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sábado, 1 de novembro de 2014

Tragedias ideologicas: um ex-petista honesto diz que o sonho virou pesadelo - Zander Navarro

Todo mundo aqui, repito, todo mundo, já votou pelo PT algum dia, alguma vez, várias vezes, sempre na esperança de melhorar, que fosse um pouco, a política brasileira, livrá-la dos corruptos e dar início ao famoso processe de redistribuição de renda.
Ninguém imaginava que chegaríamos ao partido, E AO GOVERNO, mais corrupto da história do Brasil e que teríamos uma associação criminosa, totalmente mafiosa (não pelos seus militantes, embora estes mantenham um cumplicidade obsessiva pela mentira, antes de mais nada a si mesmos, mas pelos seu dirigentes) no comando país.
Este ex-petista reconhece. Só não tinha visto antes que o partido tinha muitos neobolcheviques reciclados. Tinha de dar no que deu...
Paulo Roberto de Almeida 
 Peço licença, inicialmente, para um breve relato pessoal. Nos anos 1980 contribuí mensalmente com parte do meu salário para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os depósitos duraram de dois a três anos, quando a campanha foi encerrada, por falta de adesão. Com sacrifício, cheguei a oferecer até 10% do meu ganho e ainda guardo os recibos. Por que fiz isso? Naqueles anos, saindo do ciclo militar e ansioso pela democracia, ingenuamente entendi ser o MST uma força que renovaria a oligárquica política rural. Como os seus militantes passaram a ameaçar as famílias em assentamentos, o sonho desmoronou e retornei à vida universitária. 

Na época, quase todos nós apoiávamos o PT, mesmo não sendo filiados. Imaginávamos que o partido também forçaria transformações em alguma direção positiva. Ou a reforma social ou, ao menos, a democratização da sociedade. Vivíamos então um período febril de debates plurais e de experiências práticas. Lembram-se do "modo petista de governar"? Era simbolizado pelo orçamento participativo, que prometia a livre participação dos cidadãos em decisões públicas sobre os orçamentos municipais. Na campanha de 2002, contudo, o candidato petista mal falou do assunto e, no poder, o tema se esfumaçou.

O assombroso escândalo da Petrobrás, que nos deixa estupefatos, é apenas o efeito inevitável da história do Partido dos Trabalhadores. A causa original é um mecanismo que o diferencia das demais agremiações partidárias. Trata-se de um processo de mobilidade social ascendente, inédito em sua magnitude. Movimento que poderia ser virtuoso, se aberto a todos, pois seria a consequência do desenvolvimento social. Mas, na prática, vem sendo uma odiosa discriminação, pois é processo atado à filiação partidária.

O núcleo pioneiro do PT recrutou segmentos das classes baixas e mais pobres, mobilizados pelo campo sindical, pelos setores radicalizados das classes médias, incluindo parte da intelectualidade, e pela esquerda católica, ampliando nacionalmente o grupo petista inicial. À medida que o partido, já nos anos 90, foi conquistando nacos do aparato estatal, vieram os cargos para os militantes e, assim, a chance arrebatadora de ascender às vias do dinheiro, do poder, das influências e do mando pessoal. Esse foi o degenerativo fogo fundador que deu origem a tudo o que aconteceu posteriormente.

Inebriados, cada vez mais, pelo irresistível prazer do novo mundo aberto a essas camadas, até mesmo impensáveis formas de consumo, todos os sonhos fundacionais de mudança foram sendo estilhaçados ao longo do caminho, incluídos a razoabilidade e os limites éticos. O PT gerou dentro de si uma incontrolável ânsia de mobilidade, uma voragem autodestruidora inspirada na monstruosa desigualdade que sempre nos caracterizou. Conquistado o Planalto, não houve nem revolução nem reforma e o fato serviu, particularmente, para saciar a fome histórica dos que vieram de baixo.

Instalou-se, em consequência, o arrivismo e a selva do vale-tudo: foi morrendo o padrão Suplicy e entrou o modelo Delúbio-Erenice. Logo a seguir, ante a inépcia da ação governamental, também foi necessário impor a mentira como forma de governo. Por fim, o PT mudou de cabeça para baixo o seu próprio financiamento. Abandonou o apoio miúdo e generoso dos milhões que o sustentaram na primeira metade de sua história, pois se tornara mais cômodo usar o atacado para ancorar-se no poder. Primeiro, o mensalão e, agora, os cofres da Petrobrás.

Nessa espiral doentia de mudanças, a partir de meados dos anos 1990 o partido enterrou o seu passado. Sua capacidade de reflexão, por exemplo, deixou de existir e o imediatismo passou a prevalecer. Assim, um projeto de nação ou uma estratégia de futuro não interessavam mais. O pragmatismo tornou-se a máxima dessa nova elite e sob esse caminho o subgrupo sindical e seus militantes vêm pilhando o que for possível dentro do Estado. Examinados tantos escândalos, invariavelmente a maioria veio do campo sindical. E foi assim porque da tríade original dos anos 80, a classe média radicalizada e os religiosos abandonaram o partido. Deixaram de reconhecê-lo como o vetor que faria a reforma, sobretudo moral, da política brasileira.

Entrando neste século, o PT não tinha nada mais para oferecer de distintivo em relação aos demais partidos. A aliança com o PMDB ou Lula abraçando Maluf foram decorrências naturais. Também por tudo isso, o campo petista reivindicar o monopólio da virtude é o mesmo que fazer de idiotas todos os cidadãos. No primeiro turno, a fúria das urnas demonstrou a reação indignada dos eleitores à falsidade.

O que vemos atualmente é a soma dessa descrição com as nossas incapacidades políticas de construção democrática em favor do bem comum. O PT é hoje uma neo-Arena que promove, sobretudo, o clientelismo nos grotões. Não aqueles definidos geograficamente, mas os existentes nos interstícios sociais, confundindo as pessoas por meio da mentira, do bolsismo e das mistificações de toda ordem. É uma trajetória vergonhosa para um partido que prometeu a lisura republicana, o aprofundamento democrático, a reforma de nossas muitas iniquidades e, especialmente, prometeu corrigir a principal deformação de nossa História, que é um padrão de desigualdade que nos infelicita desde sempre. É ação que igualmente vem abastardando o Estado, atualmente tornado disfuncional e semiparalisado em inúmeros setores.

Por todas essas razões, incluindo o benéfico aperfeiçoamento que, fora do poder, sofrerá o próprio PT, é preciso mudar. E com urgência, pois o Brasil se esfarinhará sob outros quatro anos dessa gigantesca manipulação política, o desprezo pela democracia, o primado da lealdade partidária sobre a meritocracia e a fulgurante incompetência técnico-administrativa do campo petista no poder.

SOCIÓLOGO, É PROFESSOR APOSENTADO DA UFRGS (PORTO ALEGRE) EMAIL: Z.NAVARRO@UOL.COM.BR

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