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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sábado, 10 de julho de 2010

Politica Externa do Brasil: respostas a uma pesquisa jamais publicada

Respondi, em 13 de fevereiro de 2007, a um instituto brasileiro de pesquisa, cujo nome não vem ao caso lembrar agora, algumas perguntas sobre política externa brasileira, entre outras questões do interesse desse instituto.
Não sei por que me escolheram para responder à pesquisa, nem o que fizeram de minhas respostas, pois jamais tive qualquer retorno quanto aos resultados dessa pesquisa, nem me informaram, na carta-convite, o que fariam exatamente das respostas.
Como sempre parto do pressuposto de que os convites que me são feitos -- e recebo muitos, geralmente de pesquisadores, estudantes, jornalistas e de algumas entidas brasileiras e estrangeiras -- o são por pessoas e entidades sérias, comprometidas com a fiablidade da transcrição das respostas no trabalho em curso, respondo de boa vontade e de boa fé, por vezes pedindo para ver o resultado (quando se trata de algum trabalho acadêmico, por exemplo; não peço a jornalistas, pois sou de opinião de que eles devem ter liberdade para escrever o que pensam; se por acaso venho a saber que fui mal interpretado, ou distorcido, posso tentar corrigir, mas isso é raro).
É muito raro que eu divulgue essas respostas pessoais, diretas e discretas que dou aos que me consultam em caráter particular.
Se o faço agora -- como já fiz em vários posts anteriores -- é porque não tenho tempo de responder a todas as questões que me são colocadas -- justamente não posso fazê-lo sempre, do contrário passaria meu tempo respondendo consultas -- e assim posso "socializar" para um número mais amplo de curiosos (geralmente estudantes) algumas opiniões sobre política externa brasileira.
De acordo com a legislação do Serviço Exterior brasileiro, deve-se pedir autorização para emitir opiniões públicas sobre temas da agenda corrente da diplomacia oficial, de que sou inteiramente consciente.
Minhas opiniões não tratam de aspectos correntes da política externa brasileira, mas de hipóteses colocadas pelo entrevistador, daí que julguei que poderia divulgá-las...
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 11.07.2010)

Pesquisa sobre política externa do Brasil
Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)
Respostas a algumas questões colocadas (por um instituto)

(Parte inicial sobre perfil do entrevistado e caracterização geral)

23. O Brasil deve assumir a posição de líder dos países emergentes
Discordo.
23a. Por quê:
Lideranças auto-assumidas sempre redundam em fracassos, sobretudo quando não se dispõe de meios adequados para assegurar essa liderança, o que é o caso do Brasil. O exercício da liderança requer, em primeiro lugar, uma economia sólida, capaz de sustentar o esforço externo de cooperação econômica e de assistência técnica em prol de projetos de desenvolvimento em outros países. Este não é o caso do Brasil, ainda que ele disponha de alguma capacidade para cooperação externa, mais por interesse político-diplomático do que por reais disponibilidades materiais (uma vez que são notórias as carências extremas ainda existentes no próprio Brasil). Liderança também significa capacitação militar suficiente para sustentar missões de intervenção em prol da paz e da segurança, mesmo na ausência de esquemas multilaterais de cooperação (ONU), o que tampouco é o caso do Brasil. Liderança requer, sobretudo, a aceitação voluntária dos liderados, seja por necessidade de países menores e menos dotados economica e politicamente, seja por afirmação natural (ou seja, sem imposições) do candidato a líder, que passa a ser reconhecido, seja pelo lado militar, seja pelo lado econômico-diplomático, como capaz de liderar consensualmente, sem necessidade de solicitar apoios "comprados". A liderança surge pelo exemplo de equilíbrio na condução dos seus próprios negócios internos e na agenda diplomática internacional, e pela dedicação desinteressada nos temas de cooperação internacional, não pela auto-afirmação gratuita.

24. O Brasil deve continuar investindo no Mercosul
Concordo em parte
24a. Por quê
Espaços econômicos abertos são sempre importantes para uma economia integrada aos grandes fluxos da globalização. O Mercosul, concebido como área de integração aberta, deve ser visto como uma espécie de mini-globalização. Um Mercosul voltado para o próprio umbigo seria nefasto para a inserção econômica internacional do Brasil. O Mercosul pode ser importante para o Brasil, mas ele não deve condicionar nossa política externa nem determinar nossa inserção econômica internacional, que deve ser buscada em seu mérito próprio, não em função de um projeto que requer o consenso de diversos países (cujos interesses podem diferir grandemente). Um Mercosul com direito de veto sobre nossa política econômica seria um contra-senso. Nossa situação é totalmente distinta da situação européia e não requer supranacionalidade para a resolução, ou pelo menos o encaminhamento, de nossos problemas mais cruciais. Nossos problemas mais relevantes são todos "made in Brazil" e devem receber soluções propriamente, senão exclusivamente brasileiras. O Mercosul pode ajudar, parcialmente, no encaminhamento dessas "soluções", mas não é dele que devem derivar essas soluções.

25. O Brasil deve aumentar suas relações econômicas com os EUA
Concordo inteiramente.
25a. Por quê
Trata-se da maior economia do planeta, um dos grandes provedores, senão o principal, do Brasil em capitais de investimento direto, financiamento, know-how, tecnologia produtiva, serviços especializados, cooperação na área científica e tecnológica, mercado importante para bens e serviços do Brasil, absorvedor de grande parte de nossa população emigrada (legal e ilegalmente), o emprestador de última instância com poder nas instituições financeiras multilaterais (e até bilaterais), o país de vanguarda na inovação tecnológica e na produção científica, o garantidor em última instância da segurança e da paz, enfim, um país incontornável, por mais arrogante que ele possa ser e por mais assimétricas que possam ser as relações bilaterais (o que ocorre, aliás, com a grande maioria dos países do planeta). Sem qualquer subordinação política ou diplomática, é do nosso interesse estreitar os laços econômicos e tecnológicos com os EUA, apenas isto.

26. Brasil deve aumentar suas relações econômicas com a UE
Concordo inteiramente
26a. Por quê?
Grande mercado, segundo principal provedor de bens e serviços, capitais e tecnologia para o Brasil, maior parceiro, tomado como bloco, no plano comercial e dos investimentos diretos, segunda moeda mais importante no mundo financeiro, laços históricos e tradicionais nos planos populacional, cultural e empresarial, um centro de poder econômico e político com capacidade para equilibrar as relações econômicas e políticas no plano mundial.

27. Brasil deve aumentar suas relações econômicas com a África
Concordo em parte
27. Por quê?
Todo incremento de relações econômico-comerciais, em bases de mercado, é importante, como diversificação de chances de ganhos e oportunidades para o setor privado, mas deve-se afastar a ideologia das "raízes africanas", que descambam para o paternalismo ou o "retribucionismo" infantil e indevido (idéia equivocada de uma "dívida moral", em relação à Africa, por causa do passado de escravidão), quando não para o pieguismo em relações internacionais. A África é um continente problemático, não apenas e sobretudo não principalmente devido ao passado da escravidão, mas em virtude de Estados falidos, ditadores corruptos, desagregação social e econômica, ou seja, por escolhas e políticas erradas por parte de seus dirigentes. Qualquer investimento econômico ou diplomático naquele continente deve partir de bases realistas e não ideológicas.

28.Brasil deve aumentar suas relações econômicas com a América Latina
Concordo inteiramente
28a. Por quê?
Trata-se do contexto geográfico natural e o terreno de expansão econômica inevitável para as empresas brasileiras. Os laços históricos são fortes e as razões de ordem econômica e cultural ainda maiores. A integração deve ser buscada, não como um fim em si mesmo, mas como um meio para fortalecer as economias da região e para uma maior inserção na economia internacional.

29. O Brasil deve defender seu ingresso para o Conselho de Segurança das Nações Unidas
Concordo em parte
29a. Por quê?
Não se trata de questão prioritária do ponto de vista dos principais problemas brasileiros, que estão todos concentrados no próprio Brasil e não no meio ambiente internacional. A participação no CSNU exige meios e disponibilidade de recursos de que carecemos no plano interno.

30. O Brasil deve enviar tropas para missões de paz das Nações Unidas
Concordo inteiramente.
30a. Por quê?
A participação na solução dos problemas de segurança internacional e conflitos regionais sempre interessa ao Brasil, país comprometido com a solução pacífica das controvérsias e cultor do direito internacional como base das relações internacionais. Trata-se, também, de demonstração de solidariedade e interesse por povos mais infelizes do que o nosso.


40. O governo de Hugo Chávez na Venezuela é democrático
Discordo frontalmente.
40a. Por quê?
Democracia significa poderes independentes, liberdade de expressão, livre iniciativa no plano econômico, Estado menos intrusivo na esfera econômica e no plano ideológico, o que obviamente não ocorre hoje na Venezuela.

41. É importante para a América Latina que o governo brasileiro desenvolva relações políticas mais estreitas com o governo venezuelano.

Discordo.
41a. Por quê?
A Venezuela é um país sumamente importante para o Brasil nos planos econômico, diplomático e até político, mas a expansão das relações políticas com o atual governo venezuelano certamente não contribui para nossa afirmação como nação democrática no plano externo igualmente.

42. O Brasil deve ampliar sua integração energética com a Venezuela e com a Bolívia.
Não concordo, nem discordo.
42a. Por quê?
As reservas imensas em energia em ambos os países são uma realidade, mas a fiabilidade dos negócios, em geral, a segurança nos investimentos, a certeza de aprovisionamento no médio e longo prazo são elementos essenciais para o estabelecimento de uma plataforma de cooperação energética com ambos os países. Todos esses elementos necessitam ser avaliados nos planos técnico, econômico e gerencial, para que eles possam ser assegurados por meio de tratados, acordos e contratos que possuam garantias de solução de controvérsia ao abrigo do arbítrio governamental (foros independentes, portanto), de maneira a contornar o caráter errático das estruturas políticas nesses países. Qualquer avaliação "política" desses aspectos, privilegiando vizinhança ou mera simpatia, seria uma temeridade nas presentes circunstâncias.

68. Na sua opinião, que políticas poderiam ser adotadas e que poderiam deveriam ser evitadas pelo Brasil para apoiar uma transição democrática em Cuba?
O Brasil deveria manifestar publicamente e abertamente sua posição em favor de um retorno à democracia política na ilha caribenha, deixando claro, no entanto, que caberia ao povo cubano, dotado de liberdade de se organizar democraticamente em um regime de pluralidade de partidos políticos, se manifestar em eleições livres nesse sentido. O Brasil não deve apoiar grupos minoritários que se organizassem para derrubar pela força o regime cubano. Mas, o Brasil deveria deixar claro que qualquer iniciativa para integrar Cuba às estruturas econômicas de cooperação e de integração existentes no continente, ou no sentido da expansão dos laços culturais bilaterais, dependeria dessa transição democrática. Isso em respeito ao povo cubano, que não tem a oportunidade de se manifestar livremente desde mais de quarenta anos.

Brasília, 1722: 13 fevereiro 2007, 4 p.

===============

Addendum:
Permito-me destacar, com o realce que merece, o comentário do leitor sempre atento Mario Machado, seguindo de minha própria resposta a ele, e que levanta a possibilidade de um trabalho a respeito do tema:

Mário Machado disse...

Professor,
Sobre a questão 30a tenho uma avaliação pessoal que os custos dessas operações são mal comunicados ao povo brasileiro, principalmente os custos humanos, afinal qualquer operação militar incorre no risco de perda de vidas. E um aumento do chamado "protagonismo" aumentaria bastante a chance de termos que assistir a chegada sempre muito triste dos heróis caídos com bandeiras em seus caixões.
Eu concordo com a participação do Brasil nessas missões, mas o processo deveria ser mais debatido.
Não sei se o senhor concorda com isso e caso não creio que sua visão enriqueceria a minha.
Abraços,
Sábado, Julho 10, 2010 3:06:00 PM



Blogger Paulo R. de Almeida disse...


Meu caro Mario,
Concordo inteiramente com você, e discordo, portanto, de mim mesmo.
Sim, parece contraditório, mas me explico.
Não sei bem por que razão, no momento de responder a esse questionário, dois anos atrás, coloquei "concordo inteiramente", e dei as razões para isso, quando, na verdade, eu não concordo inteiramente, e até discordo ligeiramente. Deve ter sido a pressa em responder, ou, provavelmente, um certo prurido de parecer "politicamente incorreto", ou "nacionalmente egoista", ou "mesquinho", ao responder pela negativa.
Hoje, eu responderia claramente pela negativa parcial, mas o tema é por demais complexo para receber uma resposta sempre favorável ou sempre negativa.
Provavelmente, cada caso deve ser considerado em sua dimensão própria, medirmos nossos interesses no caso, nossas possibilidades e limites materiais, nosso engajamento político e moral, nossas responsabilidades multilaterais. Não podemos nos isolar do mundo, mas também temos de ter consciência de que nosso primeiro dever é com o nosso povo e em seguida com a região na qual vivemos.
Por outro lado, concordo inteiramente com você em que o assunto deveria ser amplamente debatido pela sociedade brasileira, que não tem tido a oportunidade de se pronunciar, por exemplo, em relação ao Haiti.
Mesmo durante a ditadura militar, nossa participação nas chamadas "Forças de Paz" que intervieram na República Dominicana foi amplamente debatida no Parlamento e você pode ver esses debates nas páginas da RBPI, em 1965.
Está faltando debate sobre as missões da ONU e sobre o próprio ingresso no CSNU.
Portanto, me redimo de minha resposta, agradeço a você a correção e a oportunidade de tecer mais algumas considerações sobre o assunto, o que indica que eu poderia, eventualmente, pensar em algum trabalho de reflexão sobre essa importante questão da participação do Brasil nas operações da ONU e sobre nossa política geral de segurança no contexto multilateral.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 11 de julho de 2010)

3 comentários:

Mário Machado disse...

Professor,

Sobre a questão 30a tenho uma avaliação pessoal que os custos dessas operações são mal comunicados ao povo brasileiro, principalmente os custos humanos, afinal qualquer operação militar incorre no risco de perda de vidas. E um aumento do chamado "protagonismo" aumentaria bastante a chance de termos que assistir a chegada sempre muito triste dos heróis caídos com bandeiras em seus caixões.

Eu concordo com a participação do Brasil nessas missões, mas o processo deveria ser mais debatido.

Não sei se o senhor concorda com isso e caso não creio que sua visão enriqueceria a minha.

Abraços,

Paulo Roberto de Almeida disse...

Meu caro Mario,
Concordo inteiramente com você, e discordo, portanto, de mim mesmo.
Sim, parece contraditório, mas me explico.
Não bem por que razão, no momento de responder a esse questionário, dois anos atrás, coloquei "concordo inteiramente", e dei as razões para isso, quando, na verdade, eu não concordo inteiramente, e até discordo ligeiramente. Deve ter sido a pressa em responder, ou, provavelmente, um certo prurido de parecer "politicamente incorreto", ou "nacionalmente egoista", ou "mesquinho", ao responder pela negativa.
Hoje, eu responderia claramente pela negativa parcial, mas o tema é por demais complexo para receber uma resposta sempre favorável ou sempre negativa.
Provavelmente, cada caso deve ser considerado em sua dimensão própria, medirmos nossos interesses no caso, nossas possibilidades e limites materiais, nosso engajamento político e moral, nossas responsabilidades multilaterais. Não podemos nos isolar do mundo, mas também temos de ter consciência de que nosso primeiro dever é com o nosso povo e em seguida com a região na qual vivemos.
Por outro lado, concordo inteiramente com você em que o assunto deveria ser amplamente debatido pela sociedade brasileira, que não tem tido a oportunidade de se pronunciar, por exemplo, em relação ao Haiti.
Mesmo durante a ditadura militar, nossa participação nas chamadas "Forças de Paz" que intervieram na República Dominicana foi amplamente debatida no Parlamento e você pode ver esses debates nas páginas da RBPI, em 1965.
Está faltando debate sobre as missões da ONU e sobre o próprio ingresso no CSNU.
Portanto, me redimo de minha resposta, agradeço a você a correção e a oportunidade de tecer mais algumas considerações sobre o assunto, o que indica que eu poderia, eventualmente, pensar em algum trabalho de reflexão sobre essa importante questão da participação do Brasil nas operações da ONU e sobre nossa política geral de segurança no contexto multilateral.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 11 de julho de 2010)

Mário Machado disse...

Professor,

Tomei a liberdade de transcrever nosso diálogo em meu blog, caso seja possível acessar o meu blog por ai em Shangai, uma vez que em outra oportunidade não foi possível. (www.coisasinternacionais.com) a postagem vai ao ar às 0h1 horário de Brasília.

Abs,