O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quinta-feira, 27 de julho de 2017

Comprando um novo iPad: comparando precos no Brasil (1 iPad) e nos EUA (2 iPads)

Pensando em comprar o seu novo iPad?
Comparei os preços no Brasil e nos EUA: entrei nos sites oficiais da Apple em cada país, e coloquei exatamente a mesma configuração para o meu possível próximo iPad.
Conclusão: pelo preço de UM, no Brasil, você compraria DOIS, nos EUA.
Paulo Roberto de Almeida

No Brasil: 
  • Preço do Item:R$ 6.799,00
  • Preço Final: R$ 6.799,00
Número de peça: MPHG2BZ/A

    • Preço do Item:R$ 1.049,00
    • Preço Final: R$ 1.049,00

  • Número de peça: MPTL2BZ/A

    • Preço do Item:R$ 379,00
    • Preço Final: R$ 379,00

  • Número de peça: MQ092ZM/A
     
    Detalhamento do custo total
    Subtotal da sacola R$ 8.227,00
    Frete gratuito R$ 0,00
    Valor do pedido R$ 8.227,00
    Em até 12x de R$ 685,58
    R$ 7.404,30 à vista (10% de desconto)

    Taxa de câmbio em 27 de julho de 2017: R$3,15/US$ 1.-
    Valor em dólar: US$ 2.350 à vista e US$ 2.611 em até 12 vezes.


    Nos EUA:

    Items in Your Bag

    Part number: PPHG2LL/A


    • Item Price:$159.00
    • Line Price: $159.00

  • Part number: MPTL2LL/A

    • Item Price:$49.00
    • Line Price: $49.00

  • Part number: MQ092ZM/A

    Total cost breakdown
    Bag Subtotal $1,087.00
    Free Shipping $0.00
    Estimated Tax
    Total $1,087.00

    Valor equivalente em reais à taxa de 3,15: R$ 3.424
    Valor comprado no Brasil: R$ 7.404,30 à vista
    Diferença: R$ 3.980,30 ou  53% a mais.
    Comparando com a compra nos EUA: US$ 2.350 à vista, ou seja, US$ 1.263 a mais.

    Conclusão: você poderia comprar DOIS iPads, nos EUA, e ainda sobraria quase 200 dólares.
    Ou então VIAJAR a Miami, comprar o seu iPad e voltar ao Brasil.
    Que tal?
    Paulo Roberto de Almeida

    Personagens da política externa lulopetista: um aliado da ditadura cubana

    Faltam algumas informações essenciais para compreender a ação política do personagem aqui retratado na determinação da diplomacia lulopetista: tratou-se de um dos mais fiéis aliados (eu até diria servidores) da ditadura comunista cubana no partido neobolchevique a que serviu durante todo o período. Nenhuma, repito nenhuma, de suas ações deixou de ter essa referência básica no trabalho de "assessoria". Os militares costumam chamar isso de "traição à pátria ".

    Paulo Roberto de Almeida 


     Morre o principal operador brasileiro de política internacional 

    / Coluna / Matias Spektor

    Folha de S. Paulo, 27/07/2017

    Marco Aurélio Garcia, assessor diplomático dos governos do PT, morreu em 20 de julho passado, aos 76 anos. Sua vida ilustra como poucas outras a trajetória de quem chegou ao poder na Nova República.

    Entrando para a política na adolescência, ele galgou posições no movimento estudantil nos governos de Jânio e Jango. Com o golpe, veio o exílio. À época, sua subsistência dependeu da possante rede transnacional de solidariedade que albergou dezenas de exilados brasileiros em países como Uruguai, Chile, Cuba e França.

    Nisso, Marco Aurélio nada teve de singular. A sua é a experiência coletiva de numerosos quadros de partidos como PT, PMDB e PSDB. Juntos, eles viveram o cosmopolitismo internacionalista que nenhum outro conjunto de lideranças políticas, de lá para cá, teve a chance de experimentar.

    Quando o ciclo eleitoral começou, em 1989, Marco Aurélio virou o homem de Lula para a área internacional. Na década de trabalho que transcorreu entre as campanhas e a chegada ao Palácio do Planalto, ele construiu um acervo impressionante de contatos. Não há registro histórico de outro político brasileiro -excetuando Lula e FHC- com tamanho acesso a lideranças em tantos países mundo afora.

    Marco Aurélio virou assessor diplomático do presidente, mas essa nunca foi a sua única função. Cabia a ele mediar as facções rivais dentro do PT, vazar notícias à imprensa, e montar estratégias de sobrevivência, depois que os escândalos de corrupção começaram a pipocar. Coube a ele preparar Dilma para assumir a Presidência.

    Todo mundo pensava nele como ideólogo, mas essa imagem está longe de ser verdade. Marco Aurélio representava o exato oposto: o pragmatismo cru que é marca registrada de seu grupo. 

    Quando fundou o Foro de São Paulo, ao contrário do que se pensa, seu objetivo nunca foi o de criar uma internacional socialista latino-americana. Antes, ele operava para isolar os grupos que ainda acreditavam na luta armada ou na revolução e, dessa forma, dificultavam o projeto petista de chegar ao poder pela via eleitoral.

    Quando Marco Aurélio costurou o apoio brasileiro a Hugo Chávez e Nicolás Maduro, a Néstor Kirchner e a Rafael Correa, o fez de olho na criação do ambiente regional que ele pensava ser mais vantajoso para o futuro do PT. Por isso, diante de sua atuação externa, o tucanato sentia repugnância. Poucas políticas públicas criaram mais cizânia entre petistas e tucanos que a política externa.

    A sua morte coincide com o fim do arco histórico que vai do golpe de 1964 à Operação Lava Jato. Quem escrever sua biografia contará a história do caminho que percorremos até aqui.

    Personagens da política externa lulopetista: um aliado da ditadura cubana

    Faltam algumas informações essenciais para compreender a ação política do personagem aqui retratado na determinação da diplomacia lulopetista: tratou-se de um dos mais fiéis aliados (eu até diria servidores) da ditadura comunista cubana no partido neobolchevique a que serviu durante todo o período. Nenhuma, repito nenhuma, de suas ações deixou de ter essa referência básica no trabalho de "assessoria". Os militares costumam chamar isso de "traição à pátria ".

    Paulo Roberto de Almeida 


     Morre o principal operador brasileiro de política internacional 

    / Coluna / Matias Spektor

    Folha de S. Paulo, 27/07/2017

    Marco Aurélio Garcia, assessor diplomático dos governos do PT, morreu em 20 de julho passado, aos 76 anos. Sua vida ilustra como poucas outras a trajetória de quem chegou ao poder na Nova República.

    Entrando para a política na adolescência, ele galgou posições no movimento estudantil nos governos de Jânio e Jango. Com o golpe, veio o exílio. À época, sua subsistência dependeu da possante rede transnacional de solidariedade que albergou dezenas de exilados brasileiros em países como Uruguai, Chile, Cuba e França.

    Nisso, Marco Aurélio nada teve de singular. A sua é a experiência coletiva de numerosos quadros de partidos como PT, PMDB e PSDB. Juntos, eles viveram o cosmopolitismo internacionalista que nenhum outro conjunto de lideranças políticas, de lá para cá, teve a chance de experimentar.

    Quando o ciclo eleitoral começou, em 1989, Marco Aurélio virou o homem de Lula para a área internacional. Na década de trabalho que transcorreu entre as campanhas e a chegada ao Palácio do Planalto, ele construiu um acervo impressionante de contatos. Não há registro histórico de outro político brasileiro -excetuando Lula e FHC- com tamanho acesso a lideranças em tantos países mundo afora.

    Marco Aurélio virou assessor diplomático do presidente, mas essa nunca foi a sua única função. Cabia a ele mediar as facções rivais dentro do PT, vazar notícias à imprensa, e montar estratégias de sobrevivência, depois que os escândalos de corrupção começaram a pipocar. Coube a ele preparar Dilma para assumir a Presidência.

    Todo mundo pensava nele como ideólogo, mas essa imagem está longe de ser verdade. Marco Aurélio representava o exato oposto: o pragmatismo cru que é marca registrada de seu grupo. 

    Quando fundou o Foro de São Paulo, ao contrário do que se pensa, seu objetivo nunca foi o de criar uma internacional socialista latino-americana. Antes, ele operava para isolar os grupos que ainda acreditavam na luta armada ou na revolução e, dessa forma, dificultavam o projeto petista de chegar ao poder pela via eleitoral.

    Quando Marco Aurélio costurou o apoio brasileiro a Hugo Chávez e Nicolás Maduro, a Néstor Kirchner e a Rafael Correa, o fez de olho na criação do ambiente regional que ele pensava ser mais vantajoso para o futuro do PT. Por isso, diante de sua atuação externa, o tucanato sentia repugnância. Poucas políticas públicas criaram mais cizânia entre petistas e tucanos que a política externa.

    A sua morte coincide com o fim do arco histórico que vai do golpe de 1964 à Operação Lava Jato. Quem escrever sua biografia contará a história do caminho que percorremos até aqui.

    PISA: estudantes brasileiros continuam a exceder, para baixo...

    (Da coluna diária do ex-prefeito Cesar Maia, 27/07/2017)

    PISA: ESTUDANTES BRASILEIROS TIVERAM BAIXÍSSIMO DESEMPENHO EM FINANÇAS!

    (Folha de SP, 24) 1. Mesmo os estudantes brasileiros mais ricos tiveram baixíssimo desempenho na prova de conhecimento de finanças, em avaliação feita pelo Pisa, teste internacional do aprendizagem de jovens conduzido a cada três anos. Na prova de 2015, os estudantes brasileiros atingiram nota média de 393 pontos, a pior entre os 15 países avaliados nesse quesito específico, atrás do Peru (403 pontos) e do Chile (432 pontos).
            
    2. Entre os três países com melhores notas no teste de finanças, dois são emergentes. No topo do ranking, os chineses somaram 566 pontos, seguidos pelos estudantes canadenses e pelos russos. A prova específica de conhecimentos financeiros é aplicada desde 2012, mas o Brasil fez o teste pela primeira vez em 2015.
            
    3. No Pisa, as três habilidades tradicionais -leitura, matemática e ciências- são testadas há bem mais tempo, desde 2000. Na versão mais recente, reuniram 70 países.  Ana Maria Bonomi Barufi, economista do Bradesco, mostra que a variável renda tem efeito relevante não só sobre as habilidades tradicionais mas também sobre o conhecimento financeiro dos jovens em todo o mundo.
            
    4. Nos 15 países analisados, uma comparação entre 25% dos estudantes mais pobres e os 25% mais ricos mostra uma diferença de ao menos 40 pontos na nota média dos alunos dos dois grupos. A disparidade maior foi verificada na China, com um fosso de 132 pontos entre a nota média dos mais pobres e a nota média dos mais ricos.  Ainda assim, surpreende que a nota dos estudantes chineses menos favorecidos supera a dos mais ricos de países como Peru, Chile, Eslováquia, Lituânia e Brasil.
            
    5. A Rússia registrou a menor diferença entre as notas de conhecimento em finanças de estudantes mais pobres e mais ricos, de 46 pontos.  No caso do Brasil, chama a atenção que mesmo os estudantes mais ricos não conseguem sobressair quando comparados a seus pares de outros países. A nota média do grupo brasileiro com renda familiar mais alta foi de 441 pontos, a lanterna entre todos os estudantes mais ricos.
            
    6. Já os estudantes brasileiros mais pobres alcançaram nota média de 364 pontos. Comparados apenas com estudantes de renda mais baixa de outros países, conseguem ficar à frente do Peru. Barufi identifica ainda uma correlação positiva entre o PIB per capita -um indicador de riqueza de um país- e a nota obtida no Pisa em conhecimentos financeiros.
            
    7. A comparação também mostra atraso do Brasil em relação a outros países. Pelo nível de PIB per capita exibido pelo Brasil, a nota dos alunos brasileiros deveria ser cerca de 40 pontos maior, diz a economista. Barufi reconhece que o nível de conhecimento financeiro do brasileiro preocupa. Mas diz que os números devem ser vistos com cuidado porque o Brasil está, no geral, sendo comparado com países mais avançados. De qualquer modo, diz ela, é certo que os estudantes brasileiros precisam desenvolver a habilidade, relevante para que consigam planejar melhor suas vidas e seu futuro.
            
    8. Nesse jogo, a escola tem contribuição importante a dar. Eslováquia, Peru, Holanda, Lituânia e Bélgica estão entre os países que já adotaram política nacional para o ensino de finanças pessoais. "Mas o papel tem que ser da sociedade", diz Barufi. Enquanto tal movimento não toma corpo, alternativas para avançar na formação de jovens mais preparados para lidar com finanças podem ser formuladas, diz Barufi, como campanhas virtuais de conscientização sobre o tema.

    quarta-feira, 26 de julho de 2017

    A morte misteriosa de diplomata brasileiro na Europa durante a ditadura - Livro de Eumano Silva



    A morte misteriosa de diplomata brasileiro na Europa durante a ditadura
    Livro-reportagem investiga episódio obscuro da história nacional e revela fatos novos sobre ações da diplomacia brasileira em apoio ao regime militar.
    BBC BRASIL.com
    26 JUL2017
    16h30

    Agosto de 1970. No auge da repressão durante a ditadura militar no Brasil, um jovem diplomata que servia na Embaixada do Brasil em Haia, na Holanda, aparece morto na cidade dentro de seu carro, com cortes pequenos no pulso esquerdo e um ferimento profundo no pescoço.
    Paulo Dionísio de Vasconcelos (à esq.) e os trabalhos de investigadores no carro em que foi encontrado morto na Holanda; quase 50 anos depois, livro reconta história esquecida do regime militar
    Foto: BBCBrasil.com

    O caso levanta suspeita de motivação política. O mundo vive sob a tensão da Guerra Fria. Diplomatas ajudavam a ditadura na vigilância e até na perseguição a exilados políticos. Outros eram detidos e expulsos sob acusação de colaborar com organizações de esquerda, que sequestravam embaixadores estrangeiros para troca por presos políticos.
    Em 24 horas de investigação, a polícia holandesa conclui que o mineiro Paulo Dionísio de Vasconcelos cometera suicídio, pouco antes de completar 35 anos. Responsável pela codificação de documentos secretos da embaixada, ele deixava uma bebê de dois anos e a mulher nos últimos dias de gravidez da segunda filha.
    O inquérito se baseia em duas evidências: um inspetor encontrara uma lâmina de barbear numa poça de sangue no carro e testemunhas dizem que o diplomata vinha demonstrando sinais de nervosismo, ansiedade e depressão. Não há pista de um eventual assassino nem carta de despedida.
    Órgãos de imprensa, alguns colegas de Itamaraty e a família levantam dúvidas sobre o inquérito. Fatos novos, surgidos nos meses seguintes, aumentam as incertezas, mas autoridades pouco se mexem para desvendá-los e o episódio acaba caindo no esquecimento da opinião pública.
    Quase 50 anos depois, essa morte sob circunstâncias misteriosas é reconstituída pelo jornalista Eumano Silva no livro-reportagem A Morte do Diplomata: Um Mistério Arquivado pela Ditadura (Tema Editorial), que traz informações inéditas sobre o caso e os anos de regime militar no Brasil.
    Silva cobriu política por mais de 20 anos em Brasília, é coautor de Operação Araguaia: Os Arquivos Secretos da Ditadura (Geração Editorial), prêmio Jabuti de livro-reportagem em 2005, e foi consultor da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014), que apurou violações aos direitos humanos cometidas no Brasil entre 1946 a 1988.
    Para reconstruir a história de Paulo Dionísio, que narra em estilo de romance policial, ele teve acesso a documentos, fotos e até ao diário pessoal do diplomata produzido durante o período na Holanda - centenas de páginas com desabafos, resenhas, opiniões e relatos.
    A família também lhe concedeu uma procuração para acesso a documentos do Itamaraty sobre o caso.
    Nesse trabalho de dois anos, Silva coletou informações que expunham o cenário que envolvia a diplomacia brasileira à época, inclusive com evidências da rede de vigilância montada para seguir a movimentação no exterior do ex-arcebispo de Recife e Olinda d. Helder Câmara (1909-1999), que denunciava prisões e torturas do regime para plateias internacionais.
    "Tentei dar todos os elementos - os mesmos a que tive acesso - para que as pessoas pudessem avaliar o caso. É muito complicado saber como uma pessoa morreu se você não está perto. Como achava que não iria conseguir uma resposta definitiva, achei mais importante colocar todos os elementos. Seria isso suficiente? Não sei", disse Silva à BBC Brasil.


    Resultado de dois anos de pesquisas, livro de Eumano Silva conheceu teve origem em trabalho de jornalista na Comissão Nacional da Verdade
    Foto: Divulgação

    Trajetória
    Natural de São Domingos do Prata, região central de Minas Gerais, Paulo Dionísio de Vasconcelos vinha de uma família de elite. Seu pai, José Matheus, era médico e referência política na região - foi prefeito de São Domingos do Prata por dez anos. Cometeu suicidio em 1968, pouco mais de dois anos antes da morte do filho, cravando um bisturi no peito.
    Paulo frequentou rígidos colégios internos. Estudioso, ainda na juventude exibia conhecimento do latim aprendido em escolas católicas, montava peças de teatro, mostrava gosto por Filosofia. Conhecido como Paulão, tinha mais de 1,90m de altura.
    Formou-se advogado pela Universidade Federal de Minas Gerais e ingressou no Itamaraty em fevereiro de 1966. O trabalho na Holanda, onde chegara com a família em maio de 1969, era seu primeiro posto de relevância fora do Brasil. Como segundo-secretário, chefiava o setor de promoção comercial da embaixada.
    Por ter feito um estágio em criptografia ainda no Brasil, ele acabou também sendo encarregado do serviço sigiloso - codificava e decodificava documentos secretos produzidos e recebidos pela representação brasileira em Haia.
    Os manuscritos do diário, conta o jornalista Eumano Silva, revelam um diplomata aficionado por futebol (ele fazia longa análises táticas sobre jogos europeus), cheio de opiniões sobre assuntos da atualidade e que desfrutava de uma intensa vida social e cultural ao lado da mulher, Maria Coeli, namorada de adolescência.

    Ansiedade e tensão
    Por outro lado, as páginas descreviam também brigas constantes do casal - por "divergências na maneira de agir", como descreve o autor do livro -, chateações do trabalho diplomático e o clima de desconfiança vigente entre funcionários públicos naquele período.
    "As perseguições políticas levam as pessoas a temer o que fazem e falam", relata Eumano Silva no livro, a partir de exemplos do diário do diplomata.
    Paulo vinha reclamando, por exemplo, de pressões que recebia do Itamaraty para acompanhar os movimentos de d. Helder Câmara em viagens pela Europa - o diplomata costumava passar noites em claro para transmitir, em criptografias, entrevistas concedidas pelo religioso à mídia europeia.
    Certa vez, teve que prestar esclarecimentos a superiores após ter comentado com colegas - sem ter informado previamente aos chefes - que assistira a uma entrevista com o religioso na TV holandesa.


    Dom Helder Câmara em visita a Holanda em 1981; livros mostra como passos de religioso no exterior eram monitorados pela ditadura via Itamaraty
    Foto: Marcel Antonisse/Wikimedia Commons / Divulgação

    Também manifestava nervosismo com uma cobrança insistente do Ministério das Relações Exteriores sobre uma conta telefônica que havia sido gerada pelo inquilino do apartamento que ele tinha em Brasília - a linha era do Itamaraty, e a burocracia do ministério não aceitava as explicações do diplomata.
    "Os elementos de angústia mais fortes que aparecem no diário estão no livro, quando ele fala do pai dele, de fraqueza", lembra Eumano Silva.
    Poucos dias antes de morrer, Paulo Dionísio havia tido uma crise de impaciência após esquecer de postar uma carta da embaixada. A mulher o convenceu então a ir ao médico, que prescreveu um calmante leve.

    Morte e fatos sem explicação
    O corpo de Paulo Dionísio foi encontrado à tarde por um casal de estudantes, dentro de seu carro, estacionado ao lado de um bosque em Haia, numa rua paralela à praia. Naquele dia, ele dissera à mulher que iria à cidade vizinha de Utrecht, onde organizava uma feira comercial, passaria na embaixada e voltaria para casa.
    Em três horas de buscas no veículo e nos arredores, a polícia não localizou nenhum objeto capaz de provocar os ferimentos que tinham causado a morte do diplomata. Numa segunda busca, já no final da noite, um inspetor encontrou uma lâmina de barbear numa espessa poça de sangue no tapete do banco da frente.
    Em menos de 24 horas, a polícia de Haia ouviu várias testemunhas - como o embaixador do Brasil em Haia, colegas da embaixada, um padre amigo da família e a viúva Maria Coeli.
    Todos descreveram que Paulo Dionísio andava muito nervoso e angustiado. Baseado na existência da lâmina e desses relatos, o inquérito apontou que houve suicídio, conclusão que o próprio embaixador Carlos Eiras reforçou à imprensa à época.
    Mas a rapidez do inquérito (que não investigou o que Paulo Dionísio havia feito naquela tarde, por exemplo) e a localização tardia do instrumento do crime não eram as únicas "pontas soltas" do caso a alimentar questionamentos na imprensa, entre colegas de Itamaraty e a própria família do diplomata.
    Naquelas mesmas semanas de agosto de 1970, Paulo Dionísio recebera, na embaixada, uma carta em papel timbrado de um suposto escritório de advocacia britânico, com as palavras "privada" e "confidencial".
    A correspondência detalhava supostas situações e atos comprometedores atribuídos ao diplomata mineiro, como extorsões e posse de documentos de veículos e barcos alheios. Por meio do escritório de advocacia, um cliente chamado Jean Pierre Goehl cobrava a devolução de altas somas de dinheiro e dizia estar preso após ter sido alvo de "maldades", "maquinações" e "chantagens" de Paulo Dionísio.
    "Ao mesmo tempo que culpa o diplomata, o remetente extorque e ameaça. Descreve uma situação de criminalidade. Não explicita que tipo de relação pessoal haveria entre o remetente e o destinatário da carta", descreve Eumano Silva no livro.
    As cartas misteriosas continuaram a chegar nos meses seguintes à morte, mas acabaram sem explicação. A polícia holandesa disse que o caso estava encerrado e sugeriu que uma eventual investigação ocorresse em Londres. A Embaixada do Brasil na Holanda transferiu o caso à representação de Londres, que comunicou apenas, segundo mensagem do embaixador em Haia à cúpula do Itamaraty, que "nada" tinha sido apurado sobre o caso.
    Não se sabe até hoje se a representação em Londres chegou a tomar alguma providência concreta nesse sentido.
    O autor do livro destaca que "não há elementos que comprovem a veracidade dos acontecimentos narrados na correspondência". "Falta conexão entre os episódios descritos e a rotina do diplomata. As referências a vultosas quantias de dinheiro, Mercedes, motor de barco não fazem sentido para os familiares", escreve.
    As cartas também citavam a presença do diplomata em Luxemburgo no ano de 1967, o que parentes dele sempre negaram - afirmam que, pelo que sabiam, ele havia conhecido a Europa apenas ao se mudar para Haia. Mas nunca foi possível encontrar um passaporte antigo dele para verificar essa situação.
    Eumano Silva menciona duas hipóteses para a estranha correspondência: ação de golpistas que queriam se aproveitar da fragilidade da família para pedir dinheiro para abafar um escândalo inexistente. Ou a ação de algum serviço secreto tentando desestimular a família a contestar o resultado da investigação.
    "Qualquer que seja a circunstância, se realmente aconteceu, as páginas expõem uma situação extrema. Merecedora de atenção especial por parte das autoridades brasileiras e holandesas", escreve.
    Incerteza
    O político Paulino Cícero de Vasconcellos, irmão do diplomata que foi deputado estadual, federal e ministro das Minas e Energia, viajou à Inglaterra atrás de pistas em 1975 e no começo dos anos 1990 pediu apoio do Itamaraty para encerrar as dúvidas, mas os documentos fornecidos não trouxeram novidades.
    Em 2014, ele entregou documentos à filha caçula do irmão para que fossem levados à Comissão Nacional da Verdade, mas o material chegou na reta final dos trabalhos do grupo e acabou sem análise.
    Maria Lucia Abbott, jornalista brasileira baseada em Londres que trabalhou com Eumano Silva no livro, foi a campo e em um mês e meio de trabalho reuniu indícios de que um advogado e um escritório com nomes citados nas cartas misteriosas realmente existiram na Inglaterra dos anos 1970.
    "Quarenta e seis anos depois da morte do diplomata, com alguns contatos e entrevistas, a jornalista descobre pontos de conexão das cartas com a realidade na época dos fatos. Ao desprezar a busca de esclarecimentos, o Itamaraty exime-se de desvendar a autoria das cartas. Deixa na memória da instituição e da família Vasconcelos a incerteza quanto aos autores das cartas", escreve Eumano no livro.


    Pesquisa para livro confirmou existência nos anos 1970 de escritório de advocacia em Kingston upon Thames, na Grande Londres (foto), que assina carta
    Foto: Google Maps / Reprodução

    O jornalista lembra que a documentação pesquisada para o livro mostra que "as embaixadas tinham outras tarefas mais urgentes" naquele momento, demandadas pela cúpula do Itamaraty e do regime: o monitoramento da imprensa e dos exilados e a propaganda da ditadura.
    Nesse sentido, para além da reconstrução da história do diplomata, a pesquisa feita para o livro acabou trazendo à luz fatos históricos que não eram de conhecimento público.
    Como a atuação do Itamaraty na difusão da versão - considerada falsa pela Comissão da Verdade - de suicídio do estudante e sindicalista Olavo Hansen, morto em maio de 1970 após ser preso pela repressão. Ou contatos feitos pela Embaixada do Brasil em Londres com a Scotland Yard, a polícia metropolitana da capital britânica, para monitoramento de exilados brasileiros.
    Na história de Paulo Dionísio, a família não descarta a hipótese de suicídio - há, por exemplo, a sombra do ato cometido pelo pai dois anos antes e os relatos da própria mulher sobre o estado mental do diplomata nos meses anteriores à morte. Mas a dúvida permaneceu, relata o jornalista no livro.
    "Ao procurar um fato citado nas cartas que tenha relação com a vida dele, não há. Mas por que então isso não foi dito na época, por que não apuraram, por que preferiram deixar a família em dúvida, realmente não sei", diz.
    A BBC Brasil procurou o Ministério das Relações Exteriores para comentários sobre os fatos expostos no livro de Eumano Silva, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.

    Perspectivas da politica externa em um Brasil em redefinicao - Paulo Roberto de Almeida

    Este trabalho não pode ser considerado completo ou acabado, mas como vou ter de debater a respeito nesta data, no encontro da ABRI, deixo-o disponível no formato em que se encontra, para acesso pelos interessados em saber o que eu teria a dizer a respeito do tema escolhido para debate nesta mesa de que participo no evento:

    3131. “Perspectivas da política externa em um Brasil em redefinição”, Brasília, Lisboa, 22-26 junho 2017, 7 p. Notas para mesa redonda no 5o. encontro da ABRI em Belo Horizonte, em 27 de julho. Em revisão.
    Paulo Roberto de Almeida 



    Paulo Roberto de Almeida
     [Notas para mesa redonda; 5o. Encontro da ABRI; BH, 27/07/2017]
    Programa: http://www.encontro2017.abri.org.br/programacao


    O que está em redefinição: o mundo ou o Brasil?
    Recebo convite para falar das “Perspectivas da política externa brasileira em um mundo em redefinição”, em mesa redonda no quadro do quinto encontro nacional da ABRI, Associação Brasileira de Relações Internacionais, em Belo Horizonte. O título da mesa redonda se encaixa no tema geral do encontro: “Redefinindo a diplomacia em um mundo em transformação”. Esse tema geral é apresentado da seguinte maneira: Há no ambiente internacional contemporâneo um desafio bastante óbvio para a atividade diplomática: a redefinição do relacionamento entre os Estados, à luz do elevado grau de incerteza associado à ascensão de diversos deles a novas posições de influência e protagonismo — em alguns casos, duradoura e consistente; em outros, uma trajetória mais errática, ambígua e ainda indefinida.” Suponho que o Brasil esteja nesse segundo caso, ou pelo menos assim pensaram os autores do texto de apresentação do encontro.
    Minha primeira reação é considerar que a segunda parte do título da mesa redonda, a expressão “um mundo em redefinição”, constitui uma redundância ou uma tautologia. O mundo está sempre em redefinição, qualquer que seja o momento retido para falar a seu respeito, algumas vezes de forma mais pronunciada, em outras vezes menos de forma menos evidente, mas sempre em constante redefinição, pois esta é sua característica essencial, incontornável, aliás imutável. Tudo é movimento, diria um antigo filósofo grego, e assim deve continuar. As razões são perfeitamente conhecidas: dinâmicas e letargias econômicas; alternâncias, mudanças ou mesmo rupturas políticas, sobretudo nas democracias de mercado; mutações sociais e demográficas; tensões e conflitos entre Estados ou entre líderes políticos; tais são os elementos que compõem os ambientes nacionais, os cenários regionais, ou o sistema internacional de poderes reconhecidos. Tais cenários apresentam essa tendência, talvez irritante aos olhos dos conservadores, que é a de estar sempre mudando (algumas vezes para pior).
    Em todo caso, se o mundo está ou não em redefinição, em determinadas fases ou momentos da história, isso pode ser um assunto de preocupações e afazeres acadêmicos, mas raramente o é para um diplomata, pois este toma o ambiente mutante dos sistemas regionais ou o do cenário internacional como um dado essencial para o seu trabalho analítico e de formulação de posições destinada a iluminar a tomada de decisões em sua esfera de atuação. Ou seja, longe de ser um dado secundário, essa tal de “redefinição do mundo” perpassa todo e qualquer ambiente próprio de trabalho no qual se exercem acadêmicos e diplomatas. Não há propriamente algo que possam fazer, acadêmicos ou diplomatas, a propósito dessas supostas redefinições do mundo, a não ser tentar entender, interpretar corretamente e indicar possíveis tendências em relação a “coisas” relativamente fora do seu alcance, no sentido em que seria vão esperar qualquer tentativa de influenciar a direção das mudanças esperadas, ou imprimir ao processo uma direção determinada. No caso do Brasil tal incapacidade parece evidente: o país consegue influenciar, se tanto, copas do mundo de futebol, algum desabastecimento de café (mas cada vez menos, pois já existem outros grandes fornecedores no mercado) e, agora, uma novidade “literária”: graças à Odebrecht, o Brasil figura com destaque no livro Guinness dos recordes de corrupção, hemisférica e mundial.
    Prefiro, portanto, falar das perspectivas da política externa num Brasil em redefinição, pois é um fato que o Brasil se encontra em um governo de transição, embora ainda não saibamos bem para qual direção. Na verdade nem sabemos se teremos governo no próximo mês ou até o final do ano. E vamos fingir que nós, acadêmicos ou diplomatas, conseguimos exibir alguma inteligência na definição de perspectivas para a política externa num Brasil em redefinição. Vamos então ver o que um acadêmico disfarçado de diplomata teria a dizer sobre essa política externa nesse Brasil em transformação para algo desconhecido: seria para algo melhor, ajuste feito, crescimento de novo, ou algum desastre pela frente, desastre econômico, política delinquente?

    O que é esta tal de redefinição do Brasil? Alguém prevê melhoras?
    Admitindo-se que o Brasil é o país que necessita de “redefinições”, por ter permanecido atrasado durante muito tempo, vejamos quais seriam as perspectivas de uma política externa adequada às novas circunstâncias sob as quais o Brasil precisa necessariamente viver. Existem várias dimensões associadas a uma eventual política externa futura do Brasil, isto é, diferente da atual, sendo que algumas são impostas pela agenda internacional, outras derivadas das próprias opções e iniciativas brasileiras.
    Eu começaria por estas últimas, pois como já sugerido é o Brasil que necessita de redefinições adotadas por vontade própria, sob o comando de seus próprios líderes e representantes setoriais, inclusive neste caso os responsáveis pela chancelaria e os decisores da política externa. Aplicando o princípio do first things first, comecemos pelo mais importante: a despeito de o maior atraso brasileiro ser mais exatamente mental e não propriamente material, temos de começar pelo que é factível fazer, e mudar mentalidades é algo muito difícil de acontecer. Sendo a modernização econômica o aspecto mais urgente a ser objeto de políticas decisivas de inserção do Brasil na economia global, isto significa abandonar todas as políticas introvertidas, protecionistas ou autárquicas adotadas nas últimas décadas, em especial no período lulopetista (na verdade, algumas dessas atitudes nos acompanham desde sempre, apenas amenizadas temporariamente em raras fases de nosso processo de desenvolvimento).
    O Mercosul, por exemplo, retrocedeu tremendamente durante o período lulopetista, ao longo do qual as autoridades políticas no mais alto escalão consentiram em aceitar as salvaguardas ilegais impostas pela Argentina e até tiveram a petulância de requerer a concordância dos exportadores brasileiros para tais práticas ilegais. Na política comercial, de modo geral, o Brasil se encontra hoje na incômoda e vergonhosa posição de se ver condenado num painel da OMC por ter infringido normas básicas nessa área, tanto em matéria de subsídios à produção, quanto no que tange discriminação à oferta estrangeira, ou seja, desrespeito ao princípio do tratamento nacional. Na esfera dos investimentos estrangeiros, os governos lulopetistas recusaram ratificar todos os acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos (APPIs) que o Brasil havia voluntariamente aceito, vários deles, aliás, assinados pelo mesmo chanceler do lulopetismo em sua primeira encarnação como ministro do governo Itamar Franco, num outro período de transição.
    Em várias esferas, o Brasil lulopetista conseguiu enorme projeção internacional para o seu governo, o que lhe trouxe imenso prestígio externo e grande aprovação por parte da academia. Acadêmicos gramscianos, ou mesmo desprovidos de qualquer base ideológica preferencial, são propensos a aceitar acriticamente certos gestos simbólicos de caneladas no império, e de resistência simulada a projetos de potências hegemônicas. A militância, de seu lado, ficou entusiasmada com todas essas alianças bolivarianas feitas ao longo do período, com a formação de “parcerias estratégicas” com países supostamente identificados com projetos alternativos aos das antigas potências coloniais e com essa preferência por uma “nova geografia do comércio internacional”. Fazendo, entretanto, um balanço objetivo dos resultados efetivos dos grandes objetivos do lulopetismo diplomático – conquista de uma cadeira permanente no CSNU, reforço e ampliação do Mercosul, conclusão bem sucedida das negociações comerciais da Rodada Doha – o que emerge são rotundos fracassos em toda a linha, sem considerar aqui o lado criminoso de diversos projetos conduzidos com recursos do BNDES, sem que garantias apropriadas fossem oferecidas para diversos desses financiamentos geralmente feitos com perfeitas ditaduras e regimes corruptos (o lado negro do formidável ativismo externo do lulopetismo mafioso).

    O que será a política externa no futuro imediato? Brilhante? Razoável?
    Em resumo, o Brasil precisaria abandonar todo um capítulo de política econômica externa caracterizado por vários ismos anacrônicos: protecionismo, nacionalismo, isolacionismo, intervencionismo, que se somaram a diversos outros ismos tradicionais, como o patrimonialismo, o corporativismo, o fisiologismo, o nepotismo, o prebendalismo, o burocratismo, etc.
    Nesse sentido, a demanda por ingresso na OCDE pode e deve ajudar muito nesse aggiornamento da política econômica, embora a tendência seja a de que os negociadores nacionais insistam em, tentem preservar o máximo das características atuais da economia brasileira, que é tudo aquilo que precisa realmente mudar num sentido mais liberal e globalizador. No plano da política global, aliás, não creio que se deva investir tempo, energia e recursos nessa pretensão de se conquistar uma cadeira permanente no CSNU: trata-se de um objetivo fútil, típico de quem se crê melhor do que realmente é. Quando, e se, a Carta da ONU for reformada, o Brasil parece ser um candidato natural a ocupar um lugar permanente, e nem precisaria fazer campanha para tal objetivo: a cadeira virá, quase que por inércia ou por ação da lei de gravidade.
    No plano regional, essas alusões à liderança, geralmente autopropostas, são no mínimo ridículas, quando não inconvenientes, no limite prejudiciais à própria pretensão do país fazer da América do Sul um espaço econômico unificado, uma zona de paz e de segurança conectada fisicamente, um continente democrático e respeitador dos direitos humanos, partilhando mecanismos regulatórios comuns ou harmônicos entre si de maneira a explorar conjuntamente os imensos recursos de que dispõe o continente, em alimentação, energia, matérias primas, comunicações, enfim, uma ampla gama de bens e serviços ofertados e intercambiados segundo os velhos princípios do livre comércio e da abertura aos investimentos externos.
    Mas pode a política externa do Brasil caminhar para tal revolução copernicana em seus fundamentos conceituais, em seus propósitos ambiciosos, em suas grandes linhas de atuação? Poder pode, ou poderia, se depender apenas de seus diplomatas, que são capazes de todas as mudanças que se revelarem parte do imperativo categórico determinado pelo Príncipe de plantão. Em outros termos, os diplomatas se adaptam a quaisquer ordens e instruções que emanem do Príncipe, e unicamente do Príncipe que os comande. Os diplomatas são assim.
    Seria, no entanto, por demais esperar que surja, assim como que por encanto, um Príncipe iluminado, esclarecido, inteligente, corajoso, consciente da necessidade de abertura econômica, de liberalização comercial, que tome todas as iniciativas necessárias em prol da plena aceitação da globalização, o que requereria, antes de qualquer outra coisa, um desarme psicológico por parte das elites atrasadas do Brasil? Pode-se esperar que uma tal personalidade ideal, um estadista modernizador seja eleito por um desses golpes de sorte, por alguma astúcia da história, e empreenda o duro caminho do estabelecimento de plenas liberdades econômicas e transforme, por vera arte do convencimento, a superestrutura mental da sociedade brasileira? Registre-se que tal empreendimento exigiria, no mínimo, o desmantelamento de todo um arcabouço regulatório, que teima em amarrar os empresários, e os próprios trabalhadores, em grilhões burocráticos muito piores do que os do antigo cartorialismo português?
    Mesmo que tal Príncipe existisse – o que já é uma dessas apostas que qualquer broker londrino não aceitaria por menos de que dez contra um – e fosse eleito por uma feliz conjunção de circunstâncias favoráveis, com tantos nomes horríveis circulando nas pesquisas de opinião, ele teria de haver-se, em primeiro lugar, com toda a fragmentação partidária, com um Congresso verdadeiramente representativo da sociedade brasileira, ou seja, corporativo ao extremo, disfuncional, além de disfuncional por causa dos muitos lobbies e grupos de interesse bastante fortes ali representados. Ele teria, ademais, de confrontar-se com outras fontes de poder, a maior parte delas comprometida com uma mentalidade anacrônica, favorável ao protecionismo, à introversão, a um nacionalismo rastaquera, em uma palavra, a mesma carga de atraso mental já referida.
    Os demais grandes temas da agenda diplomática do Brasil não mudarão muito, ou praticamente nada. A política externa brasileira continuará seguindo o farol do multilateralismo principista além de todo o aparato conceitual do politicamente correto nos vários itens dessa agenda: direitos humanos, meio ambiente, não proliferação, cooperação ao desenvolvimento, preferência pelo chamado Sul global, com os Palops à frente, integração retórica na América do Sul, enfim toda a gama mais de transpiração do que de inspiração a que já estamos acostumados desde longos anos. Em uma palavra, o Brasil continuará a ser o que sempre foi: um país ricamente dotado em recursos naturais mas insuficientemente desenvolvido, lutando contra suas próprias contradições e limitações, mas também continuando a agitar os velhos fantasmas internacionais de sempre. Estes seriam: a assimetria nas relações internacionais – o que é um dado do sistema internacional; a desigualdade de representação nos organismos internacionais; a baixa disposição dos países avançados em matéria de acesso a tecnologias favoráveis ao desenvolvimento dos países em desenvolvimento; o monopólio nuclear das grandes potências e o seu total descompromisso com o desarmamento nuclear; enfim, temas e agendas que já fazem parte da retórica diplomática brasileira desde largo tempo.

    Conclusões pouco conclusivas
    Imaginemos, por um instante, totalmente  por acaso, que seria possível traçar uma política externa ideal, sem pretensões megalomaníacas, uma política engajada na construção de um país satisfeito consigo mesmo, sem angústias terceiro-mundistas ou projetos de grande potência, propenso a abrir-se a todos os vizinhos de maneira ampla e sem qualquer critério de reciprocidade, apenas acolhendo bens e serviços, trabalhadores, em bases unilaterais, de maneira generosa, um país apto a contribuir para a formação de um espaço econômico integrado, como seria teoricamente possível ocorrer se o Brasil fosse esse país dotado de uma política externa ideal. Mas esta é uma projeção utópica que não parece próxima de realizar-se no futuro previsível.
    A única coisa que deveria realmente mudar, no âmbito mais geral das políticas públicas, mas envolvendo também a política externa, seria um compromisso inarredável com ampla abertura externa, em especial com as liberdades econômicas vinculadas ao exercício das atividades produtivas, expostas estas à concorrência externa. Mudará isto?
    Não acredito! O Brasil, e sua política externa, é um país que preza um alto grau de soberania econômica, e orgulhoso de assim proceder, o que significa que continuará patinando no mesmo lugar pelo futuro previsível. Isso também nos garantirá um crescimento medíocre nos anos à frente.
    Os diplomatas poderiam ajudar nessa tarefa de modernização mental das elites e da própria agenda brasileira de modernização globalizante? Não tenho certeza disso. Eles sempre foram, são e continuarão sendo educados no mesmo espírito do nacionalismo desenvolvimentista que caracteriza as elites brasileiras desde sempre. O que significa que eles continuarão submissos ao consenso nacional que é também o que emerge de Príncipes timoratos e concordantes com os interesses de suas elites gatopardianas.
    O mundo, em maior ou menor transformação, seguirá o seu curso, ou seja, passando por constantes mudanças, sobretudo econômicas. O Brasil também seguirá o seu curso, que é o de progredir a passos pequenos, hesitantes, em direção a um futuro indefinido. Existem motivos de preocupação? Talvez, mas como já dizia Mario de Andrade em 1924: “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade.”

    Paulo Roberto de Almeida
    Brasília, 22/06/2017; Em voo Brasília-Lisboa, 23-24/2017; Lisboa, 25-26/06/2017.