domingo, 15 de fevereiro de 2015

Indulging with myself: estatisticas de trabalhos produzidos e publicados, 1964-2014


Indulging with myself: estatísticas de trabalhos produzidos e publicados entre 1964 e 2014

Paulo Roberto de Almeida

Uma pequena digressão em torno das estatísticas de produção e de publicação de trabalhos, entre 1964 (o primeiro recuperado, embora não o primeiro elaborado) e 2014: são exatamente 50 anos dedicados a ler, anotar, refletir, escrever e publicar o que escrevo. A tabela, com os números consolidados ano a ano, e algumas médias calculadas ao final, pode ser vista neste link do Academia.edu: https://www.academia.edu/10801844/Estatisticas_de_Trabalhos_PRA_originais_e_publicados_1964-2014_. Devo ter começado a registrar meus trabalhos escritos, guardados e publicados, apenas depois de realizado o doutoramento, em 1984, quando tentei colocar em ordem (pela primeira vez, depois acho que desisti, mais ou menos) os papeis acumulados para a elaboração dos dois grossos volumes apresentados na Universidade de Bruxelas. Já prometi várias vezes que iria limpar a tralha, mas ainda não cumpri o prometido. Um dia, quem sabe...
Mudanças são ótimas oportunidades para se desfazer de papeis, mas na dúvida, ou seja, na hipótese de pretendermos usar aquele artigo copiado e não processado na devida forma para algum futuro trabalho, acabamos guardando e embalando de volta. Manias de leitor compulsivo e de escrevinhador inquieto com as devidas citações, sem dúvida. Mas o fato é que acabei consolidando uma primeira lista, feita em máquina de datilografia, e depois fui tentando manter ordem nessa bagunça, do contrário não me encontraria. Data dessa época a mania de colocar um número nos trabalhos finalizados, e apenas nos realmente finalizados, e, consequentemente, nos publicados. Segundo as pastas de papeis que ainda guardo, e as inúmeras pastas de working files que guardo no computador, desde que comecei a gravar e guardar arquivos eletrônicos, os papers disponíveis para reprocessamento são em número infinitamente maior do que os que foram registrados numericamente nestas duas listas; um dia prometo colocar ordem nessa outra bagunça, mas não sei quando esse dia vai chegar exatamente, pois as pastas continuam a aumentar de tamanho, e minha capacidade de processamento, et pour cause, não aumenta proporcionalmente.
Os interessados em saber quais são, exatamente, os trabalhos produzidos e publicados, podem se referir às dezenas de listas disponíveis em meu site pessoal, sob as rubricas de “Livros”, “Publicações” e “Trabalhos Originais”, listas que prometo melhorar a apresentação e corrigir eventuais links indisponíveis ou certas informações lacunares (ver em www.pralmeida.org).
O que figura na tabela estatística acima indicada são apenas alguns números consolidados, cuja informação relevante, como totalizações e média, já figura no final dessa tabela, mas que eu reproduzo aqui, com alguns comentários.
Entre 1964 (data simbólica, a mais de um título, quando de certa forma me dei conta, adolescente, de que o mundo e o Brasil eram um pouco mais complicados) e o final de 2014, são 50 anos de produção identificada, mas vários trabalhos originais (e um ou outro publicado) foram perdidos, no descuido da juventude, na saída (um pouco apressada) do Brasil, no final de 1970, no nomadismo europeu, com muitas mudanças de residência e poucas possibilidades de manter uma biblioteca organizada. Outros trabalhos, anteriores a 1964, e muitos outros intermediários até 1984, também se dispersaram na natureza, e entre esses figuram vários trabalhos tipicamente acadêmicos, que não deveriam, a rigor, contar para fins dos trabalhos escritos voluntariamente.
Considerando, portanto, unicamente aqueles que elaborei de forma sistemática ou metódica, registrei nessas listas 2.740 trabalhos originais, o que poderia fazer uma média de 54,8 trabalhos por ano, se ela não fosse relativamente enganosa pela escassez de produção registrada numa fase em que sequer de máquina de escrever eu dispunha. Nesses primeiros anos de vida estudantil, as ferramentas de trabalho eram aquelas disponíveis nos locais de trabalho, nas bibliotecas públicas, ou empréstimos de amigos. Em algum momento devo ter adquirido uma máquina de escrever pessoal, mas não consigo me lembrar absolutamente de quando ou onde, e o mais provável é que não tivesse meios de fazê-lo. A primeira máquina portátil de que me lembro foi uma de presente, que ganhei de um economista francês, socialista, trabalhando nas Comissões Europeias em torno de 1976, antes portanto de terminar o mestrado. Serviu-me para isso e depois levei ao Brasil de volta, em 1977. O teclado francês é aquele do azerty...
Para o doutoramento, já burguês quase convertido, adquiri uma IBM elétrica, de esferas, uma fortuna na Suíça, no início dos anos 1980, mas que me serviu durante anos, até praticamente o segundo ou terceiro computador, no final dessa década. Foi na volta do doutorado, em 1984, que comecei, portanto, a registrar linearmente (embora com várias lacunas no meio) todos os trabalhos produzidos, e os publicados, duas listas paralelas que se vinculam reciprocamente. Quais são os números, portanto?
São, então, 2.740 trabalhos originais, num total de 47.483 páginas escritas, o que representa 949 páginas por ano, e cerca de 70 trabalhos por mês. Na média são 17,3 páginas por trabalho, o que faz, digamos, um típico trabalho acadêmico. Se formos dividir essa maçaroca no inteiro período, seriam 2,6 páginas escritas por dia, todos os dias, mas não creio que seja uma média fiável para a produção verdadeiramente relevante. Se considerarmos o ano do doutoramento (incluído, portanto), a partir de 1984, o número de páginas produzidas representaria um volume de 46.247, ou 1.541 páginas por ano, ou 128,4 por mês, ou perto de 4,2 páginas por dia, o que aumenta, nesses 30 anos, a média anterior. O número de páginas por trabalho, que no total chegam a 2.657, permanece, no entanto, relativamente similar, de 17,4 páginas cada.
No que se refere aos trabalhos publicados, eles são em número de 1.160 para todo o período, ou cerca de 23,2 trabalhos por ano, ou quase dois trabalhos por mês publicados, com um total de 35.869 páginas publicadas; isso dá uma média de 717,4 páginas por ano, e de 30,9 páginas por trabalho publicado.
Mas, neste caso também existem grandes decalagens ao início, quando o número de trabalhos publicados é extremamente diminuto: apenas 17 (e deixo de lado algumas pequenas diversões estudantis, entre elas resenhas de livros, publicadas em pasquins de escolas e colégios). Portanto, se adotarmos o ano de 1984 (término do doutoramento) como ponto de partida, isso também aumenta significativamente a média da produção de trabalhos publicados a cada ano. Seriam 38 trabalhos publicados cada ano, ou mais de 3 por mês, nos mais diversos meios. Essas estatísticas são enganosas, pois há muita duplicação, voluntária e involuntária, permitida pelas ferramentas de comunicação que foram surgindo no período recente, e até publicações indesejadas, ou seja, reproduzidas em boletins e apenas detectadas a posteriori (é possível até que outros trabalhos tenham sido publicados sem que eu saiba, como uma pesquisa na internet poderia revelar).
Vou separar, quando tiver tempo, as publicações “científicas” – ou seja, as que passaram por algum processo de avaliação – daquelas meramente de ocasião, o que está parcialmente realizado na minha página do Academia.edu, à qual remeto para fins de verificação dessas listas: https://uniceub.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida. A maior parte dos trabalhos também está aí disponível, ou então em minha página. Não tenho nada a esconder em termos de produção intelectual, nem nada a apagar...
Feito em Hartford, em 15 de fevereiro de 2015.

A Arte da Resenha (para amantes de livros) - Paulo Roberto de Almeida (2006)

Revisando listas antigas, para fins de pura contabilidade, encontrei este trabalho, jamais publicado em alguma revista, e provavelmente apenas divulgado por este meio. Acredito que várias de suas considerações ainda permaneçam válidas, razão pela qual o divulgo novamente...
Paulo Roberto de Almeida


A arte da resenha
(para uso de aprendizes, neófitos e outros amantes de livros)

Paulo Roberto de Almeida
(um book-addicted e dependente livresco terminal...)

Não conheço as regras, se existem, que eventualmente se aplicariam à prática das resenhas literárias e confesso que nunca vi nenhum “manual do resenhista profissional” (creio que isso não existe, ainda que possa haver mercado para algum tipo de “How to do a perfect review” ou então “An Idiot’s Guide for Reviewing Books”). Em todo caso, não pretendo, no presente texto, ou em qualquer outro contexto, preencher essas lacunas ou responder a questões do tipo “tudo o que você sempre quis saber a respeito das resenhas de livros e nunca teve a quem perguntar”.
Meu propósito é mais modesto e totalmente autoexplicativo. Pretendo, apenas, delinear alguns princípios constitutivos do que poderia ser considerado uma resenha em moldes “normais”, uma vez que este gênero, em especial no Brasil, parece ter derivado para o equivalente das modernas guerras de religião, com trucidamentos impiedosos de um lado e excessos encomiásticos de outro. Sem pretender fazer um “Book review for beginners”, vejamos o que poderia ser dito de razoável neste campo da leitura crítica.

Como sou um book-lover irrecuperável, um leitor compulsivo e um anotador doentio – tendo já preenchido, desde a adolescência, vários cadernos de leituras, antes de passar às notas de computador –, pratico, desde o início desse meu não tão secreto vício da leitura contínua, o hábito dos resumos e das resenhas críticas. Faço-o por absoluto gosto da leitura anotada, e do debate crítico, ainda que unilateral e à distância, com o autor de cada um dos livros que leio. Antes – e durante certo tempo – tinha por hábito anotar à margem dos livros, o que só podia fazer, evidentemente, com aqueles que me pertenciam, sendo escusado fazê-lo, por respeito aos demais leitores e ao patrimônio bibliotecário, naqueles livros tomados de empréstimo, outro hábito secular meu, se ouso dizer, desde tempos imemoriais. Em todo caso, eu já freqüentava bibliotecas antes de aprender a ler, na “tardia” idade de sete anos. Creio que meu primeiro trabalho publicado, já na adolescência, foi uma resenha de um livro de Erich From – acho que foi Medo à Liberdade, versão brasileira, pela Zahar, de Escape From Freedom (1941) –, impresso em mimeógrafo a álcool num jornalzinho do grêmio acadêmico do colegial e que caberia algum dia recuperar.
Essas anotações à margem – que aumentam o valor dos livros usados quando seu autor é algum personagem famoso, cuja biblioteca foi reciclada ou doada por herdeiros “desprezíveis” – são incômodas, posto que “telegráficas” e incompreensíveis, ademais de incompletas, fora do contexto em que foram feitas. Daí minha inclinação, desde muito cedo, pela anotação crítica dos pontos relevantes de cada obra e uma avaliação final sobre a contribuição daquele livro para o conhecimento de algum campo especializado. Sim, devo confessar também que, salvo em raras ocasiões, minhas resenhas críticas sempre se dirigiram a obras de não ficção, uma vez que me confesso, não um “objeccionista” de obras puramente literárias, mas um leitor relativamente incapaz de realizar análises de obras de literatura stricto sensu. Meu “pecado original” sempre foi, e permanecerá sendo, a resenha de obras de não ficção, em especial no campo das humanidades, o que inclui também a economia e algumas vertentes das ciências “duras”.

Dito isto, vejamos agora o que eu considero que deva ser, ou constituir, uma resenha. Talvez fosse o caso de começar por dizer o que NÃO deve ser uma resenha.
Seria preciso, em primeiro lugar, que haja um mínimo de empatia entre o autor e o objeto em questão, ou seja, algum vínculo de interesse mais forte entre o resenhista e a obra examinada. Ainda que se possa conceber um exercício de crítica implacável, ou a condenação sem apelo de uma obra resenhada, não conviria que o animus examinandi do resenhista fosse totalmente negativo em relação ao autor do livro ou a temática do próprio. Resenhas sob encomenda, ou como obrigação profissional, podem correr esse risco, ainda que seja concebível a existência – aliás reconhecida – de resenhistas profissionais, pagos pelos órgãos da imprensa, para fazer exatamente esse tipo de trabalho. Mas, seria importante que o resenhista disponha de certa liberdade na escolha dos livros a serem examinados, como forma de garantir a já referida empatia.
Em segundo lugar, uma resenha tampouco deveria tentar descobrir supostas motivações pessoais do autor do livro sob exame, idéias que não estão explícitas, de forma transparente, na obra em questão. O único critério válido é o exame da obra em si, seus argumentos intrínsecos e explícitos, não o que possa pensar o autor sobre assuntos da vida civil ou suas opiniões expressas em outras circunstâncias e ocasiões, a propósito de outros temas. O que autor pensa deve se esconder atrás da obra, cujo conteúdo deve permanecer como critério único e exclusivo da atenção do resenhista.
Uma resenha também NÃO deve servir como meio de vingança por querelas passadas ou diferenças políticas e ideológicas que possam até dividir os “interlocutores” na vida civil. Trata-se de prática bastante comum nos meios de comunicação fortemente partidarizados ou dominados por alguma personalidade identificada com determinadas causas políticas e sociais. Não se pode excluir, é verdade, a exposição e o exame das posições políticas do autor da obra, mas o próprio resenhista deveria tentar separar esse aspecto da avaliação da obra, a não ser que esse aspecto seja inerente à temática exposta.

Vejamos, agora, o que pode ser uma resenha. Ela pode, obviamente, ser muitas coisas, ao mesmo tempo ou alternativamente, mas tudo depende da finalidade ou destinação da resenha em causa. Não estou considerando aqui “press releases” das próprias editoras ou notas factuais com finalidades puramente comerciais ou de simples informação e registro. Uma resenha deve conter uma exposição do conteúdo do livro, uma observação sobre o eventual ineditismo ou caráter original das informações ou dados nele contidos e alguma apreciação crítica sobre seu valor enquanto obra literária (ou científica, no sentido amplo).
Quanto à forma das resenhas, não existem propriamente padrões fixos. Os modelos consagrados são os mais variados possíveis, indo das pequenas notas às resenhas quilométricas. Essas variedades tendem a distribuir-se segundo os meios de divulgação. Jornais e revistas de informação geral parecem reservar espaço para apenas dois tipos de “resenhas”: curtas notas de registro sobre a publicação das obras correntes, isto é, a produção comercial das editoras, e resenhas stricto sensu que informam sobre o conteúdo e discutem as principais idéias ou argumentos do autor. Já os veículos especialmente consagrados à discussão da produção literária – periódicos especializados e suplementos literários dos próprios jornais – costumam abrigar resenhas lato sensu, que soem ser de maior amplitude.
Confesso minha preferência pelos artigos-resenhas – ao estilo dos review-articles do quinzenal literário The New York Review of Books (não confundir com The New York Times Book Review, o suplemento literário dominical desse jornal) – pois neles é possível discutir um grande problema mediante a apresentação de um ou mais livros que tratem do assunto em pauta. Trata-se de um gênero de resenhas muito pouco cultivado no Brasil, praticamente sem espaço em nossa imprensa, pois mesmo as revistas que agora surgiram para tratar de livros – como a Entrelivros, por exemplo – não ostentam, a propriamente falar, essas resenhas-artigos que fazem a fama da NYRB (a Entrelivros, aliás, publica resenhas do NYTBR). Nem sempre se trata de livros – pode ser uma exposição, ou um filme –, mas sempre é uma peça literária no mais alto sentido intelectual da palavra.

A forma não é, contudo, o coração da resenha, uma vez que ela pode ser tão mutável ou inovadora quanto os gêneros literários. O essencial da resenha está naquilo que é transmitido ao leitor, seu espírito e seu discurso. Uma resenha deve conter, antes de mais nada, um resumo dos argumentos principais do livro sob exame, dispensável, na parte relevante, quando se trata de uma trama policial, quando sequer se sugere o famoso “whodunit”, mas podem ser dadas as circunstâncias do crime. A exposição honesta, concisa e objetiva do teor do livro é um elemento essencial da resenha bem conduzida, sem a qual ficam lacunares tanto a discussão dos argumentos ou idéias do autor do livro quanto a crítica que se pretende fazer deles.
Uma vez apresentado o livro, idealmente no primeiro terço da resenha, caberia ao comentarista agregar outros elementos que permitam situar o livro no seu contexto, um pouco como sua posição no “estado da arte” daquele campo do conhecimento, o que no caso dos romances representaria discutir o que ele traz de novo ou de original em relação ao gênero no qual ele se situa. Essa parte também pode vir ao início, se há espaço suficiente para o resenhista começar o exame de uma obra pela avaliação do campo mais vasto no qual ela se situa.
O terceiro elemento central de uma resenha, obviamente, é a avaliação crítica do resenhista, sua apreciação favorável ou a indicação das limitações da obra em exame. Este ponto é um componente indispensável de toda resenha, ainda que bastante flexível em relação às possibilidades abertas segundo o veículo ao qual a resenha se destina. Uma revista acadêmica tem padrões bastante rígidos para a elaboração desse tipo de nota crítica, ao passo que um pasquim literário oferece latitude para considerações de ordem mais subjetiva. A resenha verdadeira sempre termina por algum julgamento de valor, o que por vezes descamba para alguma condenação sem recurso, segundo as escolas e clãs em que se divide a chamada république des lettres. São raros, contudo, os casos nos quais a resenha nada mais representa do que uma estocada mortal nas pretensões do autor a uma brilhante carreira literária. No mais das vezes, os golpes são superficiais, apenas para não inflar por demais o ego do autor, quando se trata do pura literatura.
Nos campos das ciências humanas e da economia, que constituem meus terrenos de manobras favoritos, a seriedade é de rigor, mas também já assisti a descomposturas em regra, quando não a poderosos tiros de canhão, como acontece nas verdadeiras guerras de religião, que nestes casos separam a esquerda – dominante nos meios da academia – de uma suposta direita, sempre envergonhada e quase inexistente. O que ocorre, geralmente, é que uma ala ignora a outra, sendo que a esquerda faz resenhas favoráveis de sua tribo e os liberais só se interessam pelos livros que eles reputam ter qualidades suficientes para merecer uma avaliação crítica. Não vou listar os veículos preferidos de uma ou outra escola, mas no terreno universitário todas as revistas estabelecidas ostentam, por dever de ofício, seções de resenhas, nas quais os mestrandos e outros candidatos a títulos podem exercer seus talentos até serem chamados a assinar verdadeiros artigos “científicos”.
Resumindo, e dando as “palavras-chave”, eu diria que uma boa resenha deveria ser feita dos seguintes elementos:
(a) Objeto: apresentação resumida do livro, com suas partes ou seções constitutivas e algum destaque para o argumento principal;
(b) Desenvolvimento: discussão das idéias centrais do autor, sua coerência intrínseca, sua validade extrínseca e contexto mais amplo nas quais elas podem ser inseridas;
(c) Avaliação: apreciação crítica, tanto do ponto de vista do conteúdo quanto do método, se for o caso, com balanço da contribuição do autor para a área do conhecimento;
(d) Prolegômenos e derivações: havendo espaço e possibilidade, a resenha pode começar discutindo o próprio campo no qual se situa a obra, fazendo um balanço do “estado da arte” e antecipando seu possível impacto para os estudos futuros naquele campo.

Voilà, creio ter apresentado o meu “manual” da resenha honesta, mas na verdade devo confessar que sou muito pouco sistemático, no sentido dos pontos acima resumidos. O que acaba valendo, para mim, é, finalmente, a empatia para com o livro ou o autor, elementos centrais, senão essenciais, de toda boa resenha. Vale!
Brasília, 24 de janeiro de 2006

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Addendum em 14/02/2015: 
Googlelizando um pouco agora, descobri que existem mais de 900 milhões de artigos indexados sobre a arte de resenhar um livro. Entre as primeiras listadas, figura inclusive um post que eu havia feito em torno de um artigo de George Orwell sobre essa exata questão:


Aproximadamente 916.000.000 resultados (0,44 segundos) 
Resultados da pesquisa
www.writing-world.com/freelance/asenjo.shtml
And even though I knew I didn't, that didn't stop me from firmly inserting my foot in my mouth by agreeing to conduct a book review writing workshop for my local ...
www.wikihow.com › ... › Books
How to Review a Book. Writing a book review is not just about summarizing; it's also an opportunity for you to present a critical discussion of the book.
www.wikihow.com › ... › Book Reviews
How to Write a Book Review. You've been assigned a book review but don't even know what book to pick, let alone how to write the review. Do you go for an ...
writingcenter.unc.edu › Handouts
This handout will help you write a book review, a report or essay that offers a critical perspective on a text. It offers a process and suggests some strategies for ...
www.booktrust.org.uk › Books › For teens › Writing tips
·  Other readers will always be interested in your opinion of the books you've read. Whether you've loved the book or not, if you give your honest and detailed ...
guides.library.queensu.ca › Guides - Traduzir esta página
23 de out de 2014 - A book review is both a description and an evaluation of a book. It should focus on the book's purpose, contents, and authority. Scan the Book's ...
www.enotes.com/topics/how-write-book-review
Here's a 10-step process you can use to review any book. 1) Don't read the book. At least, not yet. Instead, start by looking at it. Look for clues to the nature of the ...
en.wikipedia.org/wiki/Book_review
A book review is a form of literary criticism in which a book is analyzed based on content, style, and merit. A book review can be a primary source opinion piece, ...
teacher.scholastic.com/writewit/bookrev/tips.htm
This lesson plan invites students to plan, draft, revise, and publish a book review. Important writing tips and a professional writing model are particularly useful.
leo.stcloudstate.edu/acadwrite/bookrev.html
Steps for Writing a Good Book Review. Introduce the subject, scope, and type of book. Identify the book by author, title, and sometimes publishing information.
https://plus.google.com/.../H1ugAsdEa5H
1 de fev de 2015 - Reflexao da semana: George Orwell on book reviewing. Confessions of a Book Reviewer George Orwell Confessions of a Book Reviewer , 1946 [L.m./F.s.: ...



sábado, 14 de fevereiro de 2015

Ditaduras latino-americanas: um manifesto a favor das liberdades, e um teste historico...

Permito-me reproduzir abaixo um manifesto de apoio ao povo cubano escrito por intelectuais argentinos. Mas ele poderia ser aplicado, mutatis mutandis, ao povo venezuelano, nas mesmas circunstâncias. Assim diz o texto, no original, com cortes mínimos por conter informações desnecessárias: 

Ante la situación política de Cuba, un grupo de intelectuales argentinos dio a conocer una declaración, en la que expresa su apoyo moral al pueblo de ese país en su lucha para restablecer el imperio de la libertad y la justicia en la tierra de Martí. La declaración dice así:
Los escritores y artistas argentinos que subscriben (...) expresan su solidaridad con quienes, en otros pueblos de América, luchan por la liberación de sus respectivos países, sometidos a regímenes de fuerza. Desean manifestar especialmente su apoyo moral al pueblo cubano, que, tremendamente agraviado y despojado de las garantías elementales de la civilización política, sufre persecución, vejamen y tortura, y lucha con admirable decisión y valentía para abatir la dictadura y restablecer, en la tierra de Martí, el imperio de la libertad y la justicia, cimentados en la soberanía del pueblo y la vigencia del derecho.

Firmaram esse documento dezenas de nomes de intelectuais conhecidos na história artística e literária argentina, entre eles Adolfo Bioy Casares e Jorge Luis Borges. Pois bem, como ambos escritores, como se sabe, já não estão mais entre nós desde algum tempo, cabe fazer um esclarecimento a respeito e agregar um comentário pessoal sobre esse tipo de exercício, se eventualmente conduzido atualmente, e em direção da mesma Cuba, e da Venezuela, atualmente.

O texto, na verdade, não é atual, tendo sido publicado no diário El Mundo, de Buenos Aires, em 2 de março de 1958, e se referia, portanto, à luta dos democratas e revolucionários cubanos contra a ditadura de Fulgencio Batista
Os argentinos, então, saiam de uma outra ditadura, ainda que alguns a classificassem simplesmente de regime populista: o governo peronista, que tinha durando dez anos, desde o imediato pós-segunda guerra. Os intelectuais argentinos se orgulhavam, assim, de ter deixado para trás um triste período de sua história e se dispunham a ajudar outros povos da América Latina que também lutavam contra a ditadura em seus respectivos países, antecipando um pouco o que seria a chamada “doutrina Betancourt”, formulada depois de superada uma outra ditadura na Venezuela nesse mesmo ano de 1958 (e que levou inclusive o governo venezuelano a suspender relações diplomáticas com o Brasil, quando instalada aqui a ditadura militar de 1964).
Se me permito, agora, fazer um comentário atual, na verdade uma triste constatação, seria esta. Não creio que, atualmente, intelectuais brasileiros ou argentinos, ou de qualquer outro país latino-americano, se dispusessem a assinar um manifesto do mesmo teor – que poderia ter, inclusive, exatamente o mesmo texto – em favor do povo cubano ou do povo venezuelano, em luta pelo restabelecimento da democracia e do império da liberdade, da justiça e do direito naquela ilha e no grande país caribenho, a primeira desde cinqüenta anos dominada por um regime que prometeu acabar com uma ditadura opressiva, o segundo dominado por uma clique que na verdade obecede aos ditamos daquela ditadura caribenha.
Pode ser patético fazer tal tipo de constatação “regressiva”, mas ela nos revela o quanto recuaram os intelectuais latino-americanos na defesa da democracia e da liberdade em nossos países. Em nome de não se sabe qual ‘soberania popular’ e de não se sabe qual ameaça de ‘dominação imperialista’, intelectuais dos países latino-americanos se mostram muito mais dispostos, na verdade, a assinar, de forma totalmente servil e incompreensível, manifestos em favor da continuidade da ditadura na ilha caribenha. Se pretendesse citar nomes, eu poderia alinhar alguns acadêmicos brasileiros que cometeram a indignidade de apoiar o regime cubano quando este condenou à morte alguns balseros (boat-people) que tentavam fugir da ilha, em 2003. Triste constatação, sem dúvida, que talvez merecesse adjetivos mais fortes.
Da mesma forma, nenhum, não venho nenhum intelectual brasileiro, salvo dois ou três articulistas, se pronunciarem sobre o regime venezuelano.
 Tristes tempos...
Paulo Roberto de Almeida  
Hartford, 14 de fevereiro de 2015

Venezuela: Memorias do Carcere, versao bolivariana...

E o Mercosul, e a Unasul, não tem nada a ver com o que está acontecendo naquele país?
Não preciso de respostas, eu já sei...
Paulo Roberto de Almeida

Rei Momo chavista

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, exibiu mais uma vez seu pendor para a democracia, tão apreciado por Lula e Dilma Rousseff.
Leopoldo López, o principal prisioneiro político do chavismo, sofreu uma violenta busca em sua cela na prisão militar Ramo Verde. Um grupo de homens armados e mascarados, liderada pelo diretor da prisão, coronel Homero Miranda, destruiu os pertences pessoais e os documentos do líder do movimento oposicionista.
A Venezuela está se esfacelando. Nicolás Maduro será derrubado pelos militares. Mas vai fazer muitos estragos daqui até lá, com a cumplicidade do governo brasileiro.

Marcha do Impeachment: agora menos marcha e mais protesto mesmo - Guilherme Fiuza

Já estamos sabendo que a tropa de mafiosos, como convém a mafiosos, articulou com o seus fieis amigos e sócios na extorsão de dinheiro público, um meio de safar os principais malfeitores -- ou seja, os chefes da quadrilha e seus financiadores financiados por todos nós -- da ameaça de cadeia, ou da paralisação das atividades extrativas, justamente.
As chances do impeachment, que nunca foram muito grandes -- pois mesmo havendo motivos imperiosos, inclusive do ponto de vista criminal, seria barrado no legislativo -- agora diminuiram de vez. Sobra o protesto do dia 15 de março, a ser antecedido por um pronunciamento da soberana (e beneficiária no esquema).
Nunca antes neste país me senti espectador passivo de um espetáculo tão torpe quanto este.
Acredito que o jornalista Guilherme Fiuza ainda terá matéria para outros artigos entre a gozação e a indignação, que é o tom deste aqui.
Paulo Roberto de Almeida

Todo mundo de preto
Guilherme Fiuza
O Globo, 14/02/2015

O sustento nababesco dos companheiros com dinheiro público é uma das poucas instituições realmente sólidas no Brasil

Depois do carnaval, Dilma Rousseff fará um pronunciamento à nação, em cadeia nacional de rádio e TV, para defender a Petrobras. Providência oportuna. A maior estatal brasileira está afundando, e isso é grave. Como se sabe agora, uma boa fatia do dinheiro que ajuda o PT a ficar para sempre no poder é sugada da Petrobras. É o orçamento da revolução companheira que está em jogo — e com isso não se brinca.

Em defesa da Petrobras, Dilma deveria começar sua fala aos brasileiros condenando esse absurdo, esse descalabro que é a ação da polícia e da Justiça. De forma golpista e neoliberal, os homens da lei insistem em tentar sabotar o duto entre a estatal do petróleo e o Partido dos Trabalhadores. O sustento nababesco dos companheiros com dinheiro público é uma das poucas instituições realmente sólidas no Brasil do século 21 — e esses invejosos são assim mesmo, não podem ver nada funcionando direito que já querem melar. Só falta exigirem que os guerreiros do povo brasileiro devolvam as centenas de milhões de dólares que ganharam da Petrobras com o suor dos seus rostos e das suas mãos ágeis. Dilma não pode permitir esse golpe da elite branca.

No seu pronunciamento pós-carnavalesco, a presidenta mulher e oprimida precisa denunciar o preconceito. Como se não bastasse o trauma do mensalão, lá vêm as vozes reacionárias perseguir novamente as estrelas do proletariado. Será que o Brasil, esse insensível, não se lembra do sofrimento imposto ao nosso Delúbio, só porque o tesoureiro zelava pela segurança das transferências do Banco do Brasil para os cofres da revolução? Não, não se lembra. Senão não estaria impondo a mesma tortura a Vaccari. Só pode ser preconceito contra a categoria dos tesoureiros.

Agora está aí, nas manchetes da imprensa burguesa: João Vaccari e José Dirceu recebiam pessoalmente parte da propina da Petrobras destinada ao PT, segundo a investigação da Lava-Jato. Prezado brasileiro, você não está desconfiando de nada? Não percebe que são sempre os mesmos personagens implacavelmente perseguidos, só porque dão ao dinheiro do contribuinte a honra de financiar a rave deles no Palácio do Planalto?

Chega de discriminação contra o governo popular, chega de humilhar essa gente sofrida e milionária. Se vocês querem saber, seus conspiradores, os heróis do PT nem precisam desse dinheiro. Como acaba de ser revelado, o partido criou e oficializou a propina por dentro. Está dito e confirmado pelas testemunhas do petrolão: o suborno requerido aos fornecedores da Petrobras era convertido em doação legal ao PT. Propina oficial – com recibo, à luz do dia, tudo direitinho. Parem de perseguir quem está roubando honestamente.

Dilma, vá à televisão e grite contra os golpistas. O dinheiro abençoado do petrolão ajudou a bancar a sua reeleição, não permita que ponham sob suspeita a legitimidade do seu mandato — obtido com o voto consciente e a pilhagem mais consciente ainda. Defenda os companheiros que lhe têm bancado essa aventura inimaginável no leme da nação, com o mesmo ardor com que defendeu os mensaleiros. A nova CPI no Congresso possivelmente levará à discussão do seu impeachment. Corte esse mal pela raiz. Mande avisar que as mesadas serão cortadas e os traidores ficarão a ver navios, como esses que explodem a serviço da Petrobras.

Seu pronunciamento à nação será um sucesso, presidente. Carnaval terminado, todo mundo de ressaca e sem dinheiro — a sua aparição na TV será um bálsamo, tudo que o brasileiro estará desejando para recobrar o ânimo e encarar 2015 com alegria e otimismo. Não economize seu carisma e sua simpatia. Defenda a Petrobras com aqueles argumentos inteligentes usados na primeira reunião ministerial — acusando os inimigos de quererem “desprestigiar o capital nacional”. É bem verdade que naquela ocasião o teleprompter travou, justamente nessa frase. Foi oportuna a sua descompostura no operador da máquina. É muito desagradável gaguejar nessa frase depois do que o PT fez com a Petrobras.

Mas na gravação da mensagem aos brasileiros não haverá problema desse tipo. Errou, repete. Só não permita que seus olhos falem demais — não se esqueça de que eles não estão na delação premiada.

E você, cidadão brasileiro, não fiquei aí parado. Guarde um pouco da sua energia carnavalesca para ajudar Dilma Rousseff a defender a Petrobras e o bloco dos sujos. No dia do pronunciamento histórico, saia de casa de preto — a cor do petrolão, energia vital do governo popular. Se possível, na hora da cadeia obrigatória de rádio e TV vá para a rua trajando seu pretinho básico (não precisa assistir ao pronunciamento, você já sabe que a sua presidenta vai arrasar). Não se esqueça de deixar pendurado na janela também um pano preto, simbolizando a paz (dos cemitérios).

Ah, sim: leve uma vela acesa na mão, para iluminar o apagão governamental e ajudar a chefe da nação a encontrar a porta da saída.

Debate: a meritocracia da meritocracia nao diminui a virtude da meritocracia

O comentarista abaixo, Flavio Moura, pretende desmerecer a meritocracia pelo fato de os mais "meritocráticos" serem os filhos da "aristocracia", que tendem a se perpetuar no poder e na riqueza, justamente por serem filhos de quem já tem poder e riqueza.
Não se propõe nada substitutivo, mas a suposição é a de que o Estado precisa corrigir essas "deformações", provavelmente avançando sobre a fortuna dos mais ricos e distribuindo benesses entre os pobres, ou criando cotas para permitir a ascensão dos supostos oprimidos sociais.
Não há nada que justique o fim do argumento meritocrático, apenas porque alguns são mais meritocráticos do que outros. Este é um dado da realidade, que se explica pela mesma linha da desigualdade entre países: alguns são mais produtivos do que outros, porque o seu capital humano é maior e melhor. 
Qual a resposta a isso?: certamente não é responsabilizar os países mais ricos pela pobreza dos outros ou pretender transferir a sua riqueza para os países mais pobres, como se transferência de renda fosse melhorar a produtividade dos mais pobres.
Da mesma forma é falso o argumento que pretende que a educação é um "capital valioso [que] está cada vez mais escasso e [sendo] dominado pelos mais ricos e bem formados".
Não é simplesmente verdade. Todos reconhecem tratar-se de um capital valioso, mas os mais pobres ainda não tomarem plena consciência disso. Eles precisam ser convencidos pela educação, pela ibstrução, pelo ensino, pelo exemplo, pela experiência dos demais.
É falso o argumento que esse capital vem sendo dominado, ou seja, monopolizado, pelos mais ricos e poderosos, como se ele não estivesse aberto igualnente aos demais. 
É certo que os mais ricos tem acesso a uma educação melhor, por terem mais dinheiro, nas isso não diminui as chances dos mais pobres que buscam aceder ao ensino de qualidade pelo princípio meritocrático, ou seja pelo esforço individual. Muitas das grandes fortunas, nos EUA e em outros países, foram construídas por indivíduos sem títulos universitários, na base do lampejo individual, do esforço próprio, ou seja, na base da meritocracia.
A resposta para as falhas da meritocracia é mais meritocracia, não menos. 
Ou seja, todos os recursos individuais e públicos precisam ser devotados para a formação de capital humano. Se os ricos precisam ou podem ser mais taxados - mas se supõe que todos os países democráticos sejam mais progressivos do que regressivos em suas estruturas fiscais e impositivas -- todos os recursos adicionais devem ser dirigidos à educação, em todos os níveis, mas preferencialmente para os níveis básicos, elementares, técnico-profissionais. 
Nenhum país necessita de 100% de universitários, pesquisadores ou cientistas em sua população ativa, mas todos eles precisam de uma população educada e funcionalnente preparada para todas as tarefas da vida diária. Um país não precisa devotar todos os seus recursos para a educação superior, e se pode ter meritocracia também entre motoristas, bombeiros (encanadores), padeiros e açougueiros.
A ilusão é o igualitarismo. A solução para isso é o princípio meritocrático.
Paulo Roberto de Almeida

Até a bíblia do liberalismo reconhece que a meritocracia é uma ilusão

Foto: ReproduçãoFoto: ReproduçãoA revista TheEconomist pode ser criticada por vários motivos, mas jamais por ser uma publicação de esquerda. Fundada em 1843, é a mais influente divulgadora do pensamento liberal de recorte clássico, aquele com origem nos pensadores britânicos do século XVIII.

Metade dos colunistas da imprensa brasileira que se auto intitulam “liberais”, quando não estão vocalizando preconceitos de classe, se pautam por matérias publicadas nessa revista.

Por isso é particularmente revelador o silêncio desses mesmos colunistas a propósito da matéria de capa da edição da última semana de janeiro. “Uma meritocracia hereditária”, diz o título do texto principal.

O argumento é simples: nos Estados Unidos, a pátria da ideologia em torno das “oportunidades iguais”, virou piada falar em meritocracia. Pelo simples motivo de que os filhos dos ricos e poderosos estão cada vez mais aptos a ganhar mais dinheiro e poder que os demais.  

Claro que as elites econômicas, em todo lugar, sempre souberam se perpetuar e o nepotismo nunca deixou de ser um instrumento à mão.

Mas agora os americanos se deram conta de que a fração privilegiada das crianças e adolescentes, aquela cujos pais têm curso superior, dinheiro e boa rede de relações, é a que se encaixa melhor nos critérios meritocráticos.

Em outros termos: alguns “merecem” mais do que outros.

Há dados interessantes para embasar o argumento. Entre 1960 e 2005, a porcentagem de homens com diploma universitário que se casaram com mulheres que também concluíram o ensino superior subiu de 25% para 48%.

Isso significa um aumento bastante significativo na preocupação dos pais com a educação dos filhos. “As pessoas tendem a encorajar nos seus filhos o que valorizam nelas mesmas e nos seus parceiros”, diz o autor do texto.

Mais relevante do que isso: casais com ensino superior tendem a ter mais dinheiro para investir em educação. E isso tem gerado uma lacuna cada vez maior, do ponto de vista de renda, entre casais com maior escolaridade.

Eles também têm números para exemplificar: entre 1979 e 2012, a distância entre o rendimento de casais com nível universitário, em comparação aos vencimentos daqueles que têm apenas segundo grau, cresceu quatro vezes mais do que a distância entre os famosos “um por cento” mais ricos e o restante da sociedade.

Como é sabido para todos, o grande funil para a ascensão social é a educação – e o que a reportagem mostra é como esse capital valioso está cada vez mais escasso e dominado pelos mais ricos e bem formados.

Esse truísmo já está entronizado no pensamento de qualquer corrente que se queira preocupada com a desigualdade social. Mas é significativo que mesmo as bíblias do “liberalismo” contemplem essa nuance importante para a noção de “meritocracia”.

É um exemplo contundente de como a discussão está rebaixada por aqui.

O economista de esquerda mais festejado do momento, o francês Thomas Piketty, é a favor da economia de mercado e tira sarro da mentalidade presa na dicotomia da guerra fria.

A bíblia do liberalismo dá matéria de capa para construir uma noção menos chapada de meritocracia.

Já na briga de torcidas que impera por aqui, o pessoal continua gritando os disparates em branco e preto de costume.

Meritocracia para quem, cara-pálida? 

Nossos liberais mereciam estudar um pouco mais.

Brasil: o impeachment do impeachment, ou, como os mafiosos ganharam uma vez mais

Acho que foi o chefe da quadrilha que disse uma vez algo como: "eles não sabem do que somos capazes", ou "eles não sabem o que somos capazes de fazer".
Pensei que era só bravata, e de certa forma era.
Mas agora sabemos, realmente, do que eles são capazes. Tudo.
Mafiosos, no cinema ou na realidade, nunca acabam de verdade, não é verdade?
Eles continuam atazanando por aí até o próximo filme, certo?
Pois é...
Paulo Roberto de Almeida

Luís Inácio corre para salvar Luiz Inácio

O Antagonista, 14/02/2015

Agora ficou claro por que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse a um advogado de empreiteira, em reunião secreta, que a Operação Lava Jato "tomaria outro rumo" depois do carnaval e, portanto, ele "desaconselhava" que os executivos presos partissem para a delação premiada.

Em conluio com Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, dirigiu-se ao Tribunal de Contas da União (TCU), com uma Instrução Normativa redigida no Palácio do Planalto. Por essa Instrução Normativa, aprovada em tempo recorde, o TCU analisará concomitantemente com a Controladoria-Geral da União (CGU) os acordos de leniência firmados com o Estado. Isso garante que os acordos feitos no âmbito da CGU não correrão o risco de serem anulados depois pelo tribunal -- mesmo com um TCU dominado por PT e PMDB, as empreiteiras temiam essa possibilidade quando lhes propunham tal saída.

A aprovação da Instrução Normativa é ótima para Lula, Dilma e os larápios associados porque:

a) Acordos de leniência podem ser feitos diretamente com a CGU, sem passarem pela Justiça

b) Dessa forma, contorna-se o juiz Sergio Moro

c) Pelos termos de um acordo de leniência, as empresas reconhecem que praticaram os crimes, pagam uma multa e não são consideradas inidôneas. Podem continuar a assinar contratos com o governo em qualquer nível

d) Ao contrário do que ocorre com a delação premiada, elas não precisam contar tudo. Ou seja, que Lula e Dilma estão implicados até o pescoço no esquema do Petrolão

e) A chance de Dilma sofrer impeachment reduz-se dramaticamente, visto que será quase impossível imputar-lhe o crime de responsabilidade

f) Sem o perigo de falência, as empreiteiras podem dar um grande cala-a-boca ou um aguenta-aí-até-chegar-no-STF aos executivos presos e aos seus sócios em cana, como Ricardo Pessoa, da UTC, que ameaçavam seguir o caminho da delação premiada. A ameaça de Ricardo Pessoa de partir para a delação foi decisiva para o Planalto armar rapidamente o golpe

Luís Inácio Adams percorreu freneticamente os gabinetes dos ministros do TCU, acompanhado do ministro Bruno Dantas, para aprovar uma Instrução Normativa, repita-se, redigida no Palácio do Planalto, e não pelo ministro Bruno Dantas, como foi noticiado. Ninguém levantou a menor objeção.

A menos que um executivo preso ache insuportável a ideia de passar anos na cadeia, ainda que com o seu futuro assegurado economicamente, ou que a sociedade esboce reação, Luís Inácio salvou Luiz Inácio -- e Dilma.

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Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...