domingo, 10 de janeiro de 2010

1663) Books, books, books...


(com reticências, para indicar continuidade, aliás interminável...)



Books, books, books...
Paulo Roberto de Almeida

Desde que aprendi a ler, na "tardia" idade de sete anos, os livros têm me acompanhado e feito parte de uma vida em grande medida ocupada em sua atenta leitura, em alguma forma contemplação ou em tentativas repetidas (e não de todo fracassadas) de redação.
A despeito de ter começado tarde, creio que desde então recuperei um pouco do atraso acumulado. Tenho, assim, me empenhado em ler tudo de bom que a humanidade pôde oferecer até aqui. Em todo caso, acho que ainda estou longe de ter completado a leitura de, pelo menos, 0,0000000000001% de tudo o que foi produzido de interessante desde tempos imemoriais, ou mesmo desde que Gutenberg inventou a imprensa.
Bem pensado, não creio que deva desistir antes de chegar à meta de ler, pelo menos, algo como 0,0000000000002% dos livros interessantes disponíveis.
É verdade que, hoje, essa tarefa é tremendamente facilitada pelo fato de que praticamente 99,99% de tudo o que a humanidade já produziu de interessante está fácil e livremente disponível na internet, algo que nunca existiu em minha infância e adolescência.
Os jovens (e também os mais velhos) de hoje em dia são portanto duplamente felizes: têm a possibilidade de aceder ao conhecimento humano mediante um simples click de mouse.
Este meu blog pode (ou pelo menos tem a pretensão de) ajudar alguns desses jovens (e alguns outros mais velhos também) a conhecer alguns dos livros que no meu entender contribuem para a elevação material e moral da humanidade.

1662) Reticencias, entrelinhas, exclamacoes, ponto e virgula...

A propósito de meu post 1659 e do debate, entrecortado, sobre as entrelinhas, uma leitora de meus posts e outros escritos, escreveu o seguinte:

As reticências são amabilidades do escritor para com seus leitores para instigar as idéias e emoções destes.
Regina Caldas (10.01.2010)

Não apenas concordei, entusiasticamente, como pedi licença para transcrever, posto que isso exprime, com perfeita acuidade, o sentido que pretendo imprimir a frases minhas, que, com enorme frequencia, terminam por reticências...
Justamente, pretendo deixar ao leitor a faculdade de estender o meu e o seu pensamento, divagar sobre o que poderia vir depois, sem impor-lhe o fechamento (brutal?) de um ponto final.

Voltarei ao tema, tão pronto reflita sobre minhas novas reticências...

Paulo Roberto de Almeida (10.01.2010)

1661) Relacoes Brasil-EUA: melhorando cada vez mais...

As relações melhoraram tanto, no atual governo, que nem temos mais um relatório de barreiras protecionistas americanas aos produtos brasileiros. Parece que desapareceram, nao as barreiras, mas os relatórios.
É isso que deixa entender este editorial de um jornal reacionário...

Silêncio sobre as barreiras
Editorial O Estado de S.Paulo, Sábado, 09 de Janeiro de 2010

Mais uma vez o governo deixou de publicar o relatório sobre barreiras comerciais americanas, um importante instrumento de informação para exportadores, políticos e demais interessados em acompanhar as condições do comércio Brasil-Estados Unidos. Sem explicação, a divulgação foi interrompida em 2008, embora o governo americano tenha continuado a praticar sua habitual política protecionista. Segundo a embaixada brasileira em Washington, o relatório de 2009 ainda não está pronto e, quando for concluído, o Itamaraty decidirá sobre sua divulgação. Ou, naturalmente, sobre a não divulgação, como no ano anterior. A nova orientação adotada pelos diplomatas de Brasília, em relação aos entraves comerciais impostos por Washington, é incompreensível. Deve ser parte de alguma das estranhas concepções estratégicas desenvolvidas no Palácio do Planalto e no Itamaraty a partir de 2003, quando a diplomacia nacional abandonou seu profissionalismo para se sujeitar à mais amadorística e fantasiosa orientação partidária.

O relatório sobre as barreiras comerciais americanas foi publicado regularmente entre 1993 e 2007, com exceção de um único ano, 2004. A grande mudança de orientação ocorreu em 2007, quando a embaixada em Washington foi finalmente enquadrada, de forma completa, nos novos padrões do Itamaraty. O resultado foi muito estranho. O texto de apresentação, tradicionalmente crítico em relação ao protecionismo americano, foi atenuado e, mais que isso, ganhou tonalidades quase positivas. Tudo isso foi recebido com surpresa pelos leitores habituais do relatório, até porque o governo petista não havia deixado de contestar, legalmente, a política de comércio dos Estados Unidos, marcada por forte protecionismo em algumas áreas e muitos subsídios à agricultura.

A única explicação parecia estar na boa relação pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com seu colega George W. Bush. Teriam os estrategistas do Planalto e do Itamaraty enxergado nessa relação a base de alguma nova estratégia internacional de projeção do Brasil - ou de seu presidente?

O mistério nunca foi desfeito. Nunca se explicou por que a embaixada brasileira deveria dar uma tonalidade rósea à velha e sempre reiterada tendência protecionista de Washington - protecionista pelo menos em relação aos produtos de maior interesse para o comércio brasileiro. O mistério apenas ficou mais denso com a decisão de suspender a divulgação do relatório nos dois anos seguintes.

Documentos desse tipo são no entanto normais, e muito úteis, na relação diplomática entre grandes parceiros comerciais. Como lembra a correspondente do Estado em Washington, Patrícia Campos Mello, os europeus dispõem do Market Access Database, um canal de divulgação de barreiras de qualquer país contra produtos da União Europeia. Dispõem também de uma base de dados especial para o registro de barreiras impostas pelo governo dos Estados Unidos. Os americanos têm o National Trade Estimate, com informações sobre barreiras a produtos, entraves a investimentos e ameaças à propriedade intelectual.

Num aspecto, pelo menos, o governo petista não se desviou da orientação de seus antecessores. Manteve a disposição de contestar legalmente o protecionismo americano e os subsídios pagos pelo governo de Washington. Mas inovou, de forma errada, em dois pontos. Em primeiro lugar, quando desprezou as possibilidades de um acordo bem negociado para a formação da Alca. Hoje, as condições para fazer um acordo de livre comércio com os Estados Unidos são mais complexas, porque o presidente Barack Obama tem fortes compromissos com grupos sindicais e empresariais protecionistas.

Errou, em segundo lugar, quando resolveu suspender, em nome de alguma obscura estratégia, a divulgação anual do relatório sobre barreiras. Deixou-se, com isso, de prestar um serviço importante às empresas brasileiras e a todos os interessados no comércio bilateral.

A discussão franca sobre as condições de comércio é sempre útil e nunca prejudicou a boa relação entre os dois países. Prejudiciais têm sido outras escolhas, igualmente injustificáveis, como a recusa de uma solução conciliadora para a crise em Honduras, a aliança com o regime autoritário de Teerã e a desastrada intromissão nos complexos problemas do Oriente Médio.

1660) Homenagem a Lincoln Gordon, Embaixador americano no Brasil (1964-1966)

A propósito da morte, em dezembro último, do Embaixador Lincoln Gordon, meu amigo recifense Clovis Cabral, que tinha conhecido o embaixador quando da formatura de sua turma no Recife, em 1964, escreveu a seguinte homenagem, que transcrevo abaixo.
Ainda estou devendo a minha homenagem, o que prometo fazer assim que me libertar de outros encargos "escriturais".
Paulo Roberto de Almeida

ADEUS, EMBAIXADOR LINCOLN GORDON
Clovis Cabral (Janeiro de 2010)

Com o falecimento do ex-embaixador Lincoln Gordon, em 19 de dezembro de 2009, nos Estados Unidos, aos 96 anos de idade, perde o país, um dos melhores diplomatas dos últimos tempos. Lincoln Gordon foi embaixador dos Estados Unidos no Brasil de 1961 a 1966. O Programa Aliança Para o Progresso, foi trazido para o Nordeste pelo Embaixador, que foi responsável por grandes projetos na região, fazendo intercâmbios com técnicos brasileiros e americanos. O Dr. Lincoln, era um profundo conhecedor dos problemas brasileiros e esteve à frente da Embaixada do seu país na época do golpe militar no Brasil, quando foi retirado do poder, o Presidente João Goulart. Para se ter uma idéia da personalidade e tirar algumas dúvidas a respeito de sua participação no Movimento Militar e de sua grande amizade pelo Brasil , é necessária a leitura do seu livro de economia: Brasil Segunda Chance: A Caminho do Primeiro Mundo, escrito em 2001, lançado em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Recife. O apresentador do livro foi o sociólogo, professor do Centro Universitário de Brasília, Ministro-Conselheiro da Embaixada Brasileira nos Estados Unidos, o Dr. Paulo Roberto de Almeida, que analisa o trabalho, sem nenhuma paixão política, seguindo uma linha de profundo equilíbrio científico da história.

Até hoje, os saudosistas das esquerdas acusam Lincoln Gordon, chamando-o de embaixador do golpe militar, quando na verdade, o movimento foi cem por cento brasileiro, em defesa da democracia. Como não poderia deixar de ser, os Estados Unidos com os seus interesses no Brasil, com milhões de dólares de investimentos, teria que tomar uma posição de apoio à democracia e o fez claramente, impedindo que a Rússia entrasse no páreo, a favor dos comunistas das esquerdas brasileiras pensando que o poder estava em suas mãos...

Certa vez, questionei Lincoln Gordon a respeito da possível invasão das tropas americanas no Brasil e ele me respondeu que tinha notícias verdadeiras da aproximação dos russos e, como o quadro se desenhava, a alternativa era para quem chegasse primeiro, cuja decisão de acautelamento cabia a ele, como embaixador dos EUA. Entretanto, não houve nenhuma invasão, mas, os russos ficaram na espreita dos acontecimentos. Assim, quem quiser saber algo a respeito de Lincoln Gordon e de sua amizade ao Brasil, procure ler A Segunda Chance do Brasil: A Caminho do Primeiro Mundo.

A nossa amizade com o Lincoln Gordon, foi quando a Turma de Economia da Universidade Federal de Pernambuco, em 1964, o recebeu, representando o Presidente Kennedy. O nosso grupo pressionado pelos comunistas, foi obrigado a fazer a divisão em dois, mostrando claramente o jogo ideológico – Democratas versus Comunistas, com muitas desavenças. Desta forma, constituímos a nossa turma e convidamos para Paraninfo, o Presidente John Kennedy e o Patrono Juscelino Kubitschek de Oliveira, ex-Presidente do Brasil. O convite foi aceito, mas, infelizmente o Presidente Kennedy foi assassinado. Como já havia a confirmação dos EUA, com o desaparecimento do Presidente, foi indicado para representá-lo, o Embaixador Lincoln Gordon, bem como Juscelino, que estiveram na formatura, realizada em 1964. A cerimônia foi realizada no Clube Internacional do Recife.

Encerrado este capítulo da formatura, com a orientação do Embaixador Gordon, viajou para os Estados Unidos um Grupo de oito formandos para uma visita ao país, onde foram recebidos pelas autoridades americanas, com uma estada oficial, para uma programação de trinta e seis dias, conhecendo as instituições em todo o país, incluindo San Juan de Puerto Rico, Estado Livre Associado.

Em 2001, Lincoln, lançou o seu livro: Brazil’s Second Chance: En Route Toward The First World, nos Estados Unidos . Então, sugeri para que ele o fizesse em Português e depois de marchas e contramarchas, o Embaixador resolveu fazê-lo e lançar no Brasil. Com a ajuda do então Ministro-Conselheiro da Embaixada Brasileira nos Estados Unidos, o Dr. Paulo Roberto de Almeida. Em 2002, o livro foi lançado no Brasil, primeiro em São Paulo, depois no Rio, Brasília e Recife. No salão nobre do SENAC-Recife, foi feito o lançamento, onde Lincoln Gordon foi apresentado por Clovis Cabral, com a coordenação do Prof. Dr. Marcos A. G. de Oliveira, PhD, do NEA – Núcleo de Estudos Americanos, seguindo-se um debate sobre o livro.
Registramos o comparecimento de muitas autoridades, destacando a presença do Dr. Aluisio Alves, ex-Governador do Estado do Rio Grande do Norte, vindo especialmente de Natal, para abraçar o seu amigo, parceiro da Aliança para o Progresso. Dando continuidade à visita ao Recife, o Embaixador, recebeu da Associação Comercial de Pernambuco -ACP, um certificado de reconhecimento por serviços prestados, entregue pelo Presidente da ACP, Dr. Dagoberto Lobo, durante um almoço no Cabanga Iate Clube, presentes os familiares da Turma Kennedy. Visitando o Instituto Brennand, o embaixador foi homenageado pelo Sr. Ricardo Brennand. Encerrando sua estada no Recife, juntamente com o Economista Pedro Paulo da Silva conhecendo a cidade de Olinda. A parte social, foi organizada pelo economista Rodolfo Mario Maranhão Moreira, pertencente à Turma Kennedy. Devemos ressaltar o trabalho desempenhado pelo Dr. Paulo Roberto de Almeida, comandando de Washington, toda a programação do Dr. Lincoln Gordon para o lançamento do seu livro no Brasil. Não tivemos o prazer da presença do Paulo Roberto aqui no Recife, mas o seu trabalho organizacional foi de suma importância para a efetivação do acontecimento de gratidão ao amigo Lincoln Gordon.

LANÇAMENTO DO LIVRO – SENAC/RECIFE – 22 de novembro de 2002
Apresentação: Clovis Cabral - Coordenador dos Debates: Marcos Guedes

A Turma Presidente Kennedy de Economistas de 1963, a Associação Comercial de Pernambuco, o Senac de Pernambuco, a Gráfica do Senac de São Paulo e o Núcleo de Estudos Americanos-UFPE, têm a honra e a satisfação de apresentar o ilustre diplomata americano, Economista, Pesquisador Convidado da Brookings Instituiton de Washington DC., Dr. Lincoln Gordon, que lançou na semana passada em São Paulo, a edição brasileira do seu livro sobre o Brasil: A SEGUNDA CHANCE DO BRASIL, A caminho do Primeiro Mundo.

Sem esquecer a sua última estada em Recife, há 38 anos, quando representou o Pres. Kennedy na colação de grau da Turma Kennedy de Economistas de 1963, da UFPE e, que agora volta para abraçar os seus amigos, trazendo as melhores mensagens para um futuro promissor do Brasil, país que tanto tem respeito e admiração.

Devido ao forte interesse ao Brasil pelos eventos do começo dos anos 60, definida a retirada do Presidente João Goulart, por um golpe de estado militar (1964), Dr. Gordon agregou um capítulo à edição brasileira do seu livro, detalhando a evolução das políticas dos EUA nesses anos sobre a base material recentemente desativado (relatórios da Embaixada e outros documentos oficiais e suas lembranças pessoais). O original em inglês desse capítulo adicional está sendo publicado como opúsculo (booklet) pela Brookings Institution sob o título, Brazil, 1961-64 The United States and the Goulart Regime.

O Embaixador Lincoln Gordon, tem uma longa carreira acadêmica e diplomata, a primeira iniciada na Universidade Harvard (1936-61), onde nos últimos seis anos atuou como professor de Relações Econômicas Internacionais, cargo desincumbido na Escola Superior de Administração Pública e no Centro de Negócios Internacionais. Entre outros postos acadêmicos, destacam-se o de Presidente da Universidade Johns Hopkins (1967-1971), membro do Centro Internacional Woodrow Wilson, para especialistas do Instituto Smithsonian (1972-1974) e Sênior Fellow da Fundação de Recursos para o futuro (1975-1980.

A atuação do professor Lincoln Gordon no serviço público americano, teve inicio na Junta de Planejamento de Recursos Nacionais (1939-1949), na Junta de Produção de Guerra(1942-1945), na Delegação dos Estados Unidos, na Comissão de Energia Atômica da ONU. Entre 1947 e 1950, participou da Administração de Cooperação Econômica do Departamento de Estado relacionada com o Plano Marshall e a OTAN, passando a servir na Casa Branca, como assessor econômico de W. Averell Harriman, como seu suplente na Comissão do Conselho Temporário da OTAN. De 1952 a 1955, o diplomata Gordon foi diretor da Missão do Plano Marshall no Reino Unido e Ministro para assuntos Econômicos da Embaixada Americana em Londres. Em 1961, atuou como consultor do Departamento de Estado sobre o processo do Presidente John Kennedy, tendo então sido nomeado embaixador dos Estados Unidos no Brasil, cargo que deixou no começo de 1966, para assumir em Washington, DC, o de Secretário de Estado Assistente para Assuntos Inter-Americanos.

Em sua longa carreira literária, o professor Gordon é autor e co-autor de inúmeros livros, entre os quais se incluem: The Public Corporation in Great Britain (1938); Government and the American Economy (1941, 1948, 1959); United States Manufacturing Investment in Brazil (1962); A New Deal for Latin America (1963); From Marshall Plan to Global Independence (1979); Growth Policies and the International Order (1979); Energy Strategies for Developing Nations (1981); Eroding Empire: Western Relations with Eastern Europe (1987) e o mais recente Brazil’s Second Chance: En route toward the First World, publicado em maio do ano passado pela Brookings Institution Press. cuja tradução portuguesa acaba de ser lançada pela Editora Senac em São Paulo e hoje no Recife.

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A turma Pres. Kennedy, da UFPE – do Recife – Brasil, lamenta pelo falecimento do seu amigo – Lincoln Gordon, e transmite aos seus familiares, as suas condolências.-*Clovis Cabral de Sousa, Rodolfo Mario Maranhão Moreira, Ricardo Essinger, José Mateus Filho, Orlando Coelho, Nericinor Ferreira, Wilson Gomes(+) e Ivancir Castro(+)

* Clovis Cabral – Janeiro 2010

1659) Mini-tratado das reticencias

Um texto retaliatório, se me permitem a expressão, se é que existe retaliação apenas pela via das palavras (mas não conheço outra forma, sinto muito).
Digo isto a propósito de um gaiato, evidentemente anônimo (todo mundo que tem vergonha, medo ou qualquer outra incapacidade estrutural escolhe ser anônimo, já reparei), escreveu isto, a propósito do meu post anterior, sobre a Arte da Escrita (e enfatizei: "bem, nem tanto...), posto que ele se enraiveceu pelo meu uso de reticências.

Anônimo disse...
Isso vindo de um cara que não consegue escrever um texto sem usar reticências.
Amigo, já viu alguém que escreve bem ficar usando reticências?
Sábado, Janeiro 09, 2010 8:24:00 PM


Minha resposta, retaliatória, e tenho certeza de que ele vai ler até o fim, é este...

Mini-tratado das reticências...
(em defesa de uma inutilidade necessária…)

Paulo Roberto de Almeida

Pouca gente dotada de uma certa familiaridade com a palavra escrita consegue atribuir real importância às reticências, inclusive este cidadão que aqui escreve. Quero falar das reticências stricto sensu, isto é, os famosos três pontinhos ao final de alguma frase ou expressão da linguagem diária (elas parecem ser menos usadas nos textos ditos “sérios”, nos quais a necessária precisão “científica” deixa pouco espaço para as dúvidas ou indecisões que são (e estão) inevitavelmente associados aos três pontinhos). No mais das vezes, elas passam despercebidas, quando não são solenemente ignoradas e deixadas num espaço menor das figuras de linguagem. Os cientistas, francamente, parecem considerá-las uma total inutilidade no processo de elaboração do seu discurso “realista”.
No entanto, as reticências são fundamentais, sobretudo naqueles casos – agora lato sensu – de duplo sentido, nos muitos subentendidos das conversas vagas, nas promessas indefinidas, nas situações pouco claras, nas esperanças falsamente criadas, nas aberturas ao contraditório, nos convites a “algo mais”, enfim, em todas as circunstâncias nas quais a precisão e o cuidado com o verdadeiro não figuram entre as prioridades do autor do discurso ou de seu eventual interlocutor. Não é apenas no teatro ou na literatura que elas aparecem, pois eu, que sou dado a escritos sociológicos, encontro amplo espaço para reticências nas minhas elocubrações pretensamente acadêmicas. Nem preciso lembrar seu amplo uso nas estatísticas oficiais, com tabelas cheias de três pontinhos para dados inexistentes ou incompletos (sobretudo naquelas áreas chamadas, apropriadamente, de “terras incógnitas”, geralmente referidas na expressão em latim).
Minha intenção é fazer aqui uma defesa circunspecta das reticências (daí o título de “mini-tratado”), além de ressaltar-lhes a importância discursiva, como a própria essência do discurso humano. Eu, pessoalmente, gosto de reticências, sobretudo pela liberdade que elas permitem, mas entendo perfeitamente os que as abominam e querem vê-las extirpadas da face da terra (ou pelo menos da superfície do papel, atualmente, mais bem da tela do computador…).

Voilà, acabo de usar reticências pela primeira vez depois de muitas frases e dois parágrafos inteiros sem necessidade de empregá-las. Isto é uma prova, justamente, de que as reticências são úteis e necessárias e por mais que queiramos evitá-las. Pois eu falava daqueles que detestam reticências e são a favor das situações totalmente definidas, do correto discurso tipo “pão, pão, queijo, queijo”, mas que, em algum momento, também tropeçam com alguma reticência que se imiscuiu no discurso aparentemente correto e totalmente claro.
Admito, preliminarmente, que as reticências parecem incompatíveis com a lógica formal, aquela que deriva uma consequência necessária de duas afirmações anteriores, tipo “todo homem é mortal, Sócrates é um homem, logo… etc., etc.”. Mas, mesmo aqui, como acaba de constatar o preclaro leitor, fui levado a usar reticências, pois eu não precisava terminar a frase, por uma dedução lógica do imediatamente precedente.

Eu poderia, nesta minha defesa pouco reticente das reticências, empregar uma derivação do famoso moto cartesiano: “penso, logo sou reticente…”, mas não pretendo abusar do meu direito a ser reticente, nem da paciência do leitor. Prefiro ater-me a um discurso coerente, ainda que algo impressionista, sobre a importância das reticências na atividade argumentativa e até na organização da vida diária. Serei breve, como convém a um “mini-tratado”, marcado por algumas reticências terminológicas, vários duplos-sentidos e outras tantas dúvidas conceituais.

Admito, antes de mais nada, que as reticências passam quase despercebidas nos manuais de estilo e mesmo nos livros de gramática. Meu dicionário Aurélio, por exemplo, na introdução relativa às instruções da Academia Brasileira de Letras (de 1943) para a organização do vocabulário ortográfico da língua portuguesa, passa solenemente por cima, quando não à côté, desses simpáticos sinais, objeto de meu tratado, ignorando-os por completo. Com efeito, na parte relativa aos sinais de pontuação, a douta Academia, zelosa guardiã da boa expressão e da correção de linguagem, registra apenas e tão somente as aspas, os parênteses, o travessão e o ponto final, assim, não mais do que isso. Mas o MEC foi vigilante, e na portaria nº 36, de 28 de janeiro de 1959, registrou na Nomenclatura Gramatical Brasileira os seguintes sinais de pontuação: aspas, asterisco, colchetes, dois-pontos, parágrafo, parênteses, ponto-de-exclamação, ponto-de-interrogação, ponto-e-vírgula, ponto-final, reticências, travessão, vírgula.

Voilà, aí estão nossas simpáticas reticências, cuja definição “científica”, constante do mesmo dicionário Aurélio, apresenta-se como a seguir: “[Pl. de reticência.] S. f. pl. Sinal de pontuação: série de três ou mais pontos que, num texto, indicam interrupção do pensamento (por ficar, em regra, facilmente subentendido o que não foi dito), ou omissão intencional de coisa que se devia ou podia dizer, mas apenas se sugere, ou que, em certos casos, indica insinuação, segunda intenção, emoção. [Sin.: pontos de reticência, pontos de suspensão e (fam.) pontinhos. Cf. reticencias, do v. reticenciar.]” (p. 1229, da 15ª impressão da 1ª edição da Nova Fronteira, sem data).
Pois eu acabo de ficar sabendo da existência do verbo reticenciar, que passarei a utilizar agora, em toda a extensão do que me for permitido pelos bons costumes e reais necessidades de expressão. Trata-se de um verbo transitivo direto, que tem o significado, justamente, de colocar reticências em algo ou exprimir de modo reticente, incompleto, como em: “A testemunha reticenciou os fatos”. Mas, não pretendo reticenciar meu mini-tratado sobre as reticências.

Dito isto, retenho da definição aureliana sobretudo a última parte, pois que a interrupção de pensamento é tão evidente que nem precisaria ser explicada. A última parte refere-se à omissão intencional, que pode querer dizer insinuação, segunda intenção ou emoção. Aqui estão a essência, o caráter fundamental, o âmago e a alma profunda, se ouso dizer, das reticências, que parecem ter sido trazidas ao mundo para acomodar todas as situações ambíguas e os propósitos não declarados.
Aliás, o singular da palavra em questão já trazia essas “más intenções” inscritas em sua definição original. O substantivo vem do latim reticentia, que quer dizer “silêncio obstinado”. O enunciado remete a uma “omissão intencional de uma coisa que se devia ou podia dizer”, o que nos confirma o caráter de subterfúgio do conceito em questão. E o que é subterfúgio?: segundo o mesmo dicionário, trata-se de “ardil empregado para se esquivar a dificuldades; pretexto, evasiva”. Pois todos nós, na vida diária, nas atividades literárias, no jogo da política (sobretudo) e nas coisas do amor (aqui parece fundamental) necessitamos, em algum momento, de utilizarmo-nos de algum subterfúgio. Para evitar confrontar o interlocutor com alguma mensagem muito direta, fazemos apelo a essas figuras de linguagem pouco claras e a esses conceitos ambíguos que brotam, justamente, da complexidade natural do ser humano e do mundo que o cerca (estou sendo muito antropocêntrico, talvez, mas é que os animais, por exemplo, não precisam de reticências, pois eles costumam ir direto ao assunto, sobretudo os predadores carnívoros).

O recurso aos três pontinhos é por vezes absolutamente necessário para evitar algum conflito maior, e parece estranho que as reticências sejam tão pouco usadas no vacabulário diplomático, na letra dos tratados, nos discursos oficiais (justamente os que mais necessitariam de alguma “ambiguidade construtiva”). Não sei se existe espaço para o uso de reticências no curso de “linguagem diplomática” do Itamaraty, mas deveria haver, para acomodar todas essas situações difíceis nas negociações internacionais: parece evidente que as conferências terminariam mais cedo se todos pudessem ir para casa sobraçando o seu exemplar de algum tratado, cheio de pontos suspensivos…
O único problema (aparente) das reticências é que elas não aparecem de modo claro na linguagem oral, só naqueles “balõezinhos” acima da cabeça das pessoas nos desenhos de revistas ou diretamente nos textos escritos. Na linguagem coloquial elas são imperfeitamente traduzidas nas hesitações da expressão, nas frases não acabadas, nas terminações muito lentas, que se arrastam ao longo de um sorriso por vezes embaraçoso. Vamos deixar, justamente, um espaço aberto à criatividade e à imaginação humanas, que não podem ficar só na lógica binária dos programas de computador ou na rigidez das fórmulas matemáticas que pretendem encerrar o mundo numa única expressão: E=mc2.
O mundo não é feito só de cartesianismos, muito menos de fórmulas einsteinianas ou newtonianas totalmente abrangentes, que funcionam no estrito limite dos fenômenos identificados pelas forças conhecidas da natureza. Existem outras forças que ainda não foram devidamente mapeadas pela ciência moderna (ou antiga, ou medieval, ou de todos os tempos), a começar, obviamente, pelo amor. Pois eu pergunto: o que seria do amor sem as reticências? O que seria dos namorados se eles precisassem dizer tudo de forma clara, absolutamente sem ambiguidades, sem essas “sugestões construtivas”, sem essas omissões convenientes, sem os subentendidos de linguagem? Certamente haveria muito mais brigas, e as taxas de separação (e de divórcio) seriam infinitamente superiores…

Tomemos, por exemplo, o caso de Penélope, interminavelmente a fiar e a tecer a sua tela, ela mesma uma permanente reticência, pois que desfeita a cada noite para evitar o confronto indesejado com os pretendentes ao trono de Ulisses. O que mais ela poderia fazer na ausência do seu amado, ele mesmo preso nas reticências dos troianos, que hesitaram um pouco antes de arrastar para dentro da fortaleza o cavalo de madeira que ele tinha sugerido aos gregos? O próprio herói não ficou quase retido nas reticências dos montros marinhos, nos encantos reticentes e nas promessas enganosas das lindas sereias? Se Penélope não fosse reticente, Ulisses ainda teria de enfrentar uma nova odisséia para garantir o seu lugar original no comando da ilha de Ítaca. Poderíamos, assim, dizer que a situação de Ulisses foi salva pelo uso das reticências…
Assim, mesmo concordando em que o discurso “científico” precisa livrar-se de toda e qualquer ambiguidade explicativa, sou franca e resolutamente a favor das reticências e de seu uso da forma mais ampla possível nas circunstâncias cambiantes que são as da vida humana. Reticências nos ajudam, nos confortam, nos salvam de situações embaraçosas. Elas, sobretudo, nos permitem construir relações que podem frutificar de modo amplamente satisfatório mas que só sobreviveriam, em face de adversidades e dos muitos imponderáveis da vida humana, caso a flexibilidade por elas permitida seja efetivamente empregada para estender os limites do entendimento até esses situações limites de acomodação de contrários. A vida é contraditória e cheia de surpresas: não podemos tolher as possibilidades infinitas do nosso itinerário futuro com frases cortantes que encerram apenas as limitações do presente.

As reticências significam, essencialmente, liberdade de escolha. Nisso elas estão inteiramente de acordo com a “economia” do nosso modo de ser, sobretudo nas situações intensamente relacionais. Vivam as reticências…

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de novembro de 2004

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Não gostaria de repetir, segundo o ditado popular, mas vou fazê-lo:
"Conheceu, papudo?"
Fique com minhas reticências, e passe a usá-las...
Não cobrarei copyright por isso...

sábado, 9 de janeiro de 2010

1658) A arte da escrita (bem, nem tanto...)

O texto que segue abaixo foi escrito mais de dois anos atrás, mas permaneceu relativamente obscuro, posto que foi publicado uma única vez no Observatório da Imprensa. Creio que o escrevi depois de tropeçar, não numa pedra, mas em vários blocos graníticos de ignorância redacional manifesta, esculpidos (se ouso dizer) em algumas dissertações ou teses acadêmicas. Creio que voltava de uma banca no Rio de Janeiro: um sacrifício de viagem para um grande desprazer intelectual, não apenas quanto à substância do trabalho, mas igualmente quanto à sua forma, ou seja, a escrita.
Daí escrevi o texto prometendo a mim mesmo nunca mais aceitar participar de uma banca se a redação do trabalho em questão me parecesse deficiente. Uma decisão difícil, pois sempre quem convida é um professor amigo, que foi também o que "orientou" (provavelmente mal) o trabalho em questão.
Enfim, se ainda não revisei na prática a minha política de participação em bancas, pelo menos posso deixar aqui o desabafo...
Paulo Roberto de Almeida (9.01.2010)

Por que é difícil encontrar quem saiba escrever
Paulo Roberto de Almeida
Observatório da Imprensa - 05/06/2007

O texto a seguir, sobre a obscuridade de certos escritos que encontramos nas páginas literárias de jornais e revistas, foi inspirado pela seguinte frase de Stefan Zweig, em correspondência particular, frase que "pesquei" na fabulosa biografia desse autor escrita por Alberto Dines:

"As pessoas que fazem ou falam literatura são totalmente incompreensíveis, parece-me mais um defeito da natureza do que uma virtude, mas talvez a arte tenha sido sempre condicionada por tais deficiências."
[Stefan Zweig, carta a Friderike Maria von Winterniz (ex-Zweig), em 7/12/1940, citado por Alberto Dines, Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (3ª ed. ampliada; Rio de Janeiro: Rocco, 2004), p. 326.]

Stefan Zweig referia-se, obviamente, aos escritores como ele, romancistas ou literatos em geral, homens de letras, no sentido amplo, cuja prosa lhe parecia pertencer a um universo de referências escondidas, de significados obscuros, cuja compreensão talvez só estivesse ao alcance de outros membros da République des Lettres – que ele evitava freqüentar seja por comodismo ou timidez, seja por medo de entrar em polêmica a respeito de suas próprias convicções literárias ou a propósito do seu estilo de escrita.

Ele queria ser compreendido e amado pelo grande público e por isso buscava a concisão literária, a correção na forma, a perfeição na linguagem, a simplicidade no discurso, para que seu argumento atingisse o maior número possível de leitores. Sem deixar de ser profundo, e de fazer apelo à sua vasta cultura humanista, ele pretendia ser um escritor popular, o que requeria, obviamente, um cuidado especial com a linguagem escrita, de maneira a aproximá-la do cidadão comum, do leitor médio, do público cultivado mas não pretensioso, que refugava os maneirismos e preciosismos de linguagem de muitos dos seus colegas de pluma.

Erros primários [o intertítulo é do Observatório da Imprensa]
De minha parte, entendo que a frase de Zweig aplica-se ainda com maior acuidade e rigor ao trabalho dos filósofos, dos sociólogos, dos cientistas sociais em geral, cujo objeto de análise e de reflexões se volta para os campos mais ou menos subjetivos da organização social, das motivações políticas, das políticas econômicas; em síntese, dos assuntos humanos. Tenho encontrado, em muitos trabalhos de colegas, grandes doses de prolixidade na escrita, um desejo inconfessado de parecer sofisticado pelo rebuscamento inútil da linguagem, pela profusão nos conceitos e pela adjetivação exagerada das análises. Parece que eles acabaram de fazer um curso completo de redação obscura com um desses filósofos franceses adeptos do desconstrucionismo verbal, êmulos de Jacques Derrida e de Jean Baudrillard.

Isso pelo lado bom. Pelo lado ruim, o que mais tenho encontrado, na verdade, é a simples redação deficiente, uma linguagem caótica e rebarbativa, que por sua vez revela um pensamento desorganizado, uma confusão de idéias que passa longe do que se convencionou chamar de brain storming. Pelo lado catastrófico, então, cada vez mais deparo-me com a miséria da escrita, com uma linguagem estropiada por incorreções gramaticais, impropriedades estilísticas, quando não barbaridades ortográficas de tal monta que seriam capazes de fazer fundir um desses corretores automáticos de computador que detectam todos os erros de digitação. Mas, mesmo depois de o perpetrador em questão ter aplicado o seu corretor ortográfico informático e eliminado todos os erros de digitação, ainda sobram frases incompreensíveis, expressões sem sentido, reflexos de uma linguagem tortuosa e torturada que seria capaz de confundir o mais paciente revisor de estilo pago para fazer essa tarefa.

A pobreza da linguagem escrita no Brasil – já nem mais falo da linguagem coloquial, irrecorrivelmente contaminada pelo dialeto televisivo das novelas e programas de auditório – tem progredido a olhos vistos, acompanhando a rápida deterioração da educação no país. Acredito que não haja mais espaço, atualmente, para aqueles programas ao vivo voltados para testar o conhecimento de concorrentes sobre fatos gerais da história ou em destreza na língua escrita, que premiavam verdadeiras enciclopédias ambulantes, dicionários vivos da língua pátria. Tudo isso é passado, eu sei, mas será que não se consegue, ao menos, ter pessoas que consigam escrever ao menos num Português normal, desprovido de erros primários e de barbarismos estilísticos?

Deterioração generalizada [o intertítulo é do Observatório da Imprensa]
Não estou falando de profissionais "normais", mas de aspirantes a um título universitário de pós-graduação, que constitui a minha "clientela" mais freqüente. Tenho encontrado cada vez mais, nessas dissertações para as quais sou convidado para a banca julgadora, um tamanho volume de atentados à linguagem que penso seriamente em desistir de aceitar o convite, por mais que o título ou o tema possam me atrair. Vou pedir para ver o trabalho primeiro, antes de me decidir se aceito ou não participar. Não quero compactuar, nem que seja indiretamente, com as barbaridades lingüísticas e os atentados à boa escrita.

Não se trata de arrogância intelectual ou elitismo lingüístico, mas uma simples questão de coerência. Uma linguagem confusa, quando não incorreta, revela, antes de tudo, confusão nas idéias. Assim sendo, ao menor sinal de impropriedade redacional pode-se estar seguro de que a qualidade intrínseca do trabalho tampouco será superior ao estilo de redação. Como não pretendo deixar nem autor nem orientador constrangidos na hora da avaliação pública do trabalho, vou desistir preventivamente de participar. Acho que é o melhor que eu tenho a fazer nesta fase de deterioração generalizada da educação no Brasil.

Fica, portanto, dado o aviso. Antes de me convidar, favor procederem à revisão do Português (e revisem as idéias também).

[Texto também reproduzido no Blog do Galeno: por um Brasil que lê mais: http://www.blogdogaleno.com.br/texto_ler.php?id=587&secao=25, que foi onde eu acabei reencontrando um ensaio praticamente esquecido.]

1657) O Itamaraty e o decreto do governo Lula sobre '"direitos humanos"

Dois avisos prévios:
1) Este post pode ser lido em conexão com dois outros posts anteriores, 1654 e 1656, que tratam, de maneira mais abrangente daquilo que já foi chamado, por um jornalista conhecido, de "estrovenga", isto é, o Decreto relativo ao terceiro plano nacional de "direitos humanos", de fato uma coisa estranha, bizarra e naturalmente aberta às mais fundadas desconfianças da cidadania, em função do seu caráter celerado e objetivamente deletério do ponto de vista dos verdadeiros direitos humanos e da democracia.
2) Coloquei direitos humanos entre aspas no título pois a relação entre o objeto e a fonte justifica plenamente o seu uso, tantas são as contradições entre um e outro...

Quem desejar conhecer a integridade desse decreto bizarro, pode clicar aqui.

Mas, este post tem por objetivo apenas uma compilação muito simples, sobre:

Relações entre o Itamaraty e o Decreto do Governo Lula sobre "direitos humanos"

O decreto atualiza, se é o caso de se dizer, as diretrizes nacionais relativas aos direitos humanos, tanto em sua parte de definição de conceitos, como em sua parte operacional. Ele tinha sido promulgado pela primeira vez no governo FHC, e portanto correspondia a um desejo sincero de fazer com que a sociedade brasileira se encaminhasse gradativamente em direção ao cumprimento pleno de ações públicas numa das áreas mais lamentáveis do nosso cenário interno.
Apenas ocorre que no governo atual ele foi "remodelado", digamos assim, para cumprir outros objetivos, que são aqueles velhos conhecidos da esquerda autoritária e antidemocrática, tentando legitimar movimentos criminosos -- como esse partido neobolchevique que responde pelo nome de MST -- e criminalizar torturadores do passado -- das FFAA e das forças de segurança -- sem mencionar os crimes cometidos por aqueles que hoje assinam várias partes desse decreto esquizofrênico.

Em todo caso, o objetivo deste post é apenas o de ver, linearmente, o que interessa ao Itamaraty nesse decreto do governo Lula, destacando tão simplesmente as passagens que atribuem alguma responsabilidade ao MRE.
Não pretendo fazer agora uma análise desses trechos, tanto porque eles são aborrecidamente burocráticos.
Creio que a única parte inovadora em relação às versões anteriores do PNDH é esta aqui:

"Aprofundar a agenda Sul-Sul de cooperação bilateral em Direitos Humanos que contemple prioritariamente os países lusófonos do continente africano, o Timor-Leste, Caribe e a América Latina."

A agenda Sul-Sul é, como se sabe, uma das diretrizes da política externa neste governo, mas para não dizer "nunca antes neste país", cabe relembrar que ela já fazia parte, implicitamente, da política anterior, que sempre foi algo terceiro-mundista. Apenas que isso não aparecia de forma tão explícita como agora.
Pergunto-me, mesmo, se os países expressamente contemplados nesse decreto, a saber, os países lusófonos do continente africano e o Timor-Leste, em especial, e o Caribe e a América Latina, de uma forma geral, foram avisados que eles são objeto de uma "discriminação positiva" -- algo equivalente a uma "ação afirmativa", aí sim, "nunca antes neste país" -- na política externa de DH do governo Lula, e se eles se sentem confortáveis com essa menção expressa num decreto que, afinal de contas, diz respeito apenas e tão somente ao governo brasileiro.
Pode ser que isso seja um exemplo da política de "não indiferença", agora proclamada pelo governo brasileiro, mas se isso é feito de forma unilateral, poderia, talvez, ser considerado uma forma de ingerência nos assuntos internos de outros países (posto que eles sempre podem argumentar, como faz o governo brasileiro em situações similares, que o assunto diz respeito exclusivamente à sua jurisdição nacional).
Sem mais delongas, vejamos o que o decreto tem a dizer sobre o MRE...
Paulo Roberto de Almeida (9.-1.2010)

DECRETO Nº 7.037, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2009 – DOU DE 21/12/2009
Aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3 e dá outras providências.


Objetivo estratégico I:
Promoção dos Direitos Humanos como princípios orientadores das políticas públicas e das relações internacionais.
Ações programáticas:
a) (…)
b) Propor e articular o reconhecimento do status constitucional de instrumentos internacionais de Direitos Humanos novos ou já existentes ainda não ratificados.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça; Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
c) Construir e aprofundar agenda de cooperação multilateral em Direitos Humanos que contemple prioritariamente o Haiti, os países lusófonos do continente africano e o Timor-Leste.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
d) Aprofundar a agenda Sul-Sul de cooperação bilateral em Direitos Humanos que contemple prioritariamente os países lusófonos do continente africano, o Timor-Leste, Caribe e a América Latina.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores

Objetivo estratégico II:
Fortalecimento dos instrumentos de interação democrática para a promoção dos Direitos Humanos.
Ações programáticas:
a) (…)
b) Estimular e reconhecer pessoas e entidades com destaque na luta pelos Direitos Humanos na sociedade brasileira e internacional, com a concessão de premiação, bolsas e outros incentivos, na forma da legislação aplicável.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores

Objetivo estratégico II:
Monitoramento dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro em matéria de Direitos Humanos.
Ações programáticas:
a) Elaborar relatório anual sobre a situação dos Direitos Humanos no Brasil, em diálogo participativo com a sociedade civil.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
b) Elaborar relatórios periódicos para os órgãos de tratados da ONU, no prazo por eles estabelecidos, com base em fluxo de informações com órgãos do governo federal e com unidades da Federação.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
c) Elaborar relatório de acompanhamento das relações entre o Brasil e o sistema ONU que contenha, entre outras, as seguintes informações:
· Recomendações advindas de relatores especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU;
· Recomendações advindas dos comitês de tratados do Mecanismo de Revisão Periódica;
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
d) Definir e institucionalizar fluxo de informações, com responsáveis em cada órgão do governo federal e unidades da Federação, referentes aos relatórios internacionais de Direitos Humanos e às recomendações dos relatores especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU e dos comitês de tratados.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
e) Definir e institucionalizar fluxo de informações, com responsáveis em cada órgão do governo federal, referentes aos relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores
f) Criar banco de dados público sobre todas as recomendações dos sistemas ONU e OEA feitas ao Brasil, contendo as medidas adotadas pelos diversos órgãos públicos para seu cumprimento.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores

Objetivo estratégico I:
Proteger e garantir os direitos de crianças e adolescentes por meio da consolidação das diretrizes nacionais do ECA, da Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU.
Ações programáticas:
a) (…)
b) (…)
c) Elaborar e implantar sistema de coordenação da política dos direitos da criança e do adolescente em todos os níveis de governo, para atender às recomendações do Comitê sobre Direitos da Criança, dos relatores especiais e do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores

Objetivo estratégico III:
Proteger e defender os direitos de crianças e adolescentes com maior vulnerabilidade.
Ações programáticas:
(...)
j) Fomentar a adoção legal, por meio de campanhas educativas, em consonância com o ECA e com acordos internacionais.
Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores

Objetivo estratégico III:
Consolidação de política nacional visando à erradicação da tortura e de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Ações programáticas:
a) Elaborar projeto de lei visando a instituir o Mecanismo Preventivo Nacional, sistema de inspeção aos locais de detenção para o monitoramento regular e periódico dos centros de privação de liberdade, nos termos do protocolo facultativo à convenção da ONU contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Responsáveis: Ministério da Justiça; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores;


Nada mais tendo a declarar, considero encerrado este post...

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