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quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Pequena reflexao sobre a independencia e a situacao atual do Brasil - Paulo Roberto de Almeida


Pequena reflexão sobre a independência e a situação atual do Brasil

Paulo Roberto de Almeida
 [Reflexões livres, balanço do país e listagem das tarefas]


[Quadro de Pedro Américo retratando o “grito do Ipiranga, em 7/09/1822]

Que sentido existe em se comemorar, ou ao menos rememorar, a independência da pátria? Vejo pelo menos dois.
Por um lado, proclamar, mais uma vez, que naquela data, a nação, finalmente, passou a ser autônoma em relação a qualquer poder externa, a se governar sozinha, a atuar soberanamente no concerto das nações independentes, e coisas do gênero. Parece que muitos ainda exibem com certo orgulho essa condição de soberania estatal.
Por outro lado, olhar para trás e constatar o quanto foi realizado desde o primeiro momento de vida independente, a nação que foi construída, os progressos que foram alcançados, o bem estar adquirido, os avanços conquistados, e coisas do gênero. Muitos também exibem com orgulho as realizações feitas em quase 200 anos de vida independente.
Confesso que, de minha parte, infenso que sou a qualquer demonstração de ufanismo patrioteiro, indiferente como sou a qualquer tipo de glorificação em torno do passado, ou até do presente, não me deixo comover por essas datas de celebração patriótica, sempre centradas nas vitórias alcançadas e nos supostos avanços feitos. Como sou um antipatriota por excelência – uma vez que muitas guerras são justamente estimuladas por esse nacionalismo piegas, que já causou muito sofrimento a vários povos – prefiro aproveitar essas datas para fazer o que estou fazendo agora: fazer uma pequena reflexão não sobre o que já foi feito, mas exatamente sobre o que ainda precisa ser feito, pois não deixo de reconhecer – olhando o mundo como ele é – que fizemos pouco, ou que poderíamos ter feito bem mais, o que deixamos de fazer foi por total incapacidade das nossas elites (na qual eu também estou incluído), pois outros países fizeram mais e melhor do que nós.
Existe uma frase, talvez de autoconsolação, que ainda não determinei se é de Talleyrand, de Chateaubriand, ou de qualquer outro personagem, pois foi apropriada por diversos como sendo uma espécie de compensação no momento de uma avaliação qualquer: “Quand je me regarde, je me désole; quand je me compare, je me console”. Pode ser que a frase sirva para alguma coisa, em relação ao país, mas isso não me deixa minimamente satisfeito, seja comigo mesmo, seja com a situação geral da nação.
O Brasil certamente é hoje um país melhor do que era, cem ou duzentos anos atrás, tal como refletido em diversos indicadores sociais: esperança de vida, educação, saneamento, renda, organização política, ascensão social de camadas mais pobres, oportunidades para os que vêm de baixo, justamente, enfim, uma série de performances que podem contentar os patriotas e os otimistas. A mim isso não me convence muito, pois, como já dito, outros povos e nações fizeram mais e melhor no mesmo espaço de tempo. Poderíamos estar mais à frente, e bem menos atrás, como estamos, de fato.
Onde foi que falhamos, onde foi que erramos, o que deixamos de fazer, o que poderíamos ter feito diferente? Por que nossa trajetória foi essa, e ela não me enche absolutamente de orgulho, e não outra? Em lugar de comemorar as “maravilhas” realizadas, em lugar de me consolar com as supostas “vitórias” alcançadas, eu prefiro olhar para as deficiências, me concentrar nas tarefas à frente, e determinar qual é, nos termos da Revolução francesa, o nosso “cahier de doléances” para, a partir desse tipo de diagnóstico, elaborar uma lista de prescrições e de encargos para nos aproximarmos, enfim, daquilo que queremos ser: não a nação mais avançada do mundo, mas um país no qual ninguém precise morrer na fila do atendimento hospitalar, ninguém deixe de ter uma oportunidade de melhorar de vida por falta de um estudo de qualidade, ninguém necessite roubar por necessidade absoluta (embora eu esteja convencido de que roubos, infelizmente, não são feitos por necessitados, e sim por... bandidos).
O Brasil é um país no qual, a despeito de tudo o que existe, ou de tudo o que se fez de bom e de bem (mas mesmo na situação colonial não devia ser diferente), muita gente ainda sofre das mazelas acima apontadas, e quanto ao roubo eu prefiro me referir às vítimas, não aos bandidos, que o são por opção, não por necessidade. Os piores roubos, justamente, são aqueles cometidos por gente da elite, gente posicionada nos escalões do poder, e que usam dessa condição para roubar a todos e ao país, como ocorreu, não é segredo, com a organização criminosa que assaltou o Brasil e o povo entre 2003 e 2016. Sempre tivemos elites na maior parte das vezes irresponsáveis –, sempre tivemos um povo sofrido, sempre tivemos inovadores sufocados, sempre tivemos grandes bandidos.
Nossa educação melhorou? Talvez, mas não tenho certeza disso. Os jesuítas começaram a montar uma boa rede de escolas quando foram brutalmente interrompidos por um “déspota esclarecido”, que prometeu colocar outra coisa no lugar, e até começou a cobrar um novo imposto especial para financiar a criação e manutenção de escolas públicas – ah, essa mania de carimbar recursos do orçamento... --- e depois tudo ficou por isso mesmo. Chegamos à taxa de escolarização – enrollment rate – de que gozavam os países mais avançados 150 (cento e cinquenta) anos depois que eles conseguiram colocar a maior parte das crianças no ensino obrigatório de primeiro grau. Tudo bem, alguém poderia dizer, demorou mas chegamos lá. Ilusão digo eu, pois a tal taxa de matricula cai vergonhosamente no final do primário, para se reduzir dramaticamente já no secundário, e atingir níveis ínfimos no terceiro ciclo, supostamente superior. Isso do ponto de vista meramente quantitativo; acho que não preciso dizer nada do ponto de vista qualitativo, não é mesmo? E mesmo quando os pioneiros da educação pública, os grandes reformadores da era Vargas, poderiam, enfim, se orgulhar da consolidação de um ensino público relativamente completo, teve início um processo deletério de destruição “mental” da educação, ao se disseminar pelas faculdades de pedagogia os “ensinamentos” daquele que eu classifico como o maior idiota do Brasil, o maoísta Paulo Freire, pateticamente convertido em “patrono da educação brasileira” pelo regime criminoso dos companheiros.
Considero que o grande problema brasileiro, o grande fracasso da nacionalidade, a maior tragédia do país, é o atraso indescritível na educação pública (e até mesmo na privada, que não fica muito à frente dos padrões gerais, embora existam, como parece natural em todas as partes, ilhas de excelência nos diversos níveis e locais de ensino). O quadro é muito pior do que eu poderia descrever aqui, e terrivelmente difícil de ser equacionado e “solucionado” no futuro previsível. Os companheiros também destruíram a economia brasileira, e de uma maneira muito mais profunda do que aparece nos indicadores conjunturais de desempenho, mas essa área pode ser, digamos assim, reconstruída num prazo relativamente curto – 3 a 5 anos para reparar os mais graves desgastes, tapar os grandes buracos – e depois restaurada em bases mais sadias num prazo médio de dez ou doze anos, mas sabendo que teremos crescimento medíocre pela frente durante um tempo indefinido, uma vez que grandes problemas da produtividade nacional, também medíocre, requerem reformas estruturais que não estamos pertos de começar a resolver no horizonte de curto ou médio prazo. Os companheiros também desmantelaram diversas instituições públicas, a começar pelo parlamento e os tribunais ditos superiores, mas isso também pode ser remediado de alguma forma.
A destruição na área do ensino foi, porém, muito profunda, embora eles tenham apenas agravado um quadro de declínio que já vinha numa rota de decadência – em função, justamente, do “freirismo” dominante desde os anos 1960 – e ao qual eles agregaram o componente das divisões regionais (o Nordeste “explorado” pelo Sul-Sudeste), sociais (“nós”, o povo, e “eles”, as elites) e raciais (os afrodescendentes, de um lado, todo o resto do Brasil, de outro). Os estragos foram incomensuráveis e essa área demorará muito tempo para ser reconstruída, se e quando as políticas corretas começarem, algum dia, a serem implementadas, o que é altamente duvidoso, em vista do quadro mental que prevalece na maior parte das instituições de ensino, em todas elas, praticamente do jardim da infância ao pós-doc. Os desafios nesse área crucial da nacionalidade, e é a que me suscita mais pessimismo quanto às chances de renovação ou transformação.
Esta é a “mini”, ou midi-reflexão que me veio à mente neste dia supostamente de comemoração da independência brasileira. Não, não estou satisfeito com o que foi feito, e sobretudo não estou satisfeito com o que está sendo feito hoje, agora. Acho que, a despeito de começarmos a “consertar” tudo de errado, de equívocos (vários deles cometidos deliberadamente, justamente para roubar) que contemplamos desde o início do milênio, em especial na área econômica, os desafios no plano educacional são tão gigantescos que apenas um grande estadista, com uma visão clara da importância do ensino público para o futuro do país, poderia dar início à regeneração. Oxalá!

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 7 de setembro de 2016

FHC, entrevista com Josias de Souza (FSP): inconsciente, cego, ingenuo? Ou tudo isso junto? (PRA)

Para FHC, o PT e até o PSDB viraram velharia
Josias de Souza
Folha de S. Paulo, 7/09/2016
http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2016/09/07/para-fhc-o-pt-e-ate-o-psdb-viraram-velharia/

Ex-presidente acha que pode surgir um Trump à brasileira em 2018
‘Não tenho dúvida de que há risco’ de Lula ser preso, declara FHC
Tucano descrê da versão de Lula sobre sítio e tríplex: ‘Difícil colar!’
FHC diz que ‘teria dificuldade’ de comprar um carro usado de Lula
Manter os direitos políticos de Dilma foi ‘um absurdo’, afirma FHC
FHC compara gestão Temer a uma pinguela: ‘se quebrar, cai no rio’

Fernando Henrique Cardoso recebeu o UOL no final da tarde da última segunda-feira (5). Concedeu a sua primeira entrevista a um veículo de comunicação brasileiro desde a deposição de Dilma Rousseff. O ex-presidente tucano fez uma avaliação corrosiva da conjuntura do país. A íntegra da conversa está disponível no rodapé do post. Ao longo do texto, você assiste a alguns dos principais trechos. No vídeo abaixo, FHC diz que o PT e até o seu PSDB perderam o “frescor” que tinham na década de 1990. Reconheceu que as duas legendas tornaram-se parte da “velharia” política que dificulta a modernização do país.

O repórter leu para FHC um comentário que ele gravou em março de 1996. Nessa época, exercia seu primeiro mandato presidencial. Estava às voltas com um paradoxo: prometia o novo de mãos dadas com o arcaico. Incomodado com a dificuldade para aprovar reformas no Congresso, disse a frase que reproduziria no seu livro Diários da Presidência: “Este é o Brasil de hoje, onde a modernização se faz com a podridão, com a velharia, com o tradicionalismo, o qual na verdade ainda pesa muitíssimo.”

Decorridos 20 anos, não lhe parece que PSDB e PT integram a velharia?, quis saber o repórter. E FHC, sem titubeios: “Parece, infelizmente me parece. Curioso que você leu essa frase. Como eu estou relendo o terceiro volume [de Diários da Presidência, ainda por ser lançado], eu repito isso mais adiante, porque era sensível. Você quer melhorar, modernizar, avançar, ser progressista. Mas você precisa dos partidos que existem. E o que existe, a maior parte, é isso. Infelizmente, nós não fomos capazes de superar esses entraves enormes, que eu chamo de atraso. Não é direita e esquerda. É outra coisa, é cultural. São pessoas que querem tirar proveito do Estado.”

Tomado pelas palavras, FHC parece incluir Lula entre os políticos que se aproveitam do Estado. Em tempos remotos, os dois personagens pareciam condenados a percorrer a vida pública juntos. O operário chegou a pedir votos para o sociólogo, então candidato ao Senado, nas portas das fábricas do ABC. No Planalto, cada um ao seu tempo, governaram o país de costas um para o outro, distanciando-se. Hoje, FHC diz que “teria dificuldades” para comprar um carro usado das mãos de Lula. “Eu sempre comprei carro usado. Agora, não mais. Em geral comprava de um mesmo amigo meu, porque eu tinha confiança. Confiança é fundamental para tudo. E hoje a confiança no presidente Lula é relativa.” (veja essa resposta no vídeo a seguir).

FHC trata com ceticismo as explicações de Lula sobre as evidências que levaram a força-tarefa da Lava Jato a indiciá-lo por suspeita de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. O ex-presidente tucano descrê, por exemplo, das alegações feitas pela defesa de Lula nos já célebres casos do sítio de Atibaia e do tríplex do Guarujá. Lula sustenta que os imóveis, ornados com equipamentos e benfeitorias providos por empreiteiras encrencadas na Lava Jato, não são de sua propriedade. “É difícil colar”, diz FHC. “É difícil porque houve uso reiterado dos bens. É claro que a Justiça vai ter que provar. Às vezes não é fácil provar.”

Para FHC, não se pode descartar a hipótese de Lula ser preso, como qualquer outro cidadão: “Se for verdadeiro o que está dito aí, se for condenado, qualquer um de nós pode. Não é ele, qualquer um de nós. Você, eu podemos ser presos.” O que ocorreria se Lula fosse parar atrás das grades? “Se não houver um esclarecimento muito grande das razões pelas quais vai preso, haverá uma reação dos seus partidários e, provavelmente, de uma parte da opinião pública”, disse.

A eventual prisão de Lula será “uma questão delicada do ponto de vista político”, avalia FHC. “Imagino que os procuradores e os juízes estão numa situação complicada, porque eles têm a lei. Se houver fatos, o que o juiz vai fazer?” Não há senão a hipótese de cumprir a lei. Daí, na opinião de FHC, não haver dúvida de que “há o risco” de Lula ser remetido à cadeia. “Risco não só para ele, para todos nós, pelas consequências disso”, acrescentou o entrevistado. (veja no vídeo abaixo)

Se fosse senador, teria sido misericordioso com Dilma Rousseff, preservando-lhe o direito de ocupar funções públicas mesmo depois de seu mandato de presidente ter sido guilhotinado? FHC respondeu com um sonoro “não”. Considerou inconstitucional o impeachment meia-sola. “Acho que a obrigação número um do senador é ser a favor da Constituição. Você pode até, na alma, dizer: ‘Ah, meu Deus, que pena!’ Eu, por exemplo, tenho muita dificuldade, mesmo quando escrevo, quando critico, com relação à presidente Dilma. Eu procuro ser uma pessoa que a considera. Mas isso é uma coisa no plano pessoal. Outra coisa é você como senador.”

“Aquilo foi um absurdo, a Constituição é clara”, declarou FHC sobre o veredicto híbrido do Senado. Ele enxerga no ''absurdo'' as digitais do ministro Ricardo Lewandowski, que comandou o julgamento no Senado. “Vamos falar português claro: o presidente do Supremo Tribunal Federal tomou a decisão e não podia ter tomado essa decisão.” FHC se refere ao fato de Lewandowski ter deferido o requerimento que dividiu o julgamento do impeachment em duas votações —uma na qual os senadores decretaram o impedimento de Dilma e outra que serviu para livrá-la da proibição de exercer funções públicas pelo prazo de oito anos.

Na opinião de FHC, Lewandowski “tinha que, pelo menos, submeter o requerimento ao Congresso. Ele pegou o regimento do Senado. Ora, o regimento do Senado não se sobrepõe à Constituição. A Contituição não diz ‘e’. É ‘com’. Impeachment com inelegibilidade.”

FHC desaprovou também a justificativa de Renan Calheiros para podar o mandato de Dilma e depois passar pomada na própria consciência livrando-a do banimento da vida pública por oito anos. “E ainda [houve] a expressão do presidente Senado, Renan: ‘Ah, além da queda quer que o cavalo dê um coice?’ Não é isso. Não estamos tratando de questão de benevolência. Estamos tratando de questão legal. O Senado tinha que responder apenas o seguinte: houve crime de responsabilidade ou não? Se houve, está capitulado na Constituição o que acontece”, lecionou FHC. “Acho que é tão claro isso.” A despeito da clareza, FHC duvida que o STF vá reformular a decisão do Senado.” (assista no vídeo abaixo)

Embora deixe claro que não serviria refresco para Dilma no Senado, FHC é mais generoso com ela do que com Lula. João Santana, o marqueteiro das campanhas petistas, já admitiu perante o juiz Sérgio Moro que parte da dinheirama surrupiada da Petrobras foi parar na caixa de campanha de Dilma. Perguntou-se ao entrevistado se acredita que o anteparo do comitê eleitoral torna a responsabilidade de Dilma menor do que a de Lula, que é acusado até de corrupção passiva? E ele: “Não diminui, acho que é de outra natureza.”

FHC recorda que Dilma foi presidente do Conselho de Administração da Petrobas. “Então, tem parte da responsabilidade”, ele acredita. Ainda assim, é mais duro com Lula. “O que dizem sobre o presidente Lula é diferente. É uma questão de abuso, para benefícios familiares e pessoais. É mais grave do ponto de vista de conduta pessoal. É preciso esperar com calma e ver o que vai acontecer mesmo. Se realmente for condenado, é gravíssimo. Você não pode dizer: 'Ah, eu não vi,eu não soube.' O que é isso? Tem limite para não ver e não saber.” (assista abaixo).

A queda de Dilma teve motivações que vão além das pedaladas fiscais e dos gastos sem amparo legislativo, acredita FHC: “A Dilma é uma pessoa que não tem o treino para falar ao país, ela não tem essa vocação. E muito menos para ouvir o Congresso. Não é só falar. O Congresso você tem que ouvir. E muito. Talvez esse seja o erro maior do nosso sistema presidencialista, que dá a ilusão de que o presidente é um monarca, tem um poder enorme, comparativamente maior que o dos Estados Unidos. Na prática não é assim.”

FHC prosseguiu: “Na prática, os presidentes que têm descaso para com o Congresso têm dificuldades. Veja o presidente Collor. Foi membro do Congresso. Mas ele tinha uma atitude um pouco alheia, um pouco ausente. Ele deixou correr solto. Foi derrubado. Já o presidente Lula, que foi congressista, mas não por isso, por causa do treino como líder sindical, tinha capacidade de negociar, de conversar, de discutir. Eu próprio fui senador muitos anos. Tinha uma certa experiência no Congresso. A presidente Dilma não tinha nenhuma.”

Na visão de FHC, Dilma ostentava em Brasília o pior tipo de ilusão: a ilusão de que preside. “Chega lá, pensa que o presidente tem o poder. Negativo! O poder do presidente depende do apoio. O apoio do Congresso e da sociedade.” De resto, o ex-presidente foi buscar em sua árvore genealógica verde-oliva uma analogia para explicar o que sucede com presidentes que menosprezam o Congresso.

“Eu tenho um complexo. Meu pai foi oficial de cavalaria, foi general. Meu avô foi marechal. Eu, quando monto no cavalo, o cavalo percebe logo que eu sou um mau cavaleiro. E tenta me derrubar. O Congresso faz isso com os presidentes. Ele vê como está o presidente. Ele consegue ou não consegue levar o Congresso para um certo caminho? Quando não consegue, o Congresso ocupa o espaço. E pode paralisar o governo.” (assista abaixo mais esse trecho).

FHC concordou com a tese segundo a qual a Lava Jato expôs as mazelas da elite política e empresarial de uma forma jamais vista no país. Recordou-se na conversa que a operação varejou partidões como PT e PMDB, mas também chegou aos salões do PSDB, transformando Aécio Neves em personagem de inquéritos e José Serra em alvo da delação da Odebrecht. FHC se absteve de contrapor uma peneira à luminosidade solar dos fatos. “É inegável que tem alguns problemas”, disse ele, referindo-se aos companheiros de ninho. “Precisa ver o que vai acontecer.”

Acha que o cenário de terra arrassada pode fazer surgir na sucessão de 2018 uma versão nacional de Donald Trump? “Pode, porque a descrença nos partidos é muito ampla, sobretudo nos mais jovens”, respondeu FHC. “Há uma desconexão. É mundial. Para dizer de uma maneira mais genérica: a democracia representativa liberal está em crise porque não há mais essa conexão entre classe, partido e poder.” Afora a dificuldade das legendas de lidar com questões como “raça, gênero, orientação sexual e religião”, há “a crise moral , que também minou os partidos”, disse FHC. “Eventualmente, pode um demagogo aparecer aí e levar a melhor. Eu espero que não. Mas pode. Nós vivemos um momento de interrogação.”

Acredita, então, que 2018 virou uma janela para o imponderável? “Eu acho que sim”, declarou FHC. “E digo isso com pesar, porque está se vendo um fato que é geral, estrutural, dos partidos. E outro fato, que é a ausência de lideranças capazes de chamar a atenção. Veja que, não por acaso, quando você faz uma pesquisa, sobra o nome da Marina [Silva]. Por que a Marina? Porque a Marina tem uma marca e um estilo. Não sei se a Marina vai ter a capacidade de manter tudo isso e, sobretudo, depois, de dirigir. Tudo bem. Mas tem a marca da Marina. Quem mais tem marca? O Lula tinha a marca, gastou a marca. A Dilma não chegou a ter marca. O PSDB tem uma situação curiosa. Ah, está muito dividido. Não é. É que tem muita gente. Três, quatro que têm nomes nacionais…” (veja no vídeo abaixo).

Antes de 2018, há a travessia do governo-tampão de Michel Temer. A certa altura, FHC comparou a gestão provisória de Temer a uma “pinguela”, denominação dada a pontes toscas, que são feitas de pedaços de pau ou de um tronco único. “A situação atual é como se fosse uma pinguela. Não é uma ponte, é uma pinguela. Mas, se quebrar a pinguela, cai no rio. É pior. Então, nós temos que apostar que vamos atravessar essa pinguela e vamos chegar do outro lado do rio.”

Ironicamente, o mesmo FHC que pegou em lanças pela aprovação da emenda constitucional que autorizou a reeleição agora aconselha Temer a fugir da tentação do segundo mandato. “Eu acho que o Michel Temer tem noção de que foi-lhe dada uma chance histórica. Não creio que ele vá ser mordido pela mosca azul. Vão tentar mordê-lo. A entourage sempre quer que o presidente se reeleja e, se possível, permaneça. Acho que o Michel tem maturidade suficiente para escapar dessa armadilha.”

FHC fala abertamente de suas dúvidas sobre a capacidade de Temer de liderar a aprovação das reformas duras de roer que remeterá ao Congresso. “O que nós temos que ver é se ele tem capacidade de, tendo as carcterísticas que tem, de se transformar em alguém que, mais do que tudo isso, é líder, fala ao povo, diz as coisas como são. E força o avanço.”

Nas palavra de FHC, Temer “nunca foi um líder popular. Não se pode pedir dele o que ele não é. Mas ele pode ser capaz de mover a máquina do Estado, que é do que nós precisamos agora. (veja no vídeo abaixo)

Escorando-se na impopularidade de Temer, tão alta quanto a de Dilma, o PT e entidades companheiras foram às ruas enrolados na bandeira das eleições diretas. FHC afirma que convém entender as manifestações, não minimizá-las, como fizeram Temer e o ministro José Serra (Relações Exteriores). Para o ex-presidente, o mote do petismo esbarra na Constituição.

“Você não tem como fazer eleição agora”, diz FHC. “Tem, se a chapa, em conjunto, for negada pelo TSE. Até fim do ano, porque senão é eleição indireta. O Congresso é que vai decidir. Pior a emenda do que o soneto. Então a possibilidade constitucional é muito pequena. Só tem uma, fora essa: a renúncia. Não tem outra. Não vejo que tenha viabilidade, embora as pessoas estejam dizendo o seguinte: ‘Olha, eu errei, quero votar de novo.”

FHC ironiza: “Quem votou no Michel Temer? Eu não votei, porque eu votei no outro lado. Foram os petistas, que votaram na Dilma. Então, é difícil você imaginar que ele tenha um apoio popular. Isso não quer dizer que ele não deva ter apoio institucional. Vejo o Michel Temer como uma figura institucional, num momento delicado do Brasil, que tem uma tarefa a cumprir. Entendo que o povo não tenha afeição pela situação atual. Ela é consequência da Constituição, não da escolha de cada um de nós, é do impeachment. É consequência dos malfeitos havidos e acumulados e da incapacidade da presidente Dilma de governar o Congresso e o país.” (Assista a mais esse trecho abaixo).

FHC considerou “um erro” o apoio do Planalto à aprovação do pacote de reajustes salariais para 14 corporações de servidores públicos. “O compromisso do PSDB não é com a pessoa do Michel Temer, é com a situação do Brasil”, afirma o presidente de honra do ninho. “É preciso tomar certas medidas. São duras, são inconvenientes do ponto de vista de popularidade. Acho que aumentar salário nesse momento… E é de categorias que não são as que mais sofrem no Brasil.”

“O salário no Brasil, para a imensa maioria, é muito baixo ainda. Então, você tem que ter sempre isso em mente”, disse FHC. Para ele, Temer deveria ter enfrentado os servidores. “É impopular. Mas a grandeza no momento atual não vai derivar de ser popular. Vai derivar de ser firme.”

O que fazer? “Explicar, dizer: ‘Olha, eu estou fazendo isso não é porque eu queira machucar você. Não é porque eu gosto, é porque ou eu faço isso ou você morre. Precisa ter a capacidade. Isso é ter capacidade de expor ao Brasil. Acho que o presidente Temer agora, tem uma chance, de novo, porque ele agora que tomou posse.”

Acusado pelo PT de deixar uma herança maldita para seus sucessores, FHC dá um conselho para Temer: “Tem que dizer ao país em que estado real estavam as contas públicas. Senão, daqui a pouco, cai tudo na cabeça dele. O PT vira oposição e tudo o que o PT fez vai dizer que foi o outro que fez. Tem um momento político delicado.” Vai abaixo a íntegra da entrevista de Fernando Henrique Cardoso.

Nunca Antes na Diplomacia - resenha de Camila Jardim (Mundorama)

Resenha de:
Nunca antes na diplomacia…: A Política Externa Brasileira em tempos não convencionais
Paulo Roberto de Almeida
por Camila Amorim Jardim
 Mundorama, 17/08/2014

Paulo Roberto de Almeida é diplomata, mestre em planejamento econômico e doutor em ciências sociais. Ao longo de sua carreira, publicou quatorze livros – além de dezenas de artigos –, que contribuem criticamente para o pensamento sobre  relações internacionais desenvolvido no Brasil em suas diversas dimensões – histórica, econômica e social. Integrante do Itamaraty desde 1977, teve a oportunidade não apenas de vivenciar os bastidores da política externa brasileira, mas também de acompanhar academicamente as suas nuances.
O livro aqui resenhado  é o reflexo de anos de estudo e experiência profissional – acerca de períodos desde o império até “A era do nunca antes”, a qual compreende a política brasileira a partir de 2003, com a chegada de Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência.
A respeito desse período, é importante destacar um movimento acadêmico importante no sentido de identificar uma mudança na política externa brasileira que, nos anos 1990, teria com os países desenvolvidos agendas prioritárias e em alguma medida procurava implementar medidas liberalizantes impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial, no contexto do denominado “Consenso de Washington”. A crítica acadêmica aponta que, nos anos 2000 e, especialmente, a partir do governo Lula (2003-2010), teria ocorrido uma mudança de vulto no comando estratégico da inserção internacional do Brasil, caracterizada pela busca de alianças com parceiros não tradicionais, especialmente no eixo Sul-Sul.  Almeida identifica uma segunda mudança na política externa, que passa a ser marcada por excessiva partidarização – a partir de uma análise multidimensional da mesma, tenho em vista sua história, sua base institucional e diretrizes voltadas para o principal objetivo da inserção internacional do Brasil: a busca pelo desenvolvimento econômico – o autor identifica um momento de descontinuidade a partir do governo Lula, momento no qual o país passa a sustentar uma diplomacia exótica em função do personalismo do próprio presidente Lula e das linhas programáticas do Partido dos Trabalhadores.
Por mais importante que a diplomacia presidencial possa ser para a estrutura internacional do país, como o autor aponta que ocorreu de forma exemplar durante o período Fernando Henrique Cardoso, Almeida indica que Lula teria passado em alguma medida a conduzir as relações internacionais do Brasil a partir de suas próprias impressões e das linhas gerais do PT, sem respeitar a estrutura institucional do Itamaraty.
O autor defende que o governo Lula empreendeu um grande esforço para caracterizar a política de seu antecessor como uma “herança maldita”, especialmente submissa aos interesses imperiais dos Estados Unidos. No entanto, tal caracterização não seria compatível com a realidade, tendo em vista que a abertura comercial nos anos 1990 esteve longe dos parâmetros de uma política essencialmente neoliberal e seria, de acordo com Almeida, compatível com os interesses do Brasil em prol do melhoramento de sua competitividade econômica em geral.
A diplomacia coordenada por Lula apresentou novas diretrizes que, inclusive, não teriam sido responsáveis por resultados concretos e que dificilmente seriam adotadas caso o Itamaraty mantivesse sua autonomia na formulação da política externa. Dentre elas, destacam-se os exemplos a seguir. No primeiro mandato, a integração regional era uma das prioridades, mas o Mercosul acaba por tomar uma nova dimensão, predominantemente política em detrimento de econômica – decisão que, para o autor, foi prejudicial aos interesses do Brasil – especialmente no contexto de protecionismo crescente da Argentina, com o qual o país foi conivente, contrariando seus interesses nacionais. A busca constante por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU foi outro inconveniente, que além de causar desconfortos diplomáticos na américa do sul, não é compatível com as capacidades materiais do Brasil. Houve, ainda, casos de ingerência interna em outros países do entorno, com a declaração de apoio a candidatos assumidamente de esquerda na América Latina. Pode-se citar ainda o enfoque predominantemente Sul-Sul, que, segundo o autor, não oferece grandes oportunidades de aprendizado para o Brasil e não deveria ser o foco de sua agência externa, uma vez que a torna mais limitada.
Trata-se, portanto, de uma leitura essencial para a compreensão da formulação da política externa contemporânea, inclusive levando em consideração as comparações históricas e de tipos ideais desenvolvidas pelo autor para embasar a sua análise. O livro oferece, então, importante contribuição para o pensamento crítico em relação à política externa brasileira, apresentando o outro lado do debate, que atualmente não é majoritário entre acadêmicos e que foi deixado de lado no Itamaraty especialmente entre 2003 e 2010, tornando-se fundamental para uma reflexão mais complexa e circunstanciada sobre o tema.

Referências:
ALMEIDA, P. R. (2014) Nunca Antes na Diplomacia…: A Política Externa Brasileira em tempos não convencionais. Curitiba: Appris, 289p.
LEITE, P. S. (2011) O Brasil e a cooperação Sul – Sul em três momentos: os governos Jânio Quadros/João Goulart, Ernesto Geisel e Luiz Inácio Lula da Silva. Brasília: Funag, 226p.
LIMA, M. R. S. (2005)  “A política externa brasileira e os desafios da cooperação Sul-Sul.” Revista Brasileira de Política Internacional, v. 48, n.1. p. 24-59.
OLIVEIRA, H.A. (2005) Política Externa Brasileira. São Paulo: Saraiva, 292 p.
SARAIVA, M. G. (2007) “As estratégias de cooperação Sul-Sul nos marcos da política externa brasileira de 1993 a 2007”. Revista Brasileira de Política Internacional. [S.l.], v. 50, n.2. p. 42-59.
VIGEVANI, T. CEPALUNI, G. (2007) “A Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da Autonomia pela Diversificação.” Contexto Internacional. Rio de Janeiro, v. 29, n.2. jul./dez.. p.273-335.
VIZENTINI, P. G. F. (2005) O Brasil e o mundo, do apogeu à crise do neoliberalismo: a política externa de FHC a Lula (1995-2004). Ciências e Letras (Porto Alegre), Porto Alegre, v. 37, p. 317-332.

Camila Amorim Jardim é mestranda em Política Internacional e Comparada pela Universidade de Brasília – UnB.