Em termos de políticas domésticas, macroeconômicas e setoriais, pode até ser que o retorno seja aos anos 1980, última meia década do regime militar e início da assim chamada Nova República (que ficou velha muito rapidamente, graças ao homem do jaquetão), com todo o intervencionismo e dirigismo típicos daqueles tempos.
Mas, especificamente em termos de políticas comercial e industrial, parece que, seguindo a catastrófica Argentina, já voltamos aos anos 1960, com cenas de protecionismo explícito, medidas pornográficas em favor de alguns lobistas industriais (entre eles os privilegiados pela máfia dos sindicatos de metalúrgicos, as montadoras de automóveis), enfim, todo aquele primitivismo de medidas defensivas, adotadas de modo rústico, sem qualquer sofisticação, causando problemas internos e externos.
Só espero que, seguindo mais uma vez a Argentina, não retornemos aos anos 1930, onde ela já está, com controles disseminados de capitais, manipulações cambiais arbitrárias e outras medidas patéticas de fechamento e enclausuramento. Mas acho que de certa forma o governo já começou a seguir essas políticas também.
É a hora do retorno ao passado, com mentes tão primitivas quanto as que nos governam...
Paulo Roberto de Almeida
Conjuntura
Dilma promove festa Trash na economia
Com PIB baixo,
deterioração fiscal, restrições a importações e dinheiro farto para
bancos públicos, Presidência da República promove um revival dos anos 80
na condução da política econômica. Agora é só torcer para a inflação
galopante não voltar também
Ana Clara Costa e Naiara Infante Bertão
Revista Veja, 16/01/2012
A festa trash 80's de Dilma na economia
(Reprodução)
A Trash 80's é uma popular festa paulistana cujo objetivo é reviver o
ambiente dos anos 1980. A similar no Rio de Janeiro é a Festa Ploc - em
referência a um antigo chiclete. Com dancinhas nostálgicas e até mesmo
fantasias de personagens da época, o público relembra, com espírito
escrachado, uma década tida como "cafona" ou "trash" (palavra inglesa
para designar aquilo que é ruim, mas tem graça). Curiosamente, em
Brasília está em curso outro revival daqueles tempos de excessos. Se as
festas musicais são inofensivas, a presidente Dilma Rousseff e sua
equipe econômica parecem interessados em recuperar o lado perigoso dos
anos 1980: o da falta de rigor no controle da inflação, das
políticas econômicas de curto prazo e emergenciais, do
protecionismo e
do intervencionismo. O Brasil mudou - e muitas das antigas doenças
econômicas foram sanadas. Mas o risco de repor em prática velhos
conceitos da chamada escola desenvolvimentista, na vã esperança de que
agora eles possam render frutos, continua alto.
Leia em VEJA: Intervencionismo, um jogo de risco elevado
Em 1989, o economista Roberto Campos deu
uma entrevista a VEJA tratando,
com a lucidez que lhe era peculiar, dos problemas que travavam o avanço
do Brasil à época. Dizia Campos: “o estado se infiltra em toda a vida
produtiva para atrapalhar. Criam-se obstáculos inimagináveis à
importação, exigindo-se licença prévia para a compra no exterior (...)
quando essa licença é uma coisa em desaparecimento no mundo”. O
economista criticou o intervencionismo e o protecionismo, além de
ironizar os entraves em vigor para a entrada de capital estrangeiro. “No
Brasil, inventam-se ainda dificuldades enormes para a entrada do
capital estrangeiro, como se estivéssemos nadando em dinheiro.
Protegem-se certos setores, como a informática, da concorrência externa -
e o que resulta disso é que o consumidor tem de engolir produtos de
qualidade inferior e preço superior aos do mercado internacional”,
disse. Apesar de ter ocorrido há mais de 20 anos, a entrevista poderia
ser publicada nos dias de hoje sem que as análises de Campos soassem
anacrônicas.
Nos anos 1980, quando o "dragão inflacionário" assolava a economia
brasileira – em 1989, a inflação alcançou 1.764% ao ano – a presidente
Dilma Rousseff, graduada em economia, se exercitava na política do Rio
Grande do Sul. Em 1986, Dilma foi nomeada secretária da Fazenda de Porto
Alegre, o que significa que ela tinha de lidar com as implicações da
crise que flagelava o país. Mas essa experiência parece não a ter
convencido de que os remédios então testados são ineficazes.
Leia também:
Credibilidade da política fiscal brasileira está na UTI
Com reformas de Dilma, Brasil não é mais porto seguro
Desenvolvimentismo em xeque - Ao intervir no setor
produtivo por meio de Medidas Provisórias e recorrer a artifícios
protecionistas como as barreiras à importação, o governo Dilma reergue
bandeiras do pensamento desenvolvimentista que nasceu na era Vargas e se
manteve em voga até o final dos anos 80.
“A orientação que está sendo passada agora pelo governo é muito
alinhada com o que tinha a ditadura, que se estendeu até 1985. Naquela
época, o capitalismo de estado era forte, com participação direta das
estatais, que serviam como veículos do governo para movimentar a
economia”, diz Sérgio Lazzarini, professor do Insper e autor do livro Capitalismo de Laços (Campus Elsevier).
Outra praga dos anos 80 foram os planos ou "pacotes" que mexiam com
variáveis da economia em busca de soluções mágicas - e se enfileiram, em
retrospecto, num rosário de fracassos. Em 2012, o governo interveio
abertamente no câmbio, na indústria e na taxa de juros, na intenção de
insuflar o crescimento no país. Em dezembro, a Selic fechou o ano na
mínima histórica de 7,25%, enquanto o dólar subiu a 2,10 reais.
Desenvolvimentistas acreditam que juros baixos e câmbio desvalorizado
sejam a base para um Produto Interno Bruto (PIB) invejável. Mas o
resultado não veio como esperado - e
o PIB não deve crescer mais do que 1%.
"A maior lição dos anos 1980 é de que o governo deve buscar políticas
de estímulo à produtividade, e não medidas de curto prazo", afirma
Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências
Consultoria. "Elas acabam multiplicando as distorções e os obstáculos ao
crescimento."
Medidas de "genius"
Aperte os botões do brinquedo que fez sucesso nos anos 80 para saber quais ideias perigosas estão sofrendo um revival
A década (ainda) não foi perdida - De todas as
tragédias que poderiam se abater sobre a economia brasileira, nenhuma
seria maior que o retorno da inflação. Nos últimos dois anos, o governo
parece ter abandonado o propósito de fazer a inflação convergir para
4,5% ao ano, o centro do sistema de metas. Em 2011 a inflação bateu no
teto da meta, 6,5%.
Em 2012, ela ficou em 5,84%.
Segundo Gustavo Loyola, não se pode dizer que o governo atual não se
preocupa com esse assunto. Mas ele parece brincar com a ideia de que
sempre se pode tolerar um pouquinho a mais de inflação. “Sabemos que
grandes inflações começam pequenas e logo vão acelerando. Não se pode
hesitar em interromper esse processo, caso contrário é sério o risco de
se perder o controle”, diz o economista.
Nos últimos 20 anos, o Brasil desfrutou de uma estabilidade econômica
que nas décadas imediatamente anteriores não era mais que miragem. Essa
estabilidade, combinada a políticas eficazes de combate à pobreza,
trouxe milhões para o mercado de consumo e deu fôlego à economia. Esse
ciclo, no entanto, parece ter se esgotado. O conjuntura externa já não é
tão favorável e problemas que nunca foram equacionados, tais como o de
um sistema tributário sufocante, cobram seu custo. A década de 80 ficou
conhecida como "década perdida". Não há por que dizer que esse quadro
vai se repetir agora. Ainda assim, seria alentador saber que, diante de
dificuldades, velhas práticas que nunca levaram ao êxito vão continuar
relegadas aos livros de história.
(Com reportagem de Ligia Tuon)