Agradeço à Mariana Corá por ter me dado a oportunidade de conhecer esta frase do poeta inefável... (seja lá o que isso queira dizer).
"Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre, pois não sendo mais que um espectador de mim mesmo, tenho que ter o melhor espetáculo que posso."
Fernando Pessoa
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
sexta-feira, 27 de maio de 2011
Incrivel: economia do PT virou neoliberal...
Corrigindo: não exatamente a "economia do PT" (se algo semelhante a isso existe, pois acredito que o partido continua economicamente esquizofrênico), mas a economia de certos dirigentes do PT que, no passado, defendiam ideias totalmente opostas, e que não tinham nenhum pudor em expor sua concepção maluca do mundo econômica.
Hoje, ao escutar o ministro Mantega falando, tem-se a impressão que se trata, vejamos, de um Henrique Meirelles, de um Armínio Fraga (quem sabe até o próprio Milton Friedman)...
What a difference a year makes (no caso, alguns anos no poder...).
Vejam, em todo caso, o que ele disse ontem:
Mantega quer regime de câmbio unificado
27 de Maio de 2011
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, deu nesta quinta-feira um duro recado aos países que "administram" suas taxas de câmbio. Ele defendeu "uma reforma global dos sistemas monetário internacional" cujo o principal objetivo deve ser a unificação de um regime cambial para todos os países. Mantega participou de conferência no Rio de Janeiro organizada pelo Ministério da Fazenda e o Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre fluxo de capitais em mercados emergentes
Para o ministro, a melhor opção é adotar conjuntamente um sistema de câmbio flutuante. Ele disse que "os desequilíbrios" atuais são decorrentes de disparidade entre os regimes e, muitos dos quais preveem o controle e a administração do câmbio de fluxos de capitais.
Sem citar nenhum país, Mantega fez uma clara referência à China que controla o yuan. Para o ministro, o sistema monetário internacional, constituído em Bretton Woods, ficou obsoleto a partir dos anos 1980 e não houve uma coordenação com os países com o objetivo de criar um novo sistema.
O ministro defende ainda a necessidade da criação de um sistema financeiro global com regras mais rígidas especialmente no que tange às regras de alavancagem (endividamento) das instituições financeiras. O atual sistema mais permissivo, diz, levou à crise global de 2008/2009.
Durante o evento, Mantega voltou a defender que as medidas do governo para tentar conter a sobrevalorização do real têm sido eficazes. Segundo ele, a cotação do dólar estaria muito mais baixa sem essas medidas. "Se não tivéssemos tomado essas medidas, se tivéssemos deixado o mercado à própria sorte, a cotação do dólar estaria em torno de R$ 1,30, R$ 1,40, causando estragos nas exportações de manufaturados. As medidas são eficazes", afirmou.
Mantega deu outro exemplo do sucesso desta política. Ele lembrou que, nos três primeiros meses do ano, o Brasil recebeu um fluxo financeiro de US$ 35 bilhões. Depois das medidas, o patamar caiu. Em maio, até o dia 20, o fluxo foi de US$ 3,3 bilhões, o que segundo ele, é razoável. "Isso tem afetado o investimento estrangeiro
direto (IED). No ano passado, entraram no País US$ 48,5 bilhões. Este ano, a previsão está em US$ 65 bilhões."
Min Zhu, assessor especial do diretor-gerente do FMI, afirmou no evento que a entidade que os países devem buscar uma reação "inteligente" em relação ao excesso de liquidez mundial. Segundo ele, assim os países podem aproveitar o atual momento para usar este fluxo para promover o crescimento e o progresso.
"As ideias básicas estão ancoradas em princípios econômicos sólidos, especificamente: as intervenções de política econômica devem adequar-se ao máximo ao problema em questão; a magnitude das intervenções deve ser compatível com as distorções que elas tentam solucionar e na definição de suas políticas, cada país deve levar em conta os reflexos e consequências multilaterais de suas medidas econômicas", disse.
Ele afirmou que medidas como valorização da taxa de câmbio, acumulação de reservas e adequação do mix de políticas fiscais e monetárias devem ser tomadas antes de medidas de imposição de controle ou de medidas prudenciais.
================
Apenas corrigindo um pouco o ministro: o sistema de Bretton Woods entrou em crise, na verdade, desde meados dos anos 1960, tendo vindo ao colapso em 1971. Em 1973 o Fundo reconheceu a impossibilidade de manter o regime do padrão ouro-dólar fixado em Bretton Woods, em 1944, e simplesmente eliminou de seu convênio constitutivo qualquer menção a um regime cambial de estabilidade administrada das moedas e de suas paridades respectivas.
Os países, portanto, são livres para fazer o que quiserem.
Durante muito tempo, por sinal, o PT preconizou controles cambiais e de capitais (ainda preconiza, para ser mais exato).
O fato de o ministro ser a favor da flutuação e que ele seja contrário aos controles excessivos só testemunha a se favor, e contra as suas conceopções anteriores. Ele é bem vindo ao realismo econômico, mas vem tarde, muito tarde.
Só precisa agora convencer o resto do seu partido para que abandonem as concepções primitivas, trogloditas, que muitos ainda mantêm sobre moeda, finanças, capitais, sobre o capitalismo enfim.
Eles deveriam pagar um imposto por se corrigirem tão tarde, juros de mora pelo atraso mental a que condenaram o país.
Ainda não se redimiram totalmente os esquizofrênicos...
Paulo Roberto de Almeida
Hoje, ao escutar o ministro Mantega falando, tem-se a impressão que se trata, vejamos, de um Henrique Meirelles, de um Armínio Fraga (quem sabe até o próprio Milton Friedman)...
What a difference a year makes (no caso, alguns anos no poder...).
Vejam, em todo caso, o que ele disse ontem:
Mantega quer regime de câmbio unificado
27 de Maio de 2011
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, deu nesta quinta-feira um duro recado aos países que "administram" suas taxas de câmbio. Ele defendeu "uma reforma global dos sistemas monetário internacional" cujo o principal objetivo deve ser a unificação de um regime cambial para todos os países. Mantega participou de conferência no Rio de Janeiro organizada pelo Ministério da Fazenda e o Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre fluxo de capitais em mercados emergentes
Para o ministro, a melhor opção é adotar conjuntamente um sistema de câmbio flutuante. Ele disse que "os desequilíbrios" atuais são decorrentes de disparidade entre os regimes e, muitos dos quais preveem o controle e a administração do câmbio de fluxos de capitais.
Sem citar nenhum país, Mantega fez uma clara referência à China que controla o yuan. Para o ministro, o sistema monetário internacional, constituído em Bretton Woods, ficou obsoleto a partir dos anos 1980 e não houve uma coordenação com os países com o objetivo de criar um novo sistema.
O ministro defende ainda a necessidade da criação de um sistema financeiro global com regras mais rígidas especialmente no que tange às regras de alavancagem (endividamento) das instituições financeiras. O atual sistema mais permissivo, diz, levou à crise global de 2008/2009.
Durante o evento, Mantega voltou a defender que as medidas do governo para tentar conter a sobrevalorização do real têm sido eficazes. Segundo ele, a cotação do dólar estaria muito mais baixa sem essas medidas. "Se não tivéssemos tomado essas medidas, se tivéssemos deixado o mercado à própria sorte, a cotação do dólar estaria em torno de R$ 1,30, R$ 1,40, causando estragos nas exportações de manufaturados. As medidas são eficazes", afirmou.
Mantega deu outro exemplo do sucesso desta política. Ele lembrou que, nos três primeiros meses do ano, o Brasil recebeu um fluxo financeiro de US$ 35 bilhões. Depois das medidas, o patamar caiu. Em maio, até o dia 20, o fluxo foi de US$ 3,3 bilhões, o que segundo ele, é razoável. "Isso tem afetado o investimento estrangeiro
direto (IED). No ano passado, entraram no País US$ 48,5 bilhões. Este ano, a previsão está em US$ 65 bilhões."
Min Zhu, assessor especial do diretor-gerente do FMI, afirmou no evento que a entidade que os países devem buscar uma reação "inteligente" em relação ao excesso de liquidez mundial. Segundo ele, assim os países podem aproveitar o atual momento para usar este fluxo para promover o crescimento e o progresso.
"As ideias básicas estão ancoradas em princípios econômicos sólidos, especificamente: as intervenções de política econômica devem adequar-se ao máximo ao problema em questão; a magnitude das intervenções deve ser compatível com as distorções que elas tentam solucionar e na definição de suas políticas, cada país deve levar em conta os reflexos e consequências multilaterais de suas medidas econômicas", disse.
Ele afirmou que medidas como valorização da taxa de câmbio, acumulação de reservas e adequação do mix de políticas fiscais e monetárias devem ser tomadas antes de medidas de imposição de controle ou de medidas prudenciais.
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Apenas corrigindo um pouco o ministro: o sistema de Bretton Woods entrou em crise, na verdade, desde meados dos anos 1960, tendo vindo ao colapso em 1971. Em 1973 o Fundo reconheceu a impossibilidade de manter o regime do padrão ouro-dólar fixado em Bretton Woods, em 1944, e simplesmente eliminou de seu convênio constitutivo qualquer menção a um regime cambial de estabilidade administrada das moedas e de suas paridades respectivas.
Os países, portanto, são livres para fazer o que quiserem.
Durante muito tempo, por sinal, o PT preconizou controles cambiais e de capitais (ainda preconiza, para ser mais exato).
O fato de o ministro ser a favor da flutuação e que ele seja contrário aos controles excessivos só testemunha a se favor, e contra as suas conceopções anteriores. Ele é bem vindo ao realismo econômico, mas vem tarde, muito tarde.
Só precisa agora convencer o resto do seu partido para que abandonem as concepções primitivas, trogloditas, que muitos ainda mantêm sobre moeda, finanças, capitais, sobre o capitalismo enfim.
Eles deveriam pagar um imposto por se corrigirem tão tarde, juros de mora pelo atraso mental a que condenaram o país.
Ainda não se redimiram totalmente os esquizofrênicos...
Paulo Roberto de Almeida
Mercosul galego: sera que funcionaria melhor?
Descobri que um antigo trabalho meu sobre o Mercosul, traduzido para o galego, estava disponível para download, o que fiz imediatamente, sem pagar direitos autorais a mim mesmo (acertarei as contas depois).
Em todo caso, quem se dispuser a ler em galego, pode me pedir por completo.
Abaixo, apenas a amostra.
O Mercosur e a crise: ¿que facer?
Paulo Roberto de Almeida (*)
Revista Tempo Exterior, nº 6 (segunda época) - xaneiro/xuño 2003
Parto dunha constatación clara: agregando ás crises individuais e específicas a cada país membro que se rexistra, nos planos económico ou político, desde finais dos anos 90, o Mercosur encóntrase igualmente en crise, desde 2001, polo menos. Pretendo nesta nota contribuír para: (a) ofrecer un diagnóstico sobre a natureza da crise; (b) discutir as implicacións diplomáticas da crise para as estratexias negociadoras comerciais nos planos rexional, hemisférico e multilateral; e (c) discutir posibles liñas alternativas de actuación na perspectiva do final de 2004, cando deberán ter sido feitas algunhas escollas básicas, para os países membros do Mercosur, con respecto aos actuais procesos negociadores nos foros da Alca, do Mercosur-UE e da OMC.
Fronte as indefinicións persistentes en canto ás iniciativas ou camiños que os países membros poderían adoptar no que respecta a conformación institucional ben como os requisitos de funcionamento da unión aduaneira que pretende ser o Mercosur, sería preciso ver claro onde están os intereses dos socios do bloque. Aínda que non sexa posíbel fornecer todas as respostas aos problemas ocasionados pola crise do proceso de integración, sería preciso comezar por formular as preguntas correctas na presente fase da crise, como forma de establecer os obxectivos a seren alcanzados dous ou tres anos máis adiante.
(...)
Chega, ou xega... ou llega, vocês escolhem...
Paulo Roberto de Almeida
Em todo caso, quem se dispuser a ler em galego, pode me pedir por completo.
Abaixo, apenas a amostra.
O Mercosur e a crise: ¿que facer?
Paulo Roberto de Almeida (*)
Revista Tempo Exterior, nº 6 (segunda época) - xaneiro/xuño 2003
Parto dunha constatación clara: agregando ás crises individuais e específicas a cada país membro que se rexistra, nos planos económico ou político, desde finais dos anos 90, o Mercosur encóntrase igualmente en crise, desde 2001, polo menos. Pretendo nesta nota contribuír para: (a) ofrecer un diagnóstico sobre a natureza da crise; (b) discutir as implicacións diplomáticas da crise para as estratexias negociadoras comerciais nos planos rexional, hemisférico e multilateral; e (c) discutir posibles liñas alternativas de actuación na perspectiva do final de 2004, cando deberán ter sido feitas algunhas escollas básicas, para os países membros do Mercosur, con respecto aos actuais procesos negociadores nos foros da Alca, do Mercosur-UE e da OMC.
Fronte as indefinicións persistentes en canto ás iniciativas ou camiños que os países membros poderían adoptar no que respecta a conformación institucional ben como os requisitos de funcionamento da unión aduaneira que pretende ser o Mercosur, sería preciso ver claro onde están os intereses dos socios do bloque. Aínda que non sexa posíbel fornecer todas as respostas aos problemas ocasionados pola crise do proceso de integración, sería preciso comezar por formular as preguntas correctas na presente fase da crise, como forma de establecer os obxectivos a seren alcanzados dous ou tres anos máis adiante.
(...)
Chega, ou xega... ou llega, vocês escolhem...
Paulo Roberto de Almeida
iPad2?: claro, pague dois e leve so um para casa...
Comparação de preços dos iPads2, aqui e na origem:
Básico:
US: 16GB, Wifi: $499.00
Brasil: R$ 1.649,00 (ou: US$ 1.030,62)
Mais sofisticado
US: 64GB, 3G: $829.00
Brasil: R$ 2.599,00 (ou: US$ 1.624,37)
Acho que o contrabando traz por um terço a mais, ou menos...
Básico:
US: 16GB, Wifi: $499.00
Brasil: R$ 1.649,00 (ou: US$ 1.030,62)
Mais sofisticado
US: 64GB, 3G: $829.00
Brasil: R$ 2.599,00 (ou: US$ 1.624,37)
Acho que o contrabando traz por um terço a mais, ou menos...
Protecionismo brasileiro nao tem limites (nem vergonha)
Aliás, nem cérebro, apenas instintos...
Selo ressuscitado
Renato Machado
26/05/2011
Que tal voltar no tempo, retroceder, reviver o passado? É o que aparentemente vai acontecer a partir do ano que vem com o vinho importado e com os consumidores que preferem gastar um pouco mais e beber um pouco melhor. O governo, seguindo uma orientação do Ministério da Fazenda, decidiu impor um novo custo ao vinho importado. Um resquício da época dos países fechados e protecionistas. Um selo a ser colado - literalmente - sobre a cápsula de cada garrafa de vinho que vem do exterior. O que significa abrir centenas de contêineres nos portos, abrir caixas de madeira e fazer esse trabalho, individualmente, garrafa por garrafa.
Custo maior
O que acarreta esse selo? Já o conhecemos das garrafas de destilados. O objetivo declarado é prevenir ou combater o contrabando que vem do Paraguai. No vinho, pelo que se ouviu falar em Brasília e entre os associados de organizações do sul, o objetivo é o mesmo - proteger o consumidor do contrabando. As associações argumentam que há muito vinho falsificado no mercado. Ainda não vi grandes borgonhas e bordeaux ou mesmo grandes vinhos australianos ou sul-africanos apreendidos em operações na fronteira do Paraguai. Cigarros, sim. Mas pode ser. O selo vai custar caro aos pequenos importadores, que não têm escala para fazer esse trabalho de forma moderna como as multinacionais.
Redundância
Os que são contra o selo dizem que o IPI já é pago, é um valor fixo por garrafa descontado automaticamente online no ato do registro do despacho de importação no sistema Siscomex. Portanto, o vinho só chega aos portos depois de pagos os impostos. O selo é apenas para que o comprador final saiba que aquilo é aquilo mesmo - um vinho importado. O importador terá os custos substancialmente elevados. Disse-me um deles que o desembaraço de um contêiner poderá levar mais de dois meses e o custo sobe de sete para cerca de 20 por cento. Um contêiner carrega mais de 10 mil garrafas. Imagine-se um pequeno importador tendo que abrir caixa por caixa na frente de um fiscal.
Punidos os bons
A imposição desse ônus vai ter o efeito óbvio de aumentar o preço por garrafa. Mais uma medida de proteção à industria nacional, dizem os que defendem o selo. O problema talvez seja convencer todos os consumidores de que a concorrência de fora é desleal. Os vinhos finos importados custam muito caro. E representam muito pouco no consumo total. O selo vai tornar mais caros os vinhos importados que realmente fazem concorrência aos brasileiros, que são os vinhos baratos, de garrafão e os vendidos a granel. O detalhe cruel é que os chilenos e argentinos, baratos em relação aos europeus, se beneficiam de isenções pelos acordos do Mercosul. Poucos serão afetados.
Detalhes cruéis
Quem defendeu a imposição do selo foram 14 organizações representativas do setor vitivinícola, metade delas com sede no Rio Grande do Sul. Estão na lista o Ibravin (Instituto Brasilieiro do Vinho), Uvibra, União Brasileira de Vitivivnicultura, Federação das Cooperativas Vinícolas do RS e Associação Gaúcha dos Vitivinicultores. Os que são contra dizem que por trás dessa manobra caríssima aos importadores está um velho conhecido, a reserva de mercado. E mais um detalhe cruel. Até 31 de dezembro, todas as garrafas de vinho importado terão que ter o selo, colado com produto não sintético. E os estoques de vinhos comprados antes dessa instrução normativa? Jogam-se ao mar?
Renato Machado começou a carreira jornalística no rádio, em 1967. Foi repórter da BBC e do Jornal do Brasil e correspondente da TV Globo em Londres. Apresentou o Jornal da Globo, o Fantástico e o Jornal Nacional e, desde 1996, é editor-chefe e apresentador do Bom Dia Brasil. Autor dos livros "Em volta da mesa" e "O assunto é vinho", este em parceria com Carlos Alberto Sardenberg, foi premiado pelo governo francês, em 2005, com o "Troféu do Espírito Alimentar" pela realização de documentários sobre vinhos na França. É titular de uma coluna mensal sobre vinhos, na revista Prazeres da Mesa, desde setembro de 2008.
Selo ressuscitado
Renato Machado
26/05/2011
Que tal voltar no tempo, retroceder, reviver o passado? É o que aparentemente vai acontecer a partir do ano que vem com o vinho importado e com os consumidores que preferem gastar um pouco mais e beber um pouco melhor. O governo, seguindo uma orientação do Ministério da Fazenda, decidiu impor um novo custo ao vinho importado. Um resquício da época dos países fechados e protecionistas. Um selo a ser colado - literalmente - sobre a cápsula de cada garrafa de vinho que vem do exterior. O que significa abrir centenas de contêineres nos portos, abrir caixas de madeira e fazer esse trabalho, individualmente, garrafa por garrafa.
Custo maior
O que acarreta esse selo? Já o conhecemos das garrafas de destilados. O objetivo declarado é prevenir ou combater o contrabando que vem do Paraguai. No vinho, pelo que se ouviu falar em Brasília e entre os associados de organizações do sul, o objetivo é o mesmo - proteger o consumidor do contrabando. As associações argumentam que há muito vinho falsificado no mercado. Ainda não vi grandes borgonhas e bordeaux ou mesmo grandes vinhos australianos ou sul-africanos apreendidos em operações na fronteira do Paraguai. Cigarros, sim. Mas pode ser. O selo vai custar caro aos pequenos importadores, que não têm escala para fazer esse trabalho de forma moderna como as multinacionais.
Redundância
Os que são contra o selo dizem que o IPI já é pago, é um valor fixo por garrafa descontado automaticamente online no ato do registro do despacho de importação no sistema Siscomex. Portanto, o vinho só chega aos portos depois de pagos os impostos. O selo é apenas para que o comprador final saiba que aquilo é aquilo mesmo - um vinho importado. O importador terá os custos substancialmente elevados. Disse-me um deles que o desembaraço de um contêiner poderá levar mais de dois meses e o custo sobe de sete para cerca de 20 por cento. Um contêiner carrega mais de 10 mil garrafas. Imagine-se um pequeno importador tendo que abrir caixa por caixa na frente de um fiscal.
Punidos os bons
A imposição desse ônus vai ter o efeito óbvio de aumentar o preço por garrafa. Mais uma medida de proteção à industria nacional, dizem os que defendem o selo. O problema talvez seja convencer todos os consumidores de que a concorrência de fora é desleal. Os vinhos finos importados custam muito caro. E representam muito pouco no consumo total. O selo vai tornar mais caros os vinhos importados que realmente fazem concorrência aos brasileiros, que são os vinhos baratos, de garrafão e os vendidos a granel. O detalhe cruel é que os chilenos e argentinos, baratos em relação aos europeus, se beneficiam de isenções pelos acordos do Mercosul. Poucos serão afetados.
Detalhes cruéis
Quem defendeu a imposição do selo foram 14 organizações representativas do setor vitivinícola, metade delas com sede no Rio Grande do Sul. Estão na lista o Ibravin (Instituto Brasilieiro do Vinho), Uvibra, União Brasileira de Vitivivnicultura, Federação das Cooperativas Vinícolas do RS e Associação Gaúcha dos Vitivinicultores. Os que são contra dizem que por trás dessa manobra caríssima aos importadores está um velho conhecido, a reserva de mercado. E mais um detalhe cruel. Até 31 de dezembro, todas as garrafas de vinho importado terão que ter o selo, colado com produto não sintético. E os estoques de vinhos comprados antes dessa instrução normativa? Jogam-se ao mar?
Renato Machado começou a carreira jornalística no rádio, em 1967. Foi repórter da BBC e do Jornal do Brasil e correspondente da TV Globo em Londres. Apresentou o Jornal da Globo, o Fantástico e o Jornal Nacional e, desde 1996, é editor-chefe e apresentador do Bom Dia Brasil. Autor dos livros "Em volta da mesa" e "O assunto é vinho", este em parceria com Carlos Alberto Sardenberg, foi premiado pelo governo francês, em 2005, com o "Troféu do Espírito Alimentar" pela realização de documentários sobre vinhos na França. É titular de uma coluna mensal sobre vinhos, na revista Prazeres da Mesa, desde setembro de 2008.
Togas ao vento (cerebros tambem, ao que parece): as ultimas do STF
De vez em quando eu me pergunto se os juízes do Supremo são seres normais.
Acho que não. Eles se julgam superiores a nós, simples mortais, que não temos essa faculdade de julgar definitivamente, só julgamos provisoriamente, e nos limites restritos, e limitadissimos, de nossas incompetências respectivas.
Comecei a desconfiar da sanidade mental de certos juízes quando eles julgaram que aquele terrorista assassino italiano devia ser expulso do Brasil e entregue à Justiça italiana (conforme dizem a lei e os tratados internacionais), mas eles deixaram que um presidente ainda mais insano decidisse em última instância, o que é propriamente inacreditável.
Agora eles decidiram decidir pela união de pessoas do mesmo sexo. Eu pessoalmente não tenho nada contra, mas não me parece que o assunto devesse merecer uma decisão do Supremo, na ausência de substrato constitucional que pudesse referendar ou apoiar tal decisão.
Eu acho, sim, que esses juízes, salvo melhor juízo, estão ficando malucos...
Ou jogando para a platéia, o que também é possível.
Em todo caso, aqui vai um artigo de alguém que, à diferença dos supremos (não acho que eles mereçam esse nome) resolveu colocar mais de dois neurônios para trabalhar...
Paulo Roberto de Almeida
STF adotou o “direito alternativo”
Mario Guerreiro (26/05/2011)
Há alguns dias uma decisão do STF, por maioria absoluta, reconheceu a constitucionalidade da união estável entre homossexuais. Todos a favor, nenhum contra. Coisa raríssima no STF! Parece que nenhum dos ministros queria ser voto vencido. E não vou indagar os motivos pelos quais não queria tal coisa. Nem vou dizer aqui o que pensava Nelson Rodrigues sobre toda unanimidade...
É verdade que a Constituição fala em união estável “entre homens e mulheres” e nada diz sobre a legalidade ou não de outras possíveis formas de união, como, por exemplo, a união estável entre seres humanos e animais em práticas de zoofilia.
Embora demasiadamente prolixa, metendo seu nariz em tópicos típicos da legislação ordinária, a volumosa Constituição de 88, não aprova nem reprova semelhantes uniões aberrantes: simplesmente se silencia. Como então que poderia ser justificada a decisão do STF?
Por mais que eu faça uma aeróbica dos meus neurônios, não consigo vislumbrar mais do que 2 justificativas. (1) Mediante uma hermenêutica capciosa, o STF entendeu que a expressão “união estável entre homens e mulheres” comportava não só uniões entre um homem e uma mulher, mas também uniões entre um homem e um homem, bem como entre uma mulher e uma mulher, ou seja: as assim chamadas “uniões estáveis entre gays”.
Qualquer pessoa medianamente culta e agraciada por Deus ou pelo código genético (ou mesmo por ambos) com a excelsa virtude do bom senso - ainda que não entenda patavina de Direito Constitucional e de hermenêutica jurídica – há de considerar escabrosa essa interpretação do texto constitucional.
A referida passagem do mesmo é clara como um dia ensolarado de verão nos trópicos e, seguindo o sábio adágio jurídico romano: In claris cessat interpretatio.
(2) Pondo de lado o texto constitucional, os ministros do Supremo resolveram fazer o que há muito tempo já fazem alguns juízes de primeira instância: adotaram o assim chamado “direito alternativo” – uma excrescência jurídica! - quando decidiram não embasados na lei, mas sim naquilo que eles entendem como “justiça”.
Em qualquer das duas alternativas e, sinceramente, não consigo vislumbrar uma terceira, a decisão do STF é simplesmente desastrosa. Numa linguagem mais contundente poderia ser dito que eles rasgaram a Constituição que tinham por missão preservar. E como não é possível recorrer a uma instância superior, sob a alegação de inconstitucionalidade, resta-nos tão-somente exercer o consagrado “jus sperniandi”.
Houve protestos no Congresso Nacional sob a alegação de que o STF ultrapassara os limites de sua competência - que consiste em decidir sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei – e invadiram os limites da competência do Poder Legislativo, que consiste em fazer ou desfazer leis, aprovar ou não emendas à Constituição.
Diz a Folha de São Paulo (7/5/2011): “Mas como a Constituição prevê essa união ‘entre homens e mulheres’, deputados e senadores dizem que seria prerrogativa do Congresso aprovar emenda constitucional para modificá-la”.
E ainda: “O Supremo fez uma atualização da lei que o Congresso se recusou a fazer. Mais uma vez o Congresso foi atropelado, ficou para trás e fica pequeno do tamanho que está”, diz o líder do DEM, senador Demóstenes Torres (GO).”
O senador - que antes de ingressar na carreira política foi membro do Ministério Público - sabe o que está dizendo e está coberto de razão. Penso até que ele usou um eufemismo ao dizer que “o Supremo fez uma atualização da lei” quando, em bom português, o que ele fez foi uma usurpação de uma prerrogativa do Congresso Nacional a quem cabe fazer emendas à Constituição. Ao Supremo cabe tão-somente decidir – quando, e somente quando, provocado – a constitucionalidade das emendas.
Alguns alegam que o Supremo foi levado a fazer o que fez em virtude da morosidade do Congresso. Sabe-se que, nos últimos 16 anos, foram produzidos mais de 20 projetos em defesa do homossexualismo, mas impasses políticos e a lentidão da tramitação das matérias não permitiram que os projetos fossem postos em votação.
Ora, todo mundo sabe que o Poder Legislativo é demasiadamente lento - assim como o próprio Poder Judiciário - mas isto não justifica que o primeiro venha a decidir alegações de inconstitucionalidade, nem que o segundo passe a fazer leis. Insisto que o aspecto mais grave da questão é os ministros do Supremo desconsiderarem um artigo claríssimo da Constituição e fazerem uma emenda constitucional – precedente este da mais alta gravidade institucional!
Se era justo ou injusto o reconhecimento estável de casais homossexuais, esta era uma questão a ser decidida pelo Congresso Nacional. O Supremo deveria se silenciar sobre um assunto alheio à sua competência. Como disse Percival Puggina em www.rplib.com.br em 6/5/2011:
“Quase não dormi. Embora creia que o Estado não tem por que tutelar todos os tipos de relações afetivas que se manifestem na sociedade, e que se restringe à família, por ser a instituição fundamental, o espaço reservado à sua proteção, não considero que o reconhecimento de direitos previdenciários às uniões homossexuais vá abalar os fundamentos da sociedade.
O que me manteve alerta, insone, foram algumas coisas que ouvi saírem da boca dos senhores ministros do STF durante o julgamento de ontem, quando, a toda hora, alguém pegava o microfone para dizer que o STF não estava se substituindo ao Congresso Nacional. Certamente o diziam por saberem, todos, que era exatamente isso que estavam fazendo.” (O grifo é meu).
Como se sabe, há muito que as várias Constituições brasileiras – assim como todas as Constituições das nações democráticas – adotaram a separação dos Três Poderes de Montesquieu. Mas, em Terra Brasilis, foi adotada a separação, porém fartamente desrespeitadas as atribuições específicas de cada qual dos Poderes.
Assim sendo, o Poder Executivo costuma legislar (mediante resoluções, portarias e outros tipos de norma feitas por burocratas), o Poder Legislativo costuma fazer julgamentos (mediantes CPIs e CPMIs que geralmente acabam em pizza com guaraná) e o Poder Judiciário agora passou a fazer leis e aprovar emendas à Constituição. Diante disso, Percival Puggina (em www.rplib.com.br em 6/5/2011) concluiu acertadamente:
“Foi uma coisa alarmante porque de duas uma: ou havia um vazio legislativo a ser "colmatado" e o STF legislou em contradição com a Constituição, ou era preciso declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do art. 226 da Carta da República, que estaria em contradição com aqueles princípios constitucionais que eles mastigavam sem dar satisfação para ninguém. É bom lembrar aos onze o ensinamento do ex-ministro Francisco Campos, para quem "repugnava ao regime de constituição escrita a distinção entre leis constitucionais em sentido material e formal. Em tal regime são indistintamente constitucionais todas as cláusulas constantes da constituição, seja qual for seu conteúdo ou natureza".
“Ademais, nas claríssimas palavras do doutrinador Jorge Miranda (também constituinte na democratização portuguesa), sequer os "órgãos de fiscalização instituídos por esse poder (constituinte) seriam competentes para apreciar e não aplicar, com base na Constituição, qualquer das suas normas. É um princípio de identidade ou de não contradição que o impede". Mude o Congresso a norma constitucional, se 3/5 de seus membros o desejarem. No Estado Democrático de Direito as coisas são feitas assim. Mas, para o bem desse mesmo Estado, nunca mais repita o STF tão arbitrária conduta!”
Acontece, porém, que no Brasil, como já dissemos em outro artigo, a lógica é alvo de grande desprezo: ninguém leva a sério o vetusto Princípio de Não-Contradição estabelecido por Aristóteles e permanecendo de pé há mais de 2.000 anos! Nem mesmo os ministros do Supremo!
Brasil: se cercar vira hospício e se jogar lona em cima vira circo.
Acho que não. Eles se julgam superiores a nós, simples mortais, que não temos essa faculdade de julgar definitivamente, só julgamos provisoriamente, e nos limites restritos, e limitadissimos, de nossas incompetências respectivas.
Comecei a desconfiar da sanidade mental de certos juízes quando eles julgaram que aquele terrorista assassino italiano devia ser expulso do Brasil e entregue à Justiça italiana (conforme dizem a lei e os tratados internacionais), mas eles deixaram que um presidente ainda mais insano decidisse em última instância, o que é propriamente inacreditável.
Agora eles decidiram decidir pela união de pessoas do mesmo sexo. Eu pessoalmente não tenho nada contra, mas não me parece que o assunto devesse merecer uma decisão do Supremo, na ausência de substrato constitucional que pudesse referendar ou apoiar tal decisão.
Eu acho, sim, que esses juízes, salvo melhor juízo, estão ficando malucos...
Ou jogando para a platéia, o que também é possível.
Em todo caso, aqui vai um artigo de alguém que, à diferença dos supremos (não acho que eles mereçam esse nome) resolveu colocar mais de dois neurônios para trabalhar...
Paulo Roberto de Almeida
STF adotou o “direito alternativo”
Mario Guerreiro (26/05/2011)
Há alguns dias uma decisão do STF, por maioria absoluta, reconheceu a constitucionalidade da união estável entre homossexuais. Todos a favor, nenhum contra. Coisa raríssima no STF! Parece que nenhum dos ministros queria ser voto vencido. E não vou indagar os motivos pelos quais não queria tal coisa. Nem vou dizer aqui o que pensava Nelson Rodrigues sobre toda unanimidade...
É verdade que a Constituição fala em união estável “entre homens e mulheres” e nada diz sobre a legalidade ou não de outras possíveis formas de união, como, por exemplo, a união estável entre seres humanos e animais em práticas de zoofilia.
Embora demasiadamente prolixa, metendo seu nariz em tópicos típicos da legislação ordinária, a volumosa Constituição de 88, não aprova nem reprova semelhantes uniões aberrantes: simplesmente se silencia. Como então que poderia ser justificada a decisão do STF?
Por mais que eu faça uma aeróbica dos meus neurônios, não consigo vislumbrar mais do que 2 justificativas. (1) Mediante uma hermenêutica capciosa, o STF entendeu que a expressão “união estável entre homens e mulheres” comportava não só uniões entre um homem e uma mulher, mas também uniões entre um homem e um homem, bem como entre uma mulher e uma mulher, ou seja: as assim chamadas “uniões estáveis entre gays”.
Qualquer pessoa medianamente culta e agraciada por Deus ou pelo código genético (ou mesmo por ambos) com a excelsa virtude do bom senso - ainda que não entenda patavina de Direito Constitucional e de hermenêutica jurídica – há de considerar escabrosa essa interpretação do texto constitucional.
A referida passagem do mesmo é clara como um dia ensolarado de verão nos trópicos e, seguindo o sábio adágio jurídico romano: In claris cessat interpretatio.
(2) Pondo de lado o texto constitucional, os ministros do Supremo resolveram fazer o que há muito tempo já fazem alguns juízes de primeira instância: adotaram o assim chamado “direito alternativo” – uma excrescência jurídica! - quando decidiram não embasados na lei, mas sim naquilo que eles entendem como “justiça”.
Em qualquer das duas alternativas e, sinceramente, não consigo vislumbrar uma terceira, a decisão do STF é simplesmente desastrosa. Numa linguagem mais contundente poderia ser dito que eles rasgaram a Constituição que tinham por missão preservar. E como não é possível recorrer a uma instância superior, sob a alegação de inconstitucionalidade, resta-nos tão-somente exercer o consagrado “jus sperniandi”.
Houve protestos no Congresso Nacional sob a alegação de que o STF ultrapassara os limites de sua competência - que consiste em decidir sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei – e invadiram os limites da competência do Poder Legislativo, que consiste em fazer ou desfazer leis, aprovar ou não emendas à Constituição.
Diz a Folha de São Paulo (7/5/2011): “Mas como a Constituição prevê essa união ‘entre homens e mulheres’, deputados e senadores dizem que seria prerrogativa do Congresso aprovar emenda constitucional para modificá-la”.
E ainda: “O Supremo fez uma atualização da lei que o Congresso se recusou a fazer. Mais uma vez o Congresso foi atropelado, ficou para trás e fica pequeno do tamanho que está”, diz o líder do DEM, senador Demóstenes Torres (GO).”
O senador - que antes de ingressar na carreira política foi membro do Ministério Público - sabe o que está dizendo e está coberto de razão. Penso até que ele usou um eufemismo ao dizer que “o Supremo fez uma atualização da lei” quando, em bom português, o que ele fez foi uma usurpação de uma prerrogativa do Congresso Nacional a quem cabe fazer emendas à Constituição. Ao Supremo cabe tão-somente decidir – quando, e somente quando, provocado – a constitucionalidade das emendas.
Alguns alegam que o Supremo foi levado a fazer o que fez em virtude da morosidade do Congresso. Sabe-se que, nos últimos 16 anos, foram produzidos mais de 20 projetos em defesa do homossexualismo, mas impasses políticos e a lentidão da tramitação das matérias não permitiram que os projetos fossem postos em votação.
Ora, todo mundo sabe que o Poder Legislativo é demasiadamente lento - assim como o próprio Poder Judiciário - mas isto não justifica que o primeiro venha a decidir alegações de inconstitucionalidade, nem que o segundo passe a fazer leis. Insisto que o aspecto mais grave da questão é os ministros do Supremo desconsiderarem um artigo claríssimo da Constituição e fazerem uma emenda constitucional – precedente este da mais alta gravidade institucional!
Se era justo ou injusto o reconhecimento estável de casais homossexuais, esta era uma questão a ser decidida pelo Congresso Nacional. O Supremo deveria se silenciar sobre um assunto alheio à sua competência. Como disse Percival Puggina em www.rplib.com.br em 6/5/2011:
“Quase não dormi. Embora creia que o Estado não tem por que tutelar todos os tipos de relações afetivas que se manifestem na sociedade, e que se restringe à família, por ser a instituição fundamental, o espaço reservado à sua proteção, não considero que o reconhecimento de direitos previdenciários às uniões homossexuais vá abalar os fundamentos da sociedade.
O que me manteve alerta, insone, foram algumas coisas que ouvi saírem da boca dos senhores ministros do STF durante o julgamento de ontem, quando, a toda hora, alguém pegava o microfone para dizer que o STF não estava se substituindo ao Congresso Nacional. Certamente o diziam por saberem, todos, que era exatamente isso que estavam fazendo.” (O grifo é meu).
Como se sabe, há muito que as várias Constituições brasileiras – assim como todas as Constituições das nações democráticas – adotaram a separação dos Três Poderes de Montesquieu. Mas, em Terra Brasilis, foi adotada a separação, porém fartamente desrespeitadas as atribuições específicas de cada qual dos Poderes.
Assim sendo, o Poder Executivo costuma legislar (mediante resoluções, portarias e outros tipos de norma feitas por burocratas), o Poder Legislativo costuma fazer julgamentos (mediantes CPIs e CPMIs que geralmente acabam em pizza com guaraná) e o Poder Judiciário agora passou a fazer leis e aprovar emendas à Constituição. Diante disso, Percival Puggina (em www.rplib.com.br em 6/5/2011) concluiu acertadamente:
“Foi uma coisa alarmante porque de duas uma: ou havia um vazio legislativo a ser "colmatado" e o STF legislou em contradição com a Constituição, ou era preciso declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do art. 226 da Carta da República, que estaria em contradição com aqueles princípios constitucionais que eles mastigavam sem dar satisfação para ninguém. É bom lembrar aos onze o ensinamento do ex-ministro Francisco Campos, para quem "repugnava ao regime de constituição escrita a distinção entre leis constitucionais em sentido material e formal. Em tal regime são indistintamente constitucionais todas as cláusulas constantes da constituição, seja qual for seu conteúdo ou natureza".
“Ademais, nas claríssimas palavras do doutrinador Jorge Miranda (também constituinte na democratização portuguesa), sequer os "órgãos de fiscalização instituídos por esse poder (constituinte) seriam competentes para apreciar e não aplicar, com base na Constituição, qualquer das suas normas. É um princípio de identidade ou de não contradição que o impede". Mude o Congresso a norma constitucional, se 3/5 de seus membros o desejarem. No Estado Democrático de Direito as coisas são feitas assim. Mas, para o bem desse mesmo Estado, nunca mais repita o STF tão arbitrária conduta!”
Acontece, porém, que no Brasil, como já dissemos em outro artigo, a lógica é alvo de grande desprezo: ninguém leva a sério o vetusto Princípio de Não-Contradição estabelecido por Aristóteles e permanecendo de pé há mais de 2.000 anos! Nem mesmo os ministros do Supremo!
Brasil: se cercar vira hospício e se jogar lona em cima vira circo.
Minha frase da semana - adaptada do velho Eca de Queiros
Fiz uma pequena supressão "religiosa" nesta frase Eça de Queirós em A Ilustre Casa de Ramires:
“Prefiro estar bem com ....a minha consciência, embora mal com o rei e com o reino.”
Grato pelo empréstimo (e mil perdões pela supressão...)
Paulo Roberto de Almeida
“Prefiro estar bem com ....a minha consciência, embora mal com o rei e com o reino.”
Grato pelo empréstimo (e mil perdões pela supressão...)
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