Revisando listas antigas, para fins de pura contabilidade, encontrei este trabalho, jamais publicado em alguma revista, e provavelmente apenas divulgado por este meio. Acredito que várias de suas considerações ainda permaneçam válidas, razão pela qual o divulgo novamente...
Paulo Roberto de Almeida
A
arte da resenha
(para uso de aprendizes, neófitos e outros amantes de
livros)
Paulo Roberto
de Almeida
(um book-addicted e dependente livresco
terminal...)
Não conheço as regras, se existem, que eventualmente se
aplicariam à prática das resenhas literárias e confesso que nunca vi nenhum
“manual do resenhista profissional” (creio que isso não existe, ainda que possa
haver mercado para algum tipo de “How to do a perfect review” ou então “An
Idiot’s Guide for Reviewing Books”). Em todo caso, não pretendo, no presente
texto, ou em qualquer outro contexto, preencher essas lacunas ou responder a
questões do tipo “tudo o que você sempre quis saber a respeito das resenhas de
livros e nunca teve a quem perguntar”.
Meu propósito é mais modesto e totalmente autoexplicativo.
Pretendo, apenas, delinear alguns princípios constitutivos do que poderia ser
considerado uma resenha em moldes “normais”, uma vez que este gênero, em
especial no Brasil, parece ter derivado para o equivalente das modernas guerras
de religião, com trucidamentos impiedosos de um lado e excessos encomiásticos
de outro. Sem pretender fazer um “Book review for beginners”, vejamos o que
poderia ser dito de razoável neste campo da leitura crítica.
Como sou um book-lover
irrecuperável, um leitor compulsivo e um anotador doentio – tendo já
preenchido, desde a adolescência, vários cadernos de leituras, antes de passar
às notas de computador –, pratico, desde o início desse meu não tão secreto
vício da leitura contínua, o hábito dos resumos e das resenhas críticas. Faço-o
por absoluto gosto da leitura anotada, e do debate crítico, ainda que
unilateral e à distância, com o autor de cada um dos livros que leio. Antes – e
durante certo tempo – tinha por hábito anotar à margem dos livros, o que só
podia fazer, evidentemente, com aqueles que me pertenciam, sendo escusado
fazê-lo, por respeito aos demais leitores e ao patrimônio bibliotecário,
naqueles livros tomados de empréstimo, outro hábito secular meu, se ouso dizer,
desde tempos imemoriais. Em todo caso, eu já freqüentava bibliotecas antes de
aprender a ler, na “tardia” idade de sete anos. Creio que meu primeiro trabalho
publicado, já na adolescência, foi uma resenha de um livro de Erich From – acho
que foi Medo à Liberdade, versão
brasileira, pela Zahar, de Escape From
Freedom (1941) –, impresso em mimeógrafo a álcool num jornalzinho do grêmio
acadêmico do colegial e que caberia algum dia recuperar.
Essas anotações à margem – que aumentam o valor dos
livros usados quando seu autor é algum personagem famoso, cuja biblioteca foi
reciclada ou doada por herdeiros “desprezíveis” – são incômodas, posto que
“telegráficas” e incompreensíveis, ademais de incompletas, fora do contexto em
que foram feitas. Daí minha inclinação, desde muito cedo, pela anotação crítica
dos pontos relevantes de cada obra e uma avaliação final sobre a contribuição
daquele livro para o conhecimento de algum campo especializado. Sim, devo
confessar também que, salvo em raras ocasiões, minhas resenhas críticas sempre
se dirigiram a obras de não ficção, uma vez que me confesso, não um
“objeccionista” de obras puramente literárias, mas um leitor relativamente
incapaz de realizar análises de obras de literatura stricto sensu. Meu “pecado original” sempre foi, e permanecerá
sendo, a resenha de obras de não ficção, em especial no campo das humanidades,
o que inclui também a economia e algumas vertentes das ciências “duras”.
Dito isto, vejamos agora o que eu considero que deva
ser, ou constituir, uma resenha. Talvez fosse o caso de começar por dizer o que
NÃO deve ser uma resenha.
Seria preciso, em primeiro lugar, que haja um mínimo de
empatia entre o autor e o objeto em questão, ou seja, algum vínculo de
interesse mais forte entre o resenhista e a obra examinada. Ainda que se possa
conceber um exercício de crítica implacável, ou a condenação sem apelo de uma
obra resenhada, não conviria que o animus
examinandi do resenhista fosse totalmente negativo em relação ao autor do
livro ou a temática do próprio. Resenhas sob encomenda, ou como obrigação
profissional, podem correr esse risco, ainda que seja concebível a existência –
aliás reconhecida – de resenhistas profissionais, pagos pelos órgãos da
imprensa, para fazer exatamente esse tipo de trabalho. Mas, seria importante
que o resenhista disponha de certa liberdade na escolha dos livros a serem
examinados, como forma de garantir a já referida empatia.
Em segundo lugar, uma resenha tampouco deveria tentar
descobrir supostas motivações pessoais do autor do livro sob exame, idéias que
não estão explícitas, de forma transparente, na obra em questão. O único
critério válido é o exame da obra em si, seus argumentos intrínsecos e
explícitos, não o que possa pensar o autor sobre assuntos da vida civil ou suas
opiniões expressas em outras circunstâncias e ocasiões, a propósito de outros
temas. O que autor pensa deve se esconder atrás da obra, cujo conteúdo deve
permanecer como critério único e exclusivo da atenção do resenhista.
Uma resenha também NÃO deve servir como meio de vingança
por querelas passadas ou diferenças políticas e ideológicas que possam até
dividir os “interlocutores” na vida civil. Trata-se de prática bastante comum
nos meios de comunicação fortemente partidarizados ou dominados por alguma
personalidade identificada com determinadas causas políticas e sociais. Não se pode
excluir, é verdade, a exposição e o exame das posições políticas do autor da
obra, mas o próprio resenhista deveria tentar separar esse aspecto da avaliação
da obra, a não ser que esse aspecto seja inerente à temática exposta.
Vejamos, agora, o que pode ser uma resenha. Ela pode,
obviamente, ser muitas coisas, ao mesmo tempo ou alternativamente, mas tudo
depende da finalidade ou destinação da resenha em causa. Não estou considerando
aqui “press releases” das próprias editoras ou notas factuais com finalidades
puramente comerciais ou de simples informação e registro. Uma resenha deve
conter uma exposição do conteúdo do livro, uma observação sobre o eventual
ineditismo ou caráter original das informações ou dados nele contidos e alguma
apreciação crítica sobre seu valor enquanto obra literária (ou científica, no
sentido amplo).
Quanto à forma das resenhas, não existem propriamente
padrões fixos. Os modelos consagrados são os mais variados possíveis, indo das
pequenas notas às resenhas quilométricas. Essas variedades tendem a
distribuir-se segundo os meios de divulgação. Jornais e revistas de informação
geral parecem reservar espaço para apenas dois tipos de “resenhas”: curtas
notas de registro sobre a publicação das obras correntes, isto é, a produção
comercial das editoras, e resenhas stricto
sensu que informam sobre o conteúdo e
discutem as principais idéias ou argumentos do autor. Já os veículos
especialmente consagrados à discussão da produção literária – periódicos
especializados e suplementos literários dos próprios jornais – costumam abrigar
resenhas lato sensu, que soem ser de
maior amplitude.
Confesso minha preferência pelos artigos-resenhas – ao
estilo dos review-articles do
quinzenal literário The New York Review
of Books (não confundir com The New
York Times Book Review, o suplemento literário dominical desse jornal) –
pois neles é possível discutir um grande problema mediante a apresentação de um
ou mais livros que tratem do assunto em pauta. Trata-se de um gênero de
resenhas muito pouco cultivado no Brasil, praticamente sem espaço em nossa
imprensa, pois mesmo as revistas que agora surgiram para tratar de livros –
como a Entrelivros, por exemplo – não
ostentam, a propriamente falar, essas resenhas-artigos que fazem a fama da NYRB
(a Entrelivros, aliás, publica
resenhas do NYTBR). Nem sempre se trata de livros – pode ser uma exposição, ou
um filme –, mas sempre é uma peça literária no mais alto sentido intelectual da
palavra.
A forma não é, contudo, o coração da resenha, uma vez
que ela pode ser tão mutável ou inovadora quanto os gêneros literários. O
essencial da resenha está naquilo que é transmitido ao leitor, seu espírito e
seu discurso. Uma resenha deve conter, antes de mais nada, um resumo dos
argumentos principais do livro sob exame, dispensável, na parte relevante,
quando se trata de uma trama policial, quando sequer se sugere o famoso
“whodunit”, mas podem ser dadas as circunstâncias do crime. A exposição
honesta, concisa e objetiva do teor do livro é um elemento essencial da resenha
bem conduzida, sem a qual ficam lacunares tanto a discussão dos argumentos ou
idéias do autor do livro quanto a crítica que se pretende fazer deles.
Uma vez apresentado o livro, idealmente no primeiro
terço da resenha, caberia ao comentarista agregar outros elementos que permitam
situar o livro no seu contexto, um pouco como sua posição no “estado da arte”
daquele campo do conhecimento, o que no caso dos romances representaria
discutir o que ele traz de novo ou de original em relação ao gênero no qual ele
se situa. Essa parte também pode vir ao início, se há espaço suficiente para o
resenhista começar o exame de uma obra pela avaliação do campo mais vasto no
qual ela se situa.
O terceiro elemento central de uma resenha, obviamente,
é a avaliação crítica do resenhista, sua apreciação favorável ou a indicação
das limitações da obra em exame. Este ponto é um componente indispensável de
toda resenha, ainda que bastante flexível em relação às possibilidades abertas
segundo o veículo ao qual a resenha se destina. Uma revista acadêmica tem
padrões bastante rígidos para a elaboração desse tipo de nota crítica, ao passo
que um pasquim literário oferece latitude para considerações de ordem mais
subjetiva. A resenha verdadeira sempre termina por algum julgamento de valor, o
que por vezes descamba para alguma condenação sem recurso, segundo as escolas e
clãs em que se divide a chamada république
des lettres. São raros, contudo, os casos nos quais a resenha nada mais
representa do que uma estocada mortal nas pretensões do autor a uma brilhante
carreira literária. No mais das vezes, os golpes são superficiais, apenas para
não inflar por demais o ego do autor, quando se trata do pura literatura.
Nos campos das ciências humanas e da economia, que
constituem meus terrenos de manobras favoritos, a seriedade é de rigor, mas
também já assisti a descomposturas em regra, quando não a poderosos tiros de
canhão, como acontece nas verdadeiras guerras de religião, que nestes casos
separam a esquerda – dominante nos meios da academia – de uma suposta direita,
sempre envergonhada e quase inexistente. O que ocorre, geralmente, é que uma
ala ignora a outra, sendo que a esquerda faz resenhas favoráveis de sua tribo e
os liberais só se interessam pelos livros que eles reputam ter qualidades
suficientes para merecer uma avaliação crítica. Não vou listar os veículos
preferidos de uma ou outra escola, mas no terreno universitário todas as
revistas estabelecidas ostentam, por dever de ofício, seções de resenhas, nas
quais os mestrandos e outros candidatos a títulos podem exercer seus talentos
até serem chamados a assinar verdadeiros artigos “científicos”.
Resumindo, e dando as “palavras-chave”, eu diria que uma
boa resenha deveria ser feita dos seguintes elementos:
(a) Objeto: apresentação resumida do livro, com suas
partes ou seções constitutivas e algum destaque para o argumento principal;
(b) Desenvolvimento: discussão das idéias centrais do
autor, sua coerência intrínseca, sua validade extrínseca e contexto mais amplo
nas quais elas podem ser inseridas;
(c) Avaliação: apreciação crítica, tanto do ponto de
vista do conteúdo quanto do método, se for o caso, com balanço da contribuição
do autor para a área do conhecimento;
(d) Prolegômenos e derivações: havendo espaço e
possibilidade, a resenha pode começar discutindo o próprio campo no qual se
situa a obra, fazendo um balanço do “estado da arte” e antecipando seu possível
impacto para os estudos futuros naquele campo.
Voilà, creio ter apresentado o meu “manual” da resenha honesta, mas na
verdade devo confessar que sou muito pouco sistemático, no sentido dos pontos
acima resumidos. O que acaba valendo, para mim, é, finalmente, a empatia para
com o livro ou o autor, elementos centrais, senão essenciais, de toda boa
resenha. Vale!
Brasília,
24 de janeiro de 2006
=========
Addendum em 14/02/2015:
Googlelizando um pouco agora, descobri que existem mais de 900 milhões de artigos indexados sobre a arte de resenhar um livro. Entre as primeiras listadas, figura inclusive um post que eu havia feito em torno de um artigo de George Orwell sobre essa exata questão:
Aproximadamente 916.000.000
resultados (0,44 segundos)
Resultados
da pesquisa
www.writing-world.com/freelance/asenjo.shtml
And even though I knew I didn't,
that didn't stop me from firmly inserting my foot in my mouth by agreeing to
conduct a book review writing workshop for my local ...
www.wikihow.com
› ... › Books
How to
Review a Book. Writing a
book review is not just about summarizing; it's also an opportunity for you to
present a critical discussion of the book.
www.wikihow.com
› ... › Book Reviews
How to Write a Book Review.
You've been assigned a book review but don't even know what book
to pick, let alone how to write the review. Do you go for an ...
writingcenter.unc.edu
› Handouts
This handout will help you write a
book review, a report or essay that offers a critical perspective on a
text. It offers a process and suggests some strategies for ...
www.booktrust.org.uk
› Books › For teens › Writing tips
· Other readers
will always be interested in your opinion of the books you've read.
Whether you've loved the book or not, if you give your honest and
detailed ...
23 de out de 2014 - A book review
is both a description and an evaluation of a book. It should focus on
the book's purpose, contents, and authority. Scan the Book's ...
www.enotes.com/topics/how-write-book-review
Here's a 10-step process you can use
to review any book. 1) Don't read the book. At least, not
yet. Instead, start by looking at it. Look for clues to the nature of
the ...
en.wikipedia.org/wiki/Book_review
A book
review is a form of literary criticism in
which a book is analyzed based on content, style, and merit. A book
review can be a primary source opinion piece, ...
teacher.scholastic.com/writewit/bookrev/tips.htm
This lesson plan invites students to
plan, draft, revise, and publish a book review. Important writing tips
and a professional writing model are particularly useful.
leo.stcloudstate.edu/acadwrite/bookrev.html
Steps for Writing a Good Book
Review. Introduce the subject, scope, and type of book. Identify the
book by author, title, and sometimes publishing information.
https://plus.google.com/.../H1ugAsdEa5H
1 de fev de 2015 - Reflexao da
semana: George Orwell on book reviewing. Confessions of a Book
Reviewer George Orwell Confessions of a Book Reviewer , 1946 [L.m./F.s.:
...
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