructuras regulatorias y preferencias superpuestas, conocido como “spaghetti bowl”, de acuerdo con la expresión acuñada por el propio Bhagwati. Dado que el acceso de un producto elaborado en un país a cada uno de sus mercados de destino está sujeto a diferentes reglas, se reduce la transparencia del comercio internacional y, en muchos casos, la regulación impide que se aprovechen los potenciales beneficios que tendría un ACR.

En esta lógica, los ACR dificultan los avances en el sistema de multilateral de comercio. Por tal motivo, Bhagwati examina posibles caminos para contrarrestar los efectos nocivos de los ACR y sugiere que la mejor solución es la reducción de aranceles a través de mecanismos multilaterales, aunque reconoce que estas medidas pueden ser políticamente costosas. De todas maneras, afirma que el sistema multilateral de comercio todavía presenta grandes distorsiones y no contempla las necesidades de los PED. En este sentido, los ACR ofrecerían algunas ventajas que vistas estrictamente desde el multilateralismo, constituyen un punto sub-óptimo. Por consiguiente, el autor observa que los ACR sur-sur pueden destacarse como alternativas útiles para los PED, pero advierte que las disposiciones de la mayoría de los ACR de tipo norte-sur probablemente les impongan más restricciones.

1538) Entrevista de Samuel Pinheiro Guimaraes: um contraponto

Em entrevista publicada neste domingo 22 de novembro de 2009, ao jornal gaúcho Zero Hora, o ex-Secretário Geral do Itamaraty e atual Ministro de Estado da Secretaria de Assuntos Estratégicos Samuel Pinheiro Guimarães, afirma, ao final:
"Eu prefiro a crítica ao elogio. O elogio me ilude, mas a crítica me aperfeiçoa."
Pois bem, não pretendo criticá-lo, embora pudesse, se quisesse. Mas pretendo oferecer apenas e tão somente um contraponto a algumas de suas afirmações mais contestáveis, o que vou fazer topicamente.

Um contraponto seletivo a algumas afirmações de Samuel Pinheiro Guimarães

1) "Temos disputas comerciais com a Argentina, assim como os Estados Unidos têm com a Europa, com a China. Isso é normal, pois afeta o interesse de empresas, que acabam pressionando os governos. São coisas pontuais, de circunstância."

PRA: Creio que a palavra correta seria: sofremos salvaguardas abusivas, arbitrárias e ilegais da Argentina. Não temos disputas comerciais com a Argentina, ou pelo menos não teriamos se ela observasse os princípios de uma zona de livre comércio -- o que deveria ser o Mercosul -- e as normas de uma união aduaneira -- o que pretende ser o Mercosul, mas não consegue. Disputas existem entre paises, ou pessoas, que não se entendem sobre determinados assuntos. Ora, a posição do Brasil é claríssima: ele apenas pretende que a Argentina tenha um comportamento normal, digamos assim, observando as regras do Mercosul. Parece que os Argentinos não concordam com essa exigência mínima de um bloco comercial e aplicam medidas unilaterais, abusivas e ilegais, não apenas do ponto de vista de suas obrigações no Mercosul, mas sobretudo e principalmente no que se refere aos dispositivos do Código de Salvaguardas do GATT. O ex-SG do Itamaraty deveria saber disso...

Esta é forte, por isso preciso reproduzir por inteiro:
2) "ZH – O senhor se arrepende de ter sido contra o ingresso do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas (Alca)?
Pinheiro – Nem por um décimo de segundo. Se tivéssemos entrado na Alca, talvez hoje estaríamos como o México, cujo PIB retrocedeu em mais de 10%. A Alca não é um acordo de livre comércio, ela estabelece regras que eliminam a possibilidade de uma política econômica autônoma. Em um país subdesenvolvido como o Brasil, com enormes diferenças sociais, a ação do Estado é indispensável. Se tivéssemos aderido à Alca, o Banco do Brasil não seria mais público, nem existiriam o BNDES ou a Caixa Econômica Federal."

PRA: Trata-se de uma afirmação completamente equivocada, no fundo e na forma. Vejamos.
O México não entrou na Alca, pois esta não existe, mas SPG sabe disso, pois ele se empenhou em enterrá-la, o que me importa pouco, pois não creio que a Alca era grande coisa, pelo menos não em termos de acesso aos mercados dos EUA.
O México negociou, por livre e espontânea vontade, a conformação do NAFTA, a partir de um modelo já testado anteriormente entre EUA e Canadá. Fê-lo por que qui-lo, como diria Janio Quadros.
A afirmação de que se tivéssemos aderido a uma Alca -- que ninguém sabe bem como seria, à exceção do "profeta" Samuel, que já sabia o quanto ela seria desastrosa para o Brasil, por definição e por fatalidade -- é não apenas arriscada no plano dos dados econômicos conhecidos, como completamente despropositada, quando se examina a interface externa do Brasil, inclusive no plano estritamente comercial; dificilmente teriamos afundado 10% do PIB, como SPG acredita que o México afundou, pois o Brasil nunca teria alcançado o grau de dependência comercial do México em relação aos EUA (perto de 80% de seu comércio exterior total), e o SPG deveria saber disso. De todo modo, pode-se ter recessão em diferentes circunstâncias, como se pode ter crescimento em outras circunstâncias, num jogo combinatório que atinge dezenas de possibilidades de transações correntes, bilaterais e plurilaterais; ou seja, pode-se ter expansão ou diminuição de fluxos de comércio bilateral e internacional, com ou sem concentração em um único mercado. Essa relação unívoca e unilateral que SPG (e outros) traçam entre concentração do comércio e efeitos em cadeia sobre o resto da economia é absolutamente arbitrária e impressionista, e só pode impressionar os incautos e aqueles que não conhecem a dinâmica complexa das economias nacionais e das relações econømicas internacionais. Extrapolar, então, para um hipotético caso brasileiro, numa mesma relação mecânica (e fatal) negativa, é de um impressionismo que não honra a inteligência econômica.
Transformar uma circunstância própria ao México -- sua vizinhança geográfica, e sua enorme vinculação à economia dos EUA -- em uma fatalidade para o Brasil, no caso de uma hipotética Alca, não é apenas uma adivinhação altamente irrealista. Trata-se de uma desonestidade intelectual, posto que nada nos condenaria seja à dependência, seja à recessão, em proporções tão gigantescas.
Se a Alca não existe, ela não pode estabelecer políticas econômicas, nem o NAFTA o faz. O que o NAFTA faz é abrir comércio, investimentos e serviços, mas se trata apenas de uma ZLC e não de uma UA, nem de um mercado comum, e portanto ela não estabelece políticas econômicas nacionais, e SPG deveria saber disso. Os países da UE constituem um mercado comum completamente unificado, e no entanto eles possuem políticas fiscais nacionais, políticas laborais nacionais, políticas previdenciárias nacionais, e os que não aderiram à moeda comum, possuem políticas monetárias e cambiais nacionais. A afirmação, portanto, não faz qualquer sentido.
Acreditar que por ser pobre o Brasil precisa ter políticas estatais mais enfáticas representa uma dedução sem sustentação teórica ou prática, apenas uma preferência pessoal: a China, por exemplo, é mais pobre do que o Brasil, e os serviços de saúde e de educação são comprados pela população nos mercados.
Quanto ao BB, a CEF e o BNDES, deixo a critério de quem acredita nesse tipo de afirmação: o México continua ostentando sua estatal do petróleo, assim como o Canadá possui diversas estatais para serviços públicos. Um pouco de realismo e menos catastrofismo não faria mal a ninguém.

3) "ZH – O senhor acha que a oposição está tratando de forma ideológica o ingresso da Venezuela no Mercosul?
Pinheiro – Certamente. Há um equívoco e muita desinformação. Nós temos com a Venezuela o maior superávit comercial."


PRA: Ou seja, se deduz que se tivessemos um déficit comercial com a Venezuela ela não seria bem vinda no Mercosul, o que obviamente não é o que SPG quis dizer.
O que a Venezuela precisaria fazer, antes de ingressar no Mercosul, seria aderir a seus instrumentos constitutivos, apenas isso. Ninguém adere a um clube, a uma associação, sem atender a suas disposiçoes regulamentares. As simple as that...

4) "ZH – Por que a política externa do governo Lula gera tanta controvérsia? O governo irá enfrentar mais polêmica agora com a visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.
Pinheiro – Antes havia o hábito de se pedir licença para fazer as coisas, o hábito de ser pequeno. O Brasil agora é maior de idade, não pede licença para ter relações com qualquer país.
"

PRA: Parece que o Itamaraty, antes deste governo, era composto de um bando de diplomatas submissos, lacaios do imperialismo, servis ao Império, e totalmente desprovidos de vontade própria. Ainda bem que veio este governo para nos salvar de nós mesmos...

Paulo Roberto de Almeida
23.11.2009

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

1537) Chavez, o democrata

Acredito que estas declarações de Chávez vão surpreender muita gente, mesmo aqueles que acham (talvez ingenuamente, ou então de má fé) que o caudilho venezuelano é um democrata, engajado na defesa dos direitos humanos e na dignidade dos povos.
Cada um julgue como puder estas declarações...

Hugo Chávez defende o 'Chacal' em discurso
Carlos foi condenado em 1997, na França

O presidente venezuelano Hugo Chávez defendeu o homem conhecido como "Carlos, o Chacal", acusado internacionalmente por atentados, assassinatos e sequestros em um discurso.

No discurso para políticos socialistas estrangeiros, Chávez afirmou que Carlos, que é cidadão venezuelano, não é um terrorista, mas um importante "combatente revolucionário".

"Eu o defendo, não me importa o que vão dizer amanhã na Europa", afirmou Chávez em seu discurso de sexta-feira na capital venezuelana, Caracas.

Chávez afirmou que acreditava que Carlos tinha sido condenado injustamente e o chamou de "um dos grandes combatentes da Organização para a Libertação da Palestina".

O líder venezuelano já afirmou que Carlos é seu amigo e teria trocado cartas com ele no passado.

Carlos, cujo nome real é Ilich Ramirez Sanchez, cumpre pena de prisão perpétua na França por assassinatos cometidos em 1975.

Década de 70
Carlos ficou famoso nos anos 70 como o organizador de ataques com bombas, assassinatos e sequestros. Ele foi capturado no Sudão em 1994 e entregue à França.

Na França ele foi preso e condenado por matar dois agentes secretos franceses e um suposto informante em 1975.

Ainda no discurso de sexta-feira, o presidente venezuelano também elogiou outros líderes internacionais como o presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, o iraniano Mahmoud Ahmadinejad e o ex-presidente Idi Amin, ditador em Uganda.

Chávez descreveu os presidentes Mugabe e Ahmadinejad - que, como ele, criticam os Estados Unidos - de irmãos.

A respeito do ex-presidente ugandense Idi Amin, Chávez afirmou que "pensamos que ele era um canibal... eu não sei, talvez ele tenha sido um grande nacionalista, um patriota".

Idi Amin tomou o poder em 1971. Cerca de 300 mil pessoas foram mortas durante os oito anos de seu regime.

1536) Um Palmares de acordo com a Historia, nao com os mitos

Belo artigo do professor da USP:

Os palmares de todos nós
Por: José de Souza Martins - Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP.
O Estado de S. Paulo, [Caderno Aliás, A Semana Revista], domingo, 22 de novembro de 2009, p. J5.

A transformação em feriado do dia do aniversário da morte de Zumbi, general e cabo de guerra do Quilombo dos Palmares, em 1695, como Dia da Consciência Negra, é providência que pode se transformar numa grande bobagem ou num fato histórico.

Será uma grande e deseducativa bobagem se for capturado e instrumentalizado pelo neorracismo brasileiro para alimentar a destrutiva ideologia do confronto, que nos assola, e firmar a suposta legitimidade de uma visão de mundo que nos divide e nos afasta de nós mesmos.

Será um grande fato histórico se for aceito por todos os brasileiros como desafio que pode nos instigar a rever nossa memória coletiva, para que nos livremos dos fantasmas de uma história que não é nossa. Para que nos encontremos no reconhecimento dos feitos que redundaram na construção do país pluralista que somos e que deveríamos gostar de ser. Os heróicos feitos de Zumbi se inscrevem nessa pauta. São feitos que dão sentido ao anseio de liberdade e emancipação do Brasil multirracial e democrático.

Nossa cultura escolar e de oitiva insere-se numa tradição que conspira todos os dias contra essa alternativa e essa busca. Expressão disso é o modo como se propõe a figura do mulato Domingos Fernandes Calabar à consciência dos brasileiros, estigmatizado como traidor porque passou para o lado dos holandeses no século 17, quando o Brasil ainda não era Brasil. No mínimo falta aí uma consciência crítica da história, que nos revele os efetivos dilemas sociais e políticos com que se defrontavam os protobrasileiros de então.

Calabar, na verdade, fez uma opção, como tantos outros fizeram naquela época de profundas transformações no mundo, aberta a opções religiosas, econômicas e políticas. Seu próprio detrator, frei Manuel Calado, autor de O Valeroso Lucideno, teve sua simpatia pelos holandeses. O que parece ter irritado Calado e mantido essa irritação nos registros históricos é que, como outros, Calabar tenha se convertido ao protestantismo e tenha negado o imobilismo socialmente estreito que se anunciava na dominação portuguesa e que se confirmaria em nossa história redundante e conformista.

A mesma mentalidade que amaldiçoou Calabar, folclorizou Zumbi, negando-lhe o lugar em que temos o direito de tê-lo em nossa memória histórica e com ele os insubmissos palmarinos, que morreram em grande número, aniquilados como seres destituídos de humanidade. Em Palmares, a luta do negro (e do índio) foi feita em nome de todos nós, pelo reconhecimento da condição humana de pessoas que eram tratadas como animais de trabalho, peças de mercado, objeto de partilha mercantil prévia nos próprios contratos de encomenda das entradas repressivas que destruiriam o quilombo.

Acima da crônica de botequim, a história de Palmares é a fascinante história épica de um povo, que não era só de negros, como narra, apoiado em documentos, Édison Carneiro, o grande historiador e estudioso das culturas negras, autor de O Quilombo dos Palmares. Uma história bem distante de fabulações raciais. Ou mesmo de interpretações redutivas, descabidamente apoiadas em simplificações inaplicáveis ao caso, pescadas antidialeticamente no Manifesto Comunista, de Marx e Engels, como as que definem Palmares como capítulo pioneiro da história da luta de classes. Nem Zumbi era um Spartacus do sertão nem a sociedade de classes estava constituída entre nós, nem mesmo em Portugal, apenas se anunciando em países como a Itália, a Holanda e a Inglaterra. Nem por isso a história documentada macula o que poderia e deveria ser o imaginário épico que a traz à nossa consciência e aos nossos dias.

Houve vários grandes e resistentes quilombos em diferentes pontos do Brasil até o final da escravidão. Palmares foi, sem dúvida, o maior, durou quase todo o século 17 e no seu último meio século sofreu reiterados ataques. Menos porque representasse um efetivo perigo político à dominação portuguesa e muito mais porque sua captura e sujeição recompensariam seus mercenários opressores com escravos e terras. Que tampouco lutavam por algo que pudesse ser chamado de Brasil. Era o caso de Domingos Jorge Velho, o mais violento e ambicioso deles, que nem mesmo falava português, pois vivia entre tapuias. Precisou de um intérprete para conversar com um bispo que o visitou.

Palmares tem sido apresentado como uma república libertária, antecedente em quase dois séculos da Revolução Francesa, o que nunca foi. Em Palmares também havia escravidão, a dos raptados e levados à força para os mocambos. Só eram livres os que voluntariamente fugissem de seus senhores e buscassem refúgio no Quilombo. Os escravos dos negros palmarinos podiam obter a alforria, como ensina Édison Carneiro, se para lá levassem um negro cativo.

Os milhares de negros que ali se refugiaram, criaram um Estado no modelo dos estados nativos africanos, dominado por um déspota, o rei Ganga Zumba, e por uma aristocracia em parte de sangue, de que Zumbi era membro, sobrinho do monarca. Quando o rei celebrou a paz com os brancos e o governo colonial de Pernambuco, em 1678, foi envenenado pelos negros. Zumbi, contrário à vassalagem, levou a luta até o limite, quando o quilombo foi invadido e destruído, em 1695. Ao contrário da lenda, não se matou e dos 20 combatentes que o acompanhavam na luta final só um sobreviveu. Os portugueses chegaram até ele quando um mulato capturado, que era seu imediato, sob tortura e em troca da vida, indicou o reduto em que ele se encontrava. Morto Zumbi, André Furtado de Mendonça, que comandava a tropa, cortou-lhe a cabeça, enviando-a ao governo, no Recife, onde foi exibida, espetada numa estaca, para que os negros se convencessem de que morrera.
A efeméride de Zumbi terá sentido como dia da consciência de todos nós, da nossa identidade brasileira, se for o prenúncio de uma reordenação dos termos da nossa memória coletiva para nela inscrever a história como história do povo brasileiro e não como história dos feitos de funcionários públicos ou de minorias.

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