Segundo se sabe, o Brasil esta tentando limitar a aquisção de terras por estrangeiros, especificamente preocupado, como se sugeriu, com a compra de grandes extensões de terras por chineses, que aqui viriam plantar "o que é bom para eles", não o que supostamente seria bom para nós.
Enquanto continuarmos a ter esse tipo de paranoia, vai ser dificil inserir o Brasil na globalização ou aumentar a relação com a Chona (sem falar da questão da "reciprocidade": como limitar aqui e pedir que eles abram lá?).
Acho que precisamos colocar ordem no discurso interno.
Paulo Roberto de Almeida
Entrevista: Antônio Patriota
“Não é só entrar, extrair e levar o minério ou a soja embora”
Simone Cavalcanti, de Brasília
Brasil Econômico, 17/05/2011
Segundo ministro, Itamaraty trabalha para assegurar transferência de tecnologia na relação com a China
Uma aposta estratégica. É assim que o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Antonio Patriota, vê a posição da China não só em relação ao Brasil, mas à toda América Latina, por se tratar, no conjunto, de uma potência na produção de alimentos e de energia. “E tudo isso tem a ver coma segurança alimentar e energética da China, para que continue crescendo.” Por isso mesmo, o diálogo entre os governos só tem melhorado, diz.
Qual a avaliação dessa visita da delegação chinesa?
Sinaliza a retomada de contatos em nível ministerial que havia desacelerado em 2010, em compasso de espera da eleição aqui. A reunião da subcomissão de comércio permite acompanhar a implementação dos compromissos acordados, como a liberação da carne suína e os jatos da Embraer. E avançar no planejamento futuro para identificação de novos projetos e áreas.
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Como o quê?
Um dos pontos é o setor automotivo. Temos uma experiência que é valorizada internacionalmente em termos de biocombustíveis, e a China poderá ter interesse em participar de produtos com essas características. Quando a presidenta Dilma Rousseff esteve em Pequim, participou de um evento cujo título era Além da Complementariedade. Isso diz muito. Porque a complementariedade a gente conhece. Exportamos muita matéria-prima. Não queremos deixar de exportar, mas queremos também embarcar produtos com maior grau de elaboração. Queremos desenvolver parcerias em áreas tecnologicamente mais avançadas, que contribuam para competitividade industrial.
Quais as áreas consideradas estratégicas pelo governo?
Desde biocombustíveis, nanotecnologia, biotecnologia até a questão das terras raras, incluindo a extração e processamento do lítio. E energia de modo geral.
O que mais foi discutido?
Também discutimos um pouco a questão do turismo e da importância das conexões aéreas. A TAM está querendo estabelecer presença na China. A Air China faz um voo com uma escala apenas em Madri. E agora com Copa do Mundo, Olimpíadas, Rio+20 e outros acontecimentos esperamos que haja um crescimento da visita de lado a lado.
Segundo o Mdic, há um empenho do governo para direcionar os investimentos à cadeia produtiva de setores de interesse nacional.
Isso traz à tona o que pode ser descrito como um novo momento da relação entre Brasil e China. Em termos de quantidade, o comércio e a atração de investimentos vai bem, mas nós queremos operarumsalto qualitativo. Isso inclui diversificação da pauta de exportação, os embarques de produtos de maior valor agregado, buscar parcerias com os chineses em que possamos incorporar um conteúdo de tecnologia mais avançado.
Roger Agnelli, ex-presidente da Vale, já reclamou do fato de os chineses comprarem jazidas no Brasil sendo que há uma proibição para entrada naquele mercado. Como isso está sendo tratado?
Mais do que o Itamaraty, a própria presidenta abordou isso. Quando esteve na China disse que quer continuar atraindo investimento chinês, mas aquele que traga um valor agregado. Não é só entrar, extrair e levar o minério ou a soja embora, sem contribuir para o desenvolvimento seja ele de que tipo for. É essa mensagem.
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Mas não quer dizer que a China vá mudar suas proibições?
Vamos olhar o que acontece no médio e longo prazo. Nós somos uma potência no que se refere à produção de alimento. Se juntar todos da América do Sul somos também uma potência energética. Somos fonte de recursos minerais. E tudo isso tem a ver com a segurança alimentar e energética da China, para que continue crescendo. Isso é um pouco a equação da complementariedade. Quando fala em ir além disso, queremos que não seja uma via de mão única, que também esse relacionamento no sentido inverso nos traga uma contribuição em desenvolvimento qualitativamente superior. A questão da reciprocidade foi levantada, pois empresas nossas têm dificuldade de se estabelecer na China. Se eles aqui têm uma limitação ou se ressentem de alguma dificuldade na aquisição de terras, bom, lá não há nem essa possibilidade. Há uma compreensão das assimetrias e um desejo de superá-las.
Em que prazo?
O calendário de reuniões vai estabelecendo os prazos. Mas nós gostaríamos de ter avanços até a Cosban (Comissão de Alto Nível Sino-Brasileira) que se reúne no segundo semestre.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
quarta-feira, 18 de maio de 2011
Politica cambial: a obsessao dos equivocados...
Onze entre dez economistas autodenominados desenvolvimentistas estão preocupados com o câmbio. Alguns, como os que escreveram essa coisa aí abaixo, chegam até a mencionar uma fantasmagórica "política de apreciação cambial", como se isso existisse ou fosse uma política deliberada de governos (malucos?).
É certo que políticos demagogos gostam de câmbio alto: dá a impressão de que somos ricos e de que todo mundo pode viajar para a Disneyworld duas vezes por ano. Claro que isso acontece e eles ficam contentes, mas a intenção inicial não era essa.
Valorização cambial é sempre o efeito de certo "sucesso" econômico: exportações crescentes, atração de capital estrangeiro, facilidade no lançamento de emissões internacionais. Mas ela é sempre o resultado, não a causa dos problemas de competitividade e de desequilíbrios (futuros, quase certamente).
Vejam também a lista dos problemas brasileiros abaixo relacionados:
"1. Carga tributaria elevada.
2. Custo da infraestrutura
3. Folha salarial sobrecarregada com encargos.
4. Custo do investimento.
5. Baixo estágio tecnológico.
6. Estrutura incipiente de investimento em inovação"
Ou seja, nenhum deles, friso, NENHUM, tem a ver com o câmbio. Todos eles são produzidos internamente, são nossos próprios pecados, problemas "made in Brazil", como se diz.
Como é, então, que, partindo desses problemas, se chega à conclusão de que se tem de desvalorizar o câmbio?
Só pode ser obsessão ou burrice.
O câmbio baixo vai reduzir a carga tributária, induzir à inovação, melhorar a infraestrutura?
Não, absolutamente nada, nadicas de peteberebas.
Então porque se tem de mexer no câmbio?
Ora, esse pessoal precisa ser coerente...
Paulo Roberto de Almeida
Os novos riscos de super-real
Blog Outras Palavras, 17/05/2011
Luís Nassif alerta: como nos anos 90, governo hesita em interromper valorização da moeda. Isso comprometerá desenvolvimento – e não será compensado por gambiarras
Pode-se colocar a Petrobras como agencia de desenvolvimento, adquirindo produtos nacionais. Pode-se aumentar substancialmente o capital do BNDES. Pode-se até criar estímulos fiscais para novos investimentos. Mas enquanto não se acertar o câmbio, será apenas uma fantasia, uma gambiarra, um arremedo de política industrial.
Nenhuma economia emergente conseguirá se desenvolver adequadamente sem trabalhar o fator preço, aquele que impacta diretamente o custo final do produto.***
A competitividade é uma soma de ações em diversas áreas, mas não é uma poção mágica, que estabelecerá com os competidores a igualdade de condições da noite para o dia.
A lógica de qualquer política industrial consistente é a de criar condições iniciais favorecidas para a produção nacional, mas visas do mais à frente a sustentabilidade do setor.
Tome-se o caso dos setores que serão beneficiados pelas compras da Petrobras. Em um primeiro momento ganharão encomendas e ampliarão a estrutura. Mas sem preços competitivos se criará uma indústria de estufa, incapaz de oferecer seus produtos a terceiros.
***
Suponha um determinado produto competindo com o estrangeiro. Em relação aos países avançados, o Brasil possui as seguintes desvantagens:
1. Carga tributaria elevada.
2. Custo da infraestrutura
3. Folha salarial sobrecarregada com encargos.
4. Custo do investimento.
5. Baixo estágio tecnológico.
6. Estrutura incipiente de investimento em inovação.
Todos esses fatores encarecem o custo do produto brasileiro de forma expressiva, especialmente nos setores mais dinâmicos da economia, em que há maior valor agregado.
***
São esses setores – mais expostos à concorrência internacional – que garantem o dinamismo da economia, a qualificação do emprego, os avanços tecnológicos, os investimentos, a vitória nas disputas com produtos estrangeiros.
E a arena de batalha não é apenas o comércio internacional, mas o próprio mercado interno. A não ser que se pretenda fechar a economia brasileira, cada dia de apreciação cambial significa mais produtos brasileiros sendo substituídos por produtos importados.
***
Em todo processo de desenvolvimento – seja na Inglaterra do século 18, no Japão, Alemanha e Itália do pós-guerra, na Coréia dos anos 50, o tiro de partida para a recuperação ou para o início do crescimento foi o câmbio.
A razão é simples. Em cada linha de produto, há os de menos e os mais sofisticados. Países adiantados produzem os mais sofisticados, cobrando mais caro. Países menos adiantados apresentam a vantagem do preço.
Depois, à medida que as empresas vão crescendo, aumentam os investimentos em tecnologia e inovação e seus produtos passam a disputar segmentos mais avançados.
Não há mistério nessa fórmula, não se está contando novidade.
***
Ocorre que em momentos cruciais da história – fim do século 19, no pós-guerra, nos anos 90 – prevaleceu a política de apreciação cambial. E ligada a interesses imediatos seja do grande capital (que sempre especulou associado ao capital internacional), seja do populismo cambial de sucessivos governantes, preferindo faturar politicamente com a falsa sensação de fartura trazida pela moeda apreciada.
***
Se não se resolver a questão cambial, pré-sal e companhia não passarão de embromação.
É certo que políticos demagogos gostam de câmbio alto: dá a impressão de que somos ricos e de que todo mundo pode viajar para a Disneyworld duas vezes por ano. Claro que isso acontece e eles ficam contentes, mas a intenção inicial não era essa.
Valorização cambial é sempre o efeito de certo "sucesso" econômico: exportações crescentes, atração de capital estrangeiro, facilidade no lançamento de emissões internacionais. Mas ela é sempre o resultado, não a causa dos problemas de competitividade e de desequilíbrios (futuros, quase certamente).
Vejam também a lista dos problemas brasileiros abaixo relacionados:
"1. Carga tributaria elevada.
2. Custo da infraestrutura
3. Folha salarial sobrecarregada com encargos.
4. Custo do investimento.
5. Baixo estágio tecnológico.
6. Estrutura incipiente de investimento em inovação"
Ou seja, nenhum deles, friso, NENHUM, tem a ver com o câmbio. Todos eles são produzidos internamente, são nossos próprios pecados, problemas "made in Brazil", como se diz.
Como é, então, que, partindo desses problemas, se chega à conclusão de que se tem de desvalorizar o câmbio?
Só pode ser obsessão ou burrice.
O câmbio baixo vai reduzir a carga tributária, induzir à inovação, melhorar a infraestrutura?
Não, absolutamente nada, nadicas de peteberebas.
Então porque se tem de mexer no câmbio?
Ora, esse pessoal precisa ser coerente...
Paulo Roberto de Almeida
Os novos riscos de super-real
Blog Outras Palavras, 17/05/2011
Luís Nassif alerta: como nos anos 90, governo hesita em interromper valorização da moeda. Isso comprometerá desenvolvimento – e não será compensado por gambiarras
Pode-se colocar a Petrobras como agencia de desenvolvimento, adquirindo produtos nacionais. Pode-se aumentar substancialmente o capital do BNDES. Pode-se até criar estímulos fiscais para novos investimentos. Mas enquanto não se acertar o câmbio, será apenas uma fantasia, uma gambiarra, um arremedo de política industrial.
Nenhuma economia emergente conseguirá se desenvolver adequadamente sem trabalhar o fator preço, aquele que impacta diretamente o custo final do produto.***
A competitividade é uma soma de ações em diversas áreas, mas não é uma poção mágica, que estabelecerá com os competidores a igualdade de condições da noite para o dia.
A lógica de qualquer política industrial consistente é a de criar condições iniciais favorecidas para a produção nacional, mas visas do mais à frente a sustentabilidade do setor.
Tome-se o caso dos setores que serão beneficiados pelas compras da Petrobras. Em um primeiro momento ganharão encomendas e ampliarão a estrutura. Mas sem preços competitivos se criará uma indústria de estufa, incapaz de oferecer seus produtos a terceiros.
***
Suponha um determinado produto competindo com o estrangeiro. Em relação aos países avançados, o Brasil possui as seguintes desvantagens:
1. Carga tributaria elevada.
2. Custo da infraestrutura
3. Folha salarial sobrecarregada com encargos.
4. Custo do investimento.
5. Baixo estágio tecnológico.
6. Estrutura incipiente de investimento em inovação.
Todos esses fatores encarecem o custo do produto brasileiro de forma expressiva, especialmente nos setores mais dinâmicos da economia, em que há maior valor agregado.
***
São esses setores – mais expostos à concorrência internacional – que garantem o dinamismo da economia, a qualificação do emprego, os avanços tecnológicos, os investimentos, a vitória nas disputas com produtos estrangeiros.
E a arena de batalha não é apenas o comércio internacional, mas o próprio mercado interno. A não ser que se pretenda fechar a economia brasileira, cada dia de apreciação cambial significa mais produtos brasileiros sendo substituídos por produtos importados.
***
Em todo processo de desenvolvimento – seja na Inglaterra do século 18, no Japão, Alemanha e Itália do pós-guerra, na Coréia dos anos 50, o tiro de partida para a recuperação ou para o início do crescimento foi o câmbio.
A razão é simples. Em cada linha de produto, há os de menos e os mais sofisticados. Países adiantados produzem os mais sofisticados, cobrando mais caro. Países menos adiantados apresentam a vantagem do preço.
Depois, à medida que as empresas vão crescendo, aumentam os investimentos em tecnologia e inovação e seus produtos passam a disputar segmentos mais avançados.
Não há mistério nessa fórmula, não se está contando novidade.
***
Ocorre que em momentos cruciais da história – fim do século 19, no pós-guerra, nos anos 90 – prevaleceu a política de apreciação cambial. E ligada a interesses imediatos seja do grande capital (que sempre especulou associado ao capital internacional), seja do populismo cambial de sucessivos governantes, preferindo faturar politicamente com a falsa sensação de fartura trazida pela moeda apreciada.
***
Se não se resolver a questão cambial, pré-sal e companhia não passarão de embromação.
terça-feira, 17 de maio de 2011
Aceleraçao inflacionaria: finalmente a economia do PT...
Durante anos, os "melhores economistas" do PT pediram uma "outra política econômica", uma que não fosse tão neoliberal e conservadora, que não fosse monetarista e recessiva, que pudesse entregar crescimento e bem-estar para todos, sem aquelas velhas obsessões com o equilíbrio fiscal, os juros altos, o rigor orçamentário, enfim, essas velharias dos economistas ortodoxos.
Eles, como bons estruturalistas e desenvolvimentistas, queriam um melhor desempenho geral, o que significava uma menor preocupação com a inflação e maior com o emprego e a distribuição de renda. Como dizia Celso Furtado, pode-se aceitar um "pouquinho mais de inflação para ter um pouco mais de crescimento e mais emprego".
Deu no que deu: tiveram o seu crescimento e mais emprego, e também mais inflação.
Essa é a herança maldita da era Lula e o "triunfo definitivo" da política econômica petista, como eles queriam, da forma como eles queriam.
Pois bem, se precisavam de mais alguma prova, aí a tem: o teste foi feito.
Deixo vocês com um artigo a respeito.
Paulo Roberto de Almeida
Inflação fora de controle?
Rodrigo Constantino
O Globo, 17/05/2011
A inflação acumulada nos últimos 12 meses, medida pelo IPCA, passou de 6,5%. Rompeu, portanto, o topo da meta do Banco Central (BC). Ao que tudo indica, ela deverá subir ainda mais nos próximos meses. Diante deste quadro preocupante, o governo abusa da retórica, mas faz pouco para domar o dragão.
O BC, que não possui independência legal no Brasil, aposta em uma inflação migrando para o centro da meta em 2012. Seu presidente, Alexandre Tombini, chegou a afirmar que a medida do governo, de impor à BR Distribuidora uma redução de preço dos combustíveis, ajuda a combater a inflação. O ministro Guido Mantega pediu que empresários não repassassem aumentos dos custos. Será que voltamos aos tempos do congelamento de preços, que ataca o sintoma e não as causas da inflação? Qual será o próximo passo? Resgatar os famosos fiscais do Sarney?
O governo tem jogado a culpa da inflação em fatores exógenos, como a alta das commodities. É verdade que seu preço subiu bem nos últimos meses, o que também colaborou para o crescimento da economia brasileira, abundante em recursos naturais. Mas não é correto limitar o problema a este fator. Os preços ligados ao setor de serviços subiram ainda mais que a média geral, chegando perto de 9% nos últimos 12 meses. O que está causando esta acelerada alta dos preços então?
Como sabia Milton Friedman, a inflação é sempre um fenômeno monetário. Os demagogos já culparam até a ganância dos empresários, ou choques de oferta fora do controle dos governos, mas o fato é que nada disso produz aumento generalizado dos preços. Quando isto ocorre, é porque há aumento da base monetária e do crédito na economia. E ambos são controlados pelo governo. A inflação é uma deliberada política de governo.
Esta é a “herança maldita” que o governo Lula deixou para sua sucessora, que pouco tem feito para contornar o problema. Os gastos públicos explodiram nos últimos anos de mandato do presidente Lula, e o “corte” de R$ 50 bilhões anunciado pela presidente Dilma representa, na verdade, um aumento de gasto em relação a 2010, pois corta em cima de um orçamento inflado. O governo deveria efetivamente reduzir, de forma significativa, seus gastos explosivos.
Além disso, a expansão de crédito segue em ritmo irresponsável. O BNDES, que utilizou o argumento de medida anticíclica para aumentar absurdamente seus desembolsos durante a crise, não pisou no freio agora que a economia já está claramente aquecida, quiçá superaquecida. A demanda segue firme, a economia se encontra em pleno emprego e pode-se falar até mesmo em apagão de mão-de-obra em certos setores.
Para piorar a situação, o governo não apresentou uma única reforma estrutural, como a previdenciária, trabalhista ou tributária, que permitisse um choque de produtividade ao país. Os investimentos em infraestrutura e educação continuam pífios e de péssima qualidade. O modelo de expansão calcado em crédito e consumo está perto do esgotamento, e os gargalos levam justamente ao aumento da inflação. A economia brasileira parece um carro popular a 150 km/h em uma estrada esburacada, trepidando e com parafusos começando a se soltar. E há no governo quem pense que a solução é acelerar mais!
O BC fica de mãos atadas neste contexto. Suas medidas macroprudenciais são uma aposta incerta, e contar com a queda do preço das commodities é arriscar demais. Até porque uma correção das commodities poderia ser benéfica para a inflação, mas uma queda drástica poderia deteriorar nosso cenário econômico. Afinal, ele depende muito da melhora dos termos de troca, i.e., da alta do preço dos produtos que exportamos em relação ao que importamos. O governo deveria tomar cuidado com aquilo que deseja.
Para quem possui apenas um martelo, tudo se parece com um prego. Uma vez que o governo não faz sua parte, o único instrumento que o BC tem para atuar contra a inflação é a taxa de juros, além do compulsório dos bancos. Não existe mágica, ao contrário do que pensam os industriais da Fiesp. Manter a taxa de juros artificialmente baixa é permitir a volta do dragão inflacionário, o pior imposto para os mais pobres. Em um país com trauma de inflação e economia indexada, aceitar “um pouco mais” de inflação é brincar com fogo ao lado de um barril de pólvora. Nada recomendável.
A credibilidade de um banco central é crucial para ancorar as expectativas inflacionárias. Enquanto o governo ficar somente no discurso, os agentes de mercado terão motivos para receio. A pergunta é legítima: será que a inflação está saindo do controle?
Eles, como bons estruturalistas e desenvolvimentistas, queriam um melhor desempenho geral, o que significava uma menor preocupação com a inflação e maior com o emprego e a distribuição de renda. Como dizia Celso Furtado, pode-se aceitar um "pouquinho mais de inflação para ter um pouco mais de crescimento e mais emprego".
Deu no que deu: tiveram o seu crescimento e mais emprego, e também mais inflação.
Essa é a herança maldita da era Lula e o "triunfo definitivo" da política econômica petista, como eles queriam, da forma como eles queriam.
Pois bem, se precisavam de mais alguma prova, aí a tem: o teste foi feito.
Deixo vocês com um artigo a respeito.
Paulo Roberto de Almeida
Inflação fora de controle?
Rodrigo Constantino
O Globo, 17/05/2011
A inflação acumulada nos últimos 12 meses, medida pelo IPCA, passou de 6,5%. Rompeu, portanto, o topo da meta do Banco Central (BC). Ao que tudo indica, ela deverá subir ainda mais nos próximos meses. Diante deste quadro preocupante, o governo abusa da retórica, mas faz pouco para domar o dragão.
O BC, que não possui independência legal no Brasil, aposta em uma inflação migrando para o centro da meta em 2012. Seu presidente, Alexandre Tombini, chegou a afirmar que a medida do governo, de impor à BR Distribuidora uma redução de preço dos combustíveis, ajuda a combater a inflação. O ministro Guido Mantega pediu que empresários não repassassem aumentos dos custos. Será que voltamos aos tempos do congelamento de preços, que ataca o sintoma e não as causas da inflação? Qual será o próximo passo? Resgatar os famosos fiscais do Sarney?
O governo tem jogado a culpa da inflação em fatores exógenos, como a alta das commodities. É verdade que seu preço subiu bem nos últimos meses, o que também colaborou para o crescimento da economia brasileira, abundante em recursos naturais. Mas não é correto limitar o problema a este fator. Os preços ligados ao setor de serviços subiram ainda mais que a média geral, chegando perto de 9% nos últimos 12 meses. O que está causando esta acelerada alta dos preços então?
Como sabia Milton Friedman, a inflação é sempre um fenômeno monetário. Os demagogos já culparam até a ganância dos empresários, ou choques de oferta fora do controle dos governos, mas o fato é que nada disso produz aumento generalizado dos preços. Quando isto ocorre, é porque há aumento da base monetária e do crédito na economia. E ambos são controlados pelo governo. A inflação é uma deliberada política de governo.
Esta é a “herança maldita” que o governo Lula deixou para sua sucessora, que pouco tem feito para contornar o problema. Os gastos públicos explodiram nos últimos anos de mandato do presidente Lula, e o “corte” de R$ 50 bilhões anunciado pela presidente Dilma representa, na verdade, um aumento de gasto em relação a 2010, pois corta em cima de um orçamento inflado. O governo deveria efetivamente reduzir, de forma significativa, seus gastos explosivos.
Além disso, a expansão de crédito segue em ritmo irresponsável. O BNDES, que utilizou o argumento de medida anticíclica para aumentar absurdamente seus desembolsos durante a crise, não pisou no freio agora que a economia já está claramente aquecida, quiçá superaquecida. A demanda segue firme, a economia se encontra em pleno emprego e pode-se falar até mesmo em apagão de mão-de-obra em certos setores.
Para piorar a situação, o governo não apresentou uma única reforma estrutural, como a previdenciária, trabalhista ou tributária, que permitisse um choque de produtividade ao país. Os investimentos em infraestrutura e educação continuam pífios e de péssima qualidade. O modelo de expansão calcado em crédito e consumo está perto do esgotamento, e os gargalos levam justamente ao aumento da inflação. A economia brasileira parece um carro popular a 150 km/h em uma estrada esburacada, trepidando e com parafusos começando a se soltar. E há no governo quem pense que a solução é acelerar mais!
O BC fica de mãos atadas neste contexto. Suas medidas macroprudenciais são uma aposta incerta, e contar com a queda do preço das commodities é arriscar demais. Até porque uma correção das commodities poderia ser benéfica para a inflação, mas uma queda drástica poderia deteriorar nosso cenário econômico. Afinal, ele depende muito da melhora dos termos de troca, i.e., da alta do preço dos produtos que exportamos em relação ao que importamos. O governo deveria tomar cuidado com aquilo que deseja.
Para quem possui apenas um martelo, tudo se parece com um prego. Uma vez que o governo não faz sua parte, o único instrumento que o BC tem para atuar contra a inflação é a taxa de juros, além do compulsório dos bancos. Não existe mágica, ao contrário do que pensam os industriais da Fiesp. Manter a taxa de juros artificialmente baixa é permitir a volta do dragão inflacionário, o pior imposto para os mais pobres. Em um país com trauma de inflação e economia indexada, aceitar “um pouco mais” de inflação é brincar com fogo ao lado de um barril de pólvora. Nada recomendável.
A credibilidade de um banco central é crucial para ancorar as expectativas inflacionárias. Enquanto o governo ficar somente no discurso, os agentes de mercado terão motivos para receio. A pergunta é legítima: será que a inflação está saindo do controle?
Etica dos poroes (2): mais se "explica"...
Palocci se justifica, não se explica e tenta botar outros nomes da rodinha, Curiosamente, não cita José Dirceu!
Reinaldo Azevedo, 17/05/11
Quem sai aos seus não degenera, certo, Antonio Palocci? Leiam o que informa Gabriela Guerreiro na Folha Online. Volto em seguida:
A Casa Civil encaminhou nesta terça-feira e-mail a um grupo de senadores com explicações sobre a evolução do patrimônio do ministro Antônio Palocci nos últimos quatro anos. Na mensagem, a Casa Civil justifica a evolução no patrimônio ao lembrar que, como ex-ministro da Fazenda, Palocci recebeu uma “experiência única” que dá valor a profissionais de consultoria no mercado e cita outros ex-integrantes do governo que também enriqueceram ao deixarem seus cargos. “Não por outra razão, muitos outros se tornaram, em poucos anos, banqueiros, como os ex-presidentes do Banco Central e BNDES Pérsio Arida e André Lara Rezende, diretores de instituições financeiras como o ex-ministro Pedro Malan ou consultores de prestígio como o ex-ministro Maílson da Nóbrega.”
A Casa Civil também afirma que todas as informações relacionadas à evolução patrimonial do ministro constam de sua declaração de renda de pessoa física, assim como são “regularmente enviadas” à Receita Federal –incluindo informações da empresa Projeto, da qual Palocci tem 99,9% das ações. Diz ainda que Palocci não reside no apartamento de R$ 6,6 milhões comprado em São Paulo.
A empresa Projeto, segundo a nota, foi aberta em 2006 para a prestação de serviços de consultoria econômico-financeira - por meio da qual o ministro aumentou o seu patrimônio. “Não há nenhuma vedação que parlamentares exerçam atividade empresarial, como atesta a grande presença de advogados, pecuaristas e industriais no Congresso. Levantamento recente mostrou que 273 deputados federais e senadores da atual legislatura são sócios de estabelecimentos comercial, industrial, de prestação de serviços ou atividade rural”, diz a nota.
Na nota, a Casa Civil afirma que a empresa de Palocci prestou serviços para “clientes da iniciativa privada” –tendo recolhido sobre a remuneração os tributos devidos– mas sem mencionar quais os clientes. Diz ainda que muitos “ministros importantes” fizeram o percurso inverso ao vir do setor privado para o governo. “O patrimônio auferido pela empresa foi fruto desta atividade e é compatível com as receitas realizadas nos anos de exercício”, diz a Casa Civil.
O órgão argumenta que o objeto social da empresa foi modificado antes da posse de Palocci no ministério para “vedar qualquer prestação de serviço que implique conflito de interesse com o exercício de cargo público”. Segundo a Casa Civil, a gestão dos recursos da empresa foi transferida a uma “gestora de recursos” com autonomia para realizar aplicações e resgates –para evitar conflitos de interesse, seguindo recomendação da Comissão de Ética Pública da Presidência. Atualmente, segundo a mensagem, a empresa tem a “única função” de administrar os seus dois imóveis em São Paulo.
Voltei [Reinaldo Azevedo]:
Pois é… Palocci, como se nota, resolveu recorrer a alguns colaboradores do governo FHC e até a Mailson, que foi ministro de José Sarney, para se justificar, não para se explicar, já que explicação não há.
Há uma nada ligeira diferença entre os nomes acima elencados: depois que passaram a se dedicar à iniciativa privada, cessaram suas atividades públicas. Mailson, por exemplo, foi ministro — e de um período difícil, bem conturbado, na economia. Quando passou a ser consultor, estava claro que não tinha mais nenhuma interferência nos assuntos da República. Até porque Fernando Collor chegou tentando desmoralizar o governo anterior. Os clientes que confiam nas análises e conselhos de sua empresa sabem que não podem contar com ele para, por exemplo, fazer lobby partidário. Se é, e é, muito bem-sucedido em sua empreitada, é porque deve fazer análises pertinentes.
O mesmo se diga de Pérsio Arida e André Lara Rezende, não é mesmo? A estes dois, em particular a Pérsio, deve-se a engenharia única do Planto Real, que tirou o Brasil da taba. Encerrada as suas atividades no serviço público, todos souberam que eles haviam migrado para a iniciativa privada.
O problema de Palocci é outro. Quem sabia que ele tinha empresa de consultoria? Os primeiros a ignorar tal fato, estou certo, eram seus eleitores. Os três migraram para empresas conhecidas, reconhecidas pelo mercado em suas respectivas áreas. O que distingue a de Palocci na comparação com os exemplos por ele citados é a clandestinidade. Se ele revelasse o nome dos clientes, talvez diminuísse a sombra da suspeita — a menos, claro, que ela aumentasse…
Sua empresa era bem mais clandestina do que a de José Dirceu, que também enriqueceu no ramo da “consultoria”. Por alguma razão, Palocci não citou o caso do “companheiro” de partido. Os petistas mais íntimos, inclusive a presidente Dilma Rousseff, até poderiam saber de tudo, mas nem o mercado sabia — exceção feita aos “clientes” para os quais ele trabalhou. E olhem que Palocci poderia ter feito as coisas às claras, não? Sendo quem é, amado como é por setores do capital, poderia ter ganhado um dinheirão com palestras.
Mas, entendo, poderia pegar mal um deputado cobrar para falar em público. Ele preferiu cobrar para falar privadamente. Mais: há muitos empresários deputados, sem dúvida. Mas com o poder que Palocci tinha para interferir em questões de estado, eu diria, não há um só.
Reinaldo Azevedo, 17/05/11
Quem sai aos seus não degenera, certo, Antonio Palocci? Leiam o que informa Gabriela Guerreiro na Folha Online. Volto em seguida:
A Casa Civil encaminhou nesta terça-feira e-mail a um grupo de senadores com explicações sobre a evolução do patrimônio do ministro Antônio Palocci nos últimos quatro anos. Na mensagem, a Casa Civil justifica a evolução no patrimônio ao lembrar que, como ex-ministro da Fazenda, Palocci recebeu uma “experiência única” que dá valor a profissionais de consultoria no mercado e cita outros ex-integrantes do governo que também enriqueceram ao deixarem seus cargos. “Não por outra razão, muitos outros se tornaram, em poucos anos, banqueiros, como os ex-presidentes do Banco Central e BNDES Pérsio Arida e André Lara Rezende, diretores de instituições financeiras como o ex-ministro Pedro Malan ou consultores de prestígio como o ex-ministro Maílson da Nóbrega.”
A Casa Civil também afirma que todas as informações relacionadas à evolução patrimonial do ministro constam de sua declaração de renda de pessoa física, assim como são “regularmente enviadas” à Receita Federal –incluindo informações da empresa Projeto, da qual Palocci tem 99,9% das ações. Diz ainda que Palocci não reside no apartamento de R$ 6,6 milhões comprado em São Paulo.
A empresa Projeto, segundo a nota, foi aberta em 2006 para a prestação de serviços de consultoria econômico-financeira - por meio da qual o ministro aumentou o seu patrimônio. “Não há nenhuma vedação que parlamentares exerçam atividade empresarial, como atesta a grande presença de advogados, pecuaristas e industriais no Congresso. Levantamento recente mostrou que 273 deputados federais e senadores da atual legislatura são sócios de estabelecimentos comercial, industrial, de prestação de serviços ou atividade rural”, diz a nota.
Na nota, a Casa Civil afirma que a empresa de Palocci prestou serviços para “clientes da iniciativa privada” –tendo recolhido sobre a remuneração os tributos devidos– mas sem mencionar quais os clientes. Diz ainda que muitos “ministros importantes” fizeram o percurso inverso ao vir do setor privado para o governo. “O patrimônio auferido pela empresa foi fruto desta atividade e é compatível com as receitas realizadas nos anos de exercício”, diz a Casa Civil.
O órgão argumenta que o objeto social da empresa foi modificado antes da posse de Palocci no ministério para “vedar qualquer prestação de serviço que implique conflito de interesse com o exercício de cargo público”. Segundo a Casa Civil, a gestão dos recursos da empresa foi transferida a uma “gestora de recursos” com autonomia para realizar aplicações e resgates –para evitar conflitos de interesse, seguindo recomendação da Comissão de Ética Pública da Presidência. Atualmente, segundo a mensagem, a empresa tem a “única função” de administrar os seus dois imóveis em São Paulo.
Voltei [Reinaldo Azevedo]:
Pois é… Palocci, como se nota, resolveu recorrer a alguns colaboradores do governo FHC e até a Mailson, que foi ministro de José Sarney, para se justificar, não para se explicar, já que explicação não há.
Há uma nada ligeira diferença entre os nomes acima elencados: depois que passaram a se dedicar à iniciativa privada, cessaram suas atividades públicas. Mailson, por exemplo, foi ministro — e de um período difícil, bem conturbado, na economia. Quando passou a ser consultor, estava claro que não tinha mais nenhuma interferência nos assuntos da República. Até porque Fernando Collor chegou tentando desmoralizar o governo anterior. Os clientes que confiam nas análises e conselhos de sua empresa sabem que não podem contar com ele para, por exemplo, fazer lobby partidário. Se é, e é, muito bem-sucedido em sua empreitada, é porque deve fazer análises pertinentes.
O mesmo se diga de Pérsio Arida e André Lara Rezende, não é mesmo? A estes dois, em particular a Pérsio, deve-se a engenharia única do Planto Real, que tirou o Brasil da taba. Encerrada as suas atividades no serviço público, todos souberam que eles haviam migrado para a iniciativa privada.
O problema de Palocci é outro. Quem sabia que ele tinha empresa de consultoria? Os primeiros a ignorar tal fato, estou certo, eram seus eleitores. Os três migraram para empresas conhecidas, reconhecidas pelo mercado em suas respectivas áreas. O que distingue a de Palocci na comparação com os exemplos por ele citados é a clandestinidade. Se ele revelasse o nome dos clientes, talvez diminuísse a sombra da suspeita — a menos, claro, que ela aumentasse…
Sua empresa era bem mais clandestina do que a de José Dirceu, que também enriqueceu no ramo da “consultoria”. Por alguma razão, Palocci não citou o caso do “companheiro” de partido. Os petistas mais íntimos, inclusive a presidente Dilma Rousseff, até poderiam saber de tudo, mas nem o mercado sabia — exceção feita aos “clientes” para os quais ele trabalhou. E olhem que Palocci poderia ter feito as coisas às claras, não? Sendo quem é, amado como é por setores do capital, poderia ter ganhado um dinheirão com palestras.
Mas, entendo, poderia pegar mal um deputado cobrar para falar em público. Ele preferiu cobrar para falar privadamente. Mais: há muitos empresários deputados, sem dúvida. Mas com o poder que Palocci tinha para interferir em questões de estado, eu diria, não há um só.
Etica dos poroes (1): comecando a cheirar mal...
A Comissão de Ética do governo federal disse que não há nada a investigar no fato de o ministro Palocci ter saído de um patrimônio de 350 mil para um superior a 7 milhões de reais.
Eu também acho: coisa normal, qualquer um pode ganhar isso, basta fazer algumas consultorias bem pagas.
Eu vou pedir a ele algumas recomendações. Suponho que ele tinha tempo como deputado de se dedicar a consultorias, mas agora como ministro não deve ter tempo sobrando.
Pode ser que ele queira me passar o serviço...
Paulo Roberto de Almeida
"Palocci, desprendido e patriota"
Coluna Carlos Brickmann
Edição de Quarta-feira, 18 de maio de 2011
O caro leitor não deve imaginar que um repórter tenha acordado de manhã com a idéia de investigar o patrimônio do chefe da Casa Civil, Antônio Palocci. Digamos que é mais provável que alguma alma caridosa lhe tenha soprado a informação. A questão, portanto, não é apenas descobrir como é que o patrimônio de Sua Excelência teve tão substancial aumento; é também saber quem se beneficia com a publicação da notícia e o enfraquecimento de um ministro forte.
Da oposição, certamente, a notícia não partiu: quem não existe não distribui informação. Uma boa possibilidade é que tenha sido gente do Governo: gente que, embora com cargos pomposos e, imagina a opinião pública, de primeiro escalão, não consegue furar o cerco de Palocci e chegar à presidente da República. No PT e no Ministério, há inúmeros dignitários que têm todos os motivos para torpedear o primeiro-ministro - desculpe, o chefe da Casa Civil. Outra boa possibilidade são os aliados insatisfeitos: políticos que se aliaram ao PT pensando em bons cargos, daqueles que dão emprego e distribuem verbas, e acabaram esquentando os sofás das salas de espera, muito longe das tetas prometidas.
Dá para fazer uma bela lista de nomes ilustres, não é?
E não seria possível encerrar esta nota sem um elogio sincero ao ministro Antônio Palocci, um homem desambicioso e que só pensa no bem-estar da Pátria. Não é auspicioso saber que um político é capaz de trocar uma empresa de consultoria tão bem sucedida e lucrativa pelo trabalho mal-remunerado de ministro?
Fim de caso
A notícia sobre a multiplicação dos bens do ministro Palocci saiu no fim de semana, na segunda o Governo já tinha investigado tudo e resolvido o problema: segundo informaram, "o caso está encerrado". É uma boa idéia: suponha que algum órgão do Governo queira bisbilhotar algum fato pitoresco em sua vida financeira. Basta mandar-lhes um ofício: o caso está encerrado.
Eu também acho: coisa normal, qualquer um pode ganhar isso, basta fazer algumas consultorias bem pagas.
Eu vou pedir a ele algumas recomendações. Suponho que ele tinha tempo como deputado de se dedicar a consultorias, mas agora como ministro não deve ter tempo sobrando.
Pode ser que ele queira me passar o serviço...
Paulo Roberto de Almeida
"Palocci, desprendido e patriota"
Coluna Carlos Brickmann
Edição de Quarta-feira, 18 de maio de 2011
O caro leitor não deve imaginar que um repórter tenha acordado de manhã com a idéia de investigar o patrimônio do chefe da Casa Civil, Antônio Palocci. Digamos que é mais provável que alguma alma caridosa lhe tenha soprado a informação. A questão, portanto, não é apenas descobrir como é que o patrimônio de Sua Excelência teve tão substancial aumento; é também saber quem se beneficia com a publicação da notícia e o enfraquecimento de um ministro forte.
Da oposição, certamente, a notícia não partiu: quem não existe não distribui informação. Uma boa possibilidade é que tenha sido gente do Governo: gente que, embora com cargos pomposos e, imagina a opinião pública, de primeiro escalão, não consegue furar o cerco de Palocci e chegar à presidente da República. No PT e no Ministério, há inúmeros dignitários que têm todos os motivos para torpedear o primeiro-ministro - desculpe, o chefe da Casa Civil. Outra boa possibilidade são os aliados insatisfeitos: políticos que se aliaram ao PT pensando em bons cargos, daqueles que dão emprego e distribuem verbas, e acabaram esquentando os sofás das salas de espera, muito longe das tetas prometidas.
Dá para fazer uma bela lista de nomes ilustres, não é?
E não seria possível encerrar esta nota sem um elogio sincero ao ministro Antônio Palocci, um homem desambicioso e que só pensa no bem-estar da Pátria. Não é auspicioso saber que um político é capaz de trocar uma empresa de consultoria tão bem sucedida e lucrativa pelo trabalho mal-remunerado de ministro?
Fim de caso
A notícia sobre a multiplicação dos bens do ministro Palocci saiu no fim de semana, na segunda o Governo já tinha investigado tudo e resolvido o problema: segundo informaram, "o caso está encerrado". É uma boa idéia: suponha que algum órgão do Governo queira bisbilhotar algum fato pitoresco em sua vida financeira. Basta mandar-lhes um ofício: o caso está encerrado.
Que tal acabar com a estabilidade de funcionario publico?: eu topo...
Funcionarios públicos acham que a sociedade deve trabalhar para sustentá-los. Se eles não estão satisfeitos com o que ganham, não tem problema: eles podem parar, tranquilamente, fazer a sociedade de reféns, passar dias e dias parados, e nada acontece; simplesmente continuam ganhando igual.
Máfias sindicais são assim: assaltam o pobre do contribuinte e ainda acham que têm razão.
Eu simplesmente recomendo acabar com a estabilidade, totalmente, de todas e quaisquer categorias, inclusive de juízes. Juízes teriam estabilidade garantida durante 2 anos, renováveis mediante exame de produtividade e exames periódicos, para ver se melhoraram...
Todo o resto, sem garantia de estabilidade.
Para quê? Se é para não fazer nada, melhor fazer em casa...
Paulo Roberto de Almeida
Servidores rejeitam proposta da prefeitura e ameaçam parar
Alexandre Leboutte
Oferta de 6,51% desagrada os municipários, que reivindicam 18%.Os servidores públicos da prefeitura de Porto Alegre podem entrar em greve se o Executivo não alterar a proposta de conceder um índice de reajuste de 6,51%. A oferta foi apresentada na manhã de ontem à direção do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), em encontro que ocorreu no paço municipal.
"A proposta está muito abaixo do que a categoria está reivindicando e, se não for alterada, vamos discutir a possibilidade de greve na assembleia geral de quinta-feira", projetou a diretora-geral do Simpa, Carmen Padilha. Os municipários reivindicam um reajuste de 18%, que, segundo Carmen, compreenderia perdas desde 2005.
Na reunião com a direção do sindicato, o coordenador do Comitê de Política Salarial do município e secretário de Governança, Cézar Busatto (PMDB), propôs a reposição da inflação dos últimos doze meses. O índice de 6,51% (IPCA) seria aplicado aos salários e vale-alimentação.
O governo municipal também ofereceu um abono para complementar a diferença dos cerca de 3 mil servidores que têm o salário-base menor do que o mínimo nacional. Busatto destaca também o plano de saúde do IPE (Instituto de Previdência do Estado), que será implementado até outubro, e a reformulação do plano de carreira dos municipários. O secretário entende que as perdas reivindicadas pelos servidores se referem aos anos de 2003 e 2004, quando não receberam aumento em virtude do teto estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal à folha de pagamento. "Só em 2007 recuperamos o equilíbrio fiscal", observa.
Busatto diz que o percentual pedido "é inviável, está completamente fora da realidade, seria voltarmos a uma situação que não interessa nem aos servidores nem à cidade". A folha salarial do município é de R$ 121 milhões mensais e teria um acréscimo de R$ 20,8 milhões por mês se fosse atendida a reivindicação dos municipários. O secretário adianta que a reformulação da proposta não está nos planos do governo.
Os servidores fizeram ontem um dia de paralisação para pressionar a prefeitura a atender suas reivindicações. Participaram de um ato em frente ao paço municipal mais de 2 mil trabalhadores. Carmen Padilha estima que 70% da categoria aderiu ao movimento.
Foram garantidos os serviços essenciais, como os de saúde, e plantões do Deparamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) e da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov). A maior adesão ocorreu entre os professores das escolas municipais.
A possibilidade de greve gerou comentários na Câmara Municipal ontem. A vereadora Maria Celeste (PT) defendeu que o prefeito José Fortunati (PDT) receba os funcionários do município para negociar. O líder da base governista, João Dib (PP), acredita que a postura do prefeito está correta. "Esse é o papel da Secretaria de Governança. Senão, não precisa ter essa secretaria."
Máfias sindicais são assim: assaltam o pobre do contribuinte e ainda acham que têm razão.
Eu simplesmente recomendo acabar com a estabilidade, totalmente, de todas e quaisquer categorias, inclusive de juízes. Juízes teriam estabilidade garantida durante 2 anos, renováveis mediante exame de produtividade e exames periódicos, para ver se melhoraram...
Todo o resto, sem garantia de estabilidade.
Para quê? Se é para não fazer nada, melhor fazer em casa...
Paulo Roberto de Almeida
Servidores rejeitam proposta da prefeitura e ameaçam parar
Alexandre Leboutte
Oferta de 6,51% desagrada os municipários, que reivindicam 18%.Os servidores públicos da prefeitura de Porto Alegre podem entrar em greve se o Executivo não alterar a proposta de conceder um índice de reajuste de 6,51%. A oferta foi apresentada na manhã de ontem à direção do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), em encontro que ocorreu no paço municipal.
"A proposta está muito abaixo do que a categoria está reivindicando e, se não for alterada, vamos discutir a possibilidade de greve na assembleia geral de quinta-feira", projetou a diretora-geral do Simpa, Carmen Padilha. Os municipários reivindicam um reajuste de 18%, que, segundo Carmen, compreenderia perdas desde 2005.
Na reunião com a direção do sindicato, o coordenador do Comitê de Política Salarial do município e secretário de Governança, Cézar Busatto (PMDB), propôs a reposição da inflação dos últimos doze meses. O índice de 6,51% (IPCA) seria aplicado aos salários e vale-alimentação.
O governo municipal também ofereceu um abono para complementar a diferença dos cerca de 3 mil servidores que têm o salário-base menor do que o mínimo nacional. Busatto destaca também o plano de saúde do IPE (Instituto de Previdência do Estado), que será implementado até outubro, e a reformulação do plano de carreira dos municipários. O secretário entende que as perdas reivindicadas pelos servidores se referem aos anos de 2003 e 2004, quando não receberam aumento em virtude do teto estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal à folha de pagamento. "Só em 2007 recuperamos o equilíbrio fiscal", observa.
Busatto diz que o percentual pedido "é inviável, está completamente fora da realidade, seria voltarmos a uma situação que não interessa nem aos servidores nem à cidade". A folha salarial do município é de R$ 121 milhões mensais e teria um acréscimo de R$ 20,8 milhões por mês se fosse atendida a reivindicação dos municipários. O secretário adianta que a reformulação da proposta não está nos planos do governo.
Os servidores fizeram ontem um dia de paralisação para pressionar a prefeitura a atender suas reivindicações. Participaram de um ato em frente ao paço municipal mais de 2 mil trabalhadores. Carmen Padilha estima que 70% da categoria aderiu ao movimento.
Foram garantidos os serviços essenciais, como os de saúde, e plantões do Deparamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) e da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov). A maior adesão ocorreu entre os professores das escolas municipais.
A possibilidade de greve gerou comentários na Câmara Municipal ontem. A vereadora Maria Celeste (PT) defendeu que o prefeito José Fortunati (PDT) receba os funcionários do município para negociar. O líder da base governista, João Dib (PP), acredita que a postura do prefeito está correta. "Esse é o papel da Secretaria de Governança. Senão, não precisa ter essa secretaria."
Katia de Queiroz Mattoso - saudades de uma grande historiadora
Katia de Queiroz Mattoso: obituário de um membro do Conselho da RBPI
Paulo Roberto de Almeida
Sou suspeito para escrever sobre a professora e, sobretudo, amiga Katia de Queiroz Mattoso, por uma ou duas razões muito simples: eu era um admirador de sua obra, e com ela assinei um pequeno livro de história do Brasil, publicado em Paris, em 2002. Tive a ideia assim que cheguei em Paris, em 1993, e fui visitá-la, pedindo autorização para que um texto seu, sobre a história do Brasil dos tempos coloniais ao final do regime militar fosse editado pela Embaixada do Brasil, para uso dos estudantes secundários franceses, com um complemento meu sobre a fase contemporânea, até o final do governo Itamar Franco. O panfleto teve bom acolhimento entre as escolas, daí nossa decisão de passar a uma edição comercial, ampliada, graças a nosso bom amigo Denis Rolland, editor da coleção latino-americana da Harmattan, uma editora essencialmente universitária.
Estive em seu apartamento diversas vezes, numa pracinha fechada, perto da Avenue Victor Hugo, invariavelmente para encontros com historiadores brasileiros, franceses, americanos, enfim, com a pequena République des Lettres que circulava em torno da nossa grande dame da cadeira de Histoire du Brésil na Sorbonne (Paris-IV), onde fui diversas vezes, palestrar ou assistir aulas e dissertações sobre os mais diversos temas da história do Brasil e assuntos correlatos. Ela tinha um gabinete minúsculo na Sorbonne, mas sua casa estava sempre aberta aos muitos estudantes brasileiros, franceses ou de quaisquer outras nacionalidades que desejassem estudar o Brasil, em todos os seus aspectos. Todo historiador brasileiro passando pela França – e eles sempre foram muitas dezenas – tinha de falar com a “Katia”, o que geralmente terminava por uma sessão de conversa e de chá em seu apartamento acolhedor.
Também sou suspeito para falar (bem) dela, pois fui quem tomou a decisão de agraciá-la com a Ordem do Rio Branco, assim que a oportunidade se apresentou. Com razão, com mérito e com honra, pois pouca gente fez tanto pelo estudo da história do Brasil na França (e no mundo, pois alguns de seus livros e trabalhos foram também traduzidos para o inglês) quanto essa grega de origem, brasileira por casamento e baiana de coração. Minhas afinidades com ela também passavam pela carreira diplomática, já que ela também teve sua primeira experiência, no serviço exterior da Grécia, muito jovem, servindo como adida cultural na Embaixada da Grécia em Berna, que foi também meu primeiro posto diplomático, onde retomei um doutoramento interrompido algum tempo antes do final do regime militar. Intercambiavámos nossas impressões diplomáticas e assim ficamos amigos até o final, amizade partilhada com Carmen Lícia, minha esposa historiadora, a quem Katia ajudou muito nos contatos com bibliotecas, arquivos e historiadores franceses, na fase de pesquisa para sua tese de doutoramento sobre os viajantes franceses no Brasil, nos primeiros séculos da colonização.
Nos muitos encontros que tivemos em Paris – e depois, em visitas ocasionais – falávamos sobre tudo, especialmente sobre a Bahia, onde ela tinha vivido por longos anos e onde tinha dado aulas de história nas universidades federal e Católica de Salvador, e que tinha sido o objeto de sua monumental tese de Doctorat d’État (apresentada a uma banca respeitável em 1986), feita num modelo braudeliano e abordando a história social e econômica da mais importante província do Império. A tese foi mais tarde traduzida do francês e publicada pela Nova Fronteira (1992), como Bahia Século XIX: Uma província no Império, tendo sido muito bem acolhida pela crítica especializada, como a mais perfeita tradução da metodologia da escola dos Annales aplicada ao Brasil. De fato, esse trabalho condensa o que de mais importante se pesquisou e se escreveu sobre a Bahia nos planos antropológico, social, econômico e político, a partir de pesquisas de arquivo e de farto material secundário. Mas ela ficou mais famosa bem antes, talvez, pelo seu Être Esclave au Brésil (diversas edições em várias línguas), que renovou metodologicamente os estudos nessa área.
Ainda mais importante, provavelmente, foi seu trabalho como professora e orientadora de dezenas de estudantes brasileiros e estrangeiros, em todos os cursos de que foi responsável ou de que participou, na Bahia e na França. A cadeira de História do Brasil na Sorbonne foi criada especialmente para ela, tanto em homenagem ao seu trabalho, quanto em reconhecimento a seus esforços para elevar a qualidade e o padrão dos estudos brasileiros na França. Esta área estava anteriormente entregue a mestres franceses que, certamente, conheciam o Brasil e que aqui tinham vivido, mas que não tinham a sua sensibilidade de baiana e de brasileira para interpretar as peculiaridades de nossa trajetória histórica com o instrumental analítico francês e com o conhecimento profundo dos documentos e da sociedade brasileira. Essa cadeira, depois de sua aposentadoria da Sorbonne, passou aos cuidados do historiador Luís Felipe de Alencastro, que também conhece profundamente os arquivos brasileiros, africanos e a escola histórica francesa. Lembro-me de seminários na Sorbonne em que os dois pontificavam sobre episódios relevantes de nossa história passada e presente.
Ela deixou muitos netos, e bisnetos, no Brasil e na Grécia, e muitas saudades nos seus muitos amigos em três ou quatro continentes. Ela faleceu em 11 de janeiro de 2011, em Paris, França, aos 78 anos, e foi enterrada na tumba da família, em sua Grécia natal. A Revista Brasileira de Política Internacional orgulha-se dela ter aceitado integrar seu Conselho Editorial, e rende aqui uma homenagem modesta, mas sincera, a uma de nossas maiores historiadoras. Um livro em sua homenagem tinha sido organizado por um dos membros de sua banca de doutorado, de fato seu orientador, François Crouzet, e publicado na França quase dez anos atrás. Seus colegas professores da Universidade Federal da Bahia, da qual ela ostenta o título de Doutora Honoris Causa, poderiam organizar um novo volume em sua homenagem.
Brasília, 17 de maio de 2011
Paulo Roberto de Almeida
Sou suspeito para escrever sobre a professora e, sobretudo, amiga Katia de Queiroz Mattoso, por uma ou duas razões muito simples: eu era um admirador de sua obra, e com ela assinei um pequeno livro de história do Brasil, publicado em Paris, em 2002. Tive a ideia assim que cheguei em Paris, em 1993, e fui visitá-la, pedindo autorização para que um texto seu, sobre a história do Brasil dos tempos coloniais ao final do regime militar fosse editado pela Embaixada do Brasil, para uso dos estudantes secundários franceses, com um complemento meu sobre a fase contemporânea, até o final do governo Itamar Franco. O panfleto teve bom acolhimento entre as escolas, daí nossa decisão de passar a uma edição comercial, ampliada, graças a nosso bom amigo Denis Rolland, editor da coleção latino-americana da Harmattan, uma editora essencialmente universitária.
Estive em seu apartamento diversas vezes, numa pracinha fechada, perto da Avenue Victor Hugo, invariavelmente para encontros com historiadores brasileiros, franceses, americanos, enfim, com a pequena République des Lettres que circulava em torno da nossa grande dame da cadeira de Histoire du Brésil na Sorbonne (Paris-IV), onde fui diversas vezes, palestrar ou assistir aulas e dissertações sobre os mais diversos temas da história do Brasil e assuntos correlatos. Ela tinha um gabinete minúsculo na Sorbonne, mas sua casa estava sempre aberta aos muitos estudantes brasileiros, franceses ou de quaisquer outras nacionalidades que desejassem estudar o Brasil, em todos os seus aspectos. Todo historiador brasileiro passando pela França – e eles sempre foram muitas dezenas – tinha de falar com a “Katia”, o que geralmente terminava por uma sessão de conversa e de chá em seu apartamento acolhedor.
Também sou suspeito para falar (bem) dela, pois fui quem tomou a decisão de agraciá-la com a Ordem do Rio Branco, assim que a oportunidade se apresentou. Com razão, com mérito e com honra, pois pouca gente fez tanto pelo estudo da história do Brasil na França (e no mundo, pois alguns de seus livros e trabalhos foram também traduzidos para o inglês) quanto essa grega de origem, brasileira por casamento e baiana de coração. Minhas afinidades com ela também passavam pela carreira diplomática, já que ela também teve sua primeira experiência, no serviço exterior da Grécia, muito jovem, servindo como adida cultural na Embaixada da Grécia em Berna, que foi também meu primeiro posto diplomático, onde retomei um doutoramento interrompido algum tempo antes do final do regime militar. Intercambiavámos nossas impressões diplomáticas e assim ficamos amigos até o final, amizade partilhada com Carmen Lícia, minha esposa historiadora, a quem Katia ajudou muito nos contatos com bibliotecas, arquivos e historiadores franceses, na fase de pesquisa para sua tese de doutoramento sobre os viajantes franceses no Brasil, nos primeiros séculos da colonização.
Nos muitos encontros que tivemos em Paris – e depois, em visitas ocasionais – falávamos sobre tudo, especialmente sobre a Bahia, onde ela tinha vivido por longos anos e onde tinha dado aulas de história nas universidades federal e Católica de Salvador, e que tinha sido o objeto de sua monumental tese de Doctorat d’État (apresentada a uma banca respeitável em 1986), feita num modelo braudeliano e abordando a história social e econômica da mais importante província do Império. A tese foi mais tarde traduzida do francês e publicada pela Nova Fronteira (1992), como Bahia Século XIX: Uma província no Império, tendo sido muito bem acolhida pela crítica especializada, como a mais perfeita tradução da metodologia da escola dos Annales aplicada ao Brasil. De fato, esse trabalho condensa o que de mais importante se pesquisou e se escreveu sobre a Bahia nos planos antropológico, social, econômico e político, a partir de pesquisas de arquivo e de farto material secundário. Mas ela ficou mais famosa bem antes, talvez, pelo seu Être Esclave au Brésil (diversas edições em várias línguas), que renovou metodologicamente os estudos nessa área.
Ainda mais importante, provavelmente, foi seu trabalho como professora e orientadora de dezenas de estudantes brasileiros e estrangeiros, em todos os cursos de que foi responsável ou de que participou, na Bahia e na França. A cadeira de História do Brasil na Sorbonne foi criada especialmente para ela, tanto em homenagem ao seu trabalho, quanto em reconhecimento a seus esforços para elevar a qualidade e o padrão dos estudos brasileiros na França. Esta área estava anteriormente entregue a mestres franceses que, certamente, conheciam o Brasil e que aqui tinham vivido, mas que não tinham a sua sensibilidade de baiana e de brasileira para interpretar as peculiaridades de nossa trajetória histórica com o instrumental analítico francês e com o conhecimento profundo dos documentos e da sociedade brasileira. Essa cadeira, depois de sua aposentadoria da Sorbonne, passou aos cuidados do historiador Luís Felipe de Alencastro, que também conhece profundamente os arquivos brasileiros, africanos e a escola histórica francesa. Lembro-me de seminários na Sorbonne em que os dois pontificavam sobre episódios relevantes de nossa história passada e presente.
Ela deixou muitos netos, e bisnetos, no Brasil e na Grécia, e muitas saudades nos seus muitos amigos em três ou quatro continentes. Ela faleceu em 11 de janeiro de 2011, em Paris, França, aos 78 anos, e foi enterrada na tumba da família, em sua Grécia natal. A Revista Brasileira de Política Internacional orgulha-se dela ter aceitado integrar seu Conselho Editorial, e rende aqui uma homenagem modesta, mas sincera, a uma de nossas maiores historiadoras. Um livro em sua homenagem tinha sido organizado por um dos membros de sua banca de doutorado, de fato seu orientador, François Crouzet, e publicado na França quase dez anos atrás. Seus colegas professores da Universidade Federal da Bahia, da qual ela ostenta o título de Doutora Honoris Causa, poderiam organizar um novo volume em sua homenagem.
Brasília, 17 de maio de 2011
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