A propósito da morte, em dezembro último, do Embaixador Lincoln Gordon, meu amigo recifense Clovis Cabral, que tinha conhecido o embaixador quando da formatura de sua turma no Recife, em 1964, escreveu a seguinte homenagem, que transcrevo abaixo.
Ainda estou devendo a minha homenagem, o que prometo fazer assim que me libertar de outros encargos "escriturais".
Paulo Roberto de Almeida
ADEUS, EMBAIXADOR LINCOLN GORDON
Clovis Cabral (Janeiro de 2010)
Com o falecimento do ex-embaixador Lincoln Gordon, em 19 de dezembro de 2009, nos Estados Unidos, aos 96 anos de idade, perde o país, um dos melhores diplomatas dos últimos tempos. Lincoln Gordon foi embaixador dos Estados Unidos no Brasil de 1961 a 1966. O Programa Aliança Para o Progresso, foi trazido para o Nordeste pelo Embaixador, que foi responsável por grandes projetos na região, fazendo intercâmbios com técnicos brasileiros e americanos. O Dr. Lincoln, era um profundo conhecedor dos problemas brasileiros e esteve à frente da Embaixada do seu país na época do golpe militar no Brasil, quando foi retirado do poder, o Presidente João Goulart. Para se ter uma idéia da personalidade e tirar algumas dúvidas a respeito de sua participação no Movimento Militar e de sua grande amizade pelo Brasil , é necessária a leitura do seu livro de economia: Brasil Segunda Chance: A Caminho do Primeiro Mundo, escrito em 2001, lançado em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Recife. O apresentador do livro foi o sociólogo, professor do Centro Universitário de Brasília, Ministro-Conselheiro da Embaixada Brasileira nos Estados Unidos, o Dr. Paulo Roberto de Almeida, que analisa o trabalho, sem nenhuma paixão política, seguindo uma linha de profundo equilíbrio científico da história.
Até hoje, os saudosistas das esquerdas acusam Lincoln Gordon, chamando-o de embaixador do golpe militar, quando na verdade, o movimento foi cem por cento brasileiro, em defesa da democracia. Como não poderia deixar de ser, os Estados Unidos com os seus interesses no Brasil, com milhões de dólares de investimentos, teria que tomar uma posição de apoio à democracia e o fez claramente, impedindo que a Rússia entrasse no páreo, a favor dos comunistas das esquerdas brasileiras pensando que o poder estava em suas mãos...
Certa vez, questionei Lincoln Gordon a respeito da possível invasão das tropas americanas no Brasil e ele me respondeu que tinha notícias verdadeiras da aproximação dos russos e, como o quadro se desenhava, a alternativa era para quem chegasse primeiro, cuja decisão de acautelamento cabia a ele, como embaixador dos EUA. Entretanto, não houve nenhuma invasão, mas, os russos ficaram na espreita dos acontecimentos. Assim, quem quiser saber algo a respeito de Lincoln Gordon e de sua amizade ao Brasil, procure ler A Segunda Chance do Brasil: A Caminho do Primeiro Mundo.
A nossa amizade com o Lincoln Gordon, foi quando a Turma de Economia da Universidade Federal de Pernambuco, em 1964, o recebeu, representando o Presidente Kennedy. O nosso grupo pressionado pelos comunistas, foi obrigado a fazer a divisão em dois, mostrando claramente o jogo ideológico – Democratas versus Comunistas, com muitas desavenças. Desta forma, constituímos a nossa turma e convidamos para Paraninfo, o Presidente John Kennedy e o Patrono Juscelino Kubitschek de Oliveira, ex-Presidente do Brasil. O convite foi aceito, mas, infelizmente o Presidente Kennedy foi assassinado. Como já havia a confirmação dos EUA, com o desaparecimento do Presidente, foi indicado para representá-lo, o Embaixador Lincoln Gordon, bem como Juscelino, que estiveram na formatura, realizada em 1964. A cerimônia foi realizada no Clube Internacional do Recife.
Encerrado este capítulo da formatura, com a orientação do Embaixador Gordon, viajou para os Estados Unidos um Grupo de oito formandos para uma visita ao país, onde foram recebidos pelas autoridades americanas, com uma estada oficial, para uma programação de trinta e seis dias, conhecendo as instituições em todo o país, incluindo San Juan de Puerto Rico, Estado Livre Associado.
Em 2001, Lincoln, lançou o seu livro: Brazil’s Second Chance: En Route Toward The First World, nos Estados Unidos . Então, sugeri para que ele o fizesse em Português e depois de marchas e contramarchas, o Embaixador resolveu fazê-lo e lançar no Brasil. Com a ajuda do então Ministro-Conselheiro da Embaixada Brasileira nos Estados Unidos, o Dr. Paulo Roberto de Almeida. Em 2002, o livro foi lançado no Brasil, primeiro em São Paulo, depois no Rio, Brasília e Recife. No salão nobre do SENAC-Recife, foi feito o lançamento, onde Lincoln Gordon foi apresentado por Clovis Cabral, com a coordenação do Prof. Dr. Marcos A. G. de Oliveira, PhD, do NEA – Núcleo de Estudos Americanos, seguindo-se um debate sobre o livro.
Registramos o comparecimento de muitas autoridades, destacando a presença do Dr. Aluisio Alves, ex-Governador do Estado do Rio Grande do Norte, vindo especialmente de Natal, para abraçar o seu amigo, parceiro da Aliança para o Progresso. Dando continuidade à visita ao Recife, o Embaixador, recebeu da Associação Comercial de Pernambuco -ACP, um certificado de reconhecimento por serviços prestados, entregue pelo Presidente da ACP, Dr. Dagoberto Lobo, durante um almoço no Cabanga Iate Clube, presentes os familiares da Turma Kennedy. Visitando o Instituto Brennand, o embaixador foi homenageado pelo Sr. Ricardo Brennand. Encerrando sua estada no Recife, juntamente com o Economista Pedro Paulo da Silva conhecendo a cidade de Olinda. A parte social, foi organizada pelo economista Rodolfo Mario Maranhão Moreira, pertencente à Turma Kennedy. Devemos ressaltar o trabalho desempenhado pelo Dr. Paulo Roberto de Almeida, comandando de Washington, toda a programação do Dr. Lincoln Gordon para o lançamento do seu livro no Brasil. Não tivemos o prazer da presença do Paulo Roberto aqui no Recife, mas o seu trabalho organizacional foi de suma importância para a efetivação do acontecimento de gratidão ao amigo Lincoln Gordon.
LANÇAMENTO DO LIVRO – SENAC/RECIFE – 22 de novembro de 2002
Apresentação: Clovis Cabral - Coordenador dos Debates: Marcos Guedes
A Turma Presidente Kennedy de Economistas de 1963, a Associação Comercial de Pernambuco, o Senac de Pernambuco, a Gráfica do Senac de São Paulo e o Núcleo de Estudos Americanos-UFPE, têm a honra e a satisfação de apresentar o ilustre diplomata americano, Economista, Pesquisador Convidado da Brookings Instituiton de Washington DC., Dr. Lincoln Gordon, que lançou na semana passada em São Paulo, a edição brasileira do seu livro sobre o Brasil: A SEGUNDA CHANCE DO BRASIL, A caminho do Primeiro Mundo.
Sem esquecer a sua última estada em Recife, há 38 anos, quando representou o Pres. Kennedy na colação de grau da Turma Kennedy de Economistas de 1963, da UFPE e, que agora volta para abraçar os seus amigos, trazendo as melhores mensagens para um futuro promissor do Brasil, país que tanto tem respeito e admiração.
Devido ao forte interesse ao Brasil pelos eventos do começo dos anos 60, definida a retirada do Presidente João Goulart, por um golpe de estado militar (1964), Dr. Gordon agregou um capítulo à edição brasileira do seu livro, detalhando a evolução das políticas dos EUA nesses anos sobre a base material recentemente desativado (relatórios da Embaixada e outros documentos oficiais e suas lembranças pessoais). O original em inglês desse capítulo adicional está sendo publicado como opúsculo (booklet) pela Brookings Institution sob o título, Brazil, 1961-64 The United States and the Goulart Regime.
O Embaixador Lincoln Gordon, tem uma longa carreira acadêmica e diplomata, a primeira iniciada na Universidade Harvard (1936-61), onde nos últimos seis anos atuou como professor de Relações Econômicas Internacionais, cargo desincumbido na Escola Superior de Administração Pública e no Centro de Negócios Internacionais. Entre outros postos acadêmicos, destacam-se o de Presidente da Universidade Johns Hopkins (1967-1971), membro do Centro Internacional Woodrow Wilson, para especialistas do Instituto Smithsonian (1972-1974) e Sênior Fellow da Fundação de Recursos para o futuro (1975-1980.
A atuação do professor Lincoln Gordon no serviço público americano, teve inicio na Junta de Planejamento de Recursos Nacionais (1939-1949), na Junta de Produção de Guerra(1942-1945), na Delegação dos Estados Unidos, na Comissão de Energia Atômica da ONU. Entre 1947 e 1950, participou da Administração de Cooperação Econômica do Departamento de Estado relacionada com o Plano Marshall e a OTAN, passando a servir na Casa Branca, como assessor econômico de W. Averell Harriman, como seu suplente na Comissão do Conselho Temporário da OTAN. De 1952 a 1955, o diplomata Gordon foi diretor da Missão do Plano Marshall no Reino Unido e Ministro para assuntos Econômicos da Embaixada Americana em Londres. Em 1961, atuou como consultor do Departamento de Estado sobre o processo do Presidente John Kennedy, tendo então sido nomeado embaixador dos Estados Unidos no Brasil, cargo que deixou no começo de 1966, para assumir em Washington, DC, o de Secretário de Estado Assistente para Assuntos Inter-Americanos.
Em sua longa carreira literária, o professor Gordon é autor e co-autor de inúmeros livros, entre os quais se incluem: The Public Corporation in Great Britain (1938); Government and the American Economy (1941, 1948, 1959); United States Manufacturing Investment in Brazil (1962); A New Deal for Latin America (1963); From Marshall Plan to Global Independence (1979); Growth Policies and the International Order (1979); Energy Strategies for Developing Nations (1981); Eroding Empire: Western Relations with Eastern Europe (1987) e o mais recente Brazil’s Second Chance: En route toward the First World, publicado em maio do ano passado pela Brookings Institution Press. cuja tradução portuguesa acaba de ser lançada pela Editora Senac em São Paulo e hoje no Recife.
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A turma Pres. Kennedy, da UFPE – do Recife – Brasil, lamenta pelo falecimento do seu amigo – Lincoln Gordon, e transmite aos seus familiares, as suas condolências.-*Clovis Cabral de Sousa, Rodolfo Mario Maranhão Moreira, Ricardo Essinger, José Mateus Filho, Orlando Coelho, Nericinor Ferreira, Wilson Gomes(+) e Ivancir Castro(+)
* Clovis Cabral – Janeiro 2010
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
domingo, 10 de janeiro de 2010
1659) Mini-tratado das reticencias
Um texto retaliatório, se me permitem a expressão, se é que existe retaliação apenas pela via das palavras (mas não conheço outra forma, sinto muito).
Digo isto a propósito de um gaiato, evidentemente anônimo (todo mundo que tem vergonha, medo ou qualquer outra incapacidade estrutural escolhe ser anônimo, já reparei), escreveu isto, a propósito do meu post anterior, sobre a Arte da Escrita (e enfatizei: "bem, nem tanto...), posto que ele se enraiveceu pelo meu uso de reticências.
Anônimo disse...
Isso vindo de um cara que não consegue escrever um texto sem usar reticências.
Amigo, já viu alguém que escreve bem ficar usando reticências?
Sábado, Janeiro 09, 2010 8:24:00 PM
Minha resposta, retaliatória, e tenho certeza de que ele vai ler até o fim, é este...
Mini-tratado das reticências...
(em defesa de uma inutilidade necessária…)
Paulo Roberto de Almeida
Pouca gente dotada de uma certa familiaridade com a palavra escrita consegue atribuir real importância às reticências, inclusive este cidadão que aqui escreve. Quero falar das reticências stricto sensu, isto é, os famosos três pontinhos ao final de alguma frase ou expressão da linguagem diária (elas parecem ser menos usadas nos textos ditos “sérios”, nos quais a necessária precisão “científica” deixa pouco espaço para as dúvidas ou indecisões que são (e estão) inevitavelmente associados aos três pontinhos). No mais das vezes, elas passam despercebidas, quando não são solenemente ignoradas e deixadas num espaço menor das figuras de linguagem. Os cientistas, francamente, parecem considerá-las uma total inutilidade no processo de elaboração do seu discurso “realista”.
No entanto, as reticências são fundamentais, sobretudo naqueles casos – agora lato sensu – de duplo sentido, nos muitos subentendidos das conversas vagas, nas promessas indefinidas, nas situações pouco claras, nas esperanças falsamente criadas, nas aberturas ao contraditório, nos convites a “algo mais”, enfim, em todas as circunstâncias nas quais a precisão e o cuidado com o verdadeiro não figuram entre as prioridades do autor do discurso ou de seu eventual interlocutor. Não é apenas no teatro ou na literatura que elas aparecem, pois eu, que sou dado a escritos sociológicos, encontro amplo espaço para reticências nas minhas elocubrações pretensamente acadêmicas. Nem preciso lembrar seu amplo uso nas estatísticas oficiais, com tabelas cheias de três pontinhos para dados inexistentes ou incompletos (sobretudo naquelas áreas chamadas, apropriadamente, de “terras incógnitas”, geralmente referidas na expressão em latim).
Minha intenção é fazer aqui uma defesa circunspecta das reticências (daí o título de “mini-tratado”), além de ressaltar-lhes a importância discursiva, como a própria essência do discurso humano. Eu, pessoalmente, gosto de reticências, sobretudo pela liberdade que elas permitem, mas entendo perfeitamente os que as abominam e querem vê-las extirpadas da face da terra (ou pelo menos da superfície do papel, atualmente, mais bem da tela do computador…).
Voilà, acabo de usar reticências pela primeira vez depois de muitas frases e dois parágrafos inteiros sem necessidade de empregá-las. Isto é uma prova, justamente, de que as reticências são úteis e necessárias e por mais que queiramos evitá-las. Pois eu falava daqueles que detestam reticências e são a favor das situações totalmente definidas, do correto discurso tipo “pão, pão, queijo, queijo”, mas que, em algum momento, também tropeçam com alguma reticência que se imiscuiu no discurso aparentemente correto e totalmente claro.
Admito, preliminarmente, que as reticências parecem incompatíveis com a lógica formal, aquela que deriva uma consequência necessária de duas afirmações anteriores, tipo “todo homem é mortal, Sócrates é um homem, logo… etc., etc.”. Mas, mesmo aqui, como acaba de constatar o preclaro leitor, fui levado a usar reticências, pois eu não precisava terminar a frase, por uma dedução lógica do imediatamente precedente.
Eu poderia, nesta minha defesa pouco reticente das reticências, empregar uma derivação do famoso moto cartesiano: “penso, logo sou reticente…”, mas não pretendo abusar do meu direito a ser reticente, nem da paciência do leitor. Prefiro ater-me a um discurso coerente, ainda que algo impressionista, sobre a importância das reticências na atividade argumentativa e até na organização da vida diária. Serei breve, como convém a um “mini-tratado”, marcado por algumas reticências terminológicas, vários duplos-sentidos e outras tantas dúvidas conceituais.
Admito, antes de mais nada, que as reticências passam quase despercebidas nos manuais de estilo e mesmo nos livros de gramática. Meu dicionário Aurélio, por exemplo, na introdução relativa às instruções da Academia Brasileira de Letras (de 1943) para a organização do vocabulário ortográfico da língua portuguesa, passa solenemente por cima, quando não à côté, desses simpáticos sinais, objeto de meu tratado, ignorando-os por completo. Com efeito, na parte relativa aos sinais de pontuação, a douta Academia, zelosa guardiã da boa expressão e da correção de linguagem, registra apenas e tão somente as aspas, os parênteses, o travessão e o ponto final, assim, não mais do que isso. Mas o MEC foi vigilante, e na portaria nº 36, de 28 de janeiro de 1959, registrou na Nomenclatura Gramatical Brasileira os seguintes sinais de pontuação: aspas, asterisco, colchetes, dois-pontos, parágrafo, parênteses, ponto-de-exclamação, ponto-de-interrogação, ponto-e-vírgula, ponto-final, reticências, travessão, vírgula.
Voilà, aí estão nossas simpáticas reticências, cuja definição “científica”, constante do mesmo dicionário Aurélio, apresenta-se como a seguir: “[Pl. de reticência.] S. f. pl. Sinal de pontuação: série de três ou mais pontos que, num texto, indicam interrupção do pensamento (por ficar, em regra, facilmente subentendido o que não foi dito), ou omissão intencional de coisa que se devia ou podia dizer, mas apenas se sugere, ou que, em certos casos, indica insinuação, segunda intenção, emoção. [Sin.: pontos de reticência, pontos de suspensão e (fam.) pontinhos. Cf. reticencias, do v. reticenciar.]” (p. 1229, da 15ª impressão da 1ª edição da Nova Fronteira, sem data).
Pois eu acabo de ficar sabendo da existência do verbo reticenciar, que passarei a utilizar agora, em toda a extensão do que me for permitido pelos bons costumes e reais necessidades de expressão. Trata-se de um verbo transitivo direto, que tem o significado, justamente, de colocar reticências em algo ou exprimir de modo reticente, incompleto, como em: “A testemunha reticenciou os fatos”. Mas, não pretendo reticenciar meu mini-tratado sobre as reticências.
Dito isto, retenho da definição aureliana sobretudo a última parte, pois que a interrupção de pensamento é tão evidente que nem precisaria ser explicada. A última parte refere-se à omissão intencional, que pode querer dizer insinuação, segunda intenção ou emoção. Aqui estão a essência, o caráter fundamental, o âmago e a alma profunda, se ouso dizer, das reticências, que parecem ter sido trazidas ao mundo para acomodar todas as situações ambíguas e os propósitos não declarados.
Aliás, o singular da palavra em questão já trazia essas “más intenções” inscritas em sua definição original. O substantivo vem do latim reticentia, que quer dizer “silêncio obstinado”. O enunciado remete a uma “omissão intencional de uma coisa que se devia ou podia dizer”, o que nos confirma o caráter de subterfúgio do conceito em questão. E o que é subterfúgio?: segundo o mesmo dicionário, trata-se de “ardil empregado para se esquivar a dificuldades; pretexto, evasiva”. Pois todos nós, na vida diária, nas atividades literárias, no jogo da política (sobretudo) e nas coisas do amor (aqui parece fundamental) necessitamos, em algum momento, de utilizarmo-nos de algum subterfúgio. Para evitar confrontar o interlocutor com alguma mensagem muito direta, fazemos apelo a essas figuras de linguagem pouco claras e a esses conceitos ambíguos que brotam, justamente, da complexidade natural do ser humano e do mundo que o cerca (estou sendo muito antropocêntrico, talvez, mas é que os animais, por exemplo, não precisam de reticências, pois eles costumam ir direto ao assunto, sobretudo os predadores carnívoros).
O recurso aos três pontinhos é por vezes absolutamente necessário para evitar algum conflito maior, e parece estranho que as reticências sejam tão pouco usadas no vacabulário diplomático, na letra dos tratados, nos discursos oficiais (justamente os que mais necessitariam de alguma “ambiguidade construtiva”). Não sei se existe espaço para o uso de reticências no curso de “linguagem diplomática” do Itamaraty, mas deveria haver, para acomodar todas essas situações difíceis nas negociações internacionais: parece evidente que as conferências terminariam mais cedo se todos pudessem ir para casa sobraçando o seu exemplar de algum tratado, cheio de pontos suspensivos…
O único problema (aparente) das reticências é que elas não aparecem de modo claro na linguagem oral, só naqueles “balõezinhos” acima da cabeça das pessoas nos desenhos de revistas ou diretamente nos textos escritos. Na linguagem coloquial elas são imperfeitamente traduzidas nas hesitações da expressão, nas frases não acabadas, nas terminações muito lentas, que se arrastam ao longo de um sorriso por vezes embaraçoso. Vamos deixar, justamente, um espaço aberto à criatividade e à imaginação humanas, que não podem ficar só na lógica binária dos programas de computador ou na rigidez das fórmulas matemáticas que pretendem encerrar o mundo numa única expressão: E=mc2.
O mundo não é feito só de cartesianismos, muito menos de fórmulas einsteinianas ou newtonianas totalmente abrangentes, que funcionam no estrito limite dos fenômenos identificados pelas forças conhecidas da natureza. Existem outras forças que ainda não foram devidamente mapeadas pela ciência moderna (ou antiga, ou medieval, ou de todos os tempos), a começar, obviamente, pelo amor. Pois eu pergunto: o que seria do amor sem as reticências? O que seria dos namorados se eles precisassem dizer tudo de forma clara, absolutamente sem ambiguidades, sem essas “sugestões construtivas”, sem essas omissões convenientes, sem os subentendidos de linguagem? Certamente haveria muito mais brigas, e as taxas de separação (e de divórcio) seriam infinitamente superiores…
Tomemos, por exemplo, o caso de Penélope, interminavelmente a fiar e a tecer a sua tela, ela mesma uma permanente reticência, pois que desfeita a cada noite para evitar o confronto indesejado com os pretendentes ao trono de Ulisses. O que mais ela poderia fazer na ausência do seu amado, ele mesmo preso nas reticências dos troianos, que hesitaram um pouco antes de arrastar para dentro da fortaleza o cavalo de madeira que ele tinha sugerido aos gregos? O próprio herói não ficou quase retido nas reticências dos montros marinhos, nos encantos reticentes e nas promessas enganosas das lindas sereias? Se Penélope não fosse reticente, Ulisses ainda teria de enfrentar uma nova odisséia para garantir o seu lugar original no comando da ilha de Ítaca. Poderíamos, assim, dizer que a situação de Ulisses foi salva pelo uso das reticências…
Assim, mesmo concordando em que o discurso “científico” precisa livrar-se de toda e qualquer ambiguidade explicativa, sou franca e resolutamente a favor das reticências e de seu uso da forma mais ampla possível nas circunstâncias cambiantes que são as da vida humana. Reticências nos ajudam, nos confortam, nos salvam de situações embaraçosas. Elas, sobretudo, nos permitem construir relações que podem frutificar de modo amplamente satisfatório mas que só sobreviveriam, em face de adversidades e dos muitos imponderáveis da vida humana, caso a flexibilidade por elas permitida seja efetivamente empregada para estender os limites do entendimento até esses situações limites de acomodação de contrários. A vida é contraditória e cheia de surpresas: não podemos tolher as possibilidades infinitas do nosso itinerário futuro com frases cortantes que encerram apenas as limitações do presente.
As reticências significam, essencialmente, liberdade de escolha. Nisso elas estão inteiramente de acordo com a “economia” do nosso modo de ser, sobretudo nas situações intensamente relacionais. Vivam as reticências…
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de novembro de 2004
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Não gostaria de repetir, segundo o ditado popular, mas vou fazê-lo:
"Conheceu, papudo?"
Fique com minhas reticências, e passe a usá-las...
Não cobrarei copyright por isso...
Digo isto a propósito de um gaiato, evidentemente anônimo (todo mundo que tem vergonha, medo ou qualquer outra incapacidade estrutural escolhe ser anônimo, já reparei), escreveu isto, a propósito do meu post anterior, sobre a Arte da Escrita (e enfatizei: "bem, nem tanto...), posto que ele se enraiveceu pelo meu uso de reticências.
Anônimo disse...
Isso vindo de um cara que não consegue escrever um texto sem usar reticências.
Amigo, já viu alguém que escreve bem ficar usando reticências?
Sábado, Janeiro 09, 2010 8:24:00 PM
Minha resposta, retaliatória, e tenho certeza de que ele vai ler até o fim, é este...
Mini-tratado das reticências...
(em defesa de uma inutilidade necessária…)
Paulo Roberto de Almeida
Pouca gente dotada de uma certa familiaridade com a palavra escrita consegue atribuir real importância às reticências, inclusive este cidadão que aqui escreve. Quero falar das reticências stricto sensu, isto é, os famosos três pontinhos ao final de alguma frase ou expressão da linguagem diária (elas parecem ser menos usadas nos textos ditos “sérios”, nos quais a necessária precisão “científica” deixa pouco espaço para as dúvidas ou indecisões que são (e estão) inevitavelmente associados aos três pontinhos). No mais das vezes, elas passam despercebidas, quando não são solenemente ignoradas e deixadas num espaço menor das figuras de linguagem. Os cientistas, francamente, parecem considerá-las uma total inutilidade no processo de elaboração do seu discurso “realista”.
No entanto, as reticências são fundamentais, sobretudo naqueles casos – agora lato sensu – de duplo sentido, nos muitos subentendidos das conversas vagas, nas promessas indefinidas, nas situações pouco claras, nas esperanças falsamente criadas, nas aberturas ao contraditório, nos convites a “algo mais”, enfim, em todas as circunstâncias nas quais a precisão e o cuidado com o verdadeiro não figuram entre as prioridades do autor do discurso ou de seu eventual interlocutor. Não é apenas no teatro ou na literatura que elas aparecem, pois eu, que sou dado a escritos sociológicos, encontro amplo espaço para reticências nas minhas elocubrações pretensamente acadêmicas. Nem preciso lembrar seu amplo uso nas estatísticas oficiais, com tabelas cheias de três pontinhos para dados inexistentes ou incompletos (sobretudo naquelas áreas chamadas, apropriadamente, de “terras incógnitas”, geralmente referidas na expressão em latim).
Minha intenção é fazer aqui uma defesa circunspecta das reticências (daí o título de “mini-tratado”), além de ressaltar-lhes a importância discursiva, como a própria essência do discurso humano. Eu, pessoalmente, gosto de reticências, sobretudo pela liberdade que elas permitem, mas entendo perfeitamente os que as abominam e querem vê-las extirpadas da face da terra (ou pelo menos da superfície do papel, atualmente, mais bem da tela do computador…).
Voilà, acabo de usar reticências pela primeira vez depois de muitas frases e dois parágrafos inteiros sem necessidade de empregá-las. Isto é uma prova, justamente, de que as reticências são úteis e necessárias e por mais que queiramos evitá-las. Pois eu falava daqueles que detestam reticências e são a favor das situações totalmente definidas, do correto discurso tipo “pão, pão, queijo, queijo”, mas que, em algum momento, também tropeçam com alguma reticência que se imiscuiu no discurso aparentemente correto e totalmente claro.
Admito, preliminarmente, que as reticências parecem incompatíveis com a lógica formal, aquela que deriva uma consequência necessária de duas afirmações anteriores, tipo “todo homem é mortal, Sócrates é um homem, logo… etc., etc.”. Mas, mesmo aqui, como acaba de constatar o preclaro leitor, fui levado a usar reticências, pois eu não precisava terminar a frase, por uma dedução lógica do imediatamente precedente.
Eu poderia, nesta minha defesa pouco reticente das reticências, empregar uma derivação do famoso moto cartesiano: “penso, logo sou reticente…”, mas não pretendo abusar do meu direito a ser reticente, nem da paciência do leitor. Prefiro ater-me a um discurso coerente, ainda que algo impressionista, sobre a importância das reticências na atividade argumentativa e até na organização da vida diária. Serei breve, como convém a um “mini-tratado”, marcado por algumas reticências terminológicas, vários duplos-sentidos e outras tantas dúvidas conceituais.
Admito, antes de mais nada, que as reticências passam quase despercebidas nos manuais de estilo e mesmo nos livros de gramática. Meu dicionário Aurélio, por exemplo, na introdução relativa às instruções da Academia Brasileira de Letras (de 1943) para a organização do vocabulário ortográfico da língua portuguesa, passa solenemente por cima, quando não à côté, desses simpáticos sinais, objeto de meu tratado, ignorando-os por completo. Com efeito, na parte relativa aos sinais de pontuação, a douta Academia, zelosa guardiã da boa expressão e da correção de linguagem, registra apenas e tão somente as aspas, os parênteses, o travessão e o ponto final, assim, não mais do que isso. Mas o MEC foi vigilante, e na portaria nº 36, de 28 de janeiro de 1959, registrou na Nomenclatura Gramatical Brasileira os seguintes sinais de pontuação: aspas, asterisco, colchetes, dois-pontos, parágrafo, parênteses, ponto-de-exclamação, ponto-de-interrogação, ponto-e-vírgula, ponto-final, reticências, travessão, vírgula.
Voilà, aí estão nossas simpáticas reticências, cuja definição “científica”, constante do mesmo dicionário Aurélio, apresenta-se como a seguir: “[Pl. de reticência.] S. f. pl. Sinal de pontuação: série de três ou mais pontos que, num texto, indicam interrupção do pensamento (por ficar, em regra, facilmente subentendido o que não foi dito), ou omissão intencional de coisa que se devia ou podia dizer, mas apenas se sugere, ou que, em certos casos, indica insinuação, segunda intenção, emoção. [Sin.: pontos de reticência, pontos de suspensão e (fam.) pontinhos. Cf. reticencias, do v. reticenciar.]” (p. 1229, da 15ª impressão da 1ª edição da Nova Fronteira, sem data).
Pois eu acabo de ficar sabendo da existência do verbo reticenciar, que passarei a utilizar agora, em toda a extensão do que me for permitido pelos bons costumes e reais necessidades de expressão. Trata-se de um verbo transitivo direto, que tem o significado, justamente, de colocar reticências em algo ou exprimir de modo reticente, incompleto, como em: “A testemunha reticenciou os fatos”. Mas, não pretendo reticenciar meu mini-tratado sobre as reticências.
Dito isto, retenho da definição aureliana sobretudo a última parte, pois que a interrupção de pensamento é tão evidente que nem precisaria ser explicada. A última parte refere-se à omissão intencional, que pode querer dizer insinuação, segunda intenção ou emoção. Aqui estão a essência, o caráter fundamental, o âmago e a alma profunda, se ouso dizer, das reticências, que parecem ter sido trazidas ao mundo para acomodar todas as situações ambíguas e os propósitos não declarados.
Aliás, o singular da palavra em questão já trazia essas “más intenções” inscritas em sua definição original. O substantivo vem do latim reticentia, que quer dizer “silêncio obstinado”. O enunciado remete a uma “omissão intencional de uma coisa que se devia ou podia dizer”, o que nos confirma o caráter de subterfúgio do conceito em questão. E o que é subterfúgio?: segundo o mesmo dicionário, trata-se de “ardil empregado para se esquivar a dificuldades; pretexto, evasiva”. Pois todos nós, na vida diária, nas atividades literárias, no jogo da política (sobretudo) e nas coisas do amor (aqui parece fundamental) necessitamos, em algum momento, de utilizarmo-nos de algum subterfúgio. Para evitar confrontar o interlocutor com alguma mensagem muito direta, fazemos apelo a essas figuras de linguagem pouco claras e a esses conceitos ambíguos que brotam, justamente, da complexidade natural do ser humano e do mundo que o cerca (estou sendo muito antropocêntrico, talvez, mas é que os animais, por exemplo, não precisam de reticências, pois eles costumam ir direto ao assunto, sobretudo os predadores carnívoros).
O recurso aos três pontinhos é por vezes absolutamente necessário para evitar algum conflito maior, e parece estranho que as reticências sejam tão pouco usadas no vacabulário diplomático, na letra dos tratados, nos discursos oficiais (justamente os que mais necessitariam de alguma “ambiguidade construtiva”). Não sei se existe espaço para o uso de reticências no curso de “linguagem diplomática” do Itamaraty, mas deveria haver, para acomodar todas essas situações difíceis nas negociações internacionais: parece evidente que as conferências terminariam mais cedo se todos pudessem ir para casa sobraçando o seu exemplar de algum tratado, cheio de pontos suspensivos…
O único problema (aparente) das reticências é que elas não aparecem de modo claro na linguagem oral, só naqueles “balõezinhos” acima da cabeça das pessoas nos desenhos de revistas ou diretamente nos textos escritos. Na linguagem coloquial elas são imperfeitamente traduzidas nas hesitações da expressão, nas frases não acabadas, nas terminações muito lentas, que se arrastam ao longo de um sorriso por vezes embaraçoso. Vamos deixar, justamente, um espaço aberto à criatividade e à imaginação humanas, que não podem ficar só na lógica binária dos programas de computador ou na rigidez das fórmulas matemáticas que pretendem encerrar o mundo numa única expressão: E=mc2.
O mundo não é feito só de cartesianismos, muito menos de fórmulas einsteinianas ou newtonianas totalmente abrangentes, que funcionam no estrito limite dos fenômenos identificados pelas forças conhecidas da natureza. Existem outras forças que ainda não foram devidamente mapeadas pela ciência moderna (ou antiga, ou medieval, ou de todos os tempos), a começar, obviamente, pelo amor. Pois eu pergunto: o que seria do amor sem as reticências? O que seria dos namorados se eles precisassem dizer tudo de forma clara, absolutamente sem ambiguidades, sem essas “sugestões construtivas”, sem essas omissões convenientes, sem os subentendidos de linguagem? Certamente haveria muito mais brigas, e as taxas de separação (e de divórcio) seriam infinitamente superiores…
Tomemos, por exemplo, o caso de Penélope, interminavelmente a fiar e a tecer a sua tela, ela mesma uma permanente reticência, pois que desfeita a cada noite para evitar o confronto indesejado com os pretendentes ao trono de Ulisses. O que mais ela poderia fazer na ausência do seu amado, ele mesmo preso nas reticências dos troianos, que hesitaram um pouco antes de arrastar para dentro da fortaleza o cavalo de madeira que ele tinha sugerido aos gregos? O próprio herói não ficou quase retido nas reticências dos montros marinhos, nos encantos reticentes e nas promessas enganosas das lindas sereias? Se Penélope não fosse reticente, Ulisses ainda teria de enfrentar uma nova odisséia para garantir o seu lugar original no comando da ilha de Ítaca. Poderíamos, assim, dizer que a situação de Ulisses foi salva pelo uso das reticências…
Assim, mesmo concordando em que o discurso “científico” precisa livrar-se de toda e qualquer ambiguidade explicativa, sou franca e resolutamente a favor das reticências e de seu uso da forma mais ampla possível nas circunstâncias cambiantes que são as da vida humana. Reticências nos ajudam, nos confortam, nos salvam de situações embaraçosas. Elas, sobretudo, nos permitem construir relações que podem frutificar de modo amplamente satisfatório mas que só sobreviveriam, em face de adversidades e dos muitos imponderáveis da vida humana, caso a flexibilidade por elas permitida seja efetivamente empregada para estender os limites do entendimento até esses situações limites de acomodação de contrários. A vida é contraditória e cheia de surpresas: não podemos tolher as possibilidades infinitas do nosso itinerário futuro com frases cortantes que encerram apenas as limitações do presente.
As reticências significam, essencialmente, liberdade de escolha. Nisso elas estão inteiramente de acordo com a “economia” do nosso modo de ser, sobretudo nas situações intensamente relacionais. Vivam as reticências…
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de novembro de 2004
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Não gostaria de repetir, segundo o ditado popular, mas vou fazê-lo:
"Conheceu, papudo?"
Fique com minhas reticências, e passe a usá-las...
Não cobrarei copyright por isso...
sábado, 9 de janeiro de 2010
1658) A arte da escrita (bem, nem tanto...)
O texto que segue abaixo foi escrito mais de dois anos atrás, mas permaneceu relativamente obscuro, posto que foi publicado uma única vez no Observatório da Imprensa. Creio que o escrevi depois de tropeçar, não numa pedra, mas em vários blocos graníticos de ignorância redacional manifesta, esculpidos (se ouso dizer) em algumas dissertações ou teses acadêmicas. Creio que voltava de uma banca no Rio de Janeiro: um sacrifício de viagem para um grande desprazer intelectual, não apenas quanto à substância do trabalho, mas igualmente quanto à sua forma, ou seja, a escrita.
Daí escrevi o texto prometendo a mim mesmo nunca mais aceitar participar de uma banca se a redação do trabalho em questão me parecesse deficiente. Uma decisão difícil, pois sempre quem convida é um professor amigo, que foi também o que "orientou" (provavelmente mal) o trabalho em questão.
Enfim, se ainda não revisei na prática a minha política de participação em bancas, pelo menos posso deixar aqui o desabafo...
Paulo Roberto de Almeida (9.01.2010)
Por que é difícil encontrar quem saiba escrever
Paulo Roberto de Almeida
Observatório da Imprensa - 05/06/2007
O texto a seguir, sobre a obscuridade de certos escritos que encontramos nas páginas literárias de jornais e revistas, foi inspirado pela seguinte frase de Stefan Zweig, em correspondência particular, frase que "pesquei" na fabulosa biografia desse autor escrita por Alberto Dines:
"As pessoas que fazem ou falam literatura são totalmente incompreensíveis, parece-me mais um defeito da natureza do que uma virtude, mas talvez a arte tenha sido sempre condicionada por tais deficiências."
[Stefan Zweig, carta a Friderike Maria von Winterniz (ex-Zweig), em 7/12/1940, citado por Alberto Dines, Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (3ª ed. ampliada; Rio de Janeiro: Rocco, 2004), p. 326.]
Stefan Zweig referia-se, obviamente, aos escritores como ele, romancistas ou literatos em geral, homens de letras, no sentido amplo, cuja prosa lhe parecia pertencer a um universo de referências escondidas, de significados obscuros, cuja compreensão talvez só estivesse ao alcance de outros membros da République des Lettres – que ele evitava freqüentar seja por comodismo ou timidez, seja por medo de entrar em polêmica a respeito de suas próprias convicções literárias ou a propósito do seu estilo de escrita.
Ele queria ser compreendido e amado pelo grande público e por isso buscava a concisão literária, a correção na forma, a perfeição na linguagem, a simplicidade no discurso, para que seu argumento atingisse o maior número possível de leitores. Sem deixar de ser profundo, e de fazer apelo à sua vasta cultura humanista, ele pretendia ser um escritor popular, o que requeria, obviamente, um cuidado especial com a linguagem escrita, de maneira a aproximá-la do cidadão comum, do leitor médio, do público cultivado mas não pretensioso, que refugava os maneirismos e preciosismos de linguagem de muitos dos seus colegas de pluma.
Erros primários [o intertítulo é do Observatório da Imprensa]
De minha parte, entendo que a frase de Zweig aplica-se ainda com maior acuidade e rigor ao trabalho dos filósofos, dos sociólogos, dos cientistas sociais em geral, cujo objeto de análise e de reflexões se volta para os campos mais ou menos subjetivos da organização social, das motivações políticas, das políticas econômicas; em síntese, dos assuntos humanos. Tenho encontrado, em muitos trabalhos de colegas, grandes doses de prolixidade na escrita, um desejo inconfessado de parecer sofisticado pelo rebuscamento inútil da linguagem, pela profusão nos conceitos e pela adjetivação exagerada das análises. Parece que eles acabaram de fazer um curso completo de redação obscura com um desses filósofos franceses adeptos do desconstrucionismo verbal, êmulos de Jacques Derrida e de Jean Baudrillard.
Isso pelo lado bom. Pelo lado ruim, o que mais tenho encontrado, na verdade, é a simples redação deficiente, uma linguagem caótica e rebarbativa, que por sua vez revela um pensamento desorganizado, uma confusão de idéias que passa longe do que se convencionou chamar de brain storming. Pelo lado catastrófico, então, cada vez mais deparo-me com a miséria da escrita, com uma linguagem estropiada por incorreções gramaticais, impropriedades estilísticas, quando não barbaridades ortográficas de tal monta que seriam capazes de fazer fundir um desses corretores automáticos de computador que detectam todos os erros de digitação. Mas, mesmo depois de o perpetrador em questão ter aplicado o seu corretor ortográfico informático e eliminado todos os erros de digitação, ainda sobram frases incompreensíveis, expressões sem sentido, reflexos de uma linguagem tortuosa e torturada que seria capaz de confundir o mais paciente revisor de estilo pago para fazer essa tarefa.
A pobreza da linguagem escrita no Brasil – já nem mais falo da linguagem coloquial, irrecorrivelmente contaminada pelo dialeto televisivo das novelas e programas de auditório – tem progredido a olhos vistos, acompanhando a rápida deterioração da educação no país. Acredito que não haja mais espaço, atualmente, para aqueles programas ao vivo voltados para testar o conhecimento de concorrentes sobre fatos gerais da história ou em destreza na língua escrita, que premiavam verdadeiras enciclopédias ambulantes, dicionários vivos da língua pátria. Tudo isso é passado, eu sei, mas será que não se consegue, ao menos, ter pessoas que consigam escrever ao menos num Português normal, desprovido de erros primários e de barbarismos estilísticos?
Deterioração generalizada [o intertítulo é do Observatório da Imprensa]
Não estou falando de profissionais "normais", mas de aspirantes a um título universitário de pós-graduação, que constitui a minha "clientela" mais freqüente. Tenho encontrado cada vez mais, nessas dissertações para as quais sou convidado para a banca julgadora, um tamanho volume de atentados à linguagem que penso seriamente em desistir de aceitar o convite, por mais que o título ou o tema possam me atrair. Vou pedir para ver o trabalho primeiro, antes de me decidir se aceito ou não participar. Não quero compactuar, nem que seja indiretamente, com as barbaridades lingüísticas e os atentados à boa escrita.
Não se trata de arrogância intelectual ou elitismo lingüístico, mas uma simples questão de coerência. Uma linguagem confusa, quando não incorreta, revela, antes de tudo, confusão nas idéias. Assim sendo, ao menor sinal de impropriedade redacional pode-se estar seguro de que a qualidade intrínseca do trabalho tampouco será superior ao estilo de redação. Como não pretendo deixar nem autor nem orientador constrangidos na hora da avaliação pública do trabalho, vou desistir preventivamente de participar. Acho que é o melhor que eu tenho a fazer nesta fase de deterioração generalizada da educação no Brasil.
Fica, portanto, dado o aviso. Antes de me convidar, favor procederem à revisão do Português (e revisem as idéias também).
[Texto também reproduzido no Blog do Galeno: por um Brasil que lê mais: http://www.blogdogaleno.com.br/texto_ler.php?id=587&secao=25, que foi onde eu acabei reencontrando um ensaio praticamente esquecido.]
Daí escrevi o texto prometendo a mim mesmo nunca mais aceitar participar de uma banca se a redação do trabalho em questão me parecesse deficiente. Uma decisão difícil, pois sempre quem convida é um professor amigo, que foi também o que "orientou" (provavelmente mal) o trabalho em questão.
Enfim, se ainda não revisei na prática a minha política de participação em bancas, pelo menos posso deixar aqui o desabafo...
Paulo Roberto de Almeida (9.01.2010)
Por que é difícil encontrar quem saiba escrever
Paulo Roberto de Almeida
Observatório da Imprensa - 05/06/2007
O texto a seguir, sobre a obscuridade de certos escritos que encontramos nas páginas literárias de jornais e revistas, foi inspirado pela seguinte frase de Stefan Zweig, em correspondência particular, frase que "pesquei" na fabulosa biografia desse autor escrita por Alberto Dines:
"As pessoas que fazem ou falam literatura são totalmente incompreensíveis, parece-me mais um defeito da natureza do que uma virtude, mas talvez a arte tenha sido sempre condicionada por tais deficiências."
[Stefan Zweig, carta a Friderike Maria von Winterniz (ex-Zweig), em 7/12/1940, citado por Alberto Dines, Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (3ª ed. ampliada; Rio de Janeiro: Rocco, 2004), p. 326.]
Stefan Zweig referia-se, obviamente, aos escritores como ele, romancistas ou literatos em geral, homens de letras, no sentido amplo, cuja prosa lhe parecia pertencer a um universo de referências escondidas, de significados obscuros, cuja compreensão talvez só estivesse ao alcance de outros membros da République des Lettres – que ele evitava freqüentar seja por comodismo ou timidez, seja por medo de entrar em polêmica a respeito de suas próprias convicções literárias ou a propósito do seu estilo de escrita.
Ele queria ser compreendido e amado pelo grande público e por isso buscava a concisão literária, a correção na forma, a perfeição na linguagem, a simplicidade no discurso, para que seu argumento atingisse o maior número possível de leitores. Sem deixar de ser profundo, e de fazer apelo à sua vasta cultura humanista, ele pretendia ser um escritor popular, o que requeria, obviamente, um cuidado especial com a linguagem escrita, de maneira a aproximá-la do cidadão comum, do leitor médio, do público cultivado mas não pretensioso, que refugava os maneirismos e preciosismos de linguagem de muitos dos seus colegas de pluma.
Erros primários [o intertítulo é do Observatório da Imprensa]
De minha parte, entendo que a frase de Zweig aplica-se ainda com maior acuidade e rigor ao trabalho dos filósofos, dos sociólogos, dos cientistas sociais em geral, cujo objeto de análise e de reflexões se volta para os campos mais ou menos subjetivos da organização social, das motivações políticas, das políticas econômicas; em síntese, dos assuntos humanos. Tenho encontrado, em muitos trabalhos de colegas, grandes doses de prolixidade na escrita, um desejo inconfessado de parecer sofisticado pelo rebuscamento inútil da linguagem, pela profusão nos conceitos e pela adjetivação exagerada das análises. Parece que eles acabaram de fazer um curso completo de redação obscura com um desses filósofos franceses adeptos do desconstrucionismo verbal, êmulos de Jacques Derrida e de Jean Baudrillard.
Isso pelo lado bom. Pelo lado ruim, o que mais tenho encontrado, na verdade, é a simples redação deficiente, uma linguagem caótica e rebarbativa, que por sua vez revela um pensamento desorganizado, uma confusão de idéias que passa longe do que se convencionou chamar de brain storming. Pelo lado catastrófico, então, cada vez mais deparo-me com a miséria da escrita, com uma linguagem estropiada por incorreções gramaticais, impropriedades estilísticas, quando não barbaridades ortográficas de tal monta que seriam capazes de fazer fundir um desses corretores automáticos de computador que detectam todos os erros de digitação. Mas, mesmo depois de o perpetrador em questão ter aplicado o seu corretor ortográfico informático e eliminado todos os erros de digitação, ainda sobram frases incompreensíveis, expressões sem sentido, reflexos de uma linguagem tortuosa e torturada que seria capaz de confundir o mais paciente revisor de estilo pago para fazer essa tarefa.
A pobreza da linguagem escrita no Brasil – já nem mais falo da linguagem coloquial, irrecorrivelmente contaminada pelo dialeto televisivo das novelas e programas de auditório – tem progredido a olhos vistos, acompanhando a rápida deterioração da educação no país. Acredito que não haja mais espaço, atualmente, para aqueles programas ao vivo voltados para testar o conhecimento de concorrentes sobre fatos gerais da história ou em destreza na língua escrita, que premiavam verdadeiras enciclopédias ambulantes, dicionários vivos da língua pátria. Tudo isso é passado, eu sei, mas será que não se consegue, ao menos, ter pessoas que consigam escrever ao menos num Português normal, desprovido de erros primários e de barbarismos estilísticos?
Deterioração generalizada [o intertítulo é do Observatório da Imprensa]
Não estou falando de profissionais "normais", mas de aspirantes a um título universitário de pós-graduação, que constitui a minha "clientela" mais freqüente. Tenho encontrado cada vez mais, nessas dissertações para as quais sou convidado para a banca julgadora, um tamanho volume de atentados à linguagem que penso seriamente em desistir de aceitar o convite, por mais que o título ou o tema possam me atrair. Vou pedir para ver o trabalho primeiro, antes de me decidir se aceito ou não participar. Não quero compactuar, nem que seja indiretamente, com as barbaridades lingüísticas e os atentados à boa escrita.
Não se trata de arrogância intelectual ou elitismo lingüístico, mas uma simples questão de coerência. Uma linguagem confusa, quando não incorreta, revela, antes de tudo, confusão nas idéias. Assim sendo, ao menor sinal de impropriedade redacional pode-se estar seguro de que a qualidade intrínseca do trabalho tampouco será superior ao estilo de redação. Como não pretendo deixar nem autor nem orientador constrangidos na hora da avaliação pública do trabalho, vou desistir preventivamente de participar. Acho que é o melhor que eu tenho a fazer nesta fase de deterioração generalizada da educação no Brasil.
Fica, portanto, dado o aviso. Antes de me convidar, favor procederem à revisão do Português (e revisem as idéias também).
[Texto também reproduzido no Blog do Galeno: por um Brasil que lê mais: http://www.blogdogaleno.com.br/texto_ler.php?id=587&secao=25, que foi onde eu acabei reencontrando um ensaio praticamente esquecido.]
1657) O Itamaraty e o decreto do governo Lula sobre '"direitos humanos"
Dois avisos prévios:
1) Este post pode ser lido em conexão com dois outros posts anteriores, 1654 e 1656, que tratam, de maneira mais abrangente daquilo que já foi chamado, por um jornalista conhecido, de "estrovenga", isto é, o Decreto relativo ao terceiro plano nacional de "direitos humanos", de fato uma coisa estranha, bizarra e naturalmente aberta às mais fundadas desconfianças da cidadania, em função do seu caráter celerado e objetivamente deletério do ponto de vista dos verdadeiros direitos humanos e da democracia.
2) Coloquei direitos humanos entre aspas no título pois a relação entre o objeto e a fonte justifica plenamente o seu uso, tantas são as contradições entre um e outro...
Quem desejar conhecer a integridade desse decreto bizarro, pode clicar aqui.
Mas, este post tem por objetivo apenas uma compilação muito simples, sobre:
Relações entre o Itamaraty e o Decreto do Governo Lula sobre "direitos humanos"
O decreto atualiza, se é o caso de se dizer, as diretrizes nacionais relativas aos direitos humanos, tanto em sua parte de definição de conceitos, como em sua parte operacional. Ele tinha sido promulgado pela primeira vez no governo FHC, e portanto correspondia a um desejo sincero de fazer com que a sociedade brasileira se encaminhasse gradativamente em direção ao cumprimento pleno de ações públicas numa das áreas mais lamentáveis do nosso cenário interno.
Apenas ocorre que no governo atual ele foi "remodelado", digamos assim, para cumprir outros objetivos, que são aqueles velhos conhecidos da esquerda autoritária e antidemocrática, tentando legitimar movimentos criminosos -- como esse partido neobolchevique que responde pelo nome de MST -- e criminalizar torturadores do passado -- das FFAA e das forças de segurança -- sem mencionar os crimes cometidos por aqueles que hoje assinam várias partes desse decreto esquizofrênico.
Em todo caso, o objetivo deste post é apenas o de ver, linearmente, o que interessa ao Itamaraty nesse decreto do governo Lula, destacando tão simplesmente as passagens que atribuem alguma responsabilidade ao MRE.
Não pretendo fazer agora uma análise desses trechos, tanto porque eles são aborrecidamente burocráticos.
Creio que a única parte inovadora em relação às versões anteriores do PNDH é esta aqui:
"Aprofundar a agenda Sul-Sul de cooperação bilateral em Direitos Humanos que contemple prioritariamente os países lusófonos do continente africano, o Timor-Leste, Caribe e a América Latina."
A agenda Sul-Sul é, como se sabe, uma das diretrizes da política externa neste governo, mas para não dizer "nunca antes neste país", cabe relembrar que ela já fazia parte, implicitamente, da política anterior, que sempre foi algo terceiro-mundista. Apenas que isso não aparecia de forma tão explícita como agora.
Pergunto-me, mesmo, se os países expressamente contemplados nesse decreto, a saber, os países lusófonos do continente africano e o Timor-Leste, em especial, e o Caribe e a América Latina, de uma forma geral, foram avisados que eles são objeto de uma "discriminação positiva" -- algo equivalente a uma "ação afirmativa", aí sim, "nunca antes neste país" -- na política externa de DH do governo Lula, e se eles se sentem confortáveis com essa menção expressa num decreto que, afinal de contas, diz respeito apenas e tão somente ao governo brasileiro.
Pode ser que isso seja um exemplo da política de "não indiferença", agora proclamada pelo governo brasileiro, mas se isso é feito de forma unilateral, poderia, talvez, ser considerado uma forma de ingerência nos assuntos internos de outros países (posto que eles sempre podem argumentar, como faz o governo brasileiro em situações similares, que o assunto diz respeito exclusivamente à sua jurisdição nacional).
Sem mais delongas, vejamos o que o decreto tem a dizer sobre o MRE...
Paulo Roberto de Almeida (9.-1.2010)
DECRETO Nº 7.037, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2009 – DOU DE 21/12/2009
Aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3 e dá outras providências.
Objetivo estratégico I:
Promoção dos Direitos Humanos como princípios orientadores das políticas públicas e das relações internacionais.
Ações programáticas:
a) (…)
b) Propor e articular o reconhecimento do status constitucional de instrumentos internacionais de Direitos Humanos novos ou já existentes ainda não ratificados.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça; Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
c) Construir e aprofundar agenda de cooperação multilateral em Direitos Humanos que contemple prioritariamente o Haiti, os países lusófonos do continente africano e o Timor-Leste.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
d) Aprofundar a agenda Sul-Sul de cooperação bilateral em Direitos Humanos que contemple prioritariamente os países lusófonos do continente africano, o Timor-Leste, Caribe e a América Latina.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
Objetivo estratégico II:
Fortalecimento dos instrumentos de interação democrática para a promoção dos Direitos Humanos.
Ações programáticas:
a) (…)
b) Estimular e reconhecer pessoas e entidades com destaque na luta pelos Direitos Humanos na sociedade brasileira e internacional, com a concessão de premiação, bolsas e outros incentivos, na forma da legislação aplicável.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
Objetivo estratégico II:
Monitoramento dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro em matéria de Direitos Humanos.
Ações programáticas:
a) Elaborar relatório anual sobre a situação dos Direitos Humanos no Brasil, em diálogo participativo com a sociedade civil.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
b) Elaborar relatórios periódicos para os órgãos de tratados da ONU, no prazo por eles estabelecidos, com base em fluxo de informações com órgãos do governo federal e com unidades da Federação.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
c) Elaborar relatório de acompanhamento das relações entre o Brasil e o sistema ONU que contenha, entre outras, as seguintes informações:
· Recomendações advindas de relatores especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU;
· Recomendações advindas dos comitês de tratados do Mecanismo de Revisão Periódica;
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
d) Definir e institucionalizar fluxo de informações, com responsáveis em cada órgão do governo federal e unidades da Federação, referentes aos relatórios internacionais de Direitos Humanos e às recomendações dos relatores especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU e dos comitês de tratados.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
e) Definir e institucionalizar fluxo de informações, com responsáveis em cada órgão do governo federal, referentes aos relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
f) Criar banco de dados público sobre todas as recomendações dos sistemas ONU e OEA feitas ao Brasil, contendo as medidas adotadas pelos diversos órgãos públicos para seu cumprimento.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
Objetivo estratégico I:
Proteger e garantir os direitos de crianças e adolescentes por meio da consolidação das diretrizes nacionais do ECA, da Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU.
Ações programáticas:
a) (…)
b) (…)
c) Elaborar e implantar sistema de coordenação da política dos direitos da criança e do adolescente em todos os níveis de governo, para atender às recomendações do Comitê sobre Direitos da Criança, dos relatores especiais e do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
Objetivo estratégico III:
Proteger e defender os direitos de crianças e adolescentes com maior vulnerabilidade.
Ações programáticas:
(...)
j) Fomentar a adoção legal, por meio de campanhas educativas, em consonância com o ECA e com acordos internacionais.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
Objetivo estratégico III:
Consolidação de política nacional visando à erradicação da tortura e de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Ações programáticas:
a) Elaborar projeto de lei visando a instituir o Mecanismo Preventivo Nacional, sistema de inspeção aos locais de detenção para o monitoramento regular e periódico dos centros de privação de liberdade, nos termos do protocolo facultativo à convenção da ONU contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Responsáveis: Ministério da Justiça; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores;
Nada mais tendo a declarar, considero encerrado este post...
1) Este post pode ser lido em conexão com dois outros posts anteriores, 1654 e 1656, que tratam, de maneira mais abrangente daquilo que já foi chamado, por um jornalista conhecido, de "estrovenga", isto é, o Decreto relativo ao terceiro plano nacional de "direitos humanos", de fato uma coisa estranha, bizarra e naturalmente aberta às mais fundadas desconfianças da cidadania, em função do seu caráter celerado e objetivamente deletério do ponto de vista dos verdadeiros direitos humanos e da democracia.
2) Coloquei direitos humanos entre aspas no título pois a relação entre o objeto e a fonte justifica plenamente o seu uso, tantas são as contradições entre um e outro...
Quem desejar conhecer a integridade desse decreto bizarro, pode clicar aqui.
Mas, este post tem por objetivo apenas uma compilação muito simples, sobre:
Relações entre o Itamaraty e o Decreto do Governo Lula sobre "direitos humanos"
O decreto atualiza, se é o caso de se dizer, as diretrizes nacionais relativas aos direitos humanos, tanto em sua parte de definição de conceitos, como em sua parte operacional. Ele tinha sido promulgado pela primeira vez no governo FHC, e portanto correspondia a um desejo sincero de fazer com que a sociedade brasileira se encaminhasse gradativamente em direção ao cumprimento pleno de ações públicas numa das áreas mais lamentáveis do nosso cenário interno.
Apenas ocorre que no governo atual ele foi "remodelado", digamos assim, para cumprir outros objetivos, que são aqueles velhos conhecidos da esquerda autoritária e antidemocrática, tentando legitimar movimentos criminosos -- como esse partido neobolchevique que responde pelo nome de MST -- e criminalizar torturadores do passado -- das FFAA e das forças de segurança -- sem mencionar os crimes cometidos por aqueles que hoje assinam várias partes desse decreto esquizofrênico.
Em todo caso, o objetivo deste post é apenas o de ver, linearmente, o que interessa ao Itamaraty nesse decreto do governo Lula, destacando tão simplesmente as passagens que atribuem alguma responsabilidade ao MRE.
Não pretendo fazer agora uma análise desses trechos, tanto porque eles são aborrecidamente burocráticos.
Creio que a única parte inovadora em relação às versões anteriores do PNDH é esta aqui:
"Aprofundar a agenda Sul-Sul de cooperação bilateral em Direitos Humanos que contemple prioritariamente os países lusófonos do continente africano, o Timor-Leste, Caribe e a América Latina."
A agenda Sul-Sul é, como se sabe, uma das diretrizes da política externa neste governo, mas para não dizer "nunca antes neste país", cabe relembrar que ela já fazia parte, implicitamente, da política anterior, que sempre foi algo terceiro-mundista. Apenas que isso não aparecia de forma tão explícita como agora.
Pergunto-me, mesmo, se os países expressamente contemplados nesse decreto, a saber, os países lusófonos do continente africano e o Timor-Leste, em especial, e o Caribe e a América Latina, de uma forma geral, foram avisados que eles são objeto de uma "discriminação positiva" -- algo equivalente a uma "ação afirmativa", aí sim, "nunca antes neste país" -- na política externa de DH do governo Lula, e se eles se sentem confortáveis com essa menção expressa num decreto que, afinal de contas, diz respeito apenas e tão somente ao governo brasileiro.
Pode ser que isso seja um exemplo da política de "não indiferença", agora proclamada pelo governo brasileiro, mas se isso é feito de forma unilateral, poderia, talvez, ser considerado uma forma de ingerência nos assuntos internos de outros países (posto que eles sempre podem argumentar, como faz o governo brasileiro em situações similares, que o assunto diz respeito exclusivamente à sua jurisdição nacional).
Sem mais delongas, vejamos o que o decreto tem a dizer sobre o MRE...
Paulo Roberto de Almeida (9.-1.2010)
DECRETO Nº 7.037, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2009 – DOU DE 21/12/2009
Aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3 e dá outras providências.
Objetivo estratégico I:
Promoção dos Direitos Humanos como princípios orientadores das políticas públicas e das relações internacionais.
Ações programáticas:
a) (…)
b) Propor e articular o reconhecimento do status constitucional de instrumentos internacionais de Direitos Humanos novos ou já existentes ainda não ratificados.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça; Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
c) Construir e aprofundar agenda de cooperação multilateral em Direitos Humanos que contemple prioritariamente o Haiti, os países lusófonos do continente africano e o Timor-Leste.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
d) Aprofundar a agenda Sul-Sul de cooperação bilateral em Direitos Humanos que contemple prioritariamente os países lusófonos do continente africano, o Timor-Leste, Caribe e a América Latina.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
Objetivo estratégico II:
Fortalecimento dos instrumentos de interação democrática para a promoção dos Direitos Humanos.
Ações programáticas:
a) (…)
b) Estimular e reconhecer pessoas e entidades com destaque na luta pelos Direitos Humanos na sociedade brasileira e internacional, com a concessão de premiação, bolsas e outros incentivos, na forma da legislação aplicável.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
Objetivo estratégico II:
Monitoramento dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro em matéria de Direitos Humanos.
Ações programáticas:
a) Elaborar relatório anual sobre a situação dos Direitos Humanos no Brasil, em diálogo participativo com a sociedade civil.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
b) Elaborar relatórios periódicos para os órgãos de tratados da ONU, no prazo por eles estabelecidos, com base em fluxo de informações com órgãos do governo federal e com unidades da Federação.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
c) Elaborar relatório de acompanhamento das relações entre o Brasil e o sistema ONU que contenha, entre outras, as seguintes informações:
· Recomendações advindas de relatores especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU;
· Recomendações advindas dos comitês de tratados do Mecanismo de Revisão Periódica;
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
d) Definir e institucionalizar fluxo de informações, com responsáveis em cada órgão do governo federal e unidades da Federação, referentes aos relatórios internacionais de Direitos Humanos e às recomendações dos relatores especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU e dos comitês de tratados.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
e) Definir e institucionalizar fluxo de informações, com responsáveis em cada órgão do governo federal, referentes aos relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
f) Criar banco de dados público sobre todas as recomendações dos sistemas ONU e OEA feitas ao Brasil, contendo as medidas adotadas pelos diversos órgãos públicos para seu cumprimento.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
Objetivo estratégico I:
Proteger e garantir os direitos de crianças e adolescentes por meio da consolidação das diretrizes nacionais do ECA, da Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU.
Ações programáticas:
a) (…)
b) (…)
c) Elaborar e implantar sistema de coordenação da política dos direitos da criança e do adolescente em todos os níveis de governo, para atender às recomendações do Comitê sobre Direitos da Criança, dos relatores especiais e do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
Objetivo estratégico III:
Proteger e defender os direitos de crianças e adolescentes com maior vulnerabilidade.
Ações programáticas:
(...)
j) Fomentar a adoção legal, por meio de campanhas educativas, em consonância com o ECA e com acordos internacionais.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
Objetivo estratégico III:
Consolidação de política nacional visando à erradicação da tortura e de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Ações programáticas:
a) Elaborar projeto de lei visando a instituir o Mecanismo Preventivo Nacional, sistema de inspeção aos locais de detenção para o monitoramento regular e periódico dos centros de privação de liberdade, nos termos do protocolo facultativo à convenção da ONU contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Responsáveis: Ministério da Justiça; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores;
Nada mais tendo a declarar, considero encerrado este post...
1656) Brasil: a caminho da ditadura? (2)
O assunto é muito importante para merecer apenas uma postagem. Como não li o decreto, ainda, tenho de me basear em matérias de jornalistas, mas sei avaliar o conteúdo de cada uma, e fazer meu próprio julgamento.
NÃO SE MATA A DEMOCRACIA EM UM DIA: O PT SABE QUE SE TRATA DE UM PROCESSO LENTO
Reinaldo Azevedo, 08/01/10 05:42
Nenhum país dorme democracia e acorda ditadura; em nenhum lugar do mundo, o sol se põe na plena vigência do estado democrático e de direito e se levanta para iluminar um regime autoritário. A construção da miséria institucional e legal é sempre lenta e demanda um esforço continuado e dedicado tanto dos candidatos a ditador como dos culpados úteis que lhes prestam serviços - são “culpados úteis”, sim; não há inocentes entre protagonistas e omissos.
Aquele que viola a democracia é culpado de violá-la; e aquele que se cala, cúmplice, é culpado dessa cumplicidade silenciosa. Por que isso?
Mesmo trabalhando num ritmo menos acelerado do que de hábito - o blog volta à sua rotina na segunda próxima -, encontrei um tempinho para ler aquela estrovenga que ficou conhecida como “o decreto dos direitos humanos”. Fiz, com o pé na areia, o que, lamento dizer, boa parte da imprensa não fez com os calcanhares nas redações. Já disse aqui dia desses e repito: os jornais podem acusar a Internet o quanto quiserem por sua marcha rumo à irrelevância. Mas nada será tão definidor de seu destino quanto a escolha pela… irrelevância!
Esqueceram de ler o decreto. E, porque o texto foi ignorado, alguns tontos saíram a defendê-lo em suas colunas. Fixaram-se apenas na criação da “Comissão da Verdade”. E a mistura de ignorância histórica com a herança da esquerda botocuda resulta num dos pecados bem conhecidos da estupidez: a preguiça. No caso, preguiça de pensar. Imersos numa enorme confusão filosófica e jurídica, ignoram que mesmo os melhores princípios obedecem a códigos estabelecidos - estabelecidos, é bom lembrar, num regime plenamente democrático. Moral e intelectualmente, comportam-se como crianças tolas e assustadas, que fazem pipi nas calças diante do temor de que a crítica ao tal decreto venha a ser confundida com “defesa da tortura”. O fenômeno, admito, não é só brasileiro. Vive-se a era da patrulha das minorias organizadas, que tolhem o pensamento com a força de um tribunal inquisitorial. Richard Lindzen, por exemplo, professor de meteorologia do Massachusetts Institute of Technology (nada menos do que o lendário MIT), faz picadinho de algumas teses do aquecimento global e explica o silêncio de colegas que comungam de suas teses: medo - e, claro!, risco de perder verbas para pesquisa. Há um post sobre ele aqui.
Boa parte das pessoas - no jornalismo, então, nem se diga! - prefere perder a vergonha a perder o conforto da companhia, a sensação de pertencer a um grupo ou a uma corporação. Por isso há tanta mesmice no jornalismo. Adiante.
Os bestalhões saíram a defender um decreto que tinha na criação da tal comissão o seu aspecto menos deletério, embora igualmente absurdo. Ocorre que, entre outras barbaridades, o mesmo texto que contempla aquela aberração também extingue, na prática, o direito de propriedade e institui a censura sob o pretexto de defender os direitos humanos. Vale dizer: alguns “patrões da mídia” (como gostam de dizer a esquerda e muitos vigaristas que participaram da Confecom) estão pagando o salário de solertes companheiros que lhes põem uma corda no pescoço - e no pescoço do regime democrático. Em muitos casos, com efeito, trata-se de covardia; em outros, de ação partidária, deliberada: estão cumprindo uma tarefa.
Alguns “juristas petralhas” (como se não houvesse nisso um clamoroso oximoro…) resolveram lembrar que a decisão será do Congresso etc e tal. Não tentem me ensinar o que eu mesmo escrevi no primeiro texto de ontem: “Muito dirão que quase tudo o que há naquela estrovenga depende de projeto de lei e que será o Congresso a dar a palavra final. E daí? O texto não se torna constitucional por isso. Ademais, dados os métodos de cooptação dessa gente, isso não significa uma garantia, mas um risco adicional.”
Petralhas e até alguns inocentes acusaram: “Você está exagerando na interpretação do decreto”. Não estou. O governo é que exagera na empulhação. E volto, então, ao início dessa conversa. Não se mata a democracia do dia para a noite. Seu último suspiro é apenas o ponto extremo de uma longa trajetória. Se é um regime de liberdade o que queremos, pautado pelos códigos legais que nos fazem também um estado de direito, então o decreto de Lula há de ser alvo do nosso repúdio. E ele tem de ser expresso agora, não depois, antes que se multiplique em projetos de lei num Congresso que já não morre de amores pela imprensa.
A Confederação Nacional de Agricultura, felizmente, reagiu ontem com firmeza. Numa entrevista, a presidente da entidade, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), não poderia ter sido mais exata: “Quando o governo apresenta um documento de intenções dificultando e obstruindo a urgência em reintegrar posse e concessão de liminares, de certa forma, está apoiando os movimentos criminosos que invadem terras, e isso nós não podemos permitir” (no Jornal Nacional, aqui).
Ditosos produtores rurais que têm uma entidade atenta a seus direitos - notando que o decreto ameaça quaisquer propriedades, também as urbanas. Já a imprensa pisa nas próprias liberdades distraída.
É que os esbirros do petismo que defendem a criação da ”Comissão da Verdade” estão tão imbuídos do espírito humanista que não se importam nem mesmo em recorrer à mentira para fazer o que entendem ser “justiça”.
*
Leiam ainda:
- DECRETO GOLPISTA DE LULA USA DIREITOS HUMANOS PARA TENTAR CENSURAR A IMPRENSA E QUER MOVIMENTOS SOCIAIS SUBSTITUINDO O CONGRESSO
- O SUPOSTO DECRETO DOS DIREITOS HUMANOS PREGA UM GOLPE NA JUSTIÇA E EXTINGUE A PROPRIEDADE PRIVADA NO CAMPO E NAS CIDADES. ESTÁ NO TEXTO. BASTA LER!!!
NÃO SE MATA A DEMOCRACIA EM UM DIA: O PT SABE QUE SE TRATA DE UM PROCESSO LENTO
Reinaldo Azevedo, 08/01/10 05:42
Nenhum país dorme democracia e acorda ditadura; em nenhum lugar do mundo, o sol se põe na plena vigência do estado democrático e de direito e se levanta para iluminar um regime autoritário. A construção da miséria institucional e legal é sempre lenta e demanda um esforço continuado e dedicado tanto dos candidatos a ditador como dos culpados úteis que lhes prestam serviços - são “culpados úteis”, sim; não há inocentes entre protagonistas e omissos.
Aquele que viola a democracia é culpado de violá-la; e aquele que se cala, cúmplice, é culpado dessa cumplicidade silenciosa. Por que isso?
Mesmo trabalhando num ritmo menos acelerado do que de hábito - o blog volta à sua rotina na segunda próxima -, encontrei um tempinho para ler aquela estrovenga que ficou conhecida como “o decreto dos direitos humanos”. Fiz, com o pé na areia, o que, lamento dizer, boa parte da imprensa não fez com os calcanhares nas redações. Já disse aqui dia desses e repito: os jornais podem acusar a Internet o quanto quiserem por sua marcha rumo à irrelevância. Mas nada será tão definidor de seu destino quanto a escolha pela… irrelevância!
Esqueceram de ler o decreto. E, porque o texto foi ignorado, alguns tontos saíram a defendê-lo em suas colunas. Fixaram-se apenas na criação da “Comissão da Verdade”. E a mistura de ignorância histórica com a herança da esquerda botocuda resulta num dos pecados bem conhecidos da estupidez: a preguiça. No caso, preguiça de pensar. Imersos numa enorme confusão filosófica e jurídica, ignoram que mesmo os melhores princípios obedecem a códigos estabelecidos - estabelecidos, é bom lembrar, num regime plenamente democrático. Moral e intelectualmente, comportam-se como crianças tolas e assustadas, que fazem pipi nas calças diante do temor de que a crítica ao tal decreto venha a ser confundida com “defesa da tortura”. O fenômeno, admito, não é só brasileiro. Vive-se a era da patrulha das minorias organizadas, que tolhem o pensamento com a força de um tribunal inquisitorial. Richard Lindzen, por exemplo, professor de meteorologia do Massachusetts Institute of Technology (nada menos do que o lendário MIT), faz picadinho de algumas teses do aquecimento global e explica o silêncio de colegas que comungam de suas teses: medo - e, claro!, risco de perder verbas para pesquisa. Há um post sobre ele aqui.
Boa parte das pessoas - no jornalismo, então, nem se diga! - prefere perder a vergonha a perder o conforto da companhia, a sensação de pertencer a um grupo ou a uma corporação. Por isso há tanta mesmice no jornalismo. Adiante.
Os bestalhões saíram a defender um decreto que tinha na criação da tal comissão o seu aspecto menos deletério, embora igualmente absurdo. Ocorre que, entre outras barbaridades, o mesmo texto que contempla aquela aberração também extingue, na prática, o direito de propriedade e institui a censura sob o pretexto de defender os direitos humanos. Vale dizer: alguns “patrões da mídia” (como gostam de dizer a esquerda e muitos vigaristas que participaram da Confecom) estão pagando o salário de solertes companheiros que lhes põem uma corda no pescoço - e no pescoço do regime democrático. Em muitos casos, com efeito, trata-se de covardia; em outros, de ação partidária, deliberada: estão cumprindo uma tarefa.
Alguns “juristas petralhas” (como se não houvesse nisso um clamoroso oximoro…) resolveram lembrar que a decisão será do Congresso etc e tal. Não tentem me ensinar o que eu mesmo escrevi no primeiro texto de ontem: “Muito dirão que quase tudo o que há naquela estrovenga depende de projeto de lei e que será o Congresso a dar a palavra final. E daí? O texto não se torna constitucional por isso. Ademais, dados os métodos de cooptação dessa gente, isso não significa uma garantia, mas um risco adicional.”
Petralhas e até alguns inocentes acusaram: “Você está exagerando na interpretação do decreto”. Não estou. O governo é que exagera na empulhação. E volto, então, ao início dessa conversa. Não se mata a democracia do dia para a noite. Seu último suspiro é apenas o ponto extremo de uma longa trajetória. Se é um regime de liberdade o que queremos, pautado pelos códigos legais que nos fazem também um estado de direito, então o decreto de Lula há de ser alvo do nosso repúdio. E ele tem de ser expresso agora, não depois, antes que se multiplique em projetos de lei num Congresso que já não morre de amores pela imprensa.
A Confederação Nacional de Agricultura, felizmente, reagiu ontem com firmeza. Numa entrevista, a presidente da entidade, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), não poderia ter sido mais exata: “Quando o governo apresenta um documento de intenções dificultando e obstruindo a urgência em reintegrar posse e concessão de liminares, de certa forma, está apoiando os movimentos criminosos que invadem terras, e isso nós não podemos permitir” (no Jornal Nacional, aqui).
Ditosos produtores rurais que têm uma entidade atenta a seus direitos - notando que o decreto ameaça quaisquer propriedades, também as urbanas. Já a imprensa pisa nas próprias liberdades distraída.
É que os esbirros do petismo que defendem a criação da ”Comissão da Verdade” estão tão imbuídos do espírito humanista que não se importam nem mesmo em recorrer à mentira para fazer o que entendem ser “justiça”.
*
Leiam ainda:
- DECRETO GOLPISTA DE LULA USA DIREITOS HUMANOS PARA TENTAR CENSURAR A IMPRENSA E QUER MOVIMENTOS SOCIAIS SUBSTITUINDO O CONGRESSO
- O SUPOSTO DECRETO DOS DIREITOS HUMANOS PREGA UM GOLPE NA JUSTIÇA E EXTINGUE A PROPRIEDADE PRIVADA NO CAMPO E NAS CIDADES. ESTÁ NO TEXTO. BASTA LER!!!
1655) Rodada Doha: suficiente para combater a crise?
Celso Amorim: É preciso concluir a rodada de Doha para combater crise mundial
Boletim da Liderança do PT na Câmera dos Deputados, 8.01/2010
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, fez um chamado para conquistar um acordo que permita fechar a rodada de Doha para a liberalização do comércio mundial, porque, em sua opinião, isso contribuiria para combater a crise.
"É preciso concluir a Rodada de Doha", assinalou Amorim, após lembrar que as negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) estiveram próximas do acordo e que este é um dos pontos que não se resolveram com sucesso na mobilização internacional frente à crise econômica.
O ministro brasileiro, que participou em Paris de uma reunião intitulada "Novo mundo, novo capitalismo", concordou com a afirmação do presidente francês Nicolas Sarkozy, que afirmou que a reunião de Copenhague "não foi um fracasso total" na medida em que "há uma orientação em que todos os envolvidos devem seguir".
No discurso, Sarkozy também pediu uma decisão sobre a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) e insistiu que não é possível continuar com a situação atual em que a América Latina e a África não têm representação nessa instância de forma permanente.
Amorim destacou que o G20 — que reúne os países ricos e os principais "emergentes" — foi o instrumento de ação internacional diante da crise e, por enquanto, "é uma instância necessária de mediação". Mas especificou que não pode ser a nova estrutura de gestão na escala mundial porque não é representativa, como não o era no passado o G-8.
Com relação a isso, Amorim reivindicou uma reforma "das instituições formais", e se mostrou satisfeito com o início do trabalho para mudar a organização do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O chefe da diplomacia brasileira disse que "a crise mostrou a emergência dos países em desenvolvimento" e pôs em evidência que o Brasil deve estar presente na gestão dos assuntos mundiais.
Amorim explicou que o Brasil resistiu melhor à crise que as grandes potências ocidentais e atribuiu isso, entre outras coisas, às políticas sociais, que contribuíram para alimentar a demanda interna, e ao comércio exterior brasileiro "bastante equilibrado". Amorim considerou, por último, que a crise fez emergir "o ceticismo frente à capacidade do mercado para oferecer soluções a tudo".
Boletim da Liderança do PT na Câmera dos Deputados, 8.01/2010
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, fez um chamado para conquistar um acordo que permita fechar a rodada de Doha para a liberalização do comércio mundial, porque, em sua opinião, isso contribuiria para combater a crise.
"É preciso concluir a Rodada de Doha", assinalou Amorim, após lembrar que as negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) estiveram próximas do acordo e que este é um dos pontos que não se resolveram com sucesso na mobilização internacional frente à crise econômica.
O ministro brasileiro, que participou em Paris de uma reunião intitulada "Novo mundo, novo capitalismo", concordou com a afirmação do presidente francês Nicolas Sarkozy, que afirmou que a reunião de Copenhague "não foi um fracasso total" na medida em que "há uma orientação em que todos os envolvidos devem seguir".
No discurso, Sarkozy também pediu uma decisão sobre a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) e insistiu que não é possível continuar com a situação atual em que a América Latina e a África não têm representação nessa instância de forma permanente.
Amorim destacou que o G20 — que reúne os países ricos e os principais "emergentes" — foi o instrumento de ação internacional diante da crise e, por enquanto, "é uma instância necessária de mediação". Mas especificou que não pode ser a nova estrutura de gestão na escala mundial porque não é representativa, como não o era no passado o G-8.
Com relação a isso, Amorim reivindicou uma reforma "das instituições formais", e se mostrou satisfeito com o início do trabalho para mudar a organização do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O chefe da diplomacia brasileira disse que "a crise mostrou a emergência dos países em desenvolvimento" e pôs em evidência que o Brasil deve estar presente na gestão dos assuntos mundiais.
Amorim explicou que o Brasil resistiu melhor à crise que as grandes potências ocidentais e atribuiu isso, entre outras coisas, às políticas sociais, que contribuíram para alimentar a demanda interna, e ao comércio exterior brasileiro "bastante equilibrado". Amorim considerou, por último, que a crise fez emergir "o ceticismo frente à capacidade do mercado para oferecer soluções a tudo".
1654) Brasil: a caminho da ditadura? (1)
A pergunta foi feita pelo jornalista gaúcho Políbio Braga, de cuja coluna diária retiro o que vai abaixo:
Decreto de Lula (Vanucchi-Tarso) instaura a ditadura imediada no Brasil
Políbio Braga, 08.01.2010
Este é o decreto (leia a íntegra a seguir) assinado por Lula em Copenhague e que fez com que os chefes militares e o ministro Nelson Jobim se demitissem, sendo impedidos pelo próprio Lula, sob a promessa de que revisaria tudo. Lula alegou não ter lido direito o que assinou. Sobre este caso, impõem-se duas questões não respondidas:
1) por que levar a Copenhague o decreto, se no Brasil o presidente era José Alencar.
2) O que fará Lula com Paulo Vanucchi e Tarso Genro, que enganaram o presidente, segundo ele mesmo, já que não o informaram corretamente ?
O decreto tem conteúdo claramente autoritário, viés ditatorial, e é totalmente inconstitucional e ilegal. Trata-se de uma peça de arbítrio puro. Usando terminologia cândida, obliquamente escudada na defesa dos direitos humanos, o decreto propicia a instauração de uma ditadura comunista no Brasil.
É só ler o que está escrito. Não há outra constatação possível.
A seguir, vai artigo do jornal "O Globo" de hoje, assinado por José Casado, que faz exatamente esta denúncia.
Eis um pequeno rol de diktakts que o decreto manda o governo fazer:
1) Adotar iniciativas legislativas diretas como plebiscito, referendos, veto popular.
2) Regulamentar a taxação de grandes fortunas.
3) Mudar regras de cumprimento de mandados de reintegração de posse em invasões agrárias.
4) Estimular debate sobre revisão da Lei de Anistia.
5) Mudar regra constitucional sobre outorga e renovação de concessão de rádio e TV.
CLIQUE AQUI para ler a íntegra do decreto assinado por Lula.
CLIQUE AQUI para ler o artigo de José Casado.
Transcrito aqui abaixo:
DECRETO TRATA DESDE REFORMA AGRÁRIA ATÉ TAXAÇÃO DE FORTUNAS
José Casado
O Globo, Sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
O último ano de mandato do presidente Lula começa com um novo rol de promessas de iniciativas governamentais, sob o guarda-chuva de um "Programa Nacional de Direitos Humanos". Resumidas em 23 mil palavras, elas ocupam 73 páginas de um decreto assinado no final de dezembro.
Pelo calendário constitucional, restam 11 meses de mandato ao presidente. Mas para cumprir apenas o que está previsto nesse decreto seria preciso, no mínimo, um novo mandato. E um novo governo, com novos aliados dispostos a confrontar boa parte das forças políticas que sustentaram o governo Lula nos últimos 84 meses.
Sob o pretexto da criação de um programa governamental dos direitos humanos, Lula alinhou uma miríade de promessas para este ano eleitoral: da regulação de hortas comunitárias à revisão na Lei de Anistia; da taxação de grandes fortunas às mudanças nas regras dos planos de saúde; da legalização do casamento homossexual à fiscalização de pesquisas de biotecnologia e nanotecnologia.
Governo sugere 27 novas leis
O decreto estabelece para os próximos 11 meses a elaboração de pelo menos 27 novas leis. E cria mais de dez mil novas instâncias burocráticas no setor público (entre ouvidorias, observatórios, órgãos "especializados e regionalizados do sistema de justiça, de segurança e de defensoria pública", "centros de formação", bancos de dados, comitês e conselhos federais, estaduais e municipais). Em paralelo, programa para este ano eleitoral duas dezenas de campanhas publicitárias nacionais (entre elas, uma sobre "informação às crianças e adolescentes sobre seus direitos" e outra sobre "direito ao voto e participação política de homens e mulheres").
O plano foi coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, com aval da Casa Civil, e recebeu contribuições de 17 ministérios. Na essência, tem propostas semelhantes às "diretrizes" sancionadas pelo Partido dos Trabalhadores para o programa de governo do então candidato Lula, no início da campanha eleitoral de 2002. Seis meses depois, o candidato revogou-as com uma informal "Carta aos Brasileiros", na qual se comprometia, principalmente, a manter o status quo na economia.
Agora, pela primeira vez em três décadas, Lula não será candidato. Na reta final do seu mandato, o presidente assinou um decreto determinando o engajamento do governo em iniciativas para dar à Presidência da República meios de exercer o poder à margem do Congresso, via "plebiscitos, referendos, leis de iniciativa popular e de veto popular".
Taxação de fortunas volta a ser proposta
O decreto tem um pouco de tudo e até mesmo propostas de senso comum, como a edição de legislação reprimindo castigos físicos em crianças. Como plano governamental tem, também, todos os ingredientes necessários para apimentar a campanha presidencial.
Quem adotá-lo poderá subir no palanque eleitoral dizendo-se a favor da taxação das grandes fortunas; da revisão da Lei da Anistia; da flexibilização das regras para reintegração de posse de propriedades invadidas; de mudanças no regime de concessão e outorga de licenças para rádios e televisões; da fiscalização de "projetos implementados pelas empresas transnacionais", e, até da "fiscalização" dosimpactos da biotecnologia e da nanotecnologia na vida cotidiana.
Caso seja adotado por um candidato governista, este poderia ter alguma dificuldade em explicar porque nos últimos 84 meses nada disso foi posto em prática. Mas algumas das propostas de ação contidas nesse decreto presidencial podem até acabar emulando uma boa agenda de debate eleitoral. É o caso da revisão das regras para planos de saúde, da descriminalização do aborto e do direito ao casamento gay, entre outros.
A abrangência do programa de direitos humanos sancionado pelo presidente contrasta com o modesto desempenho dos projetos da área executados pela Secretaria de Direitos Humanos. Em 2009, por exemplo, a secretaria mostrou-se mais ativa em propaganda do que em ações de proteção aos idosos. De acordo com dados do sistema de contas governamentais, gastou R$8,9 milhões em publicidade, ou seja, dez vezes mais do que no Programa Nacional de Acessibilidade, voltado aos idosos e pessoas com deficiência física.
As 73 páginas do decreto, disponível na página da Presidência da República na internet, requerem de qualquer leitor um pouco mais do que o exercício da paciência: o texto árido corre entre autoelogios e construções extremamente tortuosas, como "a valorização da pessoa humana como sujeito central do processo de desenvolvimento, enfrentando o atual quadro de injustiça ambiental". Mas sempre "orientado pela transversalidade" - escreveram os autores-, com foco na "intersetorialidade, ação comunitária, intergeracionalidade e diversidade".
Decreto de Lula (Vanucchi-Tarso) instaura a ditadura imediada no Brasil
Políbio Braga, 08.01.2010
Este é o decreto (leia a íntegra a seguir) assinado por Lula em Copenhague e que fez com que os chefes militares e o ministro Nelson Jobim se demitissem, sendo impedidos pelo próprio Lula, sob a promessa de que revisaria tudo. Lula alegou não ter lido direito o que assinou. Sobre este caso, impõem-se duas questões não respondidas:
1) por que levar a Copenhague o decreto, se no Brasil o presidente era José Alencar.
2) O que fará Lula com Paulo Vanucchi e Tarso Genro, que enganaram o presidente, segundo ele mesmo, já que não o informaram corretamente ?
O decreto tem conteúdo claramente autoritário, viés ditatorial, e é totalmente inconstitucional e ilegal. Trata-se de uma peça de arbítrio puro. Usando terminologia cândida, obliquamente escudada na defesa dos direitos humanos, o decreto propicia a instauração de uma ditadura comunista no Brasil.
É só ler o que está escrito. Não há outra constatação possível.
A seguir, vai artigo do jornal "O Globo" de hoje, assinado por José Casado, que faz exatamente esta denúncia.
Eis um pequeno rol de diktakts que o decreto manda o governo fazer:
1) Adotar iniciativas legislativas diretas como plebiscito, referendos, veto popular.
2) Regulamentar a taxação de grandes fortunas.
3) Mudar regras de cumprimento de mandados de reintegração de posse em invasões agrárias.
4) Estimular debate sobre revisão da Lei de Anistia.
5) Mudar regra constitucional sobre outorga e renovação de concessão de rádio e TV.
CLIQUE AQUI para ler a íntegra do decreto assinado por Lula.
CLIQUE AQUI para ler o artigo de José Casado.
Transcrito aqui abaixo:
DECRETO TRATA DESDE REFORMA AGRÁRIA ATÉ TAXAÇÃO DE FORTUNAS
José Casado
O Globo, Sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
O último ano de mandato do presidente Lula começa com um novo rol de promessas de iniciativas governamentais, sob o guarda-chuva de um "Programa Nacional de Direitos Humanos". Resumidas em 23 mil palavras, elas ocupam 73 páginas de um decreto assinado no final de dezembro.
Pelo calendário constitucional, restam 11 meses de mandato ao presidente. Mas para cumprir apenas o que está previsto nesse decreto seria preciso, no mínimo, um novo mandato. E um novo governo, com novos aliados dispostos a confrontar boa parte das forças políticas que sustentaram o governo Lula nos últimos 84 meses.
Sob o pretexto da criação de um programa governamental dos direitos humanos, Lula alinhou uma miríade de promessas para este ano eleitoral: da regulação de hortas comunitárias à revisão na Lei de Anistia; da taxação de grandes fortunas às mudanças nas regras dos planos de saúde; da legalização do casamento homossexual à fiscalização de pesquisas de biotecnologia e nanotecnologia.
Governo sugere 27 novas leis
O decreto estabelece para os próximos 11 meses a elaboração de pelo menos 27 novas leis. E cria mais de dez mil novas instâncias burocráticas no setor público (entre ouvidorias, observatórios, órgãos "especializados e regionalizados do sistema de justiça, de segurança e de defensoria pública", "centros de formação", bancos de dados, comitês e conselhos federais, estaduais e municipais). Em paralelo, programa para este ano eleitoral duas dezenas de campanhas publicitárias nacionais (entre elas, uma sobre "informação às crianças e adolescentes sobre seus direitos" e outra sobre "direito ao voto e participação política de homens e mulheres").
O plano foi coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, com aval da Casa Civil, e recebeu contribuições de 17 ministérios. Na essência, tem propostas semelhantes às "diretrizes" sancionadas pelo Partido dos Trabalhadores para o programa de governo do então candidato Lula, no início da campanha eleitoral de 2002. Seis meses depois, o candidato revogou-as com uma informal "Carta aos Brasileiros", na qual se comprometia, principalmente, a manter o status quo na economia.
Agora, pela primeira vez em três décadas, Lula não será candidato. Na reta final do seu mandato, o presidente assinou um decreto determinando o engajamento do governo em iniciativas para dar à Presidência da República meios de exercer o poder à margem do Congresso, via "plebiscitos, referendos, leis de iniciativa popular e de veto popular".
Taxação de fortunas volta a ser proposta
O decreto tem um pouco de tudo e até mesmo propostas de senso comum, como a edição de legislação reprimindo castigos físicos em crianças. Como plano governamental tem, também, todos os ingredientes necessários para apimentar a campanha presidencial.
Quem adotá-lo poderá subir no palanque eleitoral dizendo-se a favor da taxação das grandes fortunas; da revisão da Lei da Anistia; da flexibilização das regras para reintegração de posse de propriedades invadidas; de mudanças no regime de concessão e outorga de licenças para rádios e televisões; da fiscalização de "projetos implementados pelas empresas transnacionais", e, até da "fiscalização" dosimpactos da biotecnologia e da nanotecnologia na vida cotidiana.
Caso seja adotado por um candidato governista, este poderia ter alguma dificuldade em explicar porque nos últimos 84 meses nada disso foi posto em prática. Mas algumas das propostas de ação contidas nesse decreto presidencial podem até acabar emulando uma boa agenda de debate eleitoral. É o caso da revisão das regras para planos de saúde, da descriminalização do aborto e do direito ao casamento gay, entre outros.
A abrangência do programa de direitos humanos sancionado pelo presidente contrasta com o modesto desempenho dos projetos da área executados pela Secretaria de Direitos Humanos. Em 2009, por exemplo, a secretaria mostrou-se mais ativa em propaganda do que em ações de proteção aos idosos. De acordo com dados do sistema de contas governamentais, gastou R$8,9 milhões em publicidade, ou seja, dez vezes mais do que no Programa Nacional de Acessibilidade, voltado aos idosos e pessoas com deficiência física.
As 73 páginas do decreto, disponível na página da Presidência da República na internet, requerem de qualquer leitor um pouco mais do que o exercício da paciência: o texto árido corre entre autoelogios e construções extremamente tortuosas, como "a valorização da pessoa humana como sujeito central do processo de desenvolvimento, enfrentando o atual quadro de injustiça ambiental". Mas sempre "orientado pela transversalidade" - escreveram os autores-, com foco na "intersetorialidade, ação comunitária, intergeracionalidade e diversidade".
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