O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador Josias de Souza. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Josias de Souza. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 31 de março de 2023

"Aniversário" do golpe militar que inaugurou a mais longeva ditadura da história do Brasil: 31 de março de 1964 - Chico Alves, Leonardo Sakamoto, Josias de Souza (UOL)

 Para não deixar passar em branco o aniversário da famigerada.

Se ouso um toque de ironia sombria, graças à "Redentora" dos milicos, eu me politizei bem cedo, ainda adolescente, e comecei a ler sobre política, logo tornando-me um opositor decidido: saí a tempo de não ser preso, torturado, eventualmente "desaparecido", como tantos outros. Voltei 7 anos depois dos anos de chumbo.

Os artigos no site do UOL:
Colunistas lembram e lamentam aniversário do golpe de 64
Rodrigo Barradas, editor de Opinião

Para surpresa de ninguém, o Clube Militar do Rio comemorou o golpe de 64 nesta sexta. Enquanto na Lagoa Rodrigo de Freitas delírios revisionistas e autoritários fermentavam junto ao bufê, aqui no UOL os colunistas marcavam a data pelo que ela foi: o início de uma ditadura que ainda não foi devidamente processada.

Chico Alves lembrou depoimentos de vítimas do torturador Carlos Brilhante Ustra, herói de Bolsonaro e do senador Hamilton Mourão. Leonardo Sakamoto cobrou das Forças Armadas um exercício de autocrítica. E Josias de Souza, falando com os 99% de civis da população, arremata: "Brasil precisa parar de tratar militar como bibelô".

domingo, 21 de fevereiro de 2021

O Brasil de volta ao passado - Ricardo Bergamini, Paulo Uebel, Josias de Souza

 Reconheço os esforços dos bolsonaristas em tentar provar que o governo não é “um museu de grandes novidades” (Ricardo Bergamini).

 

O Brasil de volta ao passado

 

O que voltou em 2019/2020/2021 para o debate? 

 

O PIB de 2020 voltando para o PIB do ano de 2007, o PAC, Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, CPMF, desoneração da folha de pagamento, a inflação, o AI5, a intervenção militar, o voto impresso, mudança da política de preços da Petrobras, a volta dos ministérios, o mensalão e o petrolão, com as ressurreições de Rodrigo Pacheco, Eduardo Cunha, Arthur Lira, Ricardo Barros, Gilberto Kassab, Ciro Nogueira, Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto. Pesquisem as “capivaras” (fichas criminais) desses ilustres senhores.

 

 

Ex-membro da equipe econômica iguala Bolsonaro a Dilma e Guedes a Mantega


Josias de Souza

 

Colunista do UOL, 21/02/2021

 

A intervenção militar que Jair Bolsonaro promoveu na Petrobras destravou a língua de ex-auxiliares de Paulo Guedes que haviam desembarcado do Ministério da Economia silenciando os seus rancores. Ex-secretário de Desburocratização, o economista Paulo Uebel igualou Bolsonaro a Dilma Rousseff. E equiparou Guedes ao antecessor petista Guido Mantega.

 

"Nunca o governo Bolsonaro foi tão parecido com o governo Dilma como hoje", escreveu Uebel numa rede social. "Nesse momento, Guido Mantega faria absolutamente o mesmo que Paulo Guedes está fazendo. Essa similaridade deve arrepiar qualquer cidadão de bem! Não podemos desistir do Brasil."

 

Uebel desistiu do governo há seis meses. Era responsável pela reforma administrativa, que permaneceu na gaveta de Bolsonaro por um ano antes de ser enviada ao Congresso. Bateu em retirada junto com o empresário Salim Mattar, o ex-secretário de Desestatização que se frustrou por não conseguir vender estatais.

 

A exemplo de Uebel, Salim também expôs numa rede social sua indignação com a troca de comando na Petrobras. Sai Roberto Castello Branco —homem de Guedes—, entra o general Joaquim Silva e Luna —que segue o modelo Pazuello de administração: "Um manda, o outro obedece".


"Mais um dia acordo inconformado e indignado com o rumo do Brasil", escreveu Salim. "Esta nova interferência na Petrobras só confirma que é preciso privatizar TODAS as estatais e, assim, reduzir o tamanho do estado."

 

Na ponta do lápis, Guedes perdeu algo como 15 auxiliares. Em agosto do ano passado, quando Uebel e Salim chamaram o caminhão de mudança, o ministro foi compelido a reconhecer que sua pasta convivia com uma "debandada".

 

Tomados pelas palavras, outros integrantes da equipe econômica podem deixar o governo. A única diferença entre os economistas que desertaram e os que permanecem na trincheira de Guedes é que os desertores não precisam fingir que confiam na conversão de Bolsonaro ao liberalismo.

 

Sem travas na língua, Paulo Uebel identifica um quê de populismo eleitoral na aversão de Bolsonaro à política de preços da Petrobras. "As empresas estatais não devem ser usadas para gerar votos. Isso viola os princípios da administração pública e contraria as boas práticas de governança. Lamentável esse episódio!"

 

Para Uebel, Castello Branco caiu em desgraça junto a Bolsonaro "por estar fazendo o trabalho certo: blindar uma empresa estatal contra o uso político, contra o populismo."

 

A evocação de Dilma e Mantega dá uma ideia do nível da frustração dos economistas que Guedes recrutou para sua equipe. Produziu-se sob Dilma uma ruína econômica em que a inépcia misturou-se à ausência de governo.

 

Nessa época, a pasta da Economia chamava-se Ministério da Fazenda. Mantega apenas enfeitava a poltrona. Dilma foi a ministra. Quando Bolsonaro declarou que havia encontrado um Posto Ipiranga para abastecer sua ignorância econômica, imaginou-se que o presidente daria mão forte ao seu ministro.

 

Ao comparar seu ex-chefe a Mantega, Paulo Uebel diz em voz alta o que os sobreviventes da equipe econômica sussurram entre quatro paredes: Paulo Guedes leva longe demais sua crença na fábula do superministro.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

 

quarta-feira, 11 de março de 2020

Josias de Souza: Bolsonaro vai ao exterior falar mal do próprio Brasil


 Língua tóxica de Bolsonaro desestimula investidores
Josias de Souza, 10/03/202

Noutros tempos, presidentes da República viajavam ao exterior para construir uma imagem positiva do país. Hoje, quem ouve Jair Bolsonaro falar nos Estados Unidos sobre a nação que ele preside fica com a sensação de que Brasil já acabou e as pessoas não se deram conta.
No Brasil descrito por Bolsonaro a Justiça Eleitoral é uma ramificação do Judiciário incompetente o bastante para engolir fraudes que tentaram tungar o seu próprio mandato. E o Congresso, embora já tenha aprovado a reforma trabalhista sob Michel Temer e a reforma previdenciária na atual administração, é um antro de conspiradores contra o interesse nacional.
Só uma coisa se salva no Brasil de Bolsonaro: o próprio Bolsonaro. O presidente inclusive melhorou muito desde a campanha de 2018. Antes, dizia não entender nada de economia. Encostou sua ignorância no Posto Ipiranga. Agora, considera-se um especialista. Tão bom que consegue decifrar em uma palavra a crise que quebra a cabeça de economistas do mundo inteiro: é "fantasia", diz Bolsonaro, invencionice da mídia.
No Brasil de Bolsonaro, o presidente negocia o orçamento impositivo com os parlamentares e depois atiça as ruas contra o Parlamento. É como se o presidente quisesse se consolidar como uma espécie de conto do vigário no qual os parlamentares caíram. 
Bolsonaro chama de fraudulentas as urnas que o elegeram. Não exibe as provas que diz possuir. O presidente faz tudo isso em meio a uma crise que ele assegura ser fantasiosa. Um presidente assim parece capaz de tudo, menos de produzir a tranquilidade que estimularia investidores estrangeiros a colocarem dinheiro no Brasil.
Josias de Souza, 11/03/202


terça-feira, 29 de outubro de 2019

Falta um chanceler ao Brasil - Josias de Souza

Eu sempre chamei o chantecler de "chanceler acidental", e isso a duplo título: ele improvisou um artigo esquizofrênico sobre como Trump iria "salvar o Ocidente", isso para contentar os trumpistas fundamentalistas que cercavam o capitão candidato e sobretudo o guru da seita aloprado, e o presidente eleito o escolheu sem jamais saber qualquer coisa ou ler qualquer artigo do afoito diplomata, apenas confiando na indicação do Rasputin de subúrbio e do Bolsokid 02, que pretendia ele mesmo controlar o improvisado chanceler. 
Deu no que deu: o chanceler acidental se esforça para agradar a Bolsofamiglia e exacerba as grandes bobagens diplomáticas que o capitão e seus acólitos não cessam de cometer.
Não hesito em dizer, é aliás o subtítulo de meu livro: a destruição da inteligência no Itamaraty.
Josias de Souza reflete alguns desses impasses no artigo abaixo. Eu tenho dezenas de outros exemplo da nossa atual Miséria da Diplomacia, o título de meu livro, livremente disponível em meu blog.
Paulo Roberto de Almeida

Bolsonaro briga com a lógica e o povo argentino

Josias de Souza, 29/10/2019

Ao dizer que não parabenizará Alberto Fernández por ter prevalecido nas urnas, Jair Bolsonaro imaginou que estivesse apenas mantendo acesa sua briga com o adversário do seu preferido Mauricio Macri. Engano. O presidente brasileiro se desentende com a lógica e ofende o eleitorado da Argentina. Diverge da lógica porque sua retórica é ruim para os negócios. Insulta o eleitor argentino porque desrespeita a própria democracia do vizinho.
Bolsonaro alega que o presidente eleito da Argentina afrontou o Brasil e seu sistema judiciário ao aderir ao "Lula Livre". Tem toda razão. Lula está preso porque é um corrupto de terceira instância. Condenado em duas jurisdições, teve a sentença confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, que inclusive reduziu a sua pena. Mas Bolsonaro poderia ter apontado a insensatez alheia sem engrossar o desatino.
Assim como Fernández não foi eleito para cuidar do sistema prisional brasileiro, Bolsonaro não foi enviado ao Planalto para se meter nos assuntos internos da Argentina, subvertendo um dos princípios mais elementares da política externa. Tendo cometido o erro de apoiar Mauricio Macri, o capitão precisa agora retirar a raiva do pudim. A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, principal destino de manufaturados brasileiros.
Dias atrás, Bolsonaro ameaçou retirar o Brasil do Mercosul. Depois, cogitou juntar-se ao Paraguai e Uruguai, para expurgar a Argentina. Sabe que não fará nem uma coisa nem outra. Às voltas com a consolidação do acordo celebrado com a União Europeia, o Mercosul precisa ser fortalecido, não torpedeado por seus líderes.
Cedo ou tarde, o personalismo dará lugar ao pragmatismo na diplomacia brasileira. A ficha demora a cair porque falta um chanceler ao Brasil. No momento, o pior tipo de solidão para Bolsonaro é a companhia de Ernesto Araújo, o antidiplomata que o polemista Olavo de Carvalho colocou na poltrona de ministro das Relações Exteriores.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

FHC, entrevista com Josias de Souza (FSP): inconsciente, cego, ingenuo? Ou tudo isso junto? (PRA)

Para FHC, o PT e até o PSDB viraram velharia
Josias de Souza
Folha de S. Paulo, 7/09/2016
http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2016/09/07/para-fhc-o-pt-e-ate-o-psdb-viraram-velharia/

Ex-presidente acha que pode surgir um Trump à brasileira em 2018
‘Não tenho dúvida de que há risco’ de Lula ser preso, declara FHC
Tucano descrê da versão de Lula sobre sítio e tríplex: ‘Difícil colar!’
FHC diz que ‘teria dificuldade’ de comprar um carro usado de Lula
Manter os direitos políticos de Dilma foi ‘um absurdo’, afirma FHC
FHC compara gestão Temer a uma pinguela: ‘se quebrar, cai no rio’

Fernando Henrique Cardoso recebeu o UOL no final da tarde da última segunda-feira (5). Concedeu a sua primeira entrevista a um veículo de comunicação brasileiro desde a deposição de Dilma Rousseff. O ex-presidente tucano fez uma avaliação corrosiva da conjuntura do país. A íntegra da conversa está disponível no rodapé do post. Ao longo do texto, você assiste a alguns dos principais trechos. No vídeo abaixo, FHC diz que o PT e até o seu PSDB perderam o “frescor” que tinham na década de 1990. Reconheceu que as duas legendas tornaram-se parte da “velharia” política que dificulta a modernização do país.

O repórter leu para FHC um comentário que ele gravou em março de 1996. Nessa época, exercia seu primeiro mandato presidencial. Estava às voltas com um paradoxo: prometia o novo de mãos dadas com o arcaico. Incomodado com a dificuldade para aprovar reformas no Congresso, disse a frase que reproduziria no seu livro Diários da Presidência: “Este é o Brasil de hoje, onde a modernização se faz com a podridão, com a velharia, com o tradicionalismo, o qual na verdade ainda pesa muitíssimo.”

Decorridos 20 anos, não lhe parece que PSDB e PT integram a velharia?, quis saber o repórter. E FHC, sem titubeios: “Parece, infelizmente me parece. Curioso que você leu essa frase. Como eu estou relendo o terceiro volume [de Diários da Presidência, ainda por ser lançado], eu repito isso mais adiante, porque era sensível. Você quer melhorar, modernizar, avançar, ser progressista. Mas você precisa dos partidos que existem. E o que existe, a maior parte, é isso. Infelizmente, nós não fomos capazes de superar esses entraves enormes, que eu chamo de atraso. Não é direita e esquerda. É outra coisa, é cultural. São pessoas que querem tirar proveito do Estado.”

Tomado pelas palavras, FHC parece incluir Lula entre os políticos que se aproveitam do Estado. Em tempos remotos, os dois personagens pareciam condenados a percorrer a vida pública juntos. O operário chegou a pedir votos para o sociólogo, então candidato ao Senado, nas portas das fábricas do ABC. No Planalto, cada um ao seu tempo, governaram o país de costas um para o outro, distanciando-se. Hoje, FHC diz que “teria dificuldades” para comprar um carro usado das mãos de Lula. “Eu sempre comprei carro usado. Agora, não mais. Em geral comprava de um mesmo amigo meu, porque eu tinha confiança. Confiança é fundamental para tudo. E hoje a confiança no presidente Lula é relativa.” (veja essa resposta no vídeo a seguir).

FHC trata com ceticismo as explicações de Lula sobre as evidências que levaram a força-tarefa da Lava Jato a indiciá-lo por suspeita de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. O ex-presidente tucano descrê, por exemplo, das alegações feitas pela defesa de Lula nos já célebres casos do sítio de Atibaia e do tríplex do Guarujá. Lula sustenta que os imóveis, ornados com equipamentos e benfeitorias providos por empreiteiras encrencadas na Lava Jato, não são de sua propriedade. “É difícil colar”, diz FHC. “É difícil porque houve uso reiterado dos bens. É claro que a Justiça vai ter que provar. Às vezes não é fácil provar.”

Para FHC, não se pode descartar a hipótese de Lula ser preso, como qualquer outro cidadão: “Se for verdadeiro o que está dito aí, se for condenado, qualquer um de nós pode. Não é ele, qualquer um de nós. Você, eu podemos ser presos.” O que ocorreria se Lula fosse parar atrás das grades? “Se não houver um esclarecimento muito grande das razões pelas quais vai preso, haverá uma reação dos seus partidários e, provavelmente, de uma parte da opinião pública”, disse.

A eventual prisão de Lula será “uma questão delicada do ponto de vista político”, avalia FHC. “Imagino que os procuradores e os juízes estão numa situação complicada, porque eles têm a lei. Se houver fatos, o que o juiz vai fazer?” Não há senão a hipótese de cumprir a lei. Daí, na opinião de FHC, não haver dúvida de que “há o risco” de Lula ser remetido à cadeia. “Risco não só para ele, para todos nós, pelas consequências disso”, acrescentou o entrevistado. (veja no vídeo abaixo)

Se fosse senador, teria sido misericordioso com Dilma Rousseff, preservando-lhe o direito de ocupar funções públicas mesmo depois de seu mandato de presidente ter sido guilhotinado? FHC respondeu com um sonoro “não”. Considerou inconstitucional o impeachment meia-sola. “Acho que a obrigação número um do senador é ser a favor da Constituição. Você pode até, na alma, dizer: ‘Ah, meu Deus, que pena!’ Eu, por exemplo, tenho muita dificuldade, mesmo quando escrevo, quando critico, com relação à presidente Dilma. Eu procuro ser uma pessoa que a considera. Mas isso é uma coisa no plano pessoal. Outra coisa é você como senador.”

“Aquilo foi um absurdo, a Constituição é clara”, declarou FHC sobre o veredicto híbrido do Senado. Ele enxerga no ''absurdo'' as digitais do ministro Ricardo Lewandowski, que comandou o julgamento no Senado. “Vamos falar português claro: o presidente do Supremo Tribunal Federal tomou a decisão e não podia ter tomado essa decisão.” FHC se refere ao fato de Lewandowski ter deferido o requerimento que dividiu o julgamento do impeachment em duas votações —uma na qual os senadores decretaram o impedimento de Dilma e outra que serviu para livrá-la da proibição de exercer funções públicas pelo prazo de oito anos.

Na opinião de FHC, Lewandowski “tinha que, pelo menos, submeter o requerimento ao Congresso. Ele pegou o regimento do Senado. Ora, o regimento do Senado não se sobrepõe à Constituição. A Contituição não diz ‘e’. É ‘com’. Impeachment com inelegibilidade.”

FHC desaprovou também a justificativa de Renan Calheiros para podar o mandato de Dilma e depois passar pomada na própria consciência livrando-a do banimento da vida pública por oito anos. “E ainda [houve] a expressão do presidente Senado, Renan: ‘Ah, além da queda quer que o cavalo dê um coice?’ Não é isso. Não estamos tratando de questão de benevolência. Estamos tratando de questão legal. O Senado tinha que responder apenas o seguinte: houve crime de responsabilidade ou não? Se houve, está capitulado na Constituição o que acontece”, lecionou FHC. “Acho que é tão claro isso.” A despeito da clareza, FHC duvida que o STF vá reformular a decisão do Senado.” (assista no vídeo abaixo)

Embora deixe claro que não serviria refresco para Dilma no Senado, FHC é mais generoso com ela do que com Lula. João Santana, o marqueteiro das campanhas petistas, já admitiu perante o juiz Sérgio Moro que parte da dinheirama surrupiada da Petrobras foi parar na caixa de campanha de Dilma. Perguntou-se ao entrevistado se acredita que o anteparo do comitê eleitoral torna a responsabilidade de Dilma menor do que a de Lula, que é acusado até de corrupção passiva? E ele: “Não diminui, acho que é de outra natureza.”

FHC recorda que Dilma foi presidente do Conselho de Administração da Petrobas. “Então, tem parte da responsabilidade”, ele acredita. Ainda assim, é mais duro com Lula. “O que dizem sobre o presidente Lula é diferente. É uma questão de abuso, para benefícios familiares e pessoais. É mais grave do ponto de vista de conduta pessoal. É preciso esperar com calma e ver o que vai acontecer mesmo. Se realmente for condenado, é gravíssimo. Você não pode dizer: 'Ah, eu não vi,eu não soube.' O que é isso? Tem limite para não ver e não saber.” (assista abaixo).

A queda de Dilma teve motivações que vão além das pedaladas fiscais e dos gastos sem amparo legislativo, acredita FHC: “A Dilma é uma pessoa que não tem o treino para falar ao país, ela não tem essa vocação. E muito menos para ouvir o Congresso. Não é só falar. O Congresso você tem que ouvir. E muito. Talvez esse seja o erro maior do nosso sistema presidencialista, que dá a ilusão de que o presidente é um monarca, tem um poder enorme, comparativamente maior que o dos Estados Unidos. Na prática não é assim.”

FHC prosseguiu: “Na prática, os presidentes que têm descaso para com o Congresso têm dificuldades. Veja o presidente Collor. Foi membro do Congresso. Mas ele tinha uma atitude um pouco alheia, um pouco ausente. Ele deixou correr solto. Foi derrubado. Já o presidente Lula, que foi congressista, mas não por isso, por causa do treino como líder sindical, tinha capacidade de negociar, de conversar, de discutir. Eu próprio fui senador muitos anos. Tinha uma certa experiência no Congresso. A presidente Dilma não tinha nenhuma.”

Na visão de FHC, Dilma ostentava em Brasília o pior tipo de ilusão: a ilusão de que preside. “Chega lá, pensa que o presidente tem o poder. Negativo! O poder do presidente depende do apoio. O apoio do Congresso e da sociedade.” De resto, o ex-presidente foi buscar em sua árvore genealógica verde-oliva uma analogia para explicar o que sucede com presidentes que menosprezam o Congresso.

“Eu tenho um complexo. Meu pai foi oficial de cavalaria, foi general. Meu avô foi marechal. Eu, quando monto no cavalo, o cavalo percebe logo que eu sou um mau cavaleiro. E tenta me derrubar. O Congresso faz isso com os presidentes. Ele vê como está o presidente. Ele consegue ou não consegue levar o Congresso para um certo caminho? Quando não consegue, o Congresso ocupa o espaço. E pode paralisar o governo.” (assista abaixo mais esse trecho).

FHC concordou com a tese segundo a qual a Lava Jato expôs as mazelas da elite política e empresarial de uma forma jamais vista no país. Recordou-se na conversa que a operação varejou partidões como PT e PMDB, mas também chegou aos salões do PSDB, transformando Aécio Neves em personagem de inquéritos e José Serra em alvo da delação da Odebrecht. FHC se absteve de contrapor uma peneira à luminosidade solar dos fatos. “É inegável que tem alguns problemas”, disse ele, referindo-se aos companheiros de ninho. “Precisa ver o que vai acontecer.”

Acha que o cenário de terra arrassada pode fazer surgir na sucessão de 2018 uma versão nacional de Donald Trump? “Pode, porque a descrença nos partidos é muito ampla, sobretudo nos mais jovens”, respondeu FHC. “Há uma desconexão. É mundial. Para dizer de uma maneira mais genérica: a democracia representativa liberal está em crise porque não há mais essa conexão entre classe, partido e poder.” Afora a dificuldade das legendas de lidar com questões como “raça, gênero, orientação sexual e religião”, há “a crise moral , que também minou os partidos”, disse FHC. “Eventualmente, pode um demagogo aparecer aí e levar a melhor. Eu espero que não. Mas pode. Nós vivemos um momento de interrogação.”

Acredita, então, que 2018 virou uma janela para o imponderável? “Eu acho que sim”, declarou FHC. “E digo isso com pesar, porque está se vendo um fato que é geral, estrutural, dos partidos. E outro fato, que é a ausência de lideranças capazes de chamar a atenção. Veja que, não por acaso, quando você faz uma pesquisa, sobra o nome da Marina [Silva]. Por que a Marina? Porque a Marina tem uma marca e um estilo. Não sei se a Marina vai ter a capacidade de manter tudo isso e, sobretudo, depois, de dirigir. Tudo bem. Mas tem a marca da Marina. Quem mais tem marca? O Lula tinha a marca, gastou a marca. A Dilma não chegou a ter marca. O PSDB tem uma situação curiosa. Ah, está muito dividido. Não é. É que tem muita gente. Três, quatro que têm nomes nacionais…” (veja no vídeo abaixo).

Antes de 2018, há a travessia do governo-tampão de Michel Temer. A certa altura, FHC comparou a gestão provisória de Temer a uma “pinguela”, denominação dada a pontes toscas, que são feitas de pedaços de pau ou de um tronco único. “A situação atual é como se fosse uma pinguela. Não é uma ponte, é uma pinguela. Mas, se quebrar a pinguela, cai no rio. É pior. Então, nós temos que apostar que vamos atravessar essa pinguela e vamos chegar do outro lado do rio.”

Ironicamente, o mesmo FHC que pegou em lanças pela aprovação da emenda constitucional que autorizou a reeleição agora aconselha Temer a fugir da tentação do segundo mandato. “Eu acho que o Michel Temer tem noção de que foi-lhe dada uma chance histórica. Não creio que ele vá ser mordido pela mosca azul. Vão tentar mordê-lo. A entourage sempre quer que o presidente se reeleja e, se possível, permaneça. Acho que o Michel tem maturidade suficiente para escapar dessa armadilha.”

FHC fala abertamente de suas dúvidas sobre a capacidade de Temer de liderar a aprovação das reformas duras de roer que remeterá ao Congresso. “O que nós temos que ver é se ele tem capacidade de, tendo as carcterísticas que tem, de se transformar em alguém que, mais do que tudo isso, é líder, fala ao povo, diz as coisas como são. E força o avanço.”

Nas palavra de FHC, Temer “nunca foi um líder popular. Não se pode pedir dele o que ele não é. Mas ele pode ser capaz de mover a máquina do Estado, que é do que nós precisamos agora. (veja no vídeo abaixo)

Escorando-se na impopularidade de Temer, tão alta quanto a de Dilma, o PT e entidades companheiras foram às ruas enrolados na bandeira das eleições diretas. FHC afirma que convém entender as manifestações, não minimizá-las, como fizeram Temer e o ministro José Serra (Relações Exteriores). Para o ex-presidente, o mote do petismo esbarra na Constituição.

“Você não tem como fazer eleição agora”, diz FHC. “Tem, se a chapa, em conjunto, for negada pelo TSE. Até fim do ano, porque senão é eleição indireta. O Congresso é que vai decidir. Pior a emenda do que o soneto. Então a possibilidade constitucional é muito pequena. Só tem uma, fora essa: a renúncia. Não tem outra. Não vejo que tenha viabilidade, embora as pessoas estejam dizendo o seguinte: ‘Olha, eu errei, quero votar de novo.”

FHC ironiza: “Quem votou no Michel Temer? Eu não votei, porque eu votei no outro lado. Foram os petistas, que votaram na Dilma. Então, é difícil você imaginar que ele tenha um apoio popular. Isso não quer dizer que ele não deva ter apoio institucional. Vejo o Michel Temer como uma figura institucional, num momento delicado do Brasil, que tem uma tarefa a cumprir. Entendo que o povo não tenha afeição pela situação atual. Ela é consequência da Constituição, não da escolha de cada um de nós, é do impeachment. É consequência dos malfeitos havidos e acumulados e da incapacidade da presidente Dilma de governar o Congresso e o país.” (Assista a mais esse trecho abaixo).

FHC considerou “um erro” o apoio do Planalto à aprovação do pacote de reajustes salariais para 14 corporações de servidores públicos. “O compromisso do PSDB não é com a pessoa do Michel Temer, é com a situação do Brasil”, afirma o presidente de honra do ninho. “É preciso tomar certas medidas. São duras, são inconvenientes do ponto de vista de popularidade. Acho que aumentar salário nesse momento… E é de categorias que não são as que mais sofrem no Brasil.”

“O salário no Brasil, para a imensa maioria, é muito baixo ainda. Então, você tem que ter sempre isso em mente”, disse FHC. Para ele, Temer deveria ter enfrentado os servidores. “É impopular. Mas a grandeza no momento atual não vai derivar de ser popular. Vai derivar de ser firme.”

O que fazer? “Explicar, dizer: ‘Olha, eu estou fazendo isso não é porque eu queira machucar você. Não é porque eu gosto, é porque ou eu faço isso ou você morre. Precisa ter a capacidade. Isso é ter capacidade de expor ao Brasil. Acho que o presidente Temer agora, tem uma chance, de novo, porque ele agora que tomou posse.”

Acusado pelo PT de deixar uma herança maldita para seus sucessores, FHC dá um conselho para Temer: “Tem que dizer ao país em que estado real estavam as contas públicas. Senão, daqui a pouco, cai tudo na cabeça dele. O PT vira oposição e tudo o que o PT fez vai dizer que foi o outro que fez. Tem um momento político delicado.” Vai abaixo a íntegra da entrevista de Fernando Henrique Cardoso.