O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Censura na ditadura e na democracia: Paul Samuelson a Ernesto Lozardo - Elio Gaspari


Paul.Samuelson@edu para Lozardo@gov
Gudin e Campos fingiam discutir meu livro, mas o que eles queriam era bajular o governo, tire o Ipea dessa

Elio Gaspari, colunista do Globo, 23/10/2016

Prezado professor Ernesto Lozardo, ilustre presidente Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea
O senhor me conhece, estudou no meu clássico “Introdução à analise econômica” e viu quando ganhei o Prêmio Nobel. Escrevo-lhe para compartilhar um episódio de 1973 que invadiu minha memória quando li a censura pública que o senhor impôs a dois pesquisadores do Ipea que criticaram os efeitos de uma medida proposta pelo governo que lhe nomeou.
À época, não dei maior importância ao que me aconteceu. Hoje, vejo o papelão em que me meteram. No segundo semestre de 1973 a editora Agir, que publicava meus livros no Brasil, estava traduzindo a nona edição do “Economics”. A certa altura, discutindo o fascismo, mencionei o regime militar brasileiro e seu crescimento de 10% ao ano. Lembrei que todos os regimes semelhantes tinham ido à breca.
O diretor da editora escreveu-me dizendo que não publicaria aquilo. Dias depois, outra carta, desta vez do economista Eugênio Gudin, o grande liberal brasileiro. Passaram algumas semanas e veio a terceira, do economista Roberto Campos. Todos reclamavam do meu texto, da comparação e do tom.
Pareceu-me uma tempestade em copo d’água, pois a minha política era de permitir que os editores expurgassem trechos que pudessem criar problemas com as traduções, sobretudo nos países comunistas. Resultado: quem leu a edição americana aprendeu que o Brasil ia quebrar. Quem leu a tradução da Agir comprou Samuelson e levou Gudin-Campos.
Eu achava que as duas cartas poderiam ser reflexões de intelectuais, dirigidas a um professor. Coisa nenhuma, o que eles queriam era alavancar suas posições junto ao governo do general Ernesto Geisel, que tomaria posse meses depois. Queriam me operar, e operaram.
Digo isso porque toda a correspondência enviada a mim, bem como as minhas respostas a Gudin e Campos, foram parar nas mãos do general Golbery do Couto e Silva, conselheiro de Geisel. A minha decisão foi comemorada pelo dono da editora, o banqueiro Candido Guinle de Paula Machado. Num cartão que enviou a Golbery ele sugeriu: “Se puder, dê um telefonema ao Dr. Gudin, pois ele ficaria satisfeito.”
Encontrei o general Geisel num jantar na casa do compositor Richard Wagner (ele estava com o professor Mário Henrique Simonsen) e perguntei-lhe o que aconteceu. Geisel contou-me que Golbery aceitou a sugestão de Guinle e almoçou a sós com Gudin. Impressionou-me a malquerença do presidente com o patriarca do liberalismo econômico brasileiro. O melhor adjetivo que lhe dá é o de “patife”.
Os autores da Nota Técnica excomungada têm a minha solidariedade e saiba que não a li. Era desnecessário dizer que o texto não refletia a opinião do Ipea. Essa informação sempre está no cabeçalho desse tipo de trabalho. O senhor disse que “a posição institucional do Ipea é favorável à PEC 241”. A “posição institucional” de Gudin, Campos e Paula Machado era favorável ao regime. Direito deles, mas o que a trinca queria era outra coisa. Fiz-me entender?
Converse com o Pedro Malan. Ele foi um servidor do Ipea respeitado pela ditadura e ministro da Fazenda na democracia. É um homem correto e muito bem educado. Pode lhe ajudar.
Cordialmente,
Paul Samuelson.
Elio Gaspari é jornalista

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/paulsamuelsonedu-para-lozardogov-20311569#ixzz4O0JSeZpj 

Divida Externa: relembrando o calote da Argentina em 2001

Argentina declara moratória em 2001 e dá o maior calote da História, de US$ 102 bi
Em meio a suspensão do pagamento da dívida externa, confiscos, saques e violentos protestos de rua, colapso econômico fez país perder 20% do PIB em apenas quatro anos

Fonte: Acervo O Globo

Após uma década de estabilidade e aparente prosperidade alcançadas com o câmbio artificialmente fixo, a Argentina declarou moratória em dezembro de 2001. Era o sinal mais evidente de que a lei da conversibilidade, de 1991, do governo de Carlos Menem, estava ruindo. Instituída pelo Plano Cavallo (elaborado pelo ministro da Economia, Domingo Cavallo, para deter a inflação), a paridade dólar-peso — cada peso respaldado por um dólar — estava com os dias contados. A dívida externa do país, pública e privada, havia disparado: de US$ 4,5 bilhões em 1991 para US$ 146 bilhões dez anos depois, segundo o instituto Indec. Acumulando déficits externos, com exportações insuficientes para honrar seus compromissos e parcas reservas cambiais (despencaram para US$ 16 bilhões), o país quebrou.

Abalado por uma grave crise econômica e social, o governo argentino anunciou às vésperas do Natal, no dia 23 de dezembro de 2001, a suspensão por tempo indeterminado do pagamento da dívida externa. A decisão foi tomada pelo novo presidente, Adolfo Rodríguez Saá, do Partido Justicialista (PJ, peronista), escolhido pelo Congresso. O calote da dívida externa pública superava US$ 102 bilhões, o maior da História. O cálculo contabilizava US$ 82 bilhões envolvidos na moratória, além dos juros somados ao principal. Sem conseguir novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Argentina, ao declarar moratória, entrava em rota de colisão com seus credores e o mercado financeiro mundial.

O embate iniciado em 2001 com os credores da dívida externa — renegociada só em 2005 no governo de Néstor Kirchner (sucessor de Eduardo Duhalde) — afeta até hoje a credibilidade do país. Na reestruturação da dívida na gestão Kirchner, o governo acertou pagar só 25% do devido aos banqueiros e fundos internacionais. Não é à toa que, nos últimos anos, o governo argentino se viu em dificuldades para voltar a obter financiamentos externos e estimular a sua economia. O calote também acabou respingando em seus parceiros comerciais no MERCOSUL, como o Brasil.

Após a renúncia do presidente Fernando De la Rúa, e a passagem relâmpago pela Casa Rosada de Ramón Puerta, presidente do Senado, Rodríguez Saá representava a volta do peronismo após dois anos afastado do poder. No dia de sua posse, ele anunciou um pacote de medidas, incluindo a emissão de títulos públicos — o que, na prática, significava a criação de uma terceira moeda (não conversível ao peso e ao dólar). Com isso, também fazia uma desvalorização cambial disfarçada, ao emitir títulos públicos para pagar servidores e impostos. Também anunciou a venda de carros e aviões oficiais, a eliminação de ministérios e o confisco parcial, impedindo o argentino de retirar depósitos bancários a prazo fixo e outros tipos de aplicações. Permitia sacar apenas 250 pesos por semana.

Diante de uma taxa de desemprego que chegava a 18,3%, o pacote, na área social, além de limitar o salário de servidores, previa a criação de 1 milhão de vagas. Após sucessivas greves dos sindicatos, onda de saques a supermercados e protestos de rua, o governo também anunciou a distribuição de alimentos à população. E o Congresso convocou eleições presidenciais para o ano seguinte. Em quatro anos, entre 1998 e 2002, período chamado de “Tragédia Argentina”, o país perdeu 20% do PIB e a renda per capita encolheu em dólares 68%. Em janeiro de 2002, em meio ao colapso econômico, a confusão institucional levou o país a ter cinco presidentes, em apenas duas semanas. Durante os protestos de rua contra o governo, o país registrou mortes e dezenas de pessoas ficaram feridas.

A moratória anunciada pela Argentina em 2001 foi um novo capítulo da história da suspensão do pagamento da dívida externa dos países emergentes, especialmente os da América Latina. Após o salto dos juros nos Estados Unidos, até a metade dos anos 80, a chamada década perdida, a dívida das nações emergentes havia aumentado de US$ 500 bilhões para US$ 800 bilhões, segundo o FMI. A partir dos anos 80, a crise da dívida se alastrou nos países latino-americanos. Em 1983, o México pediu moratória. Também tiveram de renegociar as suas dívidas Chile, Cuba, Honduras e Venezuela. Já o Equador pediu moratória em 1999.

No caso do Brasil, em fevereiro de 1987, no governo Sarney, o ministro da Fazenda, Dilson Funaro, decretou moratória da dívida externa. O país chegava ao fim daquele ano devendo US$ 110 bilhões.

Venezuela: crise terminal de fim do regime - Carlos Malamud (El Cano)

Carlos Malamud: Venezuela crisis

Venezuela y su crisis de fin de régimen

Infolatam
Madrid, 23 de octubre de 2016  
Por CARLOS MALAMUD

(Infolatam).- Con independencia del desenlace de la actual crisis que atraviesa Venezuela, nada en ese país volverá a ser como antes. La movilización popular y la tan temida represión posterior resaltarán una vez más el carácter autoritario del régimen, con la diferencia de que esta vez no habrá marcha atrás y será imposible convencer a los venezolanos y a la comunidad internacional de las enormes virtudes del proceso bolivariano. Los sucesos de la última semana han servido para dejar expuestas todas las vergüenzas del chavo madurismo y para que caiga definitivamente la careta de la revolución bolivariana y del gobierno al servicio de los pobres.

Hoy las cosas no son iguales a lo que ocurría años atrás cuando vivía y reinaba el comandante eterno. Para comenzar Nicolás Maduro no es Hugo Chávez. Y si bien el primero sigue contando con el pleno respaldo de Cuba, el descenso en el precio del petróleo limita los márgenes de actuación de unos y otros. En segundo lugar la Asamblea Nacional está en manos de la oposición. Esto compromete seriamente la posibilidad de seguir emitiendo el mensaje del carácter marginal y antisistema de quienes forman la columna vertebral de los “enemigos” del proceso (los tan denigrados escuálidos y pitiyanquis).

El deterioro de la situación interna es de tal magnitud que el respaldo popular del chavismo se ha contraído dramáticamente. Las opciones electorales del oficialismo son tan bajas que han debido postergar a “finales del primer semestre de 2017” las elecciones regionales del próximo diciembre. La vaguedad de la fórmula muestra las dificultades y limitaciones del Consejo Nacional Electoral (CNE) presidido por Tibisay Lucena. Pese a ser teóricamente un poder independiente, el CNE ha demostrado una vez más su total subordinación al gobierno. Sin embargo, el punto más escandaloso y que ha provocado la actual crisis fue la determinación del CNE de aplazar sine die la convocatoria del referéndum revocatorio.

Cuando el chavismo ganaba una elección tras otra y se erigía en un modelo de democracia, la figura del revocatorio se presentaba como la prueba indudable del compromiso democrático del régimen. La legitimidad de origen de los sucesivos gobiernos chavistas y del de Maduro eran el escudo protector que defendía al movimiento bolivariano de críticas internas y externas. Pero también en el frente internacional (especialmente en América Latina) las cosas han cambiado, y mucho.

Al mando de la “desprestigiada” OEA (Organización de Estados Americanos) ya no está el chileno José Miguel Inzulza, que terminó siendo un cómplice del chavismo, sino el uruguayo Luis Almagro, que contra todo pronóstico se ha erigido en un crítico feroz del madurismo y sus constantes ataques a la democracia. En unas recientes declaraciones, tras la suspensión de la recogida de firmas para permitir el revocatorio, el Secretario General de la OEA llamó a los países de la región a tomar “acciones concretas para defender la democracia”, dado su convencimiento “del rompimiento del sistema democrático”. También dio un paso más en su intento de aplicar la Carta Democrática al señalar que “sólo las dictaduras despojan a sus ciudadanos de derechos, desconocen el legislativo y tienen presos políticos”.

Su actitud es posible por las transformaciones operadas en la región. El fin del proyecto hegemónico cubano venezolano de ámbito regional es evidente. Los nuevos gobiernos de Argentina y Brasil han supuesto un cambio cualitativo en la forma de afrontar el problema venezolano. Del silencio (y hasta la complicidad) de Cristina Fernández y Dilma Rousseff se ha pasado a la actitud mucho menos permisiva de Muricio Macri y Michel Temer. Y quien dice Fernández y Rousseff también dice Kirchner y Lula, por no mencionar a José Mujica y otros mandatarios latinoamericanos. Si bien Evo MoralesRafael Correa y Daniel Ortega siguen siendo férreos defensores del régimen, sus voces suenan mucho más débiles y más aisladas que en el pasado.

En esta ocasión, y con una rapidez inimaginable en el período anterior, 12 de los 35 países que integran la OEA mostraron “su profunda preocupación” por la decisión del CNE de postergar el revocatorio. Lo importante de este comunicado es que 10 gobiernos latinoamericanos (Argentina, Brasil, Chile, Colombia, Costa Rica, Honduras, Guatemala, México, Perú y Uruguay) junto a Canadá y Estados Unidos, sospechosos habituales de intentar deponer al chavismo, se han negado a justificar lo injustificable. Por eso el texto concluye que: “La decisión del Poder Judicial de prohibir la salida de territorio venezolano de los principales líderes de la oposición… afecta la posibilidad de establecer un proceso de diálogo entre el Gobierno y la oposición, que permita una salida pacífica a la crítica situación que atraviesa esa hermana nación”.

Almagro abunda precisamente en este punto cuando considera definitivamente acabada la misión de mediación de UNASUR integrada por Leonel Fernández, Martín Torrijos y José Luis Rodríguez Zapatero. Para el responsable de la OEA, la misión enviada por Ernesto Samper ha terminado ayudando involuntariamente al gobierno de Maduro en sus intentos de impedir que el referéndum revocatorio se celebre antes del 10 de enero de 2017, lo que podría provocar la convocatoria de nuevas elecciones presidenciales.

Mientras Almagro habla claramente de dictadura, muchos latinoamericanos siguen callando frente a lo que ocurre en Venezuela. Las múltiples denuncias de golpe por el juicio político contra Rousseff se han convertido en clamoroso silencio en todo lo que respecta a la mal llamada revolución bolivariana. Pese a ello, el régimen chavista está viviendo su crisis final. El intento ilegal de Maduro y los suyos de perpetuarse en el poder puede tener éxito o, por el contrario, puede saldarse con su salida. En este último caso no sería descartable un gobierno militar de transición que permita la convocatoria de nuevas elecciones. Por el contrario, de concretarse la continuidad del chavismo, con o sin Maduro al frente, el gobierno “popular” habrá devenido lisa y llanamente en una vulgar dictadura, cada vez más aislada internacionalmente.

CARLOS MALAMUD

barra horizontal


Catedrático de Historia de América de la Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED), de España e Investigador Principal para América Latina y la Comunidad Iberoamericana del Real Instituto Elcano de Estudios Internacionales y Estratégicos. Ha sido investigador visitante en el Saint Antony´s College de la Universidad de Oxford y en la Universidad Torcuato Di Tella de Buenos Aires y ha estado en posesión de la Cátedra Corona de la Universidad de los Andes, de Bogotá. Entre 1986 y 2002 ha dirigido el programa de América Latina del Instituto Universitario Ortega y Gasset, del que ha sido su subdirector. Actualmente compatibiliza su trabajo de historiador con el de analista político y de relaciones internacionales de América Latina. Ha escrito numerosos libros y artículos de historia latinoamericana. Colabora frecuentemente en prensa escrita, radio y TV y es responsable de la sección de América Latina de la

 

domingo, 23 de outubro de 2016

Documentario Era dos Gigantes (sobre política externa da era Lula), de Mauricio Costa: convite

A coordenadora do curso de Relações Internacionais, Profa. Renata de Melo Rosa, e o diplomata-cineasta Mauricio Costa, diretor do documentário

#ERA DOS GIGANTES 
(122 min., 2016)

convidam para a dupla exibição desse importante documentário sobre a política externa brasileira na era Lula, com material de imprensa, depoimentos primários dos principais atores, e comentários de analistas acadêmicos ou dos meios de comunicação,
no Uniceub, dia 28/10/2016, sexta-feira, em duas sessões: 
às 8:00 no auditório do Campus I de Taguatinga
às 19:30 no auditório do Bloco 3, do campus da Asa Norte (707-907)

O próprio diretor-cineasta Mauricio Costa fará uma breve informação introdutória ao documentário, após cuja projeção os diplomatas Rômulo Neves e Paulo Roberto de Almeida, Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI-Funag), farão seus comentários iniciais, abrindo o debate geral com o público presente.

As informações básicas do filme estão disponíveis no seguinte link


SINOPSE: 
#EraDosGigantes retrata o confronto entre os principais personagens da política externa de Lula, seus opositores, analistas e opinião pública na era das redes sociais. Com entrevistas, pesquisa de notícias, imagens de arquivo e inserção de tweets originais, o filme procura responder se a política externa do presidente Lula defendia os interesses do seu partido ou os interesses do Brasil. 
DIREÇÃO de MAURÍCIO COSTA: Diplomata, formado em letras pela Universidade Federal do Rio Grande Sul, com mestrado em literatura comparada pelo programa de pós-graduação em letras da mesma universidade. Cursou cinema na Escola de Cinema de Brasília e na Lights Film School, de Nova Iorque. Primeiro longa do diretor. 
O trailer do filme está disponível no seguinte link:




Documentario Era dos Gigantes (sobre política externa da era Lula), de Mauricio Costa: convite

A coordenadora do curso de Relações Internacionais, Profa. Renata de Melo Rosa, e o diplomata-cineasta Mauricio Costa, diretor do documentário

#ERA DOS GIGANTES 
(122 min., 2016)

convidam para a dupla exibição desse importante documentário sobre a política externa brasileira na era Lula, com material de imprensa, depoimentos primários dos principais atores, e comentários de analistas acadêmicos ou dos meios de comunicação,
no Uniceub, dia 28/10/2016, sexta-feira, em duas sessões: 
às 8:00 no auditório do Campus I de Taguatinga
às 19:30 no auditório do Bloco 3, do campus da Asa Norte (707-907)

O próprio diretor-cineasta Mauricio Costa fará uma breve informação introdutória ao documentário, após cuja projeção os diplomatas Rômulo Neves e Paulo Roberto de Almeida, Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI-Funag), farão seus comentários iniciais, abrindo o debate geral com o público presente.

As informações básicas do filme estão disponíveis no seguinte link


SINOPSE: 
#EraDosGigantes retrata o confronto entre os principais personagens da política externa de Lula, seus opositores, analistas e opinião pública na era das redes sociais. Com entrevistas, pesquisa de notícias, imagens de arquivo e inserção de tweets originais, o filme procura responder se a política externa do presidente Lula defendia os interesses do seu partido ou os interesses do Brasil. 
DIREÇÃO de MAURÍCIO COSTA: Diplomata, formado em letras pela Universidade Federal do Rio Grande Sul, com mestrado em literatura comparada pelo programa de pós-graduação em letras da mesma universidade. Cursou cinema na Escola de Cinema de Brasília e na Lights Film School, de Nova Iorque. Primeiro longa do diretor. 
O trailer do filme está disponível no seguinte link:




Cuba: neto de Che Guevara desiludido com a ditadura cubana

Folha de S.Paulo, 
22 de outubro de 2016

“Mudanças em Cuba não ocorrem por efeito de um impulso liberalizador, mas sim por subsistência”

Por Sylvia Colombo
Canek e Che Guevara, neto e avô (Foto Arquivo)
Canek e Che Guevara, neto e avô (Foto Arquivo)

Publiquei neste sábado na Ilustrada uma matéria sobre o livro póstumo de Canek Guevara, o neto de Che que se transformou num crítico da Revolução e preferiu o mundo das letras e da música. Assim como sua mãe, Hilda Guevara, e seu famoso avô, Canek viveu pouco, e morreu no ano passado, aos 40. Conversei o pai, o também ex-militante de esquerda Alberto Sánchez, que é mexicano e havia ido parar em Cuba após sequestrar um avião. Hoje, Sánchez promove o livro do filho e discute o legado daqueles anos. Leia a íntegra da entrevista, aqui.

Folha – Quando o sr. chegou à Cuba e conheceu Hildita, a filha de Che Guevara, pensava que sua vida se vincularia à Revolução a tal ponto?

Alberto Sánchez – É impossível prever um futuro pessoal quando se é um militante revolucionário, e eu cheguei à ilha por acidente. Era o começo dos anos 1970, quando proliferava no México a luta armada. Em 1972, junto com outros companheiros, me ofereci como voluntário para resgatar uma companheira ferida que se encontrava nas mãos da polícia. 

Sequestramos um avião para realizar a troca _ameaçamos dizendo que havia uma suposta bomba a bordo, mas que não era nada mais do que o livro “Los Invictos”, de William Faulkner_ e nos dirigimos a Cuba, porque o avião 727 não podia chegar ao Chile diretamente, que era nosso destino original. Cuba seria apenas um ponto de passagem, mas acabei ficando mais tempo. Sete meses depois, conheci Hilda. Nos apaixonamos e, nove meses depois, nasceu Canek, no dia 22 de maio de 1974.

Minha relação com o partido comunista cubano sempre foi extremamente conflitiva, não apenas pela cumplicidade do governo mexicano com o cubano, mas também porque minha organização considerava que esse governo tinha congelado o devenir revolucionário e tinha se convertido numa ditadura, como tinha ocorrido no México e na Rússia.

Ao mesmo tempo, Hilda via que o pensamento de seu pai havia sido reduzido a um mito para uso político do partido. E saímos da ilha para continuar a militância em outros lugares. Essa mitificação do Che que Hilda via, Canek a explicou muito bem num texto intitulado “Canonización Revolucionaria”, publicado no México em 2007.

Folha – Canek contava em suas entrevistas que não se falava de Che Guevara na casa de vocês. Como era sua relação com ele? Era um homem a quem admirava?

Sánchez – Como toda a esquerda mundial, eu também admirava o Che, e continuo admirando-o, não apenas porque foi um político tão distinto, no sentido de que fazia o que dizia e dizia o que pensava, mas também pela ética de confrontar o que considerou estar errado, ainda sendo um alto funcionário do governo.

Sua morte em combate não apenas irradiou um exemplo para a esquerda mundial daquela época, mas também fez com que começasse a se converter num mito suprahumano, depois um ícone cultural, e finalmente num produto de consumo.

Mas Hilda sofria por ser a “filha do Che”, não ser ela mesma, e sim um apêndice do mito. Por isso educamos nossos filhos pequenos não na história política, tampouco na admiração a um homem que poderia se transformar num fardo às suas constas, e sim com nossos valores mais íntimos, baseados na liberdade e na verdade. Nas suas recordações de adolescência, Canek coloca de outro modo. Ele dizia: “meu avô não aparecia nas conversas, mas sempre estava ali”. E creio que Hilda foi verdadeiramente a herdeira do melhor que tinha seu pai. 

Folha – Como se sentiu sua família em Cuba? Por que preferiu voltar ao México?

Sánchez – Vivi em Cuba apenas três anos. No México, eu já tinha me inscrito na luta daquela geração de 68 contra o regime opressivo que havia. Mas em Cuba tudo era diferente. O povo dava plena legitimidade a seu governo ea exígua dissidência de esquerda era perseguida, acusada de ser contrarrevolucionária. Então havia uma asfixia de ideias e dos impulsos libertários democráticos que continua até hoje.

Folha – Quando Canek volta a Cuba e começa a ter críticas ao resultado da Revolução, que tipo de conversas o sr. tinha com ele?

Sánchez – Quando Canek cresceu, por conta da própria educação que recebeu, valorizava e defendia muito a liberdade, a própria e em geral. Isso provocou um choque nele quando chegou à ilha e viu como era o autoritarismo do “socialismo real” existente ali.

A essa altura, minhas conversas com ele já não eram conversas com um menino, porque ele já estava crescido e a experiência o fez amadurecer muito até chegar numa posição crítica a esse velho sistema que, por mais que se disfarçasse ideologicamente de socialismo, não era mais que um vulgar capitalismo de Estado, apoiado na integração vertical das organizações de massas, e perseguidor de toda forma cultural que fosse diferente daquela ditada pelo poder.

Folha – Qual lhe parece que será a importância da publicação desse livro póstumo de Canek, especificamente nesse momento em que a ilha passa por grande transformação [devido à reaproximação com os EUA]?

Sánchez – Seu romance retrata a angústia dos homens que buscam a liberdade e, em seu caminho, caem numa rua sem saída. Reflete a frustração e a hipocrisia em que se transformou a Revolução. É uma denúncia do falso discurso do poder que pretende encobrir o drama da vida concreta das pessoas. Um discurso que, por sua inquietante repetitividade, se descobre como um disco riscado.

As atuais transformações, umas aparentes e outras reais, não provêm de algum ânimo liberalizador ou democrático do regime, que está envelhecido, mas sim de uma tentativa de subsistir diante das mudanças irrefreáveis que vêm ocorrendo no mundo desde 1990, incluindo a revolução nas comunicações propiciadas pela internet.

Canek escreveu “33 Revoluções” pensando nos leitores cubanos. Não sei que importância terá para cada um deles o drama descrito, mas espero que saibam valorizar o fato de que Canek também foi filho dessa Revolução, e que expressou de forma livre seus sentimentos.

Folha – A Cuba descrita no livro é asfixiante, mas Canek também a trata como um lugar com o qual tinha um sentimento de pertencimento. O sr. está de acordo?

Sánchez – Para mim, a experiência era distinta que a dele. Eu sou mexicano e sempre fui tratado como estrangeiro na ilha. Mas ao conhecer Cuba, que era tão diferente do meu país, fiquei fascinado e gostei dela porque me apaixonei por Hilda, que era tão cubana, tão argentina e tão peruana ao mesmo tempo. Admirei o povo cubano pelos sacrifícios que fazia para ir adiante, ao mesmo tempo em que me afligia ver a elite comunista convertida em nova classe governante. 

Quando Canek chegou a Cuba, em 1986, começava a desmontar-se o “socialismo real” e ele viveu o que se chamou de “período especial”, depois da queda do Muro de Berlim. A quebra econômica de Cuba implicou uma dramática degradação das condições sociais anteriores, e Canek foi testemunha de muitas tentativas de fuga pelo mar.

Mas ele havia nascido ali e sua mãe havia crescido e se educado em Cuba. Portanto era sua pátria, e se, ao final de sua vida, Canek sentia-se um cidadão do mundo, também queria Cuba de forma íntima como queria o México.

Mas gostar da pátria não significa gostar do governo.

Folha – Que repercussão espera que o livro de Canek tenha, dentro e fora de Cuba?

Sánchez – Canek sonhava que seu livro pudesse ser lido em Cuba, mas não sei que repercussões imaginava. Ninguém sabe de que modo, e por quais vias, a literatura possa influir nas ideias. Seria muito soberbo supor que o romance se revelasse como uma espécie de manifesto político. Não é. E agora que Canek é mais amplamente conhecido, já não por ser neto do Che, mas porque editores de muitos países, de culturas muito diferentes, apreciaram sua sensibilidade literária e a expressão de um grande escritor.

E a quem queira conhecer Canek melhor recomendo, amplamente, a leitura de suas crônicas de viagens, um longo périplo de cinco anos por vários países, que ele chamou de “Diário Sem Motocicleta” _em alusão ao filme de Walter Salles, e cujo primeiro tomo sai agora pela editora Pepitas de Calabaza, da Espanha. É um diário em primeira pessoa escrito com essa honestidade e liberdade com as quais Canek viveu até o último de seus dias.





Avast logo

Este email foi escaneado pelo Avast antivírus. 
www.avast.com


Humboldt: a invenção da natureza, de Andrea Wulf - resenha de Marcelo Leite (FSP)


Humboldt enxergou e pintou o mundo como teia de conexões

MARCELO LEITE
ILUSTRAÇÃO MAURO PIVA

23/10/2016 02h06

RESUMO Alexander von Humboldt, precursor da ecologia, mudou o modo de ver a natureza. Maior personalidade científica do século 19, explorou a América do Sul, de onde levou milhares de espécimes. Conviveu com Goethe, instruiu Jefferson e Bolívar, influenciou Lyell e Darwin, mas foi relativamente esquecido no século 20.

Mauro Piva

São várias as faces da natureza. Poucos se detêm a pensar sobre elas quando dizem coisas como "roubar é da natureza do político", "cabe ao homem desvendar as leis da natureza" ou "sair da cidade para estar em contato com a natureza".

A reflexão é necessária, entre outras razões, para ajudar a entender por que Alexander von Humboldt (1769-1859) foi fundamental no surgimento desse terceiro sentido, e também por que ele se tornou revolucionário.

Humboldt? Quem nunca ouviu falar desse naturalista alemão ou faz pouca ideia de quem ele tenha sido –a pessoa mais famosa, provavelmente, do século 19– encontrará grande auxílio na premiada biografia escrita por Andrea Wulf, "A Invenção da Natureza: A Vida e as Descobertas de Alexander von Humboldt" [trad. Renato Marques, Planeta (selo Crítica), 592 págs., R$ 99,90]. Como o título da obra já anuncia, antes de Humboldt a última acepção simplesmente não existia.

O primeiro e mais antigo dos sentidos da palavra "natureza" (physis) provém dos gregos. É a força ou o princípio que dá vida e movimento a todas as coisas e se confunde com sua finalidade ou substância. A onça é um predador; é de sua natureza predar.

Com o Renascimento e o Iluminismo, firmou-se um segundo sentido, também muito comum na linguagem corrente: a natureza como ordem e necessidade. Vista dessa maneira, ela se apresenta como a manifestação externa de disposições imutáveis e regularidades a serem explicitadas pelo espírito humano na forma de leis, por assim dizer, naturais.

É na atmosfera intelectual legada por Galileu, Copérnico e Kepler que Humboldt vem ao mundo, numa abastada família aristocrática prussiana.

O talento para observar a natureza e assimilar grandes quantidades de conhecimento fez dele um naturalista precoce, com gosto peculiar por diários de viagem, como o do capitão James Cook, que havia dado a volta ao mundo.

Estudante prodigioso, tornou-se inspetor de minas aos 22 anos. Intrigado com a "eletricidade animal" investigada pelo italiano Luigi Galvani (1737-98), planejou e executou por conta própria 4.000 experimentos "em que cortou, espetou, cutucou e eletrocutou rãs, lagartos e camundongos", conta Wulf em seu livro.

GOETHE

Durante visita ao irmão Wilhelm, em Jena, travou conhecimento com o poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), que morava na vizinha Weimar e tinha apreço especial pelas ciências da natureza. Humboldt liderava as frequentes discussões sobre zoologia, vulcões, botânica, química e galvanismo.

"Em oito dias lendo livros, uma pessoa não poderia aprender tanto quanto em uma hora de conversa com ele", resumiu Goethe, de acordo com a biografia.

Nascia ali uma amizade e uma colaboração intelectual que duraria anos. Enquanto caminhavam pelo campo ou faziam experiências, debatiam longamente sobre a "Urform", força interna que, segundo Goethe, engendrava a forma geral dos organismos.

Humboldt, naturalista obcecado com a natureza única dos espécimes coletados, além de empirista habilidoso, que tudo media em busca de regularidades, assimilou assim a ideia –tão cara ao romantismo– de que a natureza toda se organizava em consonância com um princípio unificador. As homogêneas florestas alemãs se mostravam cada vez mais acanhadas, porém, para a altitude e a latitude das ideias que fervilhavam na mente de Humboldt.

Mauro Piva

Em 1798, noutra visita ao irmão, agora residindo em Paris, ele travou conhecimento com um jovem cientista francês, Aimé Bonpland (1773-1858), também fascinado por viagens a lugares remotos. Juntos, planejaram uma viagem ao Egito, que nunca aconteceu. Frustrados, conseguiram salvo-conduto da Coroa espanhola para visitar as Filipinas e a América do Sul.

CHIMBORAZO

O alemão caprichou na bagagem. Reuniu um arsenal de 42 instrumentos científicos –entre microscópios, telescópios, bússolas e relógios– que foram acondicionados em estojos forrados de veludo. "A minha cabeça gira de alegria", escreveu Humboldt. Em julho de 1799, Bonpland e ele aportam na Nova Andaluzia, hoje Venezuela.

Em 1800, embarcam numa expedição de quatro meses e 2.750 km para explorar o rio Orinoco. Descobrem, então, o canal Cassiquiare, ligação entre essa bacia e a do rio Amazonas, que até aquele momento se acreditava separadas. Voltam e tomam um veleiro para Cuba. Dali rumam para Cartagena, hoje na Colômbia, e seguem por terra para Lima, percurso que os leva a cruzar os Andes.

Humboldt escala o Chimborazo, no Equador, considerada então a montanha mais alta do mundo, a 6.268 m acima do nível do mar (hoje se sabe que o recorde é do Everest, com 8.848 m; no entanto, por sua proximidade com a linha do Equador, onde o diâmetro da Terra é maior, o Chimborazo é o pico mais distante do centro do planeta). O vulcão equatoriano viria a desempenhar papel crucial tanto na obra do naturalista quanto na história da América do Sul.

"Quando retornaram do Chimborazo", escreve Wulf, "Humboldt estava pronto para formular sua nova visão da natureza. Nos contrafortes andinos, ele começou a esboçar a sua assim chamada 'Naturgemälde', um termo alemão intraduzível que pode significar 'pintura da natureza', mas que também implica uma ideia de unidade ou todo."

Para dar corpo a seu conceito de que a natureza é um todo vivo, de que "poderes orgânicos estão incessantemente em ação", a produzir fenômenos que só ganham importância em sua relação com o todo, Humboldt escolheu fazer um desenho de 90 cm por 60 cm. Seu objetivo era apelar à imaginação dos leitores, pois "o mundo gosta de ver" e o olho vem a ser o órgão por excelência da "Weltanschauung" (visão de mundo).

O diagrama criado pelo naturalista representa o Chimborazo com colunas à direita e à esquerda contendo informações sobre medidas de temperatura, pressão atmosférica e umidade, além de animais e plantas de cada estrato. Ali se apresenta também um esquema de todas as montanhas do mundo, várias delas indicadas por sua altitude no contorno do vulcão.

Por trás de toda a variação entre latitudes, continentes e zonas climáticas, havia um padrão a uniformizar as categorias de flora e fauna segundo clima e localização, assim como um prisma decompõe a luz do Sol, em qualquer lugar, nas mesmas bandas de cores primárias.

Surgia assim o conceito de uma natureza global, tão diversa quanto ligada por uma infinita teia de conexões –uma visão "ecológica", embora o termo ainda estivesse por ser inventado.

TIRANIAS

Após três anos na América do Sul, Humboldt parte para o México e dali para os Estados Unidos, onde se encontra, em 1804, com o presidente Thomas Jefferson (1743-1826) –outro entusiasta das ciências naturais. Falam muito sobre o México, que ainda abrigava parte do que hoje é território norte-americano e pelo qual Jefferson revelara interesse incomum.

Humboldt, adepto fervoroso de uma república mundial das ideias, transmite ao governante ianque carradas de informações geográficas, ecológicas e econômicas sobre a região dominada pela Espanha. Hoje seria considerado um espião imperialista, talvez.

Aos 35 anos, cinco depois de deixar a Europa, o alemão retorna a Paris. Leva na bagagem 60 mil plantas, na média de uma dezena de exemplares para cada uma das 6.000 espécies coletadas, das quais 2.000 eram novas para a ciência (só 6.000 estavam descritas até então).

Recebido como herói, trava contato com naturalistas como Georges Cuvier (1769-1832) e Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829).

Outro conhecido nas rodas parisienses é um jovem sul-americano de família rica de Caracas, Simón Bolívar (1783-1830). Conversam muito sobre política e a tirania da Coroa espanhola no Novo Mundo. Humboldt discorre sem parar sobre as maravilhas sul-americanas, das corredeiras do Orinoco aos cumes dos Andes.

De regresso à Venezuela, em 1807, Bolívar passa a envolver-se mais e mais nos movimentos de independência. "Com sua pena", diria mais tarde, "Humboldt despertou a América do Sul".

O próprio Libertador, em 1822, escreve o poema "Meu Delírio no Chimborazo", no qual menciona ter seguido as pegadas de Humboldt e ouvido a invocação do Deus da Colômbia:

"Observa, me disse: aprende, conserva em tua mente o que viste, desenha aos olhos de teus semelhantes o quadro do universo físico, do universo moral; não escondas os segredos que o céu te revelou; diz a verdade aos homens".

ECOLOGIA

O naturalista passa a escrever freneticamente, em meio a seguidas viagens pela Europa. Conclui o primeiro tomo, "Ensaio sobre a Geografia das Plantas", do que viriam a ser os 34 volumes da "Viagem às Regiões Equinociais do Novo Continente". No livro estava incluída a "Naturgemälde", na forma de uma gravura dobrável colorida à mão.

Para sua biógrafa, "foi o primeiro livro sobre ecologia do mundo", pois promovia uma visão inteiramente diferente da natureza, em que as plantas apareciam agrupadas em zonas e regiões, não em unidades taxonômicas. "Humboldt entrelaçou os mundos cultural, biológico e físico e pintou um retrato de padrões globais", escreve Wulf.

Se Humboldt apelava para a imaginação dos leitores, era também porque acreditava que a ciência não precisava se apartar das emoções que o contato direto com a natureza propiciava. Contemplá-la não punha o observador –fortuito ou sistemático– diante de um sistema mecânico, mas de um organismo vivo.

"Enquanto muitos cientistas rejeitaram a 'Naturphilosophie' de [Friedrich] Schelling por ser incompatível com a investigação empírica e os métodos científicos", afirma Wulf, "Humboldt insistia que o pensamento do Iluminismo e de Schelling não eram 'polos conflitantes'. Ao contrário –a ênfase de Schelling na unidade era a forma como Humboldt também compreendia a natureza."

VISÕES

Foi por essa via que a "Naturgemälde" ganhou uma versão em prosa: "Visões da Natureza" ("Ansichten der Natur", em alemão, publicada em 1952, no Brasil, como "Quadros da Natureza"). Nas palavras de Wulf, "um livro científico que não tinha vergonha de ser lírico".

Traduzida em sete línguas, a obra de 1808 lançou Humboldt para a fama muito além do círculo dos naturalistas, com hordas de leitores a aceitar o convite para segui-lo "para dentro das matas e florestas, das incomensuráveis estepes, e sobre os cumes da cordilheira dos Andes [...] nas montanhas da liberdade".

Goethe foi um deles. "Mergulhei com você nas regiões mais indômitas", escreveu numa das cerca de 100 mil cartas recebidas por Humboldt ao longo da vida (ele próprio escreveu umas 50 mil).

Charles Darwin (1809-82) pediu ao irmão que lhe remetesse um exemplar para o Uruguai, onde aportaria a bordo do navio Beagle. Os britânicos Alfred Russel Wallace (1823-1913), Henry Walter Bates (1825-92) e Richard Spruce (1817-93) se abalariam até a Amazônia brasileira, como narra John Hemming no informativo "Naturalists in Paradise" (Thames and Hudson), na esperança de reeditar os feitos descritos na obra de Humboldt.

Henry David Thoreau (1817-62) e Ralph Waldo Emerson (1803-82), na América, e Júlio Verne (1828-1905), na França, também viriam a admirar o livro um dia. Ernst Haeckel (1834-1919), na Alemanha, foi outro humboldtiano, e cunharia o termo "ecologia" em 1866, no livro "Morfologia Geral dos Organismos".

DARWIN

Andrea Wulf considera que Humboldt foi mais importante para Darwin formular sua teoria da evolução por seleção natural do que Thomas Malthus (1766-1834) e seus escritos sobre a impossibilidade de o meio físico sustentar o crescimento indefinido da população. Para a historiadora alemã, Darwin leu a natureza da América do Sul com os olhos de Humboldt, cuja "teia da vida" ganharia com o inglês uma dimensão temporal e se converteria na "árvore da vida" –a ideia revolucionária de que todos os seres vivos ou extintos compartilham um ancestral comum.

Humboldt, assim, estaria no mesmo patamar de Charles Lyell (1797-1875), de quem Darwin absorveu a noção da imensa profundidade do tempo geológico, sem a qual a seleção natural não teria como produzir toda a biodiversidade existente na Terra. Lyell, por sua vez, relaciona o próprio Humboldt e sua visão unitária da natureza como fonte inspiradora de seu "Princípios de Geologia" (1830).

Darwin e Humboldt chegaram a se encontrar, em 1842, quando o alemão acompanhava o imperador prussiano Frederico Guilherme 4º em visita à Inglaterra. Mas só Humboldt falou, durante as três horas em que estiveram juntos, conta Wulf numa das passagens mais curiosas da biografia. Darwin se descreveria depois "atordoado" com o encontro.

Humboldt viveria ainda até 1859, perto de completar 90 anos (e poucos meses antes de ser publicado o livro "A Origem das Espécies", principal obra de Darwin). Escreveu muitos outros livros, como o monumental "Cosmos – Esboço de uma Descrição Física do Mundo", cujos cinco volumes foram editados entre 1845 e 1862 e inspirariam o título, mais de um século depois, da famosa série de TV de Carl Sagan, em 1980.

Quando da morte de Humboldt, milhares de pessoas seguiram a procissão funeral de seu apartamento na avenida Unter den Linden ("sob as tílias", em alemão) até a catedral de Berlim. Em Boston, o naturalista Louis Agassiz (1807-73) fez o obituário do alemão na Academia de Artes e Ciência dizendo que cada criança nas escolas americanas tinha tido a sorte de viver na "era de Humboldt".

Dez anos depois, em 14 de setembro de 1869, o centenário de nascimento do naturalista alemão foi festejado por toda parte, de Nova York a Berlim e da Cidade do México a Adelaide.

Nenhuma outra pessoa tem tantos lugares e coisas no mundo nomeados por ele quanto Humboldt: rios, baías, ruas, montanhas, animais, plantas, minerais. Nos Estados Unidos, há pelo menos 11 cidades e condados com esse nome.

Além de ser considerado o pai da disciplina científica da ecologia, Humboldt encarnou, com seu estudo da natureza, valores que ainda hoje embasam o pensamento ambientalista, como relaciona Wulf: o colonialismo (hoje, para muitos, o capitalismo) é desastroso para os povos e o ambiente; a sociedade colonial se baseia na desigualdade; os povos indígenas não são nem bárbaros nem selvagens, e os colonos são tão capazes de descobertas científicas, artes e habilidades quanto os europeus; o futuro da América do Sul se baseia na agricultura de pequena escala, não na monocultura nem na mineração.

ESQUECIMENTO

Ainda assim, Humboldt é um nome ausente tanto da memória do ambientalismo quanto do senso comum, embora tenha inaugurado o conceito ecológico de natureza: complexo de espécies e relações que compõem cada ecossistema, cuja exuberância pode ser usufruída seja pelas ferramentas da análise científica, seja pela comunhão com algo primordial que tantos experimentam ao se encontrar nela.

Para Wulf, Humboldt foi o último dos polímatas, alguém que viveu nos estertores de um tempo em que ainda era possível armazenar tanto conhecimento numa só cabeça. Com a crescente especialização, sua ânsia por sínteses soa algo amadora, se não mística; para piorar, ele defendia mesclar pesquisa com imaginação e emoção –algo que só poderia redundar em ciência romântica, imprestável.

Voltamos a ser cartesianos, mecanicistas contumazes. Por outro lado, quem enxerga a Terra como uma teia viva de relações entre matéria e organismos dá preferência para um holismo mistificador, à imagem e à semelhança da Gaia de James Lovelock.

De um modo ou de outro, terminamos incapazes de reconstituir a unidade da natureza só com base no conhecimento, sem recurso à metafísica e ao sobrenatural, como pretendia Humboldt.

MARCELO LEITE, 59, é repórter especial e colunista da Folha.

MAURO PIVA, 38, é artista plástico e participa da coletiva "Máquina do Mundo" na Z42 Arte, no Rio.

Edição impressa

comentários

Caro leitor,

para comentar, é preciso ser assinante da Folha. Caso já seja um, por favor entre em sua conta cadastrada. Se já é assinante mas não possui senha de acesso, cadastre-se.

Faça seu loginCadastre-seAssine

Aos 35 anos, cinco depois de deixar a Europa, o alemão retorna a Paris. Leva na bagagem 60 mil plantas, na média de uma dezena de exemplares para cada uma das 6.000 espécies coletadas, das quais 2.000 eram novas para a ciência (só 6.000 estavam descritas até então).

Recebido como herói, trava contato com naturalistas como Georges Cuvier (1769-1832) e Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829).

Outro conhecido nas rodas parisienses é um jovem sul-americano de família rica de Caracas, Simón Bolívar (1783-1830). Conversam muito sobre política e a tirania da Coroa espanhola no Novo Mundo. Humboldt discorre sem parar sobre as maravilhas sul-americanas, das corredeiras do Orinoco aos cumes dos Andes.

De regresso à Venezuela, em 1807, Bolívar passa a envolver-se mais e mais nos movimentos de independência. "Com sua pena", diria mais tarde, "Humboldt despertou a América do Sul".

O próprio Libertador, em 1822, escreve o poema "Meu Delírio no Chimborazo", no qual menciona ter seguido as pegadas de Humboldt e ouvido a invocação do Deus da Colômbia:

"Observa, me disse: aprende, conserva em tua mente o que viste, desenha aos olhos de teus semelhantes o quadro do universo físico, do universo moral; não escondas os segredos que o céu te revelou; diz a verdade aos homens".

ECOLOGIA

O naturalista passa a escrever freneticamente, em meio a seguidas viagens pela Europa. Conclui o primeiro tomo, "Ensaio sobre a Geografia das Plantas", do que viriam a ser os 34 volumes da "Viagem às Regiões Equinociais do Novo Continente". No livro estava incluída a "Naturgemälde", na forma de uma gravura dobrável colorida à mão.

Para sua biógrafa, "foi o primeiro livro sobre ecologia do mundo", pois promovia uma visão inteiramente diferente da natureza, em que as plantas apareciam agrupadas em zonas e regiões, não em unidades taxonômicas. "Humboldt entrelaçou os mundos cultural, biológico e físico e pintou um retrato de padrões globais", escreve Wulf.

Se Humboldt apelava para a imaginação dos leitores, era também porque acreditava que a ciência não precisava se apartar das emoções que o contato direto com a natureza propiciava. Contemplá-la não punha o observador –fortuito ou sistemático– diante de um sistema mecânico, mas de um organismo vivo.

"Enquanto muitos cientistas rejeitaram a 'Naturphilosophie' de [Friedrich] Schelling por ser incompatível com a investigação empírica e os métodos científicos", afirma Wulf, "Humboldt insistia que o pensamento do Iluminismo e de Schelling não eram 'polos conflitantes'. Ao contrário –a ênfase de Schelling na unidade era a forma como Humboldt também compreendia a natureza."

VISÕES

Foi por essa via que a "Naturgemälde" ganhou uma versão em prosa: "Visões da Natureza" ("Ansichten der Natur", em alemão, publicada em 1952, no Brasil, como "Quadros da Natureza"). Nas palavras de Wulf, "um livro científico que não tinha vergonha de ser lírico".

Traduzida em sete línguas, a obra de 1808 lançou Humboldt para a fama muito além do círculo dos naturalistas, com hordas de leitores a aceitar o convite para segui-lo "para dentro das matas e florestas, das incomensuráveis estepes, e sobre os cumes da cordilheira dos Andes [...] nas montanhas da liberdade".

Goethe foi um deles. "Mergulhei com você nas regiões mais indômitas", escreveu numa das cerca de 100 mil cartas recebidas por Humboldt ao longo da vida (ele próprio escreveu umas 50 mil).

Charles Darwin (1809-82) pediu ao irmão que lhe remetesse um exemplar para o Uruguai, onde aportaria a bordo do navio Beagle. Os britânicos Alfred Russel Wallace (1823-1913), Henry Walter Bates (1825-92) e Richard Spruce (1817-93) se abalariam até a Amazônia brasileira, como narra John Hemming no informativo "Naturalists in Paradise" (Thames and Hudson), na esperança de reeditar os feitos descritos na obra de Humboldt.

Henry David Thoreau (1817-62) e Ralph Waldo Emerson (1803-82), na América, e Júlio Verne (1828-1905), na França, também viriam a admirar o livro um dia. Ernst Haeckel (1834-1919), na Alemanha, foi outro humboldtiano, e cunharia o termo "ecologia" em 1866, no livro "Morfologia Geral dos Organismos".

DARWIN

Andrea Wulf considera que Humboldt foi mais importante para Darwin formular sua teoria da evolução por seleção natural do que Thomas Malthus (1766-1834) e seus escritos sobre a impossibilidade de o meio físico sustentar o crescimento indefinido da população. Para a historiadora alemã, Darwin leu a natureza da América do Sul com os olhos de Humboldt, cuja "teia da vida" ganharia com o inglês uma dimensão temporal e se converteria na "árvore da vida" –a ideia revolucionária de que todos os seres vivos ou extintos compartilham um ancestral comum.

Humboldt, assim, estaria no mesmo patamar de Charles Lyell (1797-1875), de quem Darwin absorveu a noção da imensa profundidade do tempo geológico, sem a qual a seleção natural não teria como produzir toda a biodiversidade existente na Terra. Lyell, por sua vez, relaciona o próprio Humboldt e sua visão unitária da natureza como fonte inspiradora de seu "Princípios de Geologia" (1830).

Darwin e Humboldt chegaram a se encontrar, em 1842, quando o alemão acompanhava o imperador prussiano Frederico Guilherme 4º em visita à Inglaterra. Mas só Humboldt falou, durante as três horas em que estiveram juntos, conta Wulf numa das passagens mais curiosas da biografia. Darwin se descreveria depois "atordoado" com o encontro.

Humboldt viveria ainda até 1859, perto de completar 90 anos (e poucos meses antes de ser publicado o livro "A Origem das Espécies", principal obra de Darwin). Escreveu muitos outros livros, como o monumental "Cosmos – Esboço de uma Descrição Física do Mundo", cujos cinco volumes foram editados entre 1845 e 1862 e inspirariam o título, mais de um século depois, da famosa série de TV de Carl Sagan, em 1980.

Quando da morte de Humboldt, milhares de pessoas seguiram a procissão funeral de seu apartamento na avenida Unter den Linden ("sob as tílias", em alemão) até a catedral de Berlim. Em Boston, o naturalista Louis Agassiz (1807-73) fez o obituário do alemão na Academia de Artes e Ciência dizendo que cada criança nas escolas americanas tinha tido a sorte de viver na "era de Humboldt".

Dez anos depois, em 14 de setembro de 1869, o centenário de nascimento do naturalista alemão foi festejado por toda parte, de Nova York a Berlim e da Cidade do México a Adelaide.

Nenhuma outra pessoa tem tantos lugares e coisas no mundo nomeados por ele quanto Humboldt: rios, baías, ruas, montanhas, animais, plantas, minerais. Nos Estados Unidos, há pelo menos 11 cidades e condados com esse nome.

Além de ser considerado o pai da disciplina científica da ecologia, Humboldt encarnou, com seu estudo da natureza, valores que ainda hoje embasam o pensamento ambientalista, como relaciona Wulf: o colonialismo (hoje, para muitos, o capitalismo) é desastroso para os povos e o ambiente; a sociedade colonial se baseia na desigualdade; os povos indígenas não são nem bárbaros nem selvagens, e os colonos são tão capazes de descobertas científicas, artes e habilidades quanto os europeus; o futuro da América do Sul se baseia na agricultura de pequena escala, não na monocultura nem na mineração.

ESQUECIMENTO

Ainda assim, Humboldt é um nome ausente tanto da memória do ambientalismo quanto do senso comum, embora tenha inaugurado o conceito ecológico de natureza: complexo de espécies e relações que compõem cada ecossistema, cuja exuberância pode ser usufruída seja pelas ferramentas da análise científica, seja pela comunhão com algo primordial que tantos experimentam ao se encontrar nela.

Para Wulf, Humboldt foi o último dos polímatas, alguém que viveu nos estertores de um tempo em que ainda era possível armazenar tanto conhecimento numa só cabeça. Com a crescente especialização, sua ânsia por sínteses soa algo amadora, se não mística; para piorar, ele defendia mesclar pesquisa com imaginação e emoção –algo que só poderia redundar em ciência romântica, imprestável.

Voltamos a ser cartesianos, mecanicistas contumazes. Por outro lado, quem enxerga a Terra como uma teia viva de relações entre matéria e organismos dá preferência para um holismo mistificador, à imagem e à semelhança da Gaia de James Lovelock.

De um modo ou de outro, terminamos incapazes de reconstituir a unidade da natureza só com base no conhecimento, sem recurso à metafísica e ao sobrenatural, como pretendia Humboldt.

MARCELO LEITE, 59, é repórter especial e colunista da Folha.

MAURO PIVA, 38, é artista plástico e participa da coletiva "Máquina do Mundo" na Z42 Arte, no Rio.