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sábado, 9 de janeiro de 2010

1658) A arte da escrita (bem, nem tanto...)

O texto que segue abaixo foi escrito mais de dois anos atrás, mas permaneceu relativamente obscuro, posto que foi publicado uma única vez no Observatório da Imprensa. Creio que o escrevi depois de tropeçar, não numa pedra, mas em vários blocos graníticos de ignorância redacional manifesta, esculpidos (se ouso dizer) em algumas dissertações ou teses acadêmicas. Creio que voltava de uma banca no Rio de Janeiro: um sacrifício de viagem para um grande desprazer intelectual, não apenas quanto à substância do trabalho, mas igualmente quanto à sua forma, ou seja, a escrita.
Daí escrevi o texto prometendo a mim mesmo nunca mais aceitar participar de uma banca se a redação do trabalho em questão me parecesse deficiente. Uma decisão difícil, pois sempre quem convida é um professor amigo, que foi também o que "orientou" (provavelmente mal) o trabalho em questão.
Enfim, se ainda não revisei na prática a minha política de participação em bancas, pelo menos posso deixar aqui o desabafo...
Paulo Roberto de Almeida (9.01.2010)

Por que é difícil encontrar quem saiba escrever
Paulo Roberto de Almeida
Observatório da Imprensa - 05/06/2007

O texto a seguir, sobre a obscuridade de certos escritos que encontramos nas páginas literárias de jornais e revistas, foi inspirado pela seguinte frase de Stefan Zweig, em correspondência particular, frase que "pesquei" na fabulosa biografia desse autor escrita por Alberto Dines:

"As pessoas que fazem ou falam literatura são totalmente incompreensíveis, parece-me mais um defeito da natureza do que uma virtude, mas talvez a arte tenha sido sempre condicionada por tais deficiências."
[Stefan Zweig, carta a Friderike Maria von Winterniz (ex-Zweig), em 7/12/1940, citado por Alberto Dines, Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (3ª ed. ampliada; Rio de Janeiro: Rocco, 2004), p. 326.]

Stefan Zweig referia-se, obviamente, aos escritores como ele, romancistas ou literatos em geral, homens de letras, no sentido amplo, cuja prosa lhe parecia pertencer a um universo de referências escondidas, de significados obscuros, cuja compreensão talvez só estivesse ao alcance de outros membros da République des Lettres – que ele evitava freqüentar seja por comodismo ou timidez, seja por medo de entrar em polêmica a respeito de suas próprias convicções literárias ou a propósito do seu estilo de escrita.

Ele queria ser compreendido e amado pelo grande público e por isso buscava a concisão literária, a correção na forma, a perfeição na linguagem, a simplicidade no discurso, para que seu argumento atingisse o maior número possível de leitores. Sem deixar de ser profundo, e de fazer apelo à sua vasta cultura humanista, ele pretendia ser um escritor popular, o que requeria, obviamente, um cuidado especial com a linguagem escrita, de maneira a aproximá-la do cidadão comum, do leitor médio, do público cultivado mas não pretensioso, que refugava os maneirismos e preciosismos de linguagem de muitos dos seus colegas de pluma.

Erros primários [o intertítulo é do Observatório da Imprensa]
De minha parte, entendo que a frase de Zweig aplica-se ainda com maior acuidade e rigor ao trabalho dos filósofos, dos sociólogos, dos cientistas sociais em geral, cujo objeto de análise e de reflexões se volta para os campos mais ou menos subjetivos da organização social, das motivações políticas, das políticas econômicas; em síntese, dos assuntos humanos. Tenho encontrado, em muitos trabalhos de colegas, grandes doses de prolixidade na escrita, um desejo inconfessado de parecer sofisticado pelo rebuscamento inútil da linguagem, pela profusão nos conceitos e pela adjetivação exagerada das análises. Parece que eles acabaram de fazer um curso completo de redação obscura com um desses filósofos franceses adeptos do desconstrucionismo verbal, êmulos de Jacques Derrida e de Jean Baudrillard.

Isso pelo lado bom. Pelo lado ruim, o que mais tenho encontrado, na verdade, é a simples redação deficiente, uma linguagem caótica e rebarbativa, que por sua vez revela um pensamento desorganizado, uma confusão de idéias que passa longe do que se convencionou chamar de brain storming. Pelo lado catastrófico, então, cada vez mais deparo-me com a miséria da escrita, com uma linguagem estropiada por incorreções gramaticais, impropriedades estilísticas, quando não barbaridades ortográficas de tal monta que seriam capazes de fazer fundir um desses corretores automáticos de computador que detectam todos os erros de digitação. Mas, mesmo depois de o perpetrador em questão ter aplicado o seu corretor ortográfico informático e eliminado todos os erros de digitação, ainda sobram frases incompreensíveis, expressões sem sentido, reflexos de uma linguagem tortuosa e torturada que seria capaz de confundir o mais paciente revisor de estilo pago para fazer essa tarefa.

A pobreza da linguagem escrita no Brasil – já nem mais falo da linguagem coloquial, irrecorrivelmente contaminada pelo dialeto televisivo das novelas e programas de auditório – tem progredido a olhos vistos, acompanhando a rápida deterioração da educação no país. Acredito que não haja mais espaço, atualmente, para aqueles programas ao vivo voltados para testar o conhecimento de concorrentes sobre fatos gerais da história ou em destreza na língua escrita, que premiavam verdadeiras enciclopédias ambulantes, dicionários vivos da língua pátria. Tudo isso é passado, eu sei, mas será que não se consegue, ao menos, ter pessoas que consigam escrever ao menos num Português normal, desprovido de erros primários e de barbarismos estilísticos?

Deterioração generalizada [o intertítulo é do Observatório da Imprensa]
Não estou falando de profissionais "normais", mas de aspirantes a um título universitário de pós-graduação, que constitui a minha "clientela" mais freqüente. Tenho encontrado cada vez mais, nessas dissertações para as quais sou convidado para a banca julgadora, um tamanho volume de atentados à linguagem que penso seriamente em desistir de aceitar o convite, por mais que o título ou o tema possam me atrair. Vou pedir para ver o trabalho primeiro, antes de me decidir se aceito ou não participar. Não quero compactuar, nem que seja indiretamente, com as barbaridades lingüísticas e os atentados à boa escrita.

Não se trata de arrogância intelectual ou elitismo lingüístico, mas uma simples questão de coerência. Uma linguagem confusa, quando não incorreta, revela, antes de tudo, confusão nas idéias. Assim sendo, ao menor sinal de impropriedade redacional pode-se estar seguro de que a qualidade intrínseca do trabalho tampouco será superior ao estilo de redação. Como não pretendo deixar nem autor nem orientador constrangidos na hora da avaliação pública do trabalho, vou desistir preventivamente de participar. Acho que é o melhor que eu tenho a fazer nesta fase de deterioração generalizada da educação no Brasil.

Fica, portanto, dado o aviso. Antes de me convidar, favor procederem à revisão do Português (e revisem as idéias também).

[Texto também reproduzido no Blog do Galeno: por um Brasil que lê mais: http://www.blogdogaleno.com.br/texto_ler.php?id=587&secao=25, que foi onde eu acabei reencontrando um ensaio praticamente esquecido.]

4 comentários:

Anônimo disse...

Isso vindo de um cara que não consegue escrever um texto sem usar reticências.

Amigo, já viu alguém que escreve bem ficar usando reticências?

Paulo Roberto de Almeida disse...

Voce tem a resposta no meu post imediatamente seguinte...
com direito a reticências...

Giuseppe Bitencourt disse...

Eu sou uma dessas pessoas que aumenta a estatística da deterioração da língua pátria. Contudo, não suporto mais ficar nessa posição. Estou tentando melhorar, ou melhor dizendo, tentando adquirir uma linguagem escrita adequada, para isso, além de um estudo profundo da gramática, estou lendo várias notícias, livros, debates para construir um banco de dados para poder realizar algum tipo de argumentação com embasamento adequado.

O senhor sugere algum outro caminho para solucionar meu problema?

Paulo Roberto de Almeida disse...

Giuseppe,
Eu não a receita milagre, mas certamente não começaria pela Gramática, uma coisa chata e aborrecida. Talvez ela seja importante, para evitar erros e incorreções de redação, mas isso é algo mecânico, técnico.
Acho mais importante ler bastante, ler muito, mas apenas grandes romances, boa literatura, livros de qualidade, ler o tempo todo, intensamente, e escrever o tempo todo...
Crie um blog, e diga que você vai escrever nele todo dia, apenas para você mesmo, eventualmente sobre os mangás japoneses, nos quais você pode se tornar um especialista, se já não é.
Escreva muito, pois foi assim que aprendi a escrever.
Eu NUNCA estudei gramática, escrevo mal, por vezes, e sou extremamente prolixo (o que estilisticamente é horrível), mas continuo escrevendo, pois acho que algumas pessoas se interessam, não tanto pelo meu estilo, mas pelo que eu tenha a dizer, fruto de experiência de vida, muitas viagens e sobretudo uma quantidade enorme de leituras.
Essa é a receita, ler sempre e escrever o tempo todo.
Faça isso e você será feliz.
O abraço do
Paulo Roberto de Almeida